VIRGULINO CARTOGRAFADO: RELAÇÕES DE PODER E TERRITORIALIZAÇÕES DO CANGACEIRO LAMPIÃO (1920-1928)

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O (a) leitor (a) deve recordar que foram as forças de Pernambuco que pressionaram o coiteiro Antônio da Piçarra em 1928, culminando com a morte de Sabino Gomes e, mais uma desterritorialização em rede do bando de Lampião. Diante do contexto, o Capitão resistia e começava a cometer ataques mais violentos em solo cearense, evidenciando que o respeito não era ao Padre Cícero, mas aos compromissos de suas redes. 134 Quando as perdia, a consideração acabava e, consequentemente, seus movimentos mudavam. Em síntese, a perda das principais fontes de agenciamento nos estados de Pernambuco, Paraíba e Ceará desterritorializaram o território em rede do coronel sem-terra Lampião, apesar do poder de resistência exercido pela máquina de guerra nômade do cangaço. Não significa dizer que os contatos de proteção tenham sido zerados, perdidos completamente. Todavia, os que sobreviveram não foram capazes de garantir a ação do cangaceiro naquela zona, pelo menos por alguns anos, já que existem relatos de passagens rápidas do cangaceiro em Pernambuco na década de 1930, após os Pereiras voltarem ao aparelho do Estado com o governo de Agamenon Magalhães. Outras jamais voltaram a ser vivenciadas. Se é verdade que Lampião tinha dinheiro emprestado, provavelmente, seus antigos clientes ficariam devedores. Tomando como referência Costa (2016), que diz ser a desterritorialização plena um mito, o Capitão, para não ser capturado, deixou aquela zona e atravessou o rio São Francisco (o Velho Chico), no esforço de se reterritorializar e tecer novos nós. Uma mudança emergencial espacial estava em operação, rumo ao estado da Bahia 135, onde chegou em agosto de 1928. Começava aí uma nova fase do cangaço lampiônico, com novas espacialidades, singularidades e territorializações. Diferente dos discursos interessados movidos pela imprensa pernambucana atestando o fim do coronel nômade, a mudança espacial forçada lhe renderia dez anos mais naquela profissão. Isso porque o seu território não se acabava ali, estava apenas no processo de refazê-lo em outras bases. Agora que o (a) leitor (a) conheceu a importância e os mecanismos dos agenciamentos em redes, reforço o convite para continuar comigo no último momento deste trabalho, no qual pretendo mostrar a relação do bandoleiro com o substrato material espacial e a produção de territórios em movimentos.

3.2 Da intervenção no substrato material espacial ao território móvel (ou em e pelo movimento)

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Por muito tempo se acreditou que Lampião não cometia crimes no Ceará em respeito ao Padre Cícero. Para mais informações, ver: FONTES, Oleone Coelho. Lampião na Bahia. Rio de Janeiro: Vozes, 1988.


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