VIRGULINO CARTOGRAFADO: RELAÇÕES DE PODER E TERRITORIALIZAÇÕES DO CANGACEIRO LAMPIÃO (1920-1928)

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1.1 Por uma leitura dinâmica dos sertões no tempo de Lampião O cangaço caracteriza-se, na história do Nordeste brasileiro, como um dos fenômenos que passou a simbolizar a região e seu povo, deixando profundas marcas na chamada cultura nordestina, no imaginário popular e na memória histórica da região. Emergindo em meados do século XIX e florescendo com maior notoriedade na primeira metade do século XX, envolveu inúmeros homens e mulheres que se notabilizaram por militarem nessa forma de vida, surgindo assim vários grupos de cangaceiros. O termo cangaço é polissêmico, tendo recebido várias camadas de significados ao longo do tempo. Uma das primeiras definições, em dicionários, e que se aproxima mais do que se entende hoje por cangaço, consta no registro de Henrique de Beaurepaire Rohan, em seu Dicionário de vocábulos brasileiros, publicado em 1889 pela Imprensa Nacional no Rio de Janeiro, que indica o “conjunto de armas que costumam conduzir os valentões” (PERICÁS, 2010, p. 14). Essa definição aparece levemente alterada pela literatura de Franklin Távora, em seu romance histórico O Cabeleira.24 Távora retratou o cangaço como sendo o lugar do terrível, do não humano, o polo oposto do bem. Segundo ele: “O cangaço é voz sertaneja. Quer dizer o complexo das armas que costuma trazer os malfeitores” (TÁVORA, 2010, p. 140). Uma publicação de 1848 do jornal O cearense, em sua edição de número 115, noticia o assassinato de um sujeito de nome João Ribeiro Mello, cujos acusados eram homens do cangaço, ou seja, que estavam debaixo das armas, ou cangalhados em armas.25 Segundo Machado (1978), a explicação mais aceita pelos pesquisadores para a origem do termo pode ser encontrada em sua proximidade com a palavra canga de boi, instrumento de madeira colocado no pescoço do animal, e que, no período da escravidão, era colocado no cangote dos negros. Sendo assim, o sertanejo que colocava armas e todas as bagagens às costas e vivendo nas caatingas, era o cangaceiro, homem que estava debaixo do cangaço. 26 Esses

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Em 1876, João Franklin da Silveira Távora, em um esforço de explicar o nacional pelo regional, publicou O Cabeleira. Considerado o primeiro romance histórico do cangaço, resultou da necessidade que o autor teve em apresentar o valor literário e a riqueza histórica e cultural da então região Norte. Cearense, nascido no dia 13 de janeiro de 1842, mudou-se dois anos depois para o Recife, onde residiu até 1874. Inserido em um contexto histórico de decadência econômica das elites da região Norte, que perdiam espaço no cenário nacional para a economia cafeicultora e a cultura sulista em ascensão, as províncias do Norte foram colocadas em segundo plano. Diante desse panorama, Távora propôs uma forma literária que prezasse pelo que acreditava ser a reprodução fiel do cenário regional, apontando para a divulgação dos costumes, problemas e culturas nortista que perdiam espaço para os valores sulistas. 25 Essa foi a primeira publicação sobre o termo cangaço que encontrei nos jornais. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=709506&pesq=canga%C3%A7o&pasta=ano%20184>. Acessado em: 18/04/2019. 26 Em busca de uma genealogia do termo, Machado (1978) afirma que o termo canga é possivelmente de procedência vietnamita ou chinesa, que significa jugo. Estando possivelmente relacionado entre a expressão e o


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