VIRGULINO CARTOGRAFADO: RELAÇÕES DE PODER E TERRITORIALIZAÇÕES DO CANGACEIRO LAMPIÃO (1920-1928)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Antes de mais nada, gostaria de agradecer (a) o leitor (a) por ter me acompanhado até aqui. Tentei transformar os caminhos perigosos de Lampião no mais acessível possível, uma tarefa difícil dada a sua complexidade. Sei que os vários deslocamentos dos sujeitos e os processos de desreterritorializações constantes podem ter dificultado o percurso durante a leitura. Quem estava acostumado com as identidades fixas e imóveis, com as exaustivas narrações factuais e deterministas que dominam os escritos sobre o tema, certamente teve alguma dificuldade de acompanhar as minhas propostas. Caso tenha ficado alguma dúvida, por gentileza, leia de novo. Lampião foi abordado aqui como um personagem de intensa atividade política, cujos movimentos e ataques empreendidos através da destrutível e criativa máquina de guerra nômade do cangaço operavam de acordo com os compromissos estabelecidos com uma vasta malha de agenciadores. Poupar vidas e propriedades não era um ato de bondade, mas de pactos de reciprocidade. As rupturas desses pactos de contraprestação de favores e serviços foram acompanhadas, quase sempre, pelo ato de resistência, visando fazer prejuízos materiais e humanos aos seus perseguidores e antigos protetores. Lampião foi um bandoleiro extremamente político, ou melhor, micropolítico. Suas ações estiveram ligadas ao contato pessoal próprio da estrutura coronelística daquela sociedade, logo, as tessituras de redes, cujos nós se encontravam codificados e amarrados pelas relações de reciprocidade, foram nucleares na construção das múltiplas territorialidades que construiu e vivenciou. Não só os territórios produzidos por Lampião e seu bando devem ser entendidos em sua multiplicidade e singularidade, mas também os sertões dos tempos do cangaço. Não descartei de forma alguma a importância dos problemas sociais, como as secas, as crises econômicas, e a miséria do campo como linhas constitutivas da tessitura do fenômeno do cangaceirismo. Busquei apenas apontar para outras possibilidades de leitura disponíveis nos próprios documentos de época. Se o pesquisador quiser encontrar sinais de modernidade nas zonas de atuação dos cangaceiros, provavelmente terá um vasto material para ser analisado. É preciso escapar dos modelos interpretativos dominantes e pré-concebidos, já que os problemas sociais citados acima não são próprios e exclusivos da espacialidade dos sertões dos estados que passaram a ser denominados, a partir do final da primeira década do século XX, de região Nordeste. Além dos mais, o cangaceirismo praticado pelos principais chefes de bando como


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