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devemos dividir os nossos territórios. Eu que sou capitão Virgulino Ferreira Lampião, Governador do Sertão, fico governando esta zona de cá por inteiro, até as pontas dos trilhos em Rio Branco. E o senhor, do seu lado, governa do Rio Branco até a pancada do mar no Recife. Isso mesmo. Fica cada um no que é seu. Pois então é o que convém. Assim ficamos os dois em paz, nem o senhor manda seus macacos me emboscar, nem eu com os meninos atravessamos à extrema, cada um governando o que é seu sem haver questão. Faço esta por amor à Paz que eu tenho e para que não se diga que sou bandido, que não mereço. Aguardo a sua resposta e confio sempre. 145
Não são poucos os que duvidam da sinceridade da proposta, argumentando que a carta não passava de uma provocação aos que queriam matá-lo e acabaram fracassando. Mas creio que a correspondência tenha sido produzida também pelo desejo do cangaceiro em dominar de forma oficial e legal a sua zona de atuação. Do mesmo modo que havia feito questão de obter a patente de Capitão, é provável que tenha desejado ser o governador do sertão após a vitória sobre a força pernambucana, reinvindicando, por carta, o seu posto. Pericás (2010) apresentou a conversa (ou pelo menos uma versão dela) ocorrida no final de 1929, entre Lampião e o padre Emílio Ferreira, vigário de Glória. Após a missa, o sacerdote teria mostrado um grade mapa do Brasil ao cangaceiro e pedido que ele apontasse a proporção do seu reino. Com o dedo indicador, foi traçando um risco imaginário nos diversos locais onde havia passado com seu bando, e onde considerava ser sua área de domínio. Compreendia 300 mil quilômetros aproximadamente, através de sete estados. Com isso, o padre, teria dito que o grande reino de Lampião faria inveja a muitos monarcas europeus (PERICÁS, 2010, p. 54). Se esses fatos tiverem algum fundamento, o cangaceiro desejou delimitar seu próprio território de maneira sedentária e definitiva, não mais um território micro, mas um macro, que passasse a ser chamado e reconhecido oficialmente sob seu governo. Nunca obteve sucesso nessa empreitada, tendo que se contentar com os territórios em rede, em zona ou em movimento que conseguiu estabelecer durante a trajetória no cangaço. O coronel nômade, pelo que tudo indica, tinha desejos de dominação sedentária. Porém, essa territorialização ficaria apenas no campo desejante e, na prática, o que se viu mesmo foram produções de territórios em rede, em zona e pelo movimento, através de sua máquina de guerra nômade.
3.2.2 O território móvel de Lampião
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Não tive acesso ao documento original, mas uma reprodução pode ser encontrada em: MACIEL, Frederico Bezerra. Lampião Seu Tempo e Seu Reinado. Vol. III. Petrópolis: Vozes, 1986.