ANTOLOGIA
POESILร NCIO Construindo poemas a partir do incomunicรกvel.
Poemas da turma #1 SESC Vila Mariana. (Julho de 2015) Editor/oficineiro: Bobby Baq
(Rodrigo Falc達o)
As cachoeiras de vento n達o s達o atravessadas por barcos. Para navegar no ar, e remar no oxig棚nio, precisa-se de asas. /
Guardar para si. Fazer a sombra reluzir dizer o que a luz não diz. A dor de seus olhos, fechados. O alívio de seus lábios, largos. Ambos se contrapondo. Qual seria o reflexo de sua alma e qual seria a voz da sua cabeça? Só saberei quem mentia ao desligar as luzes, ao soprar as velas, enxergando qual escuro era mais verdadeiro.
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Liberdade não é plena jamais poderá ser. É difícil ser, atrás de jaulas amorosas. Proteção, primeira palavra da propriedade. De onde eu venho não existem leis, mas existe plenitude. De algo que só posso ver. Preso ao chão, percebo que nem as ventanias são livres. Mas são completas, ao apenas serem por si só.
(Pedro Alvim) Sentado na cama do quarto escuro uma mulher saída do banho tão esperado ponto alto do dia suspira num alívio de sono e tristeza. Ela, que na cama é avó, entrega ao travesseiro os cabelos molhados de tanto esperar em silêncio seu amor chegar a promessa cumprida. Sonhando: seu rosto de tanto molhar na chuva, a entrega a espera comprida do rapaz - já quase avô a chegar.
Demora a chover com a chegada do rapaz "Logo, logo", pensa a moça "ele já traz os netos com seus peixes" E no sonho, o inesperado: são peixes que carregam o rapaz escorrendo nos cabelos da mulher escorrendo no silêncio da saudade de um travesseiro molhado de uma cama solitária.
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“Tranquilos pingos de olhar" era o que dizia a árvore entre micos e grilos vendo o menino passar do galho ao cipó no pulo do rio que separa a casa de dormir e o preparo da irmã. mãe e avó a trabalhar o dia no pó da mandioca a encher as mãos do menino de vontade: de pegar, de comer os pés de logo a correr e os olhos de ver, tranquilos na cesta dormida e no pingo das árvores micos e grilos a passar. /
Sob os óculos temos peso no rosto carregando a manhã, tarde e noite o sonho indigesto. Através desses pares de olhos pergunto: onde está? Onde está a menina-mulher que atravessou o sonho e o dia para aqui chegar? Se deixou ao lado da cama o caderno de poemas pode bem deixar a pressa de responder e querer ser quem já é.
(Marta Cavallini)
Jogo de sombras Solta a trança dança não tem tranca grade é sombra não tem chave não tem segredo Passa por baixo pula desata o que prende é o segredo, mas é só sombra. /
Mesmo olhar Olho a esmo vejo um s처 olho inteiro vejo dois mas os olhos s찾o os mesmos olho derradeiro os mesmos olhos que guardam s찾o os mesmos que doam. /
O que une (separa) Estranhos que se parecem fundidos no intangĂvel. Afeto que permeia perpassa a estranheza de corpos distintos Semelhantes que se estranham separados no palpĂĄvel luta do mais forte (ou do mais fraco) vencer importa mais do que a vida. /
Cachos de pontas de ouro desenrolam a delicadeza. Sentimentos saltam pelas curvas dos fios saem doces pelas cordas de voz de açúcar transbordam pelos olhos atentos atrás de lentes de aumento que até escondem o que pode nunca ser dito. Mas, o que não é aparente pode arrebentar o peito e o que derrama é o sangue mais puro que se tem a oferecer que mostra o amor latente por o que houver e vier.
(Luci Savassa)
Retalhando Nas frestas brancas Nas frestas vazias bolinhas pedaços dourados. Uma janelinha na sombra do galho cadeirinha de praia buraco dourado de sol. Espio o outro lado pedaços de raio manchinhas de cÊu. De um lado vazio do outro lotado.
Escancarada Eu me vejo. Vejo as sardas que os óculos aumentam. Vejo os olhos que parecem sorrir- dizia minha mãemesmo calados, mesmo distantes. Vejo a boca pequena Sorria! Vejo os dentes grandes. Vejo os palavrões reprimidos e os beijos atrasados. Vejo pequenas curvas marcadas
nos cantos. Os cantos escuros do quarto. Os cantos esquecidos, guardados. Os cantos que custam a sair em forma de voz abafada por algum medo oculto. Eu me vejo. O rosto enorme. Eu me vejo sempre igual, mas ainda maior. Atravessada. Em transformação.
Saudação Aqui de olhos abertos acima da cabeça. Olhos de terra e olhos de bicho. Descanso Corro Danço Sou eu. Você me vê? Dos olhos de lente dos olhos de máquina em preto e branco
você vê meus cabelos de árvore meus lábios fechados contendo a ventania. E no topo de tudo você me vê? E quando sou dois você me vê? Em cima do cocuruto descanso me aninho sou eu. Agora sou um. Eu vejo você.
Dos contornos É calmaria É compasso É suave É sagrado É desenho É alquimia. É pluma verde e marrom. Aquarelado e cacheado. Um enigma no vento. De um aroma dourado.
(JanaĂna Moitinho)
O galo cantava azul celeste enquanto nas telas dos sonhos a menina abraçava o vento do tempo que não tinha. Despertador. /
Portas fechadas caminhos sempre tão iguais desisto do chão no alto não me sinto só. Elevo meu corpo com o vento divido segredos sinto a brisa que me bate dessa vez não dói. /
Menino bem sucedido o olho contempla a fus達o da natureza de tudo que chega e parte pelo mesmo ch達o.
(Camila de S谩)
Dessas descobertas fora do olho: de todo ontem um tanto nosso persiana m贸vel de janelar paisagens no corpo. /
A fotografia que fixei nas paredes da pálpebra esquerda (que é dois quartos da gente inteiros de emoções talhadas por erosões silenciosas sob o vazado do telhado minguante que é o tempo) esta fotografia antiga ainda transborda rubra seu jeito macio e miúdo de alongar os contornos do lábio para afagar os cabelinhos de sol aterrissados após o sereno da morte.
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Escuta curioso o toque do cordão do mico passou beirando a pele pulando cara vale pico flecha e umbilicando ninho na cabeça do menino: Coroa de índio!
(Natália Chisti) Inútil branco-pálido. Imóvel um sádico nada em riste. Nada, nem triste. /
No silêncio do espelho me vejo de lado. Quantos lados cabem em mim? Cubo mágico a vida é assim. Vira pra direita, torce pra esquerda. Um lado pra cima e o outro revira. Às vezes emperra. Respira! /
Já me conformei com essa vida de capacho. Parece que levo um sorriso... Mas ando cabisbaixo. Eles não são maus, só estão perdidos. Seu vazio lhes tirou o bom senso, falta algum um sentido. Sem saber mais como poderiam chamar atenção, apelaram para a idéia em me tratar por cão.
(Isabela Martins) A alma dura que se esconde atrás de casca escura não permite o amor passar. Gosto de ser alma escancarada com a pele rasgada e apesar de levar porrada, não deixo de gozar. Sou sim vazada, furada, listada, largada, um varal de roupas de inseto: Inútil, você nunca ouviu falar. Mas que, por se permitir viver assim, escancarada, aprendeu a amar. /
MOÇA Por onde esteve, moça? Com olhos já silenciosos que outrora, desgovernado não sabiam onde estar. Havia gás. Havia medo e suas crianças. E como, no caos daquela noite nebulosa, fugir? Um em cada não, um nas costas e o mais velho com dois no colo. Cadê o marido? Já não se move. Foge. Morre. Serenidade na morte sua dor de mãe. Reza que tenham sido mais rápidas as crianças. Descansa agora que sua alma dorme fora
e o corpo sobrou a petrificar. Menino tupi com olhos de guarani já conversava sem língua quando encontrou Jani. Macaco que gostava do Iguaçu e comia melaço e bambu. Menino de tez canela não abria janela já não corria nem brincava. Havia medo. Haviam fardas. Ao encontrar Jani, encontrou-se. A falta de língua barulhenta que só mostrava o que havia naquelas terras: O barulho. O medo. O pó.
(Javier Agustin Martinez)
Desde las sombras o de la luz suave y profundo como el sonido del lรกpiz asoma en el ojo humano la vida quebrandose o asoma un Hermano.
(Gabriel G贸es) Ganhei um listrador. Uma lista comprida que deita e me atira. -ai se pega na vista.
Haja dor pra essa rima meio mista de listra meia feita de cobertor. Esse calor em mim reclina a fria quina do meu humor.
(Antonio Hélio Siqueira)
Figurinhas No dia em que perdi meu caixão dourado (onde minhas figurinhas guardava) perdi também minha identidade. Que de mim, se disfarçava. /
Azul A sobreposição espiritual de alguns em um só. Não sou ossos. Não sou isso. Parafernália de sentimentos no motor sub-atômico do mundo. Não sou planeta. Nem meteorito. E saber isso é o que me faz presente todos os dias, cotidianamente na porta azul da última casa do final da vida. /
Em Extinção Minha cor É a da noite. Um negrume um açoite onde o pêlo esconde o osso que o caçador quer exposto. Da seiva, selva, relva faço meu espaço para virar árvore, galho, um norte. Para virar qualquer coisa que não caiba, numa caixa de transporte. Assim talvez, com sorte viva dentro e acima das cabeças ainda, menores.
ANTOLOGIA
POESILÊNCIO Construindo poemas a partir do incomunicável.
POETAS: Antonio Hélio Siqueira Camila de Sá Gabriel Góes Isabela Martins Janaína Moitinho Javier Agustin Martinez Luci Savassa Marta Cavallini
Natália Chisti Pedro Alvim Rodrigo Falcão (2015) /
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