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significados o cangaço e os cangaceiros. Se antes eram concebidos como experiências ahistóricas, renegadas pelo fardo dos estereótipos de “simples criminosos”, com essa leitura o cangaço passou a ganhar espaço nos meios acadêmicos e nas reflexões dos cientistas sociais, sobretudo dos sociólogos e historiadores. Enquanto em Barroso a terra e o solo sertanejo eram fatores determinantes na produção do cangaceirismo, em Rui Facó a terra estava associada ao domínio histórico das elites agrárias que exploravam os camponeses, porém, essa exploração produzia uma reação, possibilitando o questionamento do status quo naquela sociedade. O espaço e o território em Rui Facó ainda são coisificados, sendo sinônimos de terra. Contudo, essas categorias ganham um sentido político através das ideias de apropriação do recurso e a prática do apossamento ou desapossamento (apropriação desigual da terra), pois a revolta de fanáticos e cangaceiros contra o monopólio da terra deveria ser tomada como exemplo para os movimentos camponeses que explodiam no país nos anos 1960, sobretudo com a organização das ligas camponesas.
1.3 Cangaço, espaços e territorializações: por um enfoque multidisciplinar
A partir da influência de Rui Facó, o cangaço começou a figurar como tema de pesquisa na universidade, com os estudos da historiadora Maria Christina Matta Machado, que publicou, em 1969, o livro As táticas de guerra dos cangaceiros. A autora é pioneira ao trazer para o centro da sua narrativa as vozes dos ex-cangaceiros e ex-cangaceiras, tomando partido pelos mesmos e acreditando que o cangaceirismo foi resultado da exploração do latifúndio. Penso que o trabalho de Maria Christina seja um aprofundamento das teses defendidas por Rui Facó, sobretudo porque a autora faz uma historicização da exploração dos sertanejos pelos latifundiários, o que já havia sido sinalizado pelo escritor comunista. Na perspectiva desses dois autores, Lampião seria uma vítima social que buscava lutar contra as injustiças:
Em 1938, pouco antes de morrer no cerco de Angicos, Virgolino Ferreira, ou Lampião, como queiram, usou de uma frase que ficou histórica para todos aqueles que se interessam em estudar o problema do cangaço no Nordeste, e o desenvolvimento do sertão: ‘Num adianta nada. O sertão continua o mesmo.’ O sertão talvez progredisse, porque o elemento humano é bom e trabalhador, possuindo energia suficiente para lutar por seus direitos, por sua terra e família. Se não o conseguiu, foi tão somente porque interessava aos poderosos manter o ‘status quo’, para manter seu ‘progresso’, explorando o trabalho de muitos, e levando a inércia ao sertão (MACHADO, 1978, p. 136).