Helen R. Myers
Pai por acaso
“Baby in a basket” Helen R. Myers Sabrina 08 – A cegonha chegou Copyright © 1996 by Harlequin Books S.A. Originalmente publicado em 1997 pela Silhouette Books, Título original: Baby in a basket Tradução: Maria Cecilia Zanlorenzi EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Copyright para a língua portuguesa: 1997 EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Projeto de Fã para Fãs, sem fins lucrativos. Digitalizado por: Palas Atenéia Revisado por: Edna MaFiquer
“A cegonha chegou”
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Havia um bebê em uma cesta à porta de Mitch McCord com um bilhete dizendo que a criança era sua! Filha dele ou não, a pequenina precisava de cuidados. Mas o que um solterião convicto sabia a respeito de troca de fraldas? Parecia necessitar da ajuda de sua mais devotada amiga… A vizinha da porta ao lado, Jenny Stevens, sempre amara Mitch, mas nunca havia sido notada… até aquele momento. Subitamente começaram a partilhar sorrisos, a brincar com os minúsculos dedos de Mary, o bebê, e sussurrar noite adentro. Mas então os murmúrios levaram a beijos… e de alguma forma Jenny teve de convencer Mitch que ela poderia ser a perfeita senhora e mamãe McCord.
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COMO FAZER COM QUE O SENSUAL PAI SOLTEIRO QUE MORA AO LADO FINALMENTE PRESTE ATENÇÃO EM VOCÊ! Por: Jenny Stevens 1) Ofereça-se para cuidar do filho dele. Isso provará que você não apenas adora crianças como terá a oportunidade de mostrar seu extraordinário instinto maternal. 2) Proporcione-lhe infinitas oportunidades para observar seu lado doméstico: prepare as mamadeiras do bebê e faça botinhas de crochê em tempo recorde. 3) Não se esqueça de trocar a roupa salpicada de comida de bebê quando ele chegar tarde para apanhar o filho. Uma linda camisola pode fazer maravilhas após a meia-noite. 4) Se você conseguir convencê-lo a ficar para jantar, não o deixe partir até que ele coloque uma aliança em seu dedo!
CAPÍTULO I — Como um dia é diferente do outro, companheiros! É segunda-feira, dezessete de agosto. Ontem tentávamos descobrir uma maneira de lidar com o racionamento de água e hoje o Serviço Nacional de Saúde diz que haverá uma tempestade no coração do Texas! Fique aqui na sua KDYL para saber mais novidades a respeito de... Mitch McCord desligou o rádio um segundo antes de parar o carro. Não precisava ouvir nada acerca do tempo. Uma tempestade mais catastrófica, já explodira sobre sua cabeça. Mas o locutor dissera algo interessante: vinte e quatro horas podiam fazer uma diferença enorme na vida de uma pessoa. Incrível. No dia anterior, naquele mesmo horário, estava decolando até chegar a três mil pés de altura. E hoje poderia estar fazendo o mesmo, caso seguisse sua escala na empresa aérea GulfWest. Mas, em vez de pilotar um avião 737, encontrava-se sentado atrás do volante do carro, tentando reunir coragem para enfrentar o futuro. Se adiantasse alguma coisa, se o ajudasse a colocar as coisas em seus lugares, se o fizesse acordar do pesadelo, bateria a cabeça contra o painel mais de doze vezes. Mas infelizmente não era um sonho; estava acordado e a confusão em que se colocara não o abandonaria tão cedo. — Essa é sua vida, capitão Mitchell Sean McCord. Não ignore os fatos. Acalme-se e veja o que os anjos solenemente lhe reservam. Até então, o que mais o afligia era permanecer em terra firme. Sabia da possibilidade de um desastre no céu, mas trabalhava duro e não pensava nessas coisas. Mantinha o autocontrole. Era o tipo de pessoa que fazia as coisas acontecerem. Um participante, não um observador. Mas onde estava a força de seu pensamento positivo naquele momento? Deslizando para a penumbra. Ficar sentado, divagando, de nada adiantaria. Nem resolveria seu dilema. Só havia um caminho a seguir: bater à porta de Jenny Stevens e dizer "Ei Jen, acho que é melhor eu pegar o bebê agora". Nem conseguia falar corretamente. O certo seria dizer "meu bebê" ou "minha filha". Mas suava frio só ao pensar nisso. Se tivesse de pronunciar essas palavras, provavelmente teria um
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ataque cardíaco. Esse seria um bom fim para alguém que cortava os ares e era considerado o último bom homem disponível para o casamento... Quanta ingenuidade! Tanto fugira que nem precisara passar pela cerimônia. Fora, sem preâmbulos, diretamente à paternidade. Se fosse sexta-feira, poderia tomar um drinque reforçado, para esquecer da vida. Um movimento na esquina chamou-lhe a atenção. Viu Jenny afastando um pouco as cortinas da cozinha. Sempre observadora! Só os céus sabiam o que pensava a seu respeito... Houvera uma época em que não se importava com o que ela pensasse. Não achava agradável admitir, mas Jenny não era a mulher certa para alguém como ele. Com um suspiro pesado, abriu a porta do carro esporte e desceu. Não havia como fugir. Se não fosse adiante, se não entrasse, ela sairia. A coisa mais inteligente a fazer era encontrá-la, pronunciar o veredito e suplicar ajuda. Atravessou os limites de sua propriedade, em direção â de Jenny, e aproximou-se da pequena casa pintada de rosa e branco. No jardim, belíssimas flores davam mais vida à residência acolhedora. Vermelhas, brancas, amarelas... Nas janelas, floreiras e cortinas graciosamente se harmonizavam ao colorido. O lugar parecia fazer parte de um conto de fadas. Incluindo Jenny. A casa transpirava tradição. Mitch sentiu urgência em afrouxar o nó da gravata e em desabotoar o colarinho, para aliviar o calor. Como regra, evitava aproximar-se muito dali, mas teria de aposentar essa rotina. Seria obrigado a bater àquela porta ao menos duas vezes ao dia, durante algum tempo. Aconteceria um milagre se não entrasse em pânico em algumas semanas. "Apenas lembre-se de manter o jogo sob controle. Fale a respeito das más notícias, outros comentários, mas mantenha o ar de responsabilidade. Tudo o que está procurando é um acordo de negócios temporário." Isso mesmo. Tinha de pensar racionalmente. Afinal, a cada dia levava centenas de pessoas, no jato, pelo continente. Certamente poderia conversar com uma mulher ardente por alguns minutos e conseguir o que queria. Quase se convenceu. Mas então ela abriu a porta e seu riso deslumbrante o fez esquecer tudo. — Nossa, McCord! Parece que você foi condenado à morte e está prestes a ser enforcado! Aparentemente, as rédeas soltaram-se de suas mãos; as coisas não estavam acontecendo como antecipara. Contemplou-a furtivamente. — Talvez eu esteja. Os olhos escuros de Jenny brilharam. — Então a nenê é sua? Quero dizer, é claro que sim. Qualquer pessoa, ao olhar para um bebê, sabe se é seu ou não. Basta avaliar as batidas do próprio coração. Mas... não houve nenhum telefonema da mãe? O que disseram na polícia? Deu uma parada no hospital, como sugeri? Há muito tempo ele não via uma mulher tagarelar como uma adolescente em seu primeiro telefonema. Queria que ela o avisasse quando fosse sua vez de falar. Sabia que isso soava indelicado, mas simplesmente não podia se conter. Quem precisava daquele falatório? E daqueles aromas, que o atacavam quando entrava na cozinha dela? Ficava cada vez mais aborrecido com tanta solicitude! Tentou não prestar muita atenção à compota de frutas que estava sobre o fogão nem às bolachas e aos pães descansando no balcão. Jenny era muito conhecida por suas habilidades culinárias. Era, entretanto, o café cheiroso o problema mais grave. Nesse momento, ele teve vontade de fugir. No sábado anterior, quase enlouquecera com o cheiro de pão que emanava da janela de Jenny. Devia ser muito difícil manter-se no peso ideal estação após estação, ano após ano, mas
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mesmo assim ela permanecia linda, perfeita, sem um só sinal de gordurinhas extras. Um verdadeiro mistério! Subitamente Jenny abriu a porta do forno e colocou algo sobre a mesa. Mitch esticou o pescoço para observar. — As bolachinhas de manteiga estão prontas. Só então ele notou a avó de Jenny ao fogão. Ela terminava de colocar leite numa mamadeira. — O que está fazendo? — perguntou Mitch enquanto Fiona Stevens sacudia vigorosamente a garrafinha. — O que acha? Estou preparando a mamadeira da nenê, é óbvio! Se não percebeu, é porque nada sabe sobre como cuidar de uma criança. Dentro do vidro está o leite, fervido e adoçado. Igualzinho ao que eu dava a Jenny quando bebê, porque a mãe dela, pobre querida, não pôde cuidar da filha por muito tempo. A mulher idosa, baixinha e gorducha, parecia particularmente orgulhosa do que fazia. — Naturalmente. — Jenny deu a ele um olhar com significado especial. — Você sabe que nunca serviríamos nada artificial para a pequenina. Ignorando o comentário, já que não tinha uma pista do que responder, Mitch apenas franziu a testa. — Tem certeza de que é seguro? Os companheiros do hospital deram-me algumas latas de leite e disseram que deveria ser a única coisa a alimentar o... Quero dizer, a nenê. Fiona grunhiu de uma maneira que não deixou dúvida do que pensava a respeito das pessoas ditas conhecedoras do assunto. — Dê uma olhadela nele — murmurou para Jenny. — Não sabe nem mesmo que hábitos alimentares pobres podem ser prejudiciais à saúde. Aposto como nunca experimentou uma refeição saudável, feita por sua própria mãe. Não ficaria surpresa em saber que compra comida em qualquer lugarzinho no meio do caminho. — Vovó não é de entrar em lojas de conveniência e comprar qualquer coisa — explicou Jenny. Mitch decidiu que não se importava muito com os hábitos de Fiona. Ela dificilmente teria algo interessante para lhe dizer em circunstâncias normais, agora, aproveitava-se da situação para criticá-lo e deixá-lo absolutamente fora de controle. Às vezes não sabia qual das duas mulheres era pior: Jenny, com sua imensa energia e eterna disposição para agradá-lo, ou Fiona, sempre de mau humor. — Será que poderíamos parar com esta conversa? Há uma criança presente — Mitch falou. — Agora ele se preocupa com sua imagem... — Fiona balançou a cabeça, em sinal de desaprovação, e mediu-o da cabeça aos pés. — Não se preocupe, meu adorável senhor. Não vai ouvir mais nenhuma palavra de minha boca. Tudo o que eu queria dizer era que este bebê iria saber, pelo menos uma vez na vida, o que é ter uma boa alimentação. Mitch sentiu-se enrubescer. — Podemos caminhar um pouquinho? — perguntou a Jenny. — Sozinhos. — Fez questão de salientar a última palavra. Ela mordeu os lábios por um momento antes de estender a mão para a outra mulher, que ficou imóvel durante alguns instantes. Depois, entregou-lhe a mamadeira. — Ótimo. Preciso voltar para minha máquina de costura — disse Fiona. — Além disso, já é quase hora de meu banho. Então saiu, não sem antes dar à neta um olhar significativo. Constrangido, Mitch permaneceu em pé, aguardando, enquanto a mamadeira esfriava.
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— Vovó não quis ser tão rude. É que, além da epidemia de bebês que parece ter atingido New Hope, você veio à nossa porta com uma criança nos braços. Foi a surpresa do século. — Como acha que eu me senti? — Imagino. Você tentou me dizer antes, quando pediu para que ficasse com ela, mas não tenho certeza se entendi corretamente. Disse que alguém a deixou no degrau de sua casa, certo? — Naquele cesto. — Fez um gesto em direção à mesa. Ele imaginava que, quanto mais longe se mantivesse, maiores seriam as chances de um milagre acontecer. Quem sabe alguém chegasse e dissesse que fora um engano... — E havia também o bilhete, que dizia "Tome conta do seu bebê". A palavra seu estava sublinhada. — Sem nenhuma assinatura? Sem indicação de quando a mãe voltaria para pegar o bebê? — Eu não sei se ela pensa em voltar. Não havia nada mais no bilhete. — Toda vez que Mitch pensava nisso, sentia um pavor intenso e um frio na barriga. — Quem faria uma coisa dessas? E bárbaro, cruel. — Deve haver alguma explicação. A mãe deve estar aturdida com o que aconteceu. — Testando a temperatura do leite no pulso, Jenny foi em direção à mesa. — Venha aqui, meu amor. — Levantou a criança nos braços, enquanto colocava a mamadeira nos lábios pequeninos. A menina fez alguns barulhinhos. — Que linda, Mitch... A cada minuto fico mais convencida de que deve ter sido seqüestrada. Nenhuma mãe desistiria de um presente como este. Não tem uma pista de quem possa ser? — Acha que seria tolo em ir até a polícia ou ao hospital, se tivesse? Não possuo uma única pista! Após um olhar aturdido, a expressão de Jenny tornou-se fria. Dirigiu-se a uma cadeira confortável, para poder segurar melhor o bebê. — Elementar. Você simplesmente deve voltar no tempo nove meses, adicionar alguns dias e lembrar-se de com quem esteve naquela época. Assim chegará à mãe da criança. Deu para entender ou gostaria que eu repetisse? Será que Jenny estava zombando dele, aproveitando-se de seu pavor? — Ouça, tenho incomodado bastante Brad Tyson para que me ajude a descobrir. — Ele e Brad haviam ido à escola juntos e seu amigo, pai de gêmeos, ousou mostrar-se imensamente feliz em saber da novidade. — Posso contar com ele. — Bem... e então? Jenny estava ansiosa por uma resposta que Mitch não tinha. Ele estudou o rosto delicado, pensando no que fazer. Descobriu, embaraçado, que nunca a havia observado com atenção. Sua pele era tão clara e sedosa quanto o leite que alimentava o bebê; o rosto, adorável com seus olhos imensos e um sorriso de parar o coração. Ironicamente, Jenny sempre o aborrecera. Não era o tipo de mulher com quem namoraria ou gostaria de ter esse tipo de conversa. — Não sei de nada. — Por que não? Porque estava apavorado. Porque não queria acreditar no que acontecera. Porque ela era a última pessoa com quem queria falar sobre isso. Como não houvesse resposta, Jenny fez um gesto em direção à parede, onde havia um telefone. — Há um calendário bem ali. Ela só podia estar brincando. — Jen, não importa a quais conclusões cheguemos, nem sei se o bebê é meu. — Quer dizer que a polícia vai permitir que fique com a criança de outra pessoa? E o hospital não insistiu para que a levasse até lá, a fim de lhe dar cuidados especiais? — ela indagou, levantando as sobrancelhas. — Achei que fosse muito inteligente em deixar a pequenina comigo
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enquanto saía por uma hora ou duas, mas continuar evitando chamá-la de sua enquanto convenceu as autoridades a não pegá-la... Por que está agindo assim? E ele havia levado a criança lá porque acreditara que Jenny Stevens apenas fosse tomar conta da garotinha... Onde estava a eterna boa samaritana, capaz de grandes feitos sem nada julgar? Mitch percebeu que se encontrava em um mundo de fantasia quando pensara nisso. Jenny queria saber quem era a mãe e não o deixaria descansar enquanto não descobrisse. Mas, a despeito desse aborrecimento, a culpa que Mitch sentia era intensa. Mais uma vez baixou a cabeça, envergonhado. — Está bem — Jenny falou com um suspiro. — E o que Tyson disse? — Exatamente o que você já adivinhou. Contei-lhe o que aconteceu e ele me falou que, se eu continuasse a insistir que a criança poderia não ser minha, então deveria deixá-la sob a guarda do Estado enquanto tentavam encontrar-lhe os pais biológicos ou arranjar alguém interessado em adotá-la. — Mas você não nega que é o pai, nega? A pergunta era um forte desafio e ele sabia que, se respondesse, se continuasse a pedir-lhe ajuda, as coisas nunca mais seriam as mesmas. Estava em uma encruzilhada; o caminho que escolhesse poderia mudar sua vida drasticamente, bem como o relacionamento com as vizinhas. — Ei, Jen, não posso falar sobre isso. — Ora, eu sei de onde vêm os bebês e como são feitos! Além disso, você precisa conversar com alguém, desabafar. Mitch deveria saber que a poderosa Jenny era um pilar de lógica. Sempre desejou ser assim também; entretanto, parecia se dar melhor em assuntos subjetivos. Pessoas, especialmente mulheres, quando muito objetivas, deixavam-no nervoso. Pareciam tão seguras em suas teorias... Fechou os olhos e sacudiu de leve a cabeça. Se Jenny queria a verdade, então a teria. Talvez, se inundada com uma boa dose de realidade, parasse de olhar para ele como se esperasse uma solução mágica. Jenny contemplava Mitch McCord e sua luta em tomar uma decisão. A situação não era nova. Vira-o debater-se para lhe dar respostas sobre diversos assuntos ao longo dos anos em que eram vizinhos. Mitch era um norte-americano perfeito: muito bem-apessoado, olhos escuros e um belo sorriso, enfeitado pelo bigode. Vestido com o uniforme da Força Aérea, tornava-se uma figura devastadora. Era, entretanto, igualmente mortal quando vestia jeans e camisa de flanela abotoada na frente. As fofocas de New Hope diziam que as mulheres se derretiam quando em sua presença, e ele parecia gostar do furor que causava. Sempre havia rumores a respeito de ter sido visto com uma vencedora de concurso de beleza ou uma bela divorciada. Infelizmente, Jenny nunca estivera entre as felizardas. Anos atrás, depois de recusar um convite para acompanhá-la a uma festa, Mitch havia deixado muito claro que não pretendia namorá-la. Usara como pretexto o fato de serem vizinhos. Dissera também que ela, uma moça muito correta, era perfeita para grande amiga. Era típico de Mitch agir assim. Tinha uma maneira toda especial de prender o coração das mulheres, fazendoas guardar alguma esperança de um dia conquistá-lo. Ao menos fora assim nos últimos dez anos. Mas Jenny nunca o vira levar uma garota para casa, o que a deixava mais tranqüila. Tinha um pressentimento: a despeito do que Mitch lhe dissera tanto tempo atrás, ela o perturbava. Talvez não tivesse a aparência cosmopolita que tantas mulheres prezavam, mas às vezes o flagrava olhando em sua direção com um brilho estranho nos olhos. Não era fácil definir; duvidava até mesmo que ele fosse capaz de decifrar aquilo. Mas certamente Jenny o deixava pouco à vontade, hesitante, inseguro quando estavam a sós.
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Não, ela não era desse tipo, mas planejava ser. Um dia. Talvez, porém, nem fosse preciso. Talvez bastasse apenas ter confiança em si mesma, a mesma fé que a ajudara a construir seu modesto mas promissor negócio. A chave de tudo era a paciência. Há muito tempo sua avó lhe ensinara que o melhor pão não crescia antes do tempo. Da mesma maneira, quando fosse a hora certa, Mitch abriria os olhos e perceberia que seria muito bom ficarem juntos. Por outro lado, quem disse que uma moça não pode ser feliz sozinha? Ficou observando enquanto ele se aproximava do calendário e então percebeu que o bebê tinha acabado de mamar. Mitch virou as páginas várias vezes e subitamente as costas largas e fortes tremeram. Ele sabia, Jenny adivinhou, sentindo um nó na garganta. Seria alguém conhecida? Gostava dela? Seria muito difícil lidar com isso, um verdadeiro pesadelo. — Oh, não! Foi apenas um murmúrio, que não teve o menor significado para Jenny. — O quê? — Não posso acreditar! — Estou com a prova disso nos braços. Você se importaria em me dizer a que conclusão chegou? Quando ele finalmente se virou e a encarou, tinha o olhar vago. — Ela não queria ser mãe, assim como eu não estou pronto para ser pai. — Ela quem? Sob o belo bigode, a boca tornou-se um risco de tensão. — Savannah Sinclair. Dentre todas as pessoas... logo ela! Jenny sentiu-se ultrajada, e era demais pedir que ficasse em silêncio. — Não! Oh, não, não e não! Mitch a encarou, atônito. — Não? — Diga que está brincando... — Muito engraçado. Só porque ela é popular, não significa, que seja, digamos, promíscua. Falava como um homem que perdera a cabeça e tinha de justificar sua atitude. Jenny tentou se lembrar das histórias que ouvira a respeito da loura esguia, cuja ambição de fama e fortuna incluíam participar de todos os concursos de beleza. Savannah tinha desenvolvido uma reputação questionável desde o minuto em que atingira a puberdade. Não fora nenhuma surpresa, portanto, o fato de ter deixado New Hope para tentar a sorte em Hollywood. — Onde você a encontrou? — Jenny perguntou, sem se importar em esconder o desgosto. Mitch a fitou como se estivesse confessando algo obsceno. — Na reunião de ex-alunos, no outono passado. — Ela veio, é? O que aconteceu? Por que não participou de um comercial de pasta de dentes naquele final de semana? — De onde vem tanto veneno? — Ele deu de ombros e colocou as mãos nos bolsos, andando de um lado para outro. — De qualquer forma, você era apenas uma criança quando estávamos no colegial. Nem a conheceu. Jenny estava muito furiosa para conseguir se lembrar direito, mas Mitch devia estar certo. Naquela época, havia acabado de chegar à cidade para morar com a avó, após a morte trágica dos pais em uma viagem de negócios. Suspirou. Era melhor amansar o jeito apimentado como se referira a Savannah; não tinha o direito de tirar conclusões precipitadas a respeito da moça que não conhecera, exceto pela
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reputação e por vê-la na cidade. Qualquer reação negativa seria apenas fruto de um ciúme descontrolado. Olhou para a nenê, grata por ela não ter nenhuma semelhança com aquela mulher. Seria mais fácil perdoar Mitch. — Está certo. Foi há muito tempo. — Não estou dizendo que Savannah foi perfeita. Boa idéia fazer esse comentário; isso o salvou de receber uma mamadeira vazia na testa. — Eu não deveria tê-la condenado com tanta rapidez — respondeu Jenny com um sorriso doce. Poderia, entretanto, imaginar o que a avó diria a respeito. Suas últimas observações sobre Mitch o haviam pintado como lobo em pele de cordeiro: — As duas únicas coisas boas que se pode dizer a respeito do homem, Jen querida, é que não finge ser o que não é, e que tem uma aparência magnífica quando veste aquele uniforme. Não, sua avó não gostaria de saber que a mais notória exibicionista de New Hope juntara-se ao lobo da cidade para fazer aquela adorável criança. Novamente teria de ouvir uma palestra enorme sobre como desperdiçara anos de sua vida sonhando com ele. — Não estou negando que Savannah seja uma mulher muito sensual — Mitch disse, evitando encará-la. — A coisa é... Bem, onde quer que ela vá, a reputação a segue. — Você sempre a quis — Jenny acusou, embora odiasse admitir. — Aos dezessete ou dezoito anos, com meus hormônios saltitando? Por favor, Jen! — Fez uma careta. — Acho que voltei àqueles tempos quando ela olhou para mim na reunião. Jenny entendia a atitude dela. Vira Savannah em alguns comerciais e tinha de admitir que estava com uma aparência maravilhosa para seus trinta anos. — Valeu a pena? Mitch considerou a pergunta durante alguns momentos, o olhar finalmente pousando no bebê. — Pelas circunstâncias, não acho ser essa uma pergunta que deva ser respondida. Certo novamente. Jenny decidiu que deveria redirecionar a conversa, afastando-a de Savannah. Pelo menos no momento. — Quer dizer que hoje não trabalhou? — É claro que não. Ser piloto de linha nacional não é exatamente como dirigir carros em um estacionamento. Se não faz seu vôo, simplesmente não consegue pegar o próximo disponível e assim por diante. — Mas você ligou para explicar que houve uma emergência. Certamente eles compreenderam. — Sim, mas não querem que seus funcionários habituem-se a arranjar desculpas para não trabalhar. — Quer dizer que está com problemas? — Não exatamente, mas preciso colocar minha vida em ordem, e depressa. Você sabe, sempre há muitos profissionais qualificados aguardando para pegar seu emprego. — Viu Jenny colocar a cabeça pequenina em seus ombros. — O que está fazendo agora? — Ajudando-a a arrotar. — Com muita suavidade, dava tapinhas nas costas da criança, e em segundos um barulhinho se ouviu. Jenny sorriu ante a expressão aturdida de Mitch. — Ouviu? — Sim. — As vezes um pouquinho do leite volta, e então é necessário colocar um guardanapo ou uma fralda nos ombros, para não sujar as roupas. — Onde aprendeu isso?
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A pergunta soou como se o aprendizado só pudesse ter ocorrido se ela fosse membro de uma sociedade secreta. — Algumas de minhas amigas já tiveram bebês, e há diversos programas de televisão, revistas e jornais dando essas informações. Não tem prestado atenção ao que ocorre à sua volta, McCord? Ele a fitou, sentindo-se culpado. — Acho que não. Obviamente vou ter de fazer um curso. A menos que coloque as mãos em Savannah. — Os gestos indicavam que queria enforcá-la. Confuso, repreendeu-se: — De que estou falando? Que diferença faz descobrir a velocidade com que conseguirei aprender a tomar conta de um bebê? Tenho um emprego que me leva a todo o país e me deixa, muitas vezes, quatro dias da semana longe de casa. Não posso levar uma criança em um jato 737! Jenny não podia ter pedido uma oportunidade melhor. — Gostaria que eu tomasse conta dela enquanto estivesse fora? A expressão dele foi um misto de alívio e incredulidade. — Quer me ajudar? Mesmo sabendo quem, provavelmente, é a mãe desta criança? — Fico feliz que tenha colocado as coisas dessa forma. — Jenny era honesta o suficiente para admitir que não gostava daquela mulher. O bebê sorria, tranqüilo. — Mas o caso é que a menina não tem culpa do que aconteceu e... eu realmente gosto de um de seus pais. — Oh, Jen! — Mitch ajoelhou-se em frente, a ela e pegou-lhe uma das mãos. — Não posso nem expressar o que sua ajuda significa para mim. E vou lhe pagar, é claro. Jenny ficou indignada. Tirou a mão que estava entre as dele. — Não vai, não! Para sua informação, adoro crianças e tê-la ao meu lado não será uma inconveniência. — Mas, querida, você tem seu negócio para tocar. Jenny forçou-se a manter a calma. — Não se importe com meus afazeres, não se preocupe. Caso não saiba, as mulheres têm provado ser muito capazes de fazer ambas as coisas há séculos. Tudo o que lhe peço é que pense duas vezes sobre localizar Savannah. Ela já provou que tipo de mãe é. O que acha que vai acontecer se lhe devolver a menina? Provavelmente vai enviá-la para adoção. Sua filha! Mitch começou a tremer um pouco, os olhos repletos de raiva. — É melhor que a maldita não faça isso! — Mas acreditava que Savannah poderia fazê-lo. — Seria um absurdo. Não havia dúvidas de que a mãe vira o bebê e a maternidade como algo que poderia atrapalhar sua vida social, algo que a faria parecer mais velha, menos sedutora do que uma aspirante a atriz deveria ser. Jenny deu de ombros. — Talvez... De qualquer forma, pense bem. E, enquanto cuida disso, importa-se em me dizer como devo chamar este pequenino anjo?
CAPITULO II Mitch não poderia se sentir mais aturdido do que já estava, mas infelizmente as pessoas a seu redor não o poupavam. Tanto Brad e seus companheiros na polícia quanto os fofoqueiros do hospital se empenharam em lhe perguntar a cada segundo qual seria o nome do bebê. A indagação de Jenny só provava que o martírio continuaria. — Diga-me você! Não ouviu nada do que eu disse? Ainda não fomos formalmente apresentados. Apenas presumo que a criança seja de Savannah, e, até que ela admita... A pequenina começou a chorar. Mitch fechou os olhos e sacudiu a cabeça. Até o presente, considerara-se uma pessoa calma, mas, graças a essa situação, começava a julgar-se um sujeito sem nenhum autocontrole.
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O olhar de Jenny foi significativo. Passou a ninar a criança, até que sossegasse. Fez Mitch se lembrar de seus dias de escola, quando recebia olhares reprovadores por conversar na sala de aula ou mandar bilhetinhos a suas namoradinhas. — Sinto muito — murmurou, assim como já fizera dito, doze, quinze vezes ou mais. Sorriu debilmente, esperando que funcionasse. Após alguns segundos Jenny deu-se por vencida. - Você está sob muita pressão, mas terá de controlar o tom de voz. Um bebê pode não entender as palavras que diz, mas percebe quando fala de maneira furiosa. — Não estou furioso, apenas apavorado e frustrado. Mas sei que o que você falou faz sentido. — Tudo o que saía da boca de Jen fazia sentido. E, quando ele falava, as coisas davam errado! — É muito boa nisso. Em se adaptar às situações, quero dizer. — Estou com a parte mais fácil. A responsabilidade não é minha. — Obrigado por entender... que é um choque para mim. — Refletiu se Jenny realmente compreendia a profundidade da gratidão que sentia por ela. — Mas você terá de pensar em um nome para a criança. Ele franziu a testa. — Olhe, eu já lhe disse... — Fez uma pausa. Reconsiderou. — Será que devo? Quero dizer, provavelmente ela já tem um nome. — McCord! Era uma advertência e, novamente tomado pela realidade, Mitch experimentou um estranho sentimento. Olhou para a pequenina e avaliou a freqüência com que estivera, nos últimos anos, pensando na possibilidade de um dia se casar e ter filhos. Sua infância não fora muito boa; os pais se divorciaram cedo e ele se mudara de uma casa para outra durante anos, de acordo com a animosidade reinante entre os pais, que o usavam em suas brigas. Jurara que nenhum filho seu iria passar por tamanho tormento. E ali estava alguém que tinha seu sangue! Era um enorme problema, e ele simplesmente não conseguia vencer o torpor que o dominava. Perdido em pensamentos, não notou Jenny levantar-se até que ela ficou bem próxima e lhe estendeu o bebê. — O que... Eu não acho... — Pegue-a. Seja cuidadoso em amparar a cabecinha e o pescoço. Os ossos são incrivelmente frágeis nessa idade. Mitch sentiu-se alarmado. A criança não era pequena, era minúscula! Já pegara travesseiros que pesavam mais. Segurá-la deu-lhe um pânico enorme, como se ela pudesse se quebrar em seus braços. — Parece que está abraçando um milagre, não é? — Algo extremamente quebrável. — É um homem de sorte. A despeito do pavor que sentia, Mitch não sabia se acreditava em Jen. Felizmente, aquela era uma criança adorável, mas as circunstâncias nas quais entrara em sua vida o deixavam apavorado. — Como acha que deve se chamar? — murmurou, fitando a nenê. O sorriso que perenemente estava nos lábios de Jenny sumiu. — Um nome que você goste, suponho. De certa maneira, seria interessante que Savannah opinasse. O que acha? Normalmente, as pessoas dão às filhas nomes da avó, da mãe, de alguém que apreciam muito... — Bem... Ele pensou em sua família, ou na falta dela. Infelizmente não era grande coisa.
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Após vários segundos, Jenny prosseguiu: — Sua mãe é viva, não é? Era curioso como alguns medicamentos davam mais dor de cabeça do que curavam. — Lembrei-me de algo. Eu colocaria o nome de Peperoni, em homenagem à minha mãe. — Certo. Suponho que o divórcio de seus pais ainda seja intragável para você. Está bem, então deve haver outro nome que lhe seja especial. Algo como Ann ou Kathy ou Mary. Nomes fortes, como Taylor ou Madison. Que tal... — Mary. — Gosta? — O que há de errado com ele? Foi você quem sugeriu algo tradicional. — Eu sei, mas é... talvez... muito fora de moda. Para você, quero dizer. E desde quando ele não devia ser fora de moda? O nome tinha uma doçura reconfortante. Além disso, queria que sua filha possuísse um nome que a fizesse pensar duas vezes antes de seguir os passos de seus pais, antes de agir de maneira tão inconseqüente. — Quero que seja Mary — falou, resoluto. — Mary... Assim está ótimo. Jenny acarinhou a cabecinha da nenê, contemplando-lhe a beleza. — Olá, Mary McCord. Muito prazer em conhecê-la. — Ao falar isso, pegou a pequenina mão na sua. Pareceu que a criança lhe sorriu. Mitch respirou profundamente. — Viu? — Acho que você tem uma jovenzinha muito esperta aqui, McCord. — Sim. — Ele se sentiu invadido por uma onda de orgulho. E... isso era tão bom! — O que acha de receber algumas aulas de como trocá-la? — Trocá-la? — As palavras o trouxeram de volta à terra. — Em outras palavras, acho que o leite que acabei de lhe dar como alimento começou a funcionar. Devo introduzi-lo através dos processos de mudança agora, assim você não terá de me chamar às duas da manhã, em pânico. — Você está certa, é claro, mas... Jenny! — Vovó fez algumas fraldas com camisetas que tínhamos, mas espero que você compre algumas descartáveis. Algo me diz que não se dará bem lavando fraldas. Jenny tinha esse direito. E ele teria de lidar com a idéia de que, quando partisse, levaria o bebê consigo. — Espero que esteja se divertindo. E pensar que em todos esses anos não fui capaz de dizer nada tão engraçado... — Quem você pensou que tinha como vizinha, uma freira? — Não exatamente. Talvez alguém cujo nome fosse "srta. Melodia". Mas ele não tinha o direito de esperar que Jen fosse diferente das outras pessoas. Por outro lado... — Pobre McCord! Como parece um sofredor neste silêncio... — Acho que me sinto até pior. Jenny fez um gesto afirmativo com a cabeça, estudando-lhe as feições. — Não é a situação que fez surgir em mim este meu lado, digamos, zombeteiro — ela começou a falar com gentileza —, mas talvez a maneira como você se portou. De fato não me conhece, Mitch. — Certo, você venceu. — E, para não alongar o assunto, tornou a olhar para a filha. — Pare de agir assim e venha aqui. Vou lhe mostrar o que fazer. — Alguma coisa nova e atraente brilhou nos olhos de Jenny. — Talvez você deva tirar algumas roupas primeiro. — Como assim?
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— Tire o paletó e a gravata. — Pegou Mary no colo. — E arregace as mangas. Como já lhe disse, trabalhar com bebês pode arruinar seu guarda-roupa. Mitch estava muito preocupado com o que enfrentaria. Com uma sensação de fatalidade, obedeceu e a seguiu. Foram para o lado oposto ao que Fiona tomara, mas o som da mulher costurando, e da televisão ligada no último volume, se fazia ouvir com toda intensidade. No corredor próximo à escada, Mitch observou velhas fotografias na parede. A maioria referia-se a diversos estágios da infância de Jenny: com o costumeiro ursinho, o primeiro dia na escola, ao lado do Papai Noel... Ela, porém, não lhe deu tempo para ficar observando muito, e Mitch apressou-se em seguila. Quem gostaria de se lembrar que Jenny fora uma criança adorável e bonitinha, afinal? Uma vez no banheiro cor-de-rosa, o bebê foi colocado sobre uma toalha. Os movimentos precisos denotavam aos atentos e assustados olhos de Mitch que Mary já fora trocada ao menos uma vez durante sua ausência. Havia um pote com algodão e outro com loção para bebês. Ele observou com atenção Jenny colocar água na pia e deduziu o que fazer. Isso explicava a pele maravilhosa e o perfume fresquinho da moça: ela mesma costumava usar a loção. O perfume delicado funcionou como um lembrete: era conveniente manter a máxima distância possível. Seduzido por produtos infantis... Ridículo! Apenas quando fechou a torneira e colocou o cotovelo dentro da pia foi que ele perguntou: — O que está fazendo? — Checando a temperatura. O que é aceitável para seus dedos pode queimar a pele delicada do bebê. Os cotovelos e os pulsos são normalmente mais sensíveis. Tente fazer isto. Erguendo ainda mais as mangas da camisa, Mitch obedeceu. — Parece bom para mim. — E mais que suficiente para ela. Agora, vá em frente e tire-lhe a roupinha. Ele franziu a testa. — Eu preferia ver... pelo menos a primeira vez. — Seu olhar suplicava misericórdia. — Sabe muito bem que se aprende mais rápido quando se pratica. E você não faria nada que pudesse machucar a nenê. Suas palavras se mostraram verdadeiras. Nos minutos seguintes, Jen o corrigiu diversas vezes, enquanto o supervisionava e assistia. Mais uma vez Mitch admirou-lhe a destreza em lidar com a pequenina. E como tinha a capacidade de ser gentil enquanto ensinava! Sentia-se imensamente grato por Jenny não agir como a avó. Havia um certo porém. Talvez a aula pudesse ter envolvido menos contato físico. A toda hora suas mãos se encontravam ou Jenny lhe colocava um braço ao redor do corpo para mostrar como ajeitar a criança durante o banho, como aplicar loção, onde era necessário tomar mais cuidado. E pensar que poderia ter encerrado seus dias sem saber que a pele dela competia com a de recém-nascidos na suavidade, sem sentir os seios macios pressionados contra seu braço ou mesmo descobrir que seu corpo era belo e agradável ao toque... Quando o banho terminou, Mitch sentiu a boca seca, tão atemorizado estava. Para piorar a situação, certas partes de seu corpo simplesmente desobedeceram ao aviso para se manter comportadas. — Parabéns! — disse Jenny, batendo palmas baixinho. — Em mais alguns dias estará apto para fazer isso rapidamente. — Espero que não. Não posso me imaginar agindo assim doze vezes por dia — ele murmurou, usando a manga da camisa para enxugar pingos de água que espirraram em seu rosto. — Sinto como se tivesse corrido uma maratona. Jenny riu.
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— Não exagere. Você será maravilhoso para ela. — Agora está forçando a situação, garota. Mantendo-se a uma distância segura, Mitch deixou seu olhar passear pelos cabelos, pelo perfil preciso dela. Não sabia se era a intimidade do momento ou sua imensa gratidão, mas sentiu-se vulnerável ao fitá-la nos olhos. Bastava inclinar-se e dar uns dois passos para que pudessem unir seus lábios. Então poderia saber se eram tão bons quanto pareciam, tão doces quanto a compota que estava na cozinha. Mas foi Jenny quem se virou. Com um movimento seguro, terminou de enxugar o bebê. — Nós dois estamos cuidando bem de você, querida? Fizemos tudo direitinho? — perguntou a Mary enquanto a erguia nos braços. Mitch ficou sozinho no banheiro e só então deu-se conta de quão docemente fora manipulado. Deu um salto e apressou-se em seguir Jenny. — O que quis dizer com nós dois? Sou eu quem devo aprender a lidar com ela durante a noite. Isto é, a menos que você possa ir à minha casa toda vez que eu precisar. — Um convite? Ele merecia a ironia, já que nunca a convidara a visitá-lo. Sua autodefesa era um motivo mais que justo, mas jamais confessaria isso, ou estaria perdido. — Se espera ver sapatinhos de cetim e gorrinhos, vai ficar desapontada. — A resposta parecia o quadro da inocência. Ótimo! — Duvido que seja assim. Após dizer isso, ela comentou que devia informar à avó onde estava e o deixou por um momento. Mitch usou a oportunidade para tentar compreender o que acontecia; Jenny tinha a perturbadora tendência de fazê-lo se esquecer das coisas. Após anos lidando com os olhares e os mudos convites dela, o comportamento de há alguns momentos atrás o deixara surpreso. Sinalizara que Jen não o queria. Mas... e o que vira em seus olhos? O que diabos estava acontecendo? Jenny voltou e eles deixaram a casa. Só lá fora notaram quanto o tempo tinha mudado. O céu estava bem escuro e o vento soprava mais forte. Ela colocou o cobertor sobre o rosto de Mary, para protegê-la, e Mitch até pensou em abraçá-las, mas achou perigoso. Após destrancar a porta da frente, permitiu que ambas entrassem e foi até o carro, pegar as coisas que comprara em uma loja de produtos para crianças. — Temos um cercado para bebês no porão. Acho que poderá usar — Jenny lhe disse assim que ele entrou e colocou as caixas sobre a mesa da cozinha. — Obrigado, mas não tenho certeza se ficarei com a nenê tempo suficiente para me preocupar com isso. Ela ficou muito séria. — Eu pensei... Você não disse que não aprovava o que Savannah fez? — Se ela for a mãe. Lembre-se, eu também disse não ter provas. Até que a encontre, e que ela admita ser a mãe, toda decisão sobre o bebê deverá ser adiada. A expressão de Jenny mostrava aborrecimento. — E como é que você vai conseguir que Savannah faça isso? Acaso sabe onde ela está? — Não, mas Brad me falou a respeito de um detetive. Disse que é uma pessoa razoável. Então, vou tentar fazer uns telefonemas e, se não funcionarem, apelarei para a ajuda dele. — Parece-me que, se Savannah se deu ao trabalho de deixar Mary sem falar com você, não vai atender suas ligações. Isso já lhe ocorrera. — Mas terei de tentar. — Uma pena que isso custe sua filha.
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— Aprecio seu apoio, Jen, mas não coloque os fatos desta maneira, está bem? — Uma coisa leva à outra, McCord. — Ela apressou-se em dar um sorriso gentil. — Então esta é a aparência de sua casa! Deu uma olhadela ao redor. A cozinha era de um azul claro, oposta ao amarelo, verde e branco da sua. Também se notava a falta de apetrechos, já que Mitch raramente preparava as próprias refeições. — "Lar doce lar"... — Jenny apontou para o quadrinho na cozinha. — Vai me levar para conhecer os outros cômodos? — E apenas uma casa. Quatro paredes e alguns móveis. — E seu lar, e sua filha vai dormir aqui. Se for muito gelado, abafado ou poeirento, alguém tem de dizer. Ele não queria que Jenny ficasse andando por sua casa, analisando ou julgando. Não importava a maneira como a decorara, ou como seria o futuro, aquele era o seu canto. E até então vivera perfeitamente, sem a opinião de ninguém. Mas agora havia Mary, e com ela a incansável Jenny. — Juro que preferia trabalhar cinqüenta vezes mais a passar por isto — murmurou baixinho, passando a mão pelos cabelos. — Sim? — Quis dizer que não sou o melhor dono de casa do mundo — corrigiu-se. — Não diga isso. Tudo me parece muito bonito. Ela beijou o bebê na testa e caminhou em direção à sala de estar. Estava escura, a despeito das paredes brancas. Era decorada em tons de verde e marrom, com móveis velhos mas sólidos, a maioria dos quais não haviam sido repostos desde que o pai de Mitch comprara a casa. No centro, uma imensa televisão e uma coleção de fitas de vídeo. — A única coisa que eu mencionaria é que este lugar está muito escuro — ela comentou. Dirigiu-se então às prateleiras onde havia as fitas. Mitch não se lembrava da última vez que lhes tirara a poeira. — Isto é uma surpresa! Ele aproximou-se. — O que é? — Sua coleção de vídeo poderia ser minha: algumas comédias, dramas... — Tenho o gosto bem diversificado. — Eu também. Vovó gosta de ação e filmes de bangue-bangue. — Eu sei. Quando está calor e Fiona trabalha com a janela aberta, coloca a televisão tão alto que eu escuto. Faz com que dormir até mais tarde aos sábados e domingos seja quase um desafio. — E por isso que uso fones de ouvido quando estou trabalhando — Jenny respondeu com olhar compreensivo. — Mas não se preocupe, ela vai se comportar, pois agora há um bebê na casa. — Após pegar mais algumas fitas, dirigiu-se aos discos e murmurou, surpresa: — Quem pensaria nisso? — Como? — E agora, de que Jenny estava falando? — Rock suave, clássicos, blues e Nova Era. Nova era! Que termo para arte e filosofia tão antigos! — Essa música é muito suave após um dia estressante. — É verdade. Gosto de ouvir durante um longo e relaxante banho de espuma. Que bela ajuda dos céus! Era fácil demais imaginar Jenny com o cabelo preso no alto da cabeça, a pele maravilhosa... Felizmente, um barulho chamou-lhes a atenção. — Talvez seja melhor terminar o passeio — disse ele. — Antes que a eletricidade vá embora e já não consigamos ver as coisas muito bem. Como a dela, a casa de Mitch tinha dois andares. Jenny observou a salinha com aparelhos de ginástica.
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— Então é assim que se mantém em forma, hein? — Bem, voar não é uma ocupação que demande esforço físico. Se não fizer algo, ficarei fraco. — Costumava correr. Por que parou? — Correr e jogar tênis prejudicaram meus joelhos. Optei por não desistir do tênis. Então deixei de correr e passei a trabalhar a musculatura nessas máquinas. — Oh, que belas plantas! — Jenny comentou enquanto as apreciava. — Procurei por coisas fáceis de cuidar. Não tenho tempo suficiente para tomar conta da casa adequadamente. — Não quis demonstrar quanto a admiração de Jenny lhe fez bem; então encorajou-a gentilmente a se mover. — Venha. Deve ver o restante da casa. Fez um gesto em direção à escada e deixou que ela fosse à frente. Assim protegido, olhou cuidadosamente a maneira como Jen carregava o bebê, os movimentos dos quadris esguios, o corpo perfeito. O suspiro involuntário poderia tê-lo traído e demonstrava quão frágeis estavam suas defesas mas... Jenny bem poderia ter andado mais devagar. A casa era um pouco maior do que a dos Stevens. Tinha quatro quartos; a outra, apenas três. Após caminharem pelo closet, passaram ao quarto que fora dele quando garoto e então a outro, o banheiro principal e finalmente aos dois dormitórios que ficavam mais aos fundos. — Aqui Mary provavelmente ficará bem — Jenny disse, indicando o quarto que tinha a cama principal. Mitch franziu a testa. — O que há de errado com meu quarto antigo ou o de hóspedes? — Ficam muito distantes. — Apenas um pouco. — Mas isso faz toda a diferença. Se estiver em sono profundo, não vai ouvir se ela chorar. — Mas eu uso aquele quarto como escritório! — Então mova a escrivaninha, adapte-o. Não será nenhum trabalho pesado para um homem forte como você. Elogios não iam levar a lugar algum. — Está determinada a fazer com que eu não tenha um só minuto de sono tranqüilo, não é? — Não é este o ponto. Está bem, que tal colocá-la em seu quarto... por enquanto? — Oh, não! — Pessoas fazem isso com freqüência. Mas será que dormiam nuas, como ele? Mitch achou melhor não falar nada. — Não quero. — Então definitivamente sugiro o quarto ao lado do seu. — Vou pensar nisso — falou, tentando ganhar tempo. Jenny presenteou-lhe com o olhar de quem nem entendia nem aprovava a maneira como agia e foi em direção ao quarto dele. Era o que Mitch mais temia. Ao menos tivera tempo de fazer a cama pela manhã, e tudo estava em ordem. Como nos outros aposentos, as paredes eram brancas, o carpete creme e os móveis, simples e funcionais. Monótono. E, enquanto Jenny ficava de pé diante da cama enorme, de costas para ele, Mitch ficou pensando na decoração e tudo o que pôde imaginar foi um cenário onde a estendesse sobre uma colcha estampada de azul e verde e então cobrisse o corpo dela com o seu. Jenny se pareceria com uma fada, os cabelos espalhados em sensual desalinho... — É diferente do que eu esperava. A fantasia foi embora como uma bolha de sabão. — Eu lhe disse que procurei por uma decoração descomplicada, fácil de ser mantida. — Não disse que não gostei. É interessante, muito prática. E isso é importante para o bebê. Mitch sorriu. Como ela sempre procurava algo agradável para dizer!
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Ele passara ali grande parte de sua vida, isto é, quando não fora obrigado a percorrer metade da Europa com a mãe e o último marido. Nada comprou nas viagens, nem presentes para ninguém. Mesmo seus apetrechos de esporte da escola haviam sido colocados em caixas e estavam bem guardados. Os únicos adornos do quarto eram um antigo relógio e dois abajures de um profundo tom azul. Havia também uma caixa de couro, onde colocava o relógio, o anel de colégio, alguns prendedores de gravata. — Pelo menos você não tem de lidar com o sol quente das tardes... Enquanto Mitch divagava, Jenny movera-se em direção à janela. Ficava na mesma posição da dela. — Seria mais fresco se você baixasse as janelas quando fosse dormir — ele ousou provocar, mas recriminou-se imediatamente. — Eu sei, mas gosto muito de olhar a lua e as estrelas antes de adormecer. Gostava é de deixá-lo louco, com suas camisolas sensuais e shorts de cetim. Mitch sentiu-se enrubescer. A chuva começou a bater muito forte no vidro da janela. Era seu tempo favorito, ideal para uma tarde de descanso. — Pensei que fosse me ajudar a instalar o bebê — pediu, quase desesperado. — Claro, mas você ainda não decidiu em qual quarto ela ficará. Por enquanto acho que será aqui, não é, Mary? — Jenny falou, colocando a nenê no meio da cama. Para desespero de Mitch, ela sentou-se e começou a ajustar os travesseiros em volta da criança, para protegê-la. Que cena... Jenny parecendo uma flor, o rosto levemente rosado, os cabelos maravilhosos caindo-lhe por sobre os seios a cada movimento... E a nenê, linda, brincando com ela. Muito em breve Mary não apenas a estaria amando mas também dependendo de sua presença. Se não tomasse cuidado, acabaria no mesmo caminho. Era um pensamento aterrorizante; teria de evitar que isso acontecesse. — Tchauzinho. — Jenny deu em Mary um beijo carinhoso e então levantou-se, indo em direção a Mitch. — Está tudo bem? — Eu... Ele levantou uma sobrancelha ao vê-la se aproximar, pegar a jaqueta e o casaco que estavam em suas mãos e colocá-los em uma poltrona. — Tudo certo? — Jenny repetiu. — Agora Mary vai dormir e nós poderemos conversar.
CAPITULO III Conversar... Conversar... Conversar. O comentário de Jenny perturbou Mitch durante toda a noite. Devia ter antecipado tanta frieza; seria a forma de ela se habituar à rotina do bebê e conseguir algum espaço na vida daquele solteirão. "Mas chega de devaneios", ordenou-se. Era preciso ter objetividade para sobreviver, e isso significava voltar-se para a preocupação seguinte: checar se a criança estava segura na cestinha e então tentar dormir um pouco. Mais ou menos às quatro da manhã ele se levantou e às cinco já havia tomado banho, vestido o uniforme, trocado e alimentado a nenê e... mudado as fraldas novamente. Já estava saindo do quarto quando deu uma olhadela na casa ao lado, para ter certeza de que Jenny já acordara. Era hora de levar Mary para a vizinha. Se não a deixasse às seis, pegaria um trânsito infernal.
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Perder mais um vôo não estava em seus planos, mas ir até a residência ao lado e enfrentar Jenny depois dos acontecimentos da noite anterior era um grande desafio. — Vamos lá, McCord. Tudo o que você tem de fazer é entrar lá e sair. Era exatamente isso que deveria fazer. Sem cenas, conversando muito pouco. Daria conta disso. Com um pouco de sorte, ela rapidamente pegaria a criança de seus braços e sequer perceberia sua fuga. As luzes da cozinha estavam acesas e Mitch pôde ver Jenny andando de um lado para outro, preparando o café, assando algum bolo, deixando um aroma tentador ao redor. Conseguira organizar muito bem sua vida; parecia ter encontrado a maneira ideal de conciliar o pequeno negócio com os afazeres domésticos. Foi pegar o bebê. Mary adormecera e fez alguns barulhinhos enquanto era carregada na direção da casa dos Stevens. A chuva do dia anterior limpara o ar, permitindo que as deliciosas fragrâncias das flores do jardim mexessem com os sentidos de Mitch enquanto subia os degraus que conduziam à porta da cozinha. Estava quase batendo quando Jenny surpreendeu-o, abrindoa. — Bom dia! Entre, entre. — Ela está dormindo — Mitch sussurrou. Jenny fez um gesto afirmativo com a cabeça e manteve a porta aberta. — Como foi a noite passada? Não parei de pensar em você. Então era por isso que ele não dormira direito! Com tanta energia mental fluindo de uma casa para outra, não tivera um segundo de sossego. Mas escondeu os pensamentos com um sorriso inocente. — Muito bem. — Verdade? Mas está com olheiras. — Sempre tenho, a essa hora. A camiseta lilás que ela usava ressaltava as curvas femininas e lhe dava uma romântica aparência, lembrando uma pintura impressionista. Mitch ajeitou a jaqueta, tentando respirar com normalidade e evitar algum contato físico, temendo que o mais leve toque pudesse quebrarlhe a resistência. — Você poderia tentar colocar fatias de pepino sobre os olhos. Ou melhor: saquinhos de chá gelado. — Chá gelado para quê? — Aliviará seus olhos. O chá ajudará também a reduzir as olheiras. — Jenny deu uma olhadelinha bem atenciosa à nenê. — Como é preciosa! Manteve-o acordado toda a noite? — Não exatamente. — Era algo que queria esconder de Jenny. — Nem acordou para a mamadeira das duas horas da manhã. — Então de que se queixa? Eu apenas disse que ela poderia acordar. E afortunado por ter um dos bebês mais perfeitos do planeta. — Onde devo colocá-la? Não deve ser exposta a muito barulho. — Não se importou com o sentido do que falava. Para seu alívio, Jenny fez um gesto, concordando. — Deixe-a na sala de estar, por enquanto. Mais tarde, depois que vovó acordar e ligar a televisão, encontrarei um lugar melhor. Aqui. Quando esteve na butique para bebês, Mitch fora aconselhado por Faith Harper a comprar uma grande bolsa para colocar os apetrechos da garotinha. Enquanto Jenny colocava a bolsa numa cadeira da cozinha, Mitch ajeitava Mary sobre o sofá da sala de estar. Uma estranha contração atingiu-lhe o coração, um sentimento tolo. Apenas haviam ficado juntos poucas horas, certamente não muito para que se sentissem realmente ligados um ao outro. Mas, ao olhar para a expressão doce e serena, ele soube que, se
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tivesse alguma chance de sucesso, telefonaria para a Gulf-West e pediria que alguém o substituísse. Com um suspiro, levantou-se e dirigiu-se à cozinha. — Que tal uma xícara de café? — Jenny perguntou, os enormes olhos, românticos e límpidos, fitando-o. — Melhor não. Preciso ir para o trabalho. — Pôs a mão no bolso e tirou de lá um papelzinho. — Aqui estão alguns números de telefone, caso precise. — Tudo correrá bem. — Sim, mas deverá ter condições de me localizar. Deixarei um recado no aeroporto, para que saibam que, se você ligar, devem entrar em contato comigo imediatamente. — Obrigada. Acho muito bom que se mantenha à disposição. Nem tanto. Agora já não haveria a menor possibilidade de se esconder quando Jenny quisesse encontrá-lo. Não haveria escapatória da voz melodiosa, não poderia mais evitar pensar nela. Impossível esquecer que teria de lidar com Jenny todos os dias, quando voltasse para casa. — De qualquer forma, coloquei na bolsa um pouco de tudo o que comprei. Se não for suficiente... — Começou a abrir a carteira. Jenny segurou seu braço. — Não faça isso. Não se preocupe. Mitch deu um jeito de se desvencilhar, mas de algum modo não queria. Subitamente viu-se apertando-lhe os dedos. Olhou para baixo, para avaliar quão maior e mais forte era em comparação a ela. E quanto a pele clara era delicada. Isso trouxe de volta uma familiar curiosidade e uma tentação que sempre o assolava quando na presença de Jenny. Tinha de dizer algo. — Não posso descrever quanto aprecio o que tem feito, Jen. — Sei que sim. Está escrito em seu rosto. O que mais ela conseguia ver ali? Esses sentimentos perturbadores e a atração que sentia? Que Deus o ajudasse! Jenny era uma garota decente, uma mulher no sentido mais belo e profundo da palavra. Merecia alguém melhor do que um covarde emotivo como ele. Alguns de seus sentimentos deviam ter se tornado transparentes, porque, antes que pudesse se afastar, ela ficou na ponta dos pés e beijou-lhe o rosto. — Não se preocupe, McCord. Sua garotinha está em boa companhia. — A próxima coisa que percebeu foram mãos delicadas o empurrando para a porta. — Agora saia daqui antes que perca mais um vôo e me prive da presença adorável de sua filhinha. — Mas eu ainda preciso pegar minha mala e dar uma olhadela na casa! — Se quiser telefonar quando chegar, sinta-se à vontade. — Isso soa bem. Provavelmente vou ligar. — Tenha um vôo seguro. Jen o seduzia a cada instante: a mão no seu ombro para afastá-lo, a maneira como lhe ajustava o colarinho, a forma como o fitava. Era tudo que Mitch não queria. Mas não parecia tão esperta assim, ou não se afastaria em certas ocasiões. Bem sabia que a proximidade da maravilhosa boca da srta. Stevens era capaz de quebrar-lhe a até então ferrenha resistência. — Obrigado — murmurou ele segundos depois que a porta se fechou. Olhou por cima do ombro, contemplou a casa e então falou baixinho: — Tchau. Jenny pressionou o ouvido contra a porta, para ouvir Mitch partir. Tinha um sorriso tolo nos lábios. Preocupada, quase não ouviu o barulho de passos às suas costas. — Exatamente o que está fazendo? Devia saber que o radar humano a trairia. Com uma expressão inocente, fitou a avó. — Bom dia. Acordou mais cedo que o usual. Vou pegar seu café.
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— Não tão rapidamente. Eu vi o sorrisinho no seu rosto e isso me preocupou. — Desde quando é crime ser gentil e ter uma atitude positiva? Não está sempre murmurando a respeito de como odeia seu hábito de ficar emburrada? Estou tentando evitar que a mesma coisa aconteça comigo. Nem um músculo no rosto da avó se moveu. — Você herdou a mente ligeira e a língua ágil de seu avô. — Tenho alguns de seus genes também. — Temendo que a avó lhe jogasse algum objeto, porque ela costumava fazer isso, afastou-se um pouco. Mas sabia ser muito querida. Dirigiu-se à cafeteira. — E qual o problema de eu estar feliz com a maneira como as coisas estão se encaminhando? — Chama isto de "encaminhando"? Nosso vizinho se meteu numa bagunça e pediu ajuda porque lhe é conveniente. E você, cega, não vê nada à sua frente a não ser um buquê de noiva. — Não seja tão dramática. Fiona sentou-se e comentou alguma coisa enquanto aceitava a xícara de café fumegante e acrescentava um pouquinho de leite. — Não sei onde errei. — Não errou. — Eu a criei com o máximo cuidado, imbuindo-a de respeito pelas pessoas, de orgulho de sua casa. Você conseguiu ter uma reputação excelente, como alguém que se importa com o que é seu. Tem os mais charmosos e responsáveis solteiros de New Hope batendo à sua porta... — Resultado dos namoros que tenta arrumar para mim quando vai à igreja ou ao mercado, vovó. — Arrumar? Que tipo de palavra é essa? Nunca ouvi você falando assim dentro de casa! — Mas é o que você faz, querida. A senhora a advertiu com o olhar. — Sou sua avó. É meu privilégio. E por acaso isso surte algum resultado com você? Não. Apenas tem olhos para um homem que nunca pára em casa e que voa numa altura tão imensa que acaba lhe afetando o cérebro. — Vovó! — Bem, que outra explicação existiria para um homem que não reage como pessoas normais e decentes? Jenny olhou para o alto, frustrada demais por não encontrar um pouquinho de paz e quietude. — Deve estar delirando. E devia entrar para a política. Sua habilidade em aplicar teorias e fazê-las parecer lógicas é sem dúvida incrível. Como se nada tivesse ouvido, a avó tomou calmamente um gole de café. Parecia uma matriarca oriental, no robe esmeralda que Jenny lhe dera no último Natal. — Faça suas piadas — Fiona falou, os olhos escuros astutos em seus setenta e cinco anos. — Sou apenas uma mulher idosa. Quem se importa com o que sinto ou acho? Logo encontrarei seu avô, e que ele esteja em paz. Então não haverá ninguém para salvá-la de cometer o maior erro de sua vida. — Ele sente atração por mim, vovó. — E quem não sentiria? Você é adorável, doce, trabalhadora... — Esqueceu que sou uma ótima dona de casa? A avó estreitou os olhos. — Mas que boca! — Definitivamente, herdei da senhora. — É pouco provável. — Pare com isso, vovó.
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— O que estou tentando dizer é que o Sr. capitão McCord provavelmente se sente atraído por diferentes mulheres a cada dia. Talvez não possa se conter. O ponto é que ele não é o homem certo para você. Faça-se um favor: não se deixe, enganar. — Não tenho me enganado — respondeu Jenny, sabendo não falar a verdade. — Acaso me viu cortejá-lo? — Em todas as oportunidades que teve, desde seus treze anos. — Eu era uma criança e ele, um ídolo. — Corrija-me se estiver errada, mas não foi a senhorita quem o convidou para jantar no Natal passado? — Isso não conta. Mitch mora sozinho e então... teríamos ficado muito isoladas se ele não houvesse se juntado à nossa festa. — Acho que é impossível pôr algum bom senso em sua cabeça. Jenny colocou um braço ao redor do pequeno ombro da mulher. — Pare de se lamentar. Vamos dar uma olhadela no bebê. Isso afastou todos os argumentos, embora Jenny não pudesse chamá-los assim. Achava que a palavra "bobagem" era muito mais adequada. Não demorou muito tempo até descobrir que devia tomar cuidado com a opinião da avó; não importava quanto tentasse suavizar o que dizia, tinha uma força imensa. Concluiu que poderiam passar o resto de suas vidas brigando. A não ser que usasse seu senso de humor e sua inteligência para contornar a situação da melhor maneira possível. Mas, naquele dia, confrontavam-se de maneira muito direta. Amor e respeito, porém, deviam ser preservados a qualquer custo. — Não é linda? — Jenny sussurrou enquanto se curvavam sobre a cesta. — É claro. Nós estamos falando a respeito do bebê de outra mulher, minha querida. As palavras foram gentis, permitindo a Jenny fazer um gesto de afirmação e continuar falando com carinho: — Uma mulher que provou ser uma terrível mãe. Mary merece algo melhor. A avó olhou do bebê para Jenny durante vários segundos, como se as palavras a tivessem conduzido a conclusões próprias. — Algumas vezes as coisas não acontecem como têm de ser, não importa quanto tentemos provar o contrário. — Mas não será assim dessa vez. — Você realmente insiste nisso, hein? Talvez, pensou Jenny enquanto sentia as mãos da avó em sua cintura. Mas tinha o pressentimento de que, quando alcançasse seus mais secretos sonhos, valeria a pena o preço a pagar. — Foi um bom vôo, Mitch — Neil Dennison disse enquanto o 737 se dirigia à última parada. O co-piloto alargou o cinto de segurança e fez algumas anotações finais. — Gostaria de tomar um lanche antes de voltar a Dallas? Sua aparência indica que precisa se alimentar. "Preciso de algo, sim, mas não é comida", Mitch pensou. — Obrigado, mas não posso. Preciso dar alguns telefonemas. — Problemas? Neil voava com ele há seis meses, mas já eram amigos há cerca de três anos. Por isso, Mitch não ficou surpreso ao notar que o co-piloto percebera que algo mudara em sua vida. Respondeu com honestidade: — Posso dizer que sim. — Tem algo a ver com o fato de não ter vindo trabalhar ontem?
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— E como tem! — Mitch encarou o parceiro de tem — Descobri que... possivelmente... sou pai.
O homem levantou as sobrancelhas e indagou, atônito — É mesmo? Como descobriu? — Assim que vi um bebê em um cesto na porta da minha casa. Rapidamente relatou-lhe sua história. Sentiu-se melhor em conversar com Neil a respeito, já que era muito embaraçoso falar com Jenny. O amigo mostrou-se sinceramente preocupado com a situação. — Como se sente? — Perplexo... confuso... apavorado! Neil sorriu. — Aposto que sim, mesmo com o afeto que nutre pelo bebê. Acha que conseguirá localizar Savannah para ter certeza disso tudo? — Não sei. Quando deixou a cidade, ela nem me deu seu telefone ou endereço. Para ser honesto, nem pedi. Mas ela é quase uma celebridade e certamente não será difícil encontrá-la. — Acho que tem razão. — Inevitavelmente, entretanto, a expressão de Neil tornou-se mais tensa. — Bem, achei que você seria pego numa situação dessas mais cedo ou mais tarde, mas... — Ei, ainda não fui pego. Mesmo que encontre Savannah, e que se comprove a paternidade, não tenho intenção de me casar. Tudo o que importa é que Mary consiga uma boa família e tenha cuidados apropriados. — Vai ficar com ela? Era a questão mais importante de todas. — Para ser honesto, não sei. Que qualificações tenho para criar um bebê? Eles precisam de coisas como conselhos, alimentação, atenção. — Estamos falando sobre um bichinho de estimação ou uma criança? — Interação. E melhor falar assim. Um pai tem de estar presente para dar atenção à criança. Levá-la para passear, passar finais de semana jogando futebol... Minha vida não tem nada disso. — Porque você não quer. Era tão típico de Neil falar assim! Afinal, tinha um filho de dois anos de idade. — Acho que eu faria mais estragos do que coisas boas. — Mitch não sabia se poderia julgar a atitude de Savannah. Haviam ficado juntos, e não se importaram com as conseqüências. — Mas acho que não me afastaria dela. É por isso que vou usar o intervalo que tenho; para checar algumas coisas. — Faça isso. Mas procure se conter. Você importa muito mais do que pode imaginar. Após agradecer a Neil pelos conselhos, Mitch encontrou uma cabine telefônica vazia. No topo de sua lista estava Jenny. Queria assegurar-se de que tudo ia bem com o bebê. Ela atendeu ao primeiro toque. — Jen? Sou eu. — Oi! Como gostava da voz melodiosa e da energia que ela irradiava! — Estou em Los Angeles e gostaria de saber se está tudo bem. — Que bom você ter ligado. Mas infelizmente não foi em hora apropriada. Não posso conversar. Ela não podia estar falando a verdade, não depois do que lhe dissera. — Importa-se se eu lhe perguntar como está minha filha? — Quem? — Jen!
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— Oh... sua filha. Achei que não tivesse ouvido direito. Bem, ela está ótima. Melhor do que nunca. E por que não estaria? — Não quis sugerir... — Ouça, se eu não desligar o telefone, algo vai queimar no fogo e vou ter de passar horas limpando. A imaginação de Mitch lhe dizia que não era somente por isso que ela queria desligar tão rapidamente. — É claro. Não sabia que estava... Jen, mas foi você quem me pediu para ligar. - Eu sei. Mas este é um momento crítico. Adeus Durante vários segundos Mitch ficou em pé, o fone na mão. Quem ela pensava que era? Confiara-lhe seu bebê e Jenny o tratava como se fosse... sabia-se lá o quê! Desligara o telefone na sua cara! Mesmo ocupada, tinha de entender sua necessidade de saber se estava tudo bem com Mary. Por mais que apreciasse o sacrifício e os esforços da vizinha, não deixaria que ninguém o tratasse como se fosse um tolo. Aborrecido e determinado, novamente colocou o cartão de crédito no aparelho telefônico. — Operadora, preciso de algumas informações... Após quarenta minutos, Mitch consultou o relógio e decidiu que era melhor voltar para o avião. As chamadas que fizera depois do telefonema a Jenny não foram bem-sucedidas. De fato, o único resultado positivo foi que o detetive desejava vê-lo à noite, para discutir pormenores da investigação sobre o paradeiro de Savannah. Mitch decidira ligar para o homem após concluir que seria impossível localizá-la sozinho. As diversas conversas com as muitas operadoras do serviço de informações provaram ser perda de tempo. E ficou óbvio, após o bate-papo com Brad, que o amigo também não conseguira nenhuma informação; quanto ao chefe de polícia, deixara-o ainda mais nervoso. Imensamente preocupado, ele não viu a jovem que lhe atravessava o caminho. Esbarrou nela e teve de segurar-lhe o corpo para evitar que caísse. — Stacy? — Mitch! Ele rapidamente deu uma olhadela na linda moça vestida de vermelho, branco e azul, uniforme que a fazia parecer Cleópatra, extremamente sedutora. — Pensei que estivesse no trajeto Nova York-Grécia... — ele falou, tentando parecer natural. — E estou. Mas tirei alguns dias de folga para visitar minha família. Há muito tempo não os vejo. Você parece maravilhoso! Como sempre. — Você também. Trocaram abraços e os pensamentos de Mitch rumaram para os dias em que haviam ficado juntos. Parecia ter sido há tanto tempo... — Estou indo tomar um lanche. Gostaria de me acompanhar? O convite o tentou. Quando Stacy começara a fazer a rota Nova York-Atenas, quisera algo mais do que um breve romance. Mitch optara por manter as coisas como estavam. Vê-la novamente o fez pensar se tomara a decisão correta. Mas, para sua surpresa, conseguiu definir o sentimento como... afeição. Nada mais. — Eu gostaria de acompanhá-la, mas preciso voltar para Dallas em uma hora. A expressão dela tornou-se fria. — O que há de novo em sua vida? Se ao menos Stacy soubesse! Mas ele não tinha vontade de falar sobre problemas. — Minha vida anda diferente porque decidi que não quero machucar ninguém. Nunca quis magoá-la.
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— Sei disso. — O sorriso mostrava que ela havia sobrevivido e se recuperado, mas ainda via em Mitch uma tentação. — Está saindo com alguém que eu conheça? — Não. Estou atrapalhado com negócios. A bem da verdade, atrapalhado demais para poder namorar. — Sorriu, sem jeito. — E você? — O mesmo. Estou ajudando minha irmã mais nova a abrir um café por aqui e isso tem me mantido muito ocupada. Bem, se mudar de idéia, sabe onde me encontrar. — Sim. Foi muito bom vê-la novamente. Ele ficou parado durante vários segundos, vendo-a afastar-se por entre a multidão que vinha de Tóquio. — Você foi muito corajoso — congratulou-se. — Que homem deixaria uma mulher tão sensual e decente escapar? Stacy não lhe pedia um anel de casamento. Tudo o que queria era um caso, um acordo para que não namorassem outras pessoas enquanto estivessem juntos. Mas ele não quisera nada, nenhum compromisso. Sacudindo a cabeça, continuou a caminhar em direção à garagem. Ficou pensando que, caso mudasse de idéia... Bem, mas o casamento de seus pais dera muito trabalho e ele não queria se colocar em tremenda enrascada. Era uma coisa que teria de considerar, entretanto, já que ele e Mary eram uma família. A criança precisaria de muito carinho, mesmo quando ele não estivesse por perto. Escolhera Jenny porque estava próxima e parecia adorar crianças, mas... teria sido um erro confiar tanto nela? Não seria muito ocupada para cuidar de um nenê? Bastara-lhe uma noite com a pequenina e ele já fazia idéia dos cuidados que uma criança exigia... — Você parece pior do que antes. Mitch deu uma olhadinha e viu Neil a seu lado. — Estou bem. O colega colocou-lhe a mão sobre os ombros. — Seu trabalho de detetive não funcionou? — Se Savannah estiver em Los Angeles, o número não consta da lista. Conhecendo-a bem, sei que provavelmente está acompanhada. Não, Savannah não ficaria só. Certamente estaria com alguém que pudesse manter-lhe o luxuoso estilo de vida. — Bem, então qual é o próximo passo, capitão papai? Mitch riu. — Obrigado, Dennison. Você realmente sabe como... — Capitão o quê? Será que ouvi a palavra "papai" ser atribuída a seu nome, capitão McCord? Com uma careta, Mitch olhou por sobre os ombros para descobrir a atendente de vôo sênior bem atrás deles. — Lorna, vou pagar para você e seu marido um jantar no restaurante de sua escolha se esquecer o que ouviu. A moça de cabelos ruivos deu uma sonora gargalhada fazendo-o lembrar-se de Jenny. — E tentador, mas não há acordo. Confesso que não vou resistir; subirei num palanque para fazer uma declaração pública. Ela poderia fazer isso. Conhecia Lorna há muitos anos e já haviam voado milhares de milhas juntos. Mas aborreceu-se ao sentir um momento tão delicado de sua vida ser partilhado com tantas pessoas. — Você está olhando para um homem que vem sofrendo muito — Neil interveio. — Ele precisa ser tratado de maneira gentil.
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— Oh, tenho de ouvir cada coisa... — respondeu Lorna. — Mas me diga, capitão... O maravilhoso rebento já nasceu? — Já — falou Mitch, sentindo-se enrubescer. — O nome dela é Mary. É linda, inocente e não merece tornar-se centro de uma discussão ridícula como a nossa. Lorna o fitou, surpresa. — Céus... Você realmente fala como um pai, Mitch. Por acaso conheço a mãe? — Não. É alguém de meu passado. — E então, o que vai acontecer? — Não sei. — Ele descobriu que é pai ontem — Neil sussurrou. Lorna fez um gesto afirmativo com a cabeça. — Não é à toa que está com uma aparência tão ruim... Bem, tudo o que posso dizer é que esta vai ser a maior novidade do mundo! — Colocou uma mão nas costas de Mitch. — Não quero magoá-lo, mas espero que não aguarde por milagres. Essas coisas acontecem. No momento em que pousou em Dallas, Mitch sentiu um peso imenso nos ombros. Dirigiu para casa, nervoso. Pegou estradas vicinais para evitar o tráfego pesado, mas isso não ajudou. Nem mesmo ouvir o rádio o deixou tranqüilo. Sabia que mais confusão o aguardava. E que, mesmo que sobrevivesse a isso, no dia seguinte teria de passar por tudo novamente. A idéia era apavorante. Mas não parecia nada, quando comparada à responsabilidade de cuidar de uma vida humana pelos próximos dezoito ou vinte anos. Nesse momento, Mitch pegou a rua de casa. Não queria nada a não ser chegar, tomar uma cervejinha e um banho demorado, frio. Mas, no minuto em que desceu do carro, Jenny colocou a cabeça para fora da janela da cozinha e dirigiu-se à porta. — Apresse-se, McCord. Você chegou exatamente na hora de dar o jantar à sua filha.
CAPITULO IV E lá se foram seus planos de tomar uma cerveja. Com um suspiro que mais pareceu um grunhido, Mitch pegou a maleta de vôo, o boné e a jaqueta e os colocou na porta de sua casa antes de ir em direção à de Jenny. Onde a vizinha encontrava energia para estar sempre tão alegre? Ainda subia os degraus quando ela observou: — Nossa, como seus olhos estão vermelhos! O que aconteceu? Teve um dia ruim? — Um pouco. Graças a você. — Não me diga que se aborreceu porque encerrei rapidamente nossa conversa telefônica! — Encerrou? Foi como se eu não existisse! — Porque você telefonou em uma hora ruim. — Nas últimas vinte e quatro horas, minha vida também tem sido ruim. Ele entrou na casa e notou, aliviado, que, exceto pelo bebê, não havia ninguém. Dirigiu-se à mesa da cozinha e levantou o cestinho. Sua filha estava acordada, os olhos azuis bem abertos. — Acho que precisamos conversar um pouco — Jenny falou. — Agora compreendo quanto estes acontecimentos o chocaram. Ao mesmo tempo, apreciaria se pudesse se lembrar de que foi você mesmo quem se colocou nesta situação ao participar de sexo inseguro e que veio até mim, uma mulher trabalhadora, pedir ajuda. — Eu não disse...
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— Oh, sim, fez isso, sim! Fez o que pôde para eu sentir pena de você e teve intenção de me usar de acordo com sua conveniência. Ninguém gostava de ouvir a verdade de maneira tão precisa, e ele não era uma exceção. — Eu estava desesperado, precisava de ajuda... — Ora, mas... — Vai me deixar terminar de falar? Bem, não importa quão desesperado eu estivesse, não devia ter deixado o bebê com ninguém. Ela só está aqui porque confio em você. — E isso me faz muito feliz. Mas também tenho um negócio para tocar, e todo o direito de fazê-lo. — Se estivesse cuidando de Mary neste momento, você a deixaria para fazer um pouco de geléia? Jenny se endireitou e colocou as mãos nos quadris. — Cuido dela muito bem! Se é assim que sente, então por que você mesmo não tenta fazer melhor? — Boa idéia! É o que farei! Claro que as vozes alteradas fizeram a pequenina chorar. Mitch sentiu-se mais impotente e furioso. Jenny havia ferido seu orgulho e não havia como voltar atrás. Seu sangue fervia enquanto pegava o cesto e saía da casa. — Foi interessante. Se vocês dois representam a maneira como os jovens costumam conversar, estou muito satisfeita por ser velha. Jenny virou-se e viu a avó em pé, junto à porta da cozinha. — Não me coloque na categoria daquele... homem ingrato! Ouviu o que me disse? — Ouvi. E sem dúvida alguma Agnes, Minny e Ethel, nossas vizinhas, também devem ter ouvido. Vão falar nisso durante dias. A menção às fofoqueiras da cidade deixou Jenny quieta por alguns instantes. — Tenho o direito de estar aborrecida. Mitch foi insensível. — Você o provocou. — Não provoquei! Fiona foi até o fogão e começou a aquecer a mamadeira da nenê. — Ouvi tudo, lembra-se? Tanto de manhã, quando ele telefonou, quanto agora. Essa era a parte mais sem graça de viver junto com alguém. Jenny nunca conseguia manter um assunto em segredo. Não queria que as pessoas fizessem fofocas nem que a avó ficasse ouvindo atrás da porta. — Bem, fiquei pensando em algumas coisas desde que ele deixou a bomba na minha mão, ontem, e concluí que tenho sido... — Uma vizinha muito amigável? — Fiona ofereceu-se para complementar a questão. Jenny a fitou. — Para dizer pouco. O homem teve um bebê com outra mulher e achou que eu fosse aceitar isso como se não fosse nada! — Está absolutamente certa. Ele devia ter lhe perguntado diversas vezes se realmente queria cuidar da criança. — Vovó! Mas o que está acontecendo com você? De manhã, disse que eu perdera a cabeça por concordar em ajudá-lo. — Mas isso foi de manhã. Agora é diferente. Se pretende ajudá-lo, então ajude-o. Não faça jogos quando ele está tão confuso. É um milagre que o rapaz esteja conseguindo se concentrar no trabalho.
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— Não estou jogando! — A avó a fitou e Jenny entendeu que as palavras não haviam soado verdadeiras nem mesmo para ela mesma. Estendeu os braços, fazendo um gesto impotente. — Está bem, odeio o que ele está fazendo. Por que nunca tentou ser algo além de um amigo? — Porque até hoje pensou que você fosse apenas uma adorável e doce garota. E garotas adoráveis ficam em casa. — Pare, vovó. Sinto muito se isso me faz parecer impulsiva e egoísta, mas tenho orgulho. — É mesmo? Então acredita que é uma boa idéia atormentar um homem quando ele mais precisa de ajuda? — Mitch fez por merecer; é o resultado do seu passado. E isso é tudo. — Mas não cabe a você, nem é de seu temperamento, punir ninguém. — E quem está punindo? Além do mais, se há alguma coisa que Mitch McCord sabe fazer é se proteger. A avó aproximou-se e pegou-lhe as mãos. — Querida, acho que é o momento de você decidir o que quer. Enviar ao homem sinais confusos enquanto ele está lidando com um problema sério só vai tornar as coisas piores e fazê-lo menos propenso a ter um relacionamento sério. Ninguém lhe pediu para ficar apaixonada por Mitch. Foi sua escolha, assim como a de convidá-lo a aproximar-se. Agora ele está aqui. O que vai fazer a respeito? — Poderia pensar em algo que soasse como um conto de fadas. — Respirando fundo, olhou tristemente para a avó. —Eu realmente tinha de mantê-lo a meu lado, mas... queria não ter gostado tanto. O que faço? — Aceite o convite de George Humphrey para ir ao concerto. — Não pode estar falando sério! — Só porque defendi o vizinho não quer dizer que esteja do lado dele. Ao contrário, estou ainda mais convencida de que McCord não é a pessoa certa para você. — Sei, sei... E se importaria em notar que George é velho demais para mim? — Idade é algo relativo. — Percebeu o desânimo da neta e suspirou. — Ao menos dê a Mitch tempo para esfriar a cabeça. Então poderá voltar a falar com ele. — Com a sorte que tenho, ele nem abrirá a porta. — Terá de fazê-lo. Deixou a maioria das coisas da nenê aqui. Incluindo o jantar. Jenny pensou em como Mary ficaria aborrecida e choraria de fome. — Talvez eu deva ir lá agora. — Mais tarde. Ele tem alguma comida na despensa. Vai se manter ocupado com a pequenina, e esse será o melhor remédio. Recomposta, Jenny olhou para a avó. — Para alguém que não o aprova, a senhora está sendo muito gentil. -— É por isso que me obrigo a avisá-la de que pretendo convidar George para jantar. E em breve. — Por quê? — Bem, ele pode ser muito jovem para mim, mas ainda tem ingressos para ver a apresentação de Tony Bennett. Rindo, Jenny fez um gesto afirmativo com a cabeça. — Mais do que justo. Ela ficou trancada em casa até cerca de oito horas da noite. Sua avó estava na sala, assistindo aos canais de televisão a cabo, preocupada demais para lhe dar algum conselho ou repreensão. Penteando os cabelos, Jenny olhou-se no espelho. Pegou a sacola da nenê e correu para a casa de Mitch, a saia florida esvoaçando.
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Não houve resposta à sua batida e ela hesitou em tocar a campainha, pois Mary podia estar dormindo. Enquanto pensava no que fazer, tentou abrir a porta e viu que estava destrancada. Entrou. — Olá... Mitch? Segundos depois ele apareceu, vindo da cozinha. Mostrava-se descalço, sem camisa e, não fosse a calça do uniforme, estaria nu. Por um momento Jenny o fitou sem nada falar. Tudo o que conseguia registrar era quanto parecia viril e sensual. — Será que poderíamos conversar? Mitch pareceu precisar de algum tempo para considerar a questão. — Não quero mais discutir. O bebê está dormindo. — Nem eu. E é por isso que estou aqui; vim pedir desculpas. — Não é necessário. — É. Ele a estudou em silêncio durante algum tempo. Jenny fechou a porta e só então percebeu que havia uma música muito suave no ambiente. Sentia também um cheirinho de leite; obviamente, da mamadeira. Percebeu que as emoções que emanavam de Mitch deviam-se mais à preocupação do que à raiva. — Trouxe isto também. — Ela colocou a sacola na mesa da cozinha. — Achei que pudesse precisar. — Pensei em ir até lá para buscar, mas mudei de idéia. — Você estava furioso. — Talvez não fosse exatamente assim que estivesse me sentindo, mas acabei ficando com raiva por sua atitude... e pelo que disse. Mas devo admitir que também errei. Eu queria culpar alguém, precisava de um pouco de silêncio para descobrir o que anda acontecendo comigo. Foi a coisa mais assustadora que ela já tinha ouvido. Jenny juntou as mãos, tentando pensar em algo interessante para falar. Irônico nada lhe ocorrer num momento tão delicado. Sentia a garganta seca, como se fosse a primeira vez que se encontrassem. De certa forma, era mesmo. Se quisesse que Mitch a levasse a sério, como algo mais do que uma mera vizinha, precisava mudar a maneira como se tratavam. — A princípio eu quis vir aqui logo em seguida. Não percebi que também precisava de um pouco de espaço e tempo — balbuciou ela, esperando ter a chance de dizer mais. Ele fez um gesto afirmativo com a cabeça. — Suponho que, após todos estes anos, meu pedido de ajuda tenha lhe soado hipócrita, não foi? — Não. Talvez desesperado. E doce, de uma certa forma. Senti-me grata por ter ido falar comigo. Acho que esperei a vida toda que você precisasse de mim. Não gosto de ter me permitido sentir estas coisas. Ele parecia não saber como responder. Olhou ao redor, como se houvesse algo na casa que pudesse ajudá-lo. Fazendo um gesto de impotência, falou: — O bebê dormiu. Gostaria de uma taça de vinho ou algo assim? Vinho. Jenny não bebia com freqüência, mas a idéia de sentar-se e bebericar, conversando intimamente com ele, era tentadora. — Seria adorável. Obrigada. Mitch pegou uma garrafa da geladeira, uma taça e a encheu pela metade. — Também tenho café. — Fez um gesto em direção à sala de estar. Café. Claro que ele não tomaria vinho. Teria de voar na manhã seguinte.
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Jenny foi até a sala, mas ignorou a música, o local acolhedor e a janela, que lhe daria a oportunidade de pensar um pouquinho e não ter de fitá-lo o tempo todo. Mas decidiu parar na metade do aposento e começou a falar: — Ouça Mitch... — Jenny, sei que eu... Ambos pararam de falar e sorriram. — Vá em frente — ela disse. — Não, você fala primeiro. Sempre se portando como um cavalheiro! Seria muito mais fácil ouvir o que ele tinha a dizer. — Por que não começa? — Jenny insistiu. — Não tenho muita certeza. — O que quer dizer? Você é o pai! — Fui "eleito" pai. Falou isso de maneira tão seca que Jenny o fitou, esperando ver algum sinal de humor em sua fisionomia. — Como quiser. De qualquer forma, é mais do que ser uma babá. — Você é mais do que simplesmente uma babá. — Sou? — Não é? Jenny mal tinha bebericado o vinho e já perdera o rumo da conversa. Optando por reverter a situação, tentou responder com a maior honestidade possível: — Não é segredo que tento ser notada por você há anos. Talvez devesse ter encarado a realidade há muito tempo e levado minha vida adiante. Talvez esteja aqui para dizer que sinto muito por ser alguém que sempre lhe pesou. Quero que saiba que finalmente entendi a mensagem. — Está desistindo? De todas as respostas que ele poderia ter dado... não seria essa a pior? — Por que sente como se não tivesse me notado? Isso não tem nada a ver com sua maneira de ser, McCord. — Acho que sim. Mas a Jenny Stevens que você me mostrou hoje é uma pessoa diferente daquela que ficava flertando comigo, lançando olhares tímidos. Sei que não tenho o direito de ser recebido por esta Jenny, mas gosto dela. — Gosta? — E divertida, agradável e perturbadoramente sensual. — Perturbadoramente? — Jenny bebeu mais um pouquinho do vinho antes de colocar a taça sobre a mesa, temendo espirrar o conteúdo no chão. O homem certamente sabia como mexer com suas emoções. — Importa-se em me explicar? — Não. Na verdade, eu nem mesmo gosto desta nossa conversa. — Então por que não paramos? — Porque não acho que possamos continuar como estamos. — Mitch parecia cada vez mais inquieto. — Admito que fiz tudo o que pude para evitar que você se interessasse por mim. — Mas agora você tem uma filha e precisa de alguém de confiança para tomar conta dela. — Não é algo tão simples ou... mercenário. — Vá em frente. — Jen, não posso negar que optei pela maneira mais fácil de lidar com relacionamentos. Sempre achei mais prudente me afastar de qualquer coisa séria. Não a culpo se não quiser mais nada comigo agora.
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— Mas... — Você acionou estranhos e inesperados alarmes dentro de mim. Continuo tentando negálos, ignorá-los, mas isso só torna as coisas piores. — Alarmes raramente são elementos positivos. — Para você não seriam. Foi uma frase provocativa. Ela mordeu os lábios. — Não poderíamos conversar a respeito de nosso dia por alguns momentos? Mitch passou a mão pelo queixo. Então olhou para si mesmo, como se tivesse acabado de perceber que estava seminu. — Talvez eu deva vestir algo. — Está bem assim. — Perfeito, de fato. — Apenas vamos papear. Mitch cruzou os braços e ficou olhando para o nada durante muito tempo. — Savannah não será facilmente localizada. Ou deixou Los Angeles ou seu nome não está na lista telefônica. Além disso, ninguém veio reclamar o bebê. — O que não foi nenhuma surpresa, certo? — Certo. Mas, depois de dar alguns telefonemas, encontrei uma moça que namorei. Vi então que poderia... tentar novamente. Ela mal conseguiu conter um suspiro. — O destino pode ter um estranho senso de humor, às vezes... — Esta é a frase da semana, hein? — Ele sorriu. — A questão é que percebi que não a queria. Não novamente. Com aquela pessoa, quero dizer. Por mais que quisesse saber o motivo, Jenny recusou-se a perguntar. Seria opção dele revelar seus sentimentos; não queria interferir. Tomaria suas decisões mais tarde, sozinha, na privacidade de seu quarto. — Por causa de você, Jen. Porque eu me sentiria como se... a estivesse enganando. Ela arregalou os olhos, meio trêmula. — Por quê? — A expressão apática lhe disse que não havia resposta. —Não importa. Quando meus pais morreram, demorou muito para eu descobrir que, no começo, a única maneira de minha avó lidar com a situação era ficar em silêncio. Então calei minha necessidade de conversar e pensei que ninguém mais importava, para mim. É um hábito ruim e nós fazemos isso porque as pessoas que nos amam nos desculpam por fazê-lo. Mitch sorriu. — E difícil dizer, mas já tenho as respostas. Isso fez Jenny sorrir também. — Por favor, não me coloque em um pedestal. No atual estágio, eu não apenas cairia. Na verdade, pularia dali. — Você é um mistério, garota. — Talvez. Mas... aonde isso vai nos levar? — Você é uma pessoa extraordinária; eu, um homem apavorado. Então, não sei. — Ouça, McCord — ela começou, aparentando autoconfiança —, não tente fazer isso. Somos vizinhos. Acho sua nenê adorável e, a despeito de meu comportamento esta tarde, realmente quero ajudá-lo. E tudo o que espero neste momento. — E se eu estiver confuso sobre o que quero? Jenny respirou profundamente. — Então pense durante alguns dias. — Começou a caminhar em direção à porta, tentando escapar da situação constrangedora. — Por que não me telefona quando tomar uma decisão? Mitch passou por ela e bloqueou-lhe o caminho. Para seu espanto, fitou-a intensamente nos olhos. — Talvez devamos discutir uma ou duas coisas agora.
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Então ele a beijou. Despreparada, durante vários segundos Jenny simplesmente ficou atordoada. Após todos aqueles anos desejando, sonhando com aquilo... O pior era que não conseguia se comportar como imaginara. Só era capaz de permanecer quieta, imóvel, como um pedaço de madeira. "Não, Jenny Stevens, você não deve fazer isso. Precisa reagir. Corresponder. Afinal, esperou muito tempo por isso!" Com um suspiro, ergueu os braços, enlaçou-lhe o pescoço e retribuiu com ardor. Mitch era forte, quente e firme. Ela estava tentada a abrir os olhos, para aproveitar com todos os seus sentidos o momento, mas não quis fazê-lo. Percebeu mãos poderosas movendo-se por entre seus cabelos, complementando um beijo que se tornava cada vez mais exigente. Ele parecia faminto e a deixava incapaz de pensar com clareza. Afoita, Jenny quis que esses instantes durassem uma eternidade. Estremeceu quando Mitch começou a explorar-lhe o rosto, o queixo, o pescoço... — Como seu gosto é bom! — ele sussurrou contra a pele macia. Jenny sentiu um arrepio e falou baixinho: — O seu também. Ele procurou-lhe os lábios novamente, e dessa vez puxou-a com força de encontro a seu corpo. Com o sangue fervendo nas veias, Jenny queria gritar de alegria, sabendo que não resistiria se ele quisesse avançar. O beijo se tornou uma sedução, os afagos mais exigentes. E, no momento em que Mitch ergueu a cabeça, ambos estavam ofegantes. — Nossa... — O quê? — Sinto muito. Era exatamente o que eu temia. — Eu não sinto muito. E não quero que sinta. — Tocou o queixo forte. — Você beija muito bem. — Você também. Quem lhe ensinou? Era perturbador. O conquistador de New Hope estava com ciúme da limitada experiência de Jenny Stevens. — McCord, acho no mínimo indelicado perguntar algo assim a uma garota. — Está bem. Mas Jen... você se sentiu tão perturbada quanto eu? Ela adorava vê-lo assim, envolto pelas emoções. Além do mais, uma mulher seria louca se não gostasse de ouvir essas coisas maravilhosas. — O que sente? — Sinto-me sem ar, perfeito. — Foi... algo assim. — Mais do que isso. Agora sabe por que eu tentava me manter longe de você? — Eu não podia saber. — Então suspeitava. Porque é uma atração muito forte. Jenny umedeceu os lábios. — E então? — Não sei. Seria mentira fingir que não a quero em minha vida. E na de Mary. — O que quer dizer? — Você sabe. Somos vizinhos, não sou o tipo de homem com o qual deva estar envolvida... — Não me importo com a quantidade de mulheres que já namorou. — Isso é apenas parte do assunto. Você é boa demais para mim. — Está pensando em ter algo sério comigo? — Sabe muito bem o que quero dizer. Você merece promessas e não estou em situação de lhe fazer nenhuma.
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— Não me lembro de ter lhe pedido para se comprometer — respondeu ela, levantando o queixo. — Não seria típico de você. E, acima de tudo, eu ainda nem me habituei à idéia de que terei de criar uma criança. — Não foi bem-sucedido em tentar me apavorar, McCord. Por que não relaxa um pouquinho e enfrenta os problemas quando eles chegarem? — Perdoe-me por ter sido tão egoísta e por tirar vantagem de sua generosidade. — Não seja tolo. — Vamos fazer um pacto, para que as coisas andem devagar. Beijar é bom, mas qualquer coisa além disso está fora de cogitação. Se eu... avançar, quero que me ajude a esfriar os ânimos. Combinado? — E se eu não agüentar? Ele respirou profundamente. — Jen... querida, você terá de manter a disciplina por nós dois, está bem? Jenny ainda pensou em argumentar a favor do desejo que a invadia, mas, antes que pudesse falar algo, Mitch a beijou novamente, fazendo-a conhecer o paraíso.
CAPITULO V — Lá está ela. Aproxime-se. — Não parece nem um pouco diferente, Aggie. — E claro que não, sua boba. Não é a mãe do bebê! Jenny sentia que seus pés mal tocavam o chão. Por isso, não se importava com as fofocas das vizinhas, que não apenas comentavam as novidades com todos como também faziam questão de falar bem alto, para que ouvisse cada palavra. Se o objetivo era afligi-la, davam-se mal. Naquele exato momento, dando asas à imaginação, ela se encontrava em um local lindo e distante, beijando os lábios sedutores de um certo capitão... Mas infelizmente a avó, indignada, insistia em trazê-la ao mundo dos mortais. Uma pena. — A maioria das pessoas se daria mais respeito! — disse Fiona, fazendo uma careta. Jenny ignorou o comentário e continuou a ninar Mary, que dormia tranqüilamente em seus braços. Havia se oferecido para ficar com o bebê à noite porque Mitch teria de participar de um torneio de tênis, cujos fundos seriam doados para uma instituição de caridade. Ela resolveu aparecer na igreja com Mary nos braços e percebeu que os presentes faziam comentários em voz alta. Mas Minny, Agnes e Ethel, as especialistas em espalhar novidades, não perderam tempo. — Estão apenas curiosas — sussurrou à avó. Seu bom humor não seria maculado nem pelas bisbilhoteiras. — E eu não me importo. O que mais a preocupava era que podia ver a amiga Valerie, mas não conseguia chamar-lhe a atenção. Val vestia-se adoravelmente, como sempre, e parecia muito solitária. Será que isso significava que ela e o marido, Lucas, haviam brigado novamente? Jenny desejou que a amiga olhasse em sua direção, mas Val abriu a Bíblia e não levantou a cabeça nem quando o reverendo Borden entrou no altar. Quando tudo terminou, Jen teve certeza de que jamais poderia sair da igreja sem se confrontar com as fofoqueiras. A avó resmungava enquanto a seguia para o lado de fora. — Jenny Stevens! — Agnes chamou. Era a líder, a que instigava as outras do grupo. — Que precioso bebezinho você tem aí?
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— E desde quando isso lhe diz respeito, Agnes? — A voz de Fiona se fez ouvir em alto e bom tom.
— Por que está tão irritadiça? Não tem nada de que se envergonhar... Isto é, se os rumores estiverem corretos. — E quem começou com os falatórios? — Fiona argüiu, furiosa. Sabendo que, se não fizesse nada, a avó poderia enforcar as intrigueiras, Jenny falou: — Esta é Mary McCord, senhoras, filha de Mitch McCord. Estamos tomando conta da pequenina enquanto ele participa de uma ação de caridade. — Isso é bem típico de você, Jenny — Ethel disse, a expressão enervante. — Sempre faz coisas boas para as pessoas. — Quando o pequeno Mitchell McCord se casou? — docemente, mas de maneira cortante, a maldosa Minny provocou. Agnes deu uma cotovelada na outra mulher. — O pequeno Mitchell, Min? Este é o ponto! — Pegou o pulso de Jenny. — Como aconteceu? E quem é a mãe? — Imagino que tenha acontecido da maneira usual, Agnes. Mitch não é o tipo de homem que costuma freqüentar o banco de esperma da cidade. Mary não é adorável? Vovó e eu sempre dizemos que deve ser a criança mais bem-comportada do mundo. — Parece que você está um pouquinho magoada — Ethel apimentou, tão ardilosa quanto Agnes. — E estou. — Conte a respeito da mãe da criança, querida —Agnes pediu. — Mitch não falou nada a respeito. E um direito dele. Agora, se me derem licença, eu gostaria de cumprimentar uma amiga. — Confiante de que a avó poderia lidar com o trio, Jenny apressou-se em interceptar Valerie ao vê-la saindo pela porta lateral. — Ei, garota! — Jen! Olá. A resposta fraca e os olhos vermelhos confirmaram as suspeitas de Jenny de que alguma coisa não ia bem. — Algo errado? — Oh... não. — Então seu olhar pousou em Mary. — Pode me dizer o que é isso? Val estaria tão deprimida a ponto de não ouvir os recados que lhe deixara? — Esta é Mary McCord... — O sobrenome de seu vizinho Mitch? Jenny fez um gesto afirmativo com a cabeça. — Exatamente. — Então resumiu a história para a amiga. — Pobre garota... — Valerie murmurou, chegando perto do bebê e lhe fazendo um carinho. — E como você está enfrentando a situação? Parece gloriosa. — Surpreendentemente, estou bem. Tenho sido muito feliz. E como se esta menina fosse minha filha, sabe? Mas, ao ver como Mitch lida com o problema... — Você e seu Mitch. — Valerie suspirou, a expressão gentil se tornando mais triste do que nunca. — Isso vai muito além do que poderíamos chamar de boa vizinhança ou de amor platônico. — Mas ele se importa comigo! O choque o fez mudar. De verdade. — Acha que sim? — Qualquer um pode ver. Mitch agora tem uma sensibilidade que antes não existia, ou que talvez negasse. Quer saber de uma coisa? Outro dia ele até admitiu que sempre sentiu algo por mim.
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— Nunca duvidei disso. Mas ele tem um estranho meio de expor seus sentimentos, sem mencionar a situação por que está passando. — Mas ele admitiu, Val. Essa é a diferença. — Então o que me diz dos anos em que foi tão distante, até rude? — Você não sabe o que Mitch disse a respeito do passado difícil que teve. O terrível divórcio dos pais, a maneira como o usavam como arma para controlar e machucar um ao outro, como se o filho não tivesse sentimentos nem necessidades próprias... Não confia em sua habilidade de superar o medo do passado e teme unir-se a alguém. — O casamento é difícil o suficiente sem esses problemas todos. Você merece mais, Jen. — Não. De qualquer forma, quero Mitch. Além disso, acredito poder ajudá-lo porque tenho visto e entendido as coisas pelas quais ele tem passado. Sei do que precisa. Valerie forçou-se a sorrir. — Gostaria tanto de poder concordar com você... Mas temo que esteja se conduzindo ao terreno das decepções. Ao menos prometa ir aos poucos. Esteja certa de que vocês dois estão verdadeiramente encarando as coisas da mesma forma antes de arriscar seu coração. Mais uma vez Jenny sentiu uma intensa tristeza nas palavras da amiga. — Por que está agindo assim? Onde está Lucas? Por que não deu retorno a meus telefonemas? O que está acontecendo, Val? Valerie olhou para o nada, um brilho de estranha dor fazendo seus olhos se encherem de lágrimas. — Explicar levaria mais do que trinta segundos e eu realmente tenho de ir. Assim que a amiga partiu, Jenny permaneceu parada, estupefata. Val não era e nunca fora de cortar uma conversa de maneira tão abrupta. Até recentemente, costumavam tagarelar, pessoalmente ou por telefone, todos os dias. Pensativa, Jenny foi encontrar-se com a avó. Enquanto caminhavam em direção à caminhonete que usavam para fazer entregas e comprar suprimentos, expressou-lhe suas dúvidas: — Estou muito preocupada com Valerie. — Todos têm problemas. — Fiona colocou o cinto de segurança. — Estou mais atormentada é com as fofocas em torno de Mitch. Bem, de você e de Mitch. Fez questão de ignorar aquelas senhoras desagradáveis, especialmente Agnes. A mulher sempre aumenta as coisas. Eu lhe disse que não queremos discutir a maternidade do bebê, mas isso não significa que elas não discutam o assunto. — Oh, vovó! Enquanto dirigia para casa, o sol de meados de agosto iluminava a paisagem. Chovera um pouco há alguns dias, e a terra, que já estava se tornando inóspita, tingira-se de verde. Jenny esperava que as coisas continuassem assim. Apreciava o colorido da natureza. Nunca competiriam com o Colorado, em seus tons de amarelo e alaranjado, mas, quando o tempo era benevolente, as árvores ficavam repletas de flores e as casas pareciam ainda mais acolhedoras. O perfume inebriava e dava mais aconchego a prédios e residências. Enquanto prosseguiam, a avó não parava de falar. Não esperava resposta; meramente expressava em voz alta os pensamentos. Isso permitiu a Jenny divagar também; tanto que demorou a perceber, ao chegar, que havia um estranho carro em frente à casa de Mitch. De quem seria? — Onde está o carro de Mitch? — a avó perguntou. Jenny ia lhe dizer que o vizinho certamente já havia partido para o compromisso quando o viu sair de casa e abrir-lhe a porta do veículo. — Olá — ela falou. — Você já não devia ter saído? O que aconteceu com seu carro?
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Observou o bigode charmoso, o sorriso acolhedor. — Meu carro quebrou bem no momento em que eu estava a caminho. — Oh, não! — Pois eu sempre digo que estes automóveis não são nada mais do que brinquedos caros. — Fiona apontou para Mitch, o belo bracelete de prata cintilando. — Diga-me se estou errada. Ele deu à Jenny um olhar, indicando que não consideraria a observação, e então acrescentou: — A boa notícia é que o socorro veio rapidamente e me trouxe outro carro. — Bem, você deve ser um cliente especial. — Seguiu-o e o observou pegar Mary, deitadinha no assento de trás. — Espere um momento! O que está fazendo? Se está atrasado, deveria... — Não se preocupe. Eu pretendia ir mais cedo apenas para encontrar alguns amigos. Mas, enquanto aguardava o carro — disse, fazendo uma pausa para beijar a nenê —, tive uma idéia. Jenny também teve algumas ao vê-lo com bermuda de brim caqui, camiseta branca, óculos escuros e tênis. Mas, desde aquele beijo maravilhoso, há alguns dias, estiveram mais preocupados em trabalhar e cuidar bem de Mary, sem muitas oportunidades de falar sobre sentimentos. — Que idéia? Mitch parecia meio enigmático. Se estava pensando em dizer que mudara de opinião a respeito de Jenny passar tanto tempo com a nenê, ela simplesmente choraria. — Gostaria de passear um pouco? — Está me convidando a ir ao torneio? — Tenho entradas para o camarote privativo da companhia aérea. Ficará protegida do sol, e lá haverá comida e refrigerantes. — Mas... e a nenê? — Posso tomar conta dela — interveio Fiona. — Obrigado pela oferta, mas acho que devíamos levá-la — respondeu Mitch. — Bemcomportada como é, provavelmente dormirá o tempo todo. E terei a oportunidade de mostrá-la a todos. — Fitou Jenny com tal intensidade que a hipnotizou. — Sei que não conhece ninguém, mas ficarei a seu lado antes de jogar. O bom humor nunca a abandonava. — Isso é um namoro, McCord? Ele olhou para Fiona antes de voltar a encará-la. — Bem... já é hora de ir, não acha? — Admito que o programa é extremamente interessante, mas já parou para pensar como seus amigos e companheiros de trabalho vão reagir? As pessoas vão imaginar... o óbvio. — Não acho. Quase todos sabem que a mãe de Mary não vive aqui. — Que os céus me salvem da lógica dos homens! — a avó murmurou. Mitch a encarou, verdadeiramente confuso. — Que quer dizer? Jenny sorriu e tocou-lhe o rosto, para tranqüilizá-lo. — Ignore-a. Ainda não almoçou e está ficando irritada. — Deu uma olhadinha significativa na direção da avó. — Desculpe-me por ter uma opinião — respondeu Fiona. — Prometo ficar parada, quieta, e fingir que nada ouço. A despeito do sarcasmo da senhora, Jenny não podia se sentir mais entusiasmada. Imaginar-se passando uma tarde inteira na presença de Mitch era algo imensamente maravilhoso. Olhou para sua roupa fora de moda e concluiu não ser nem um pouco adequada para assistir a uma partida de tênis. Se ao menos tivesse algo sensual e apropriado...
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— Você está ótima — Mitch garantiu, adivinhando-lhe os pensamentos. — Mas posso aguardar, caso queira trocar de roupa. — Está bem. Volto já. Jenny decidiu usar o vestido salmão. Muito bonito, ficava alguns dedos acima do joelho. Comprara-o por impulso durante uma viagem com Valerie, no início do ano. A amiga lhe dissera que, com cabelos soltos e sandálias baixas, poderia usá-lo em qualquer ocasião. Uma vez pronta, contemplou-se no espelho e sorriu. Estava bonita. — Pensando em quê? — Em nada — respondeu Mitch. — Já lhe disse que está linda? Ela sabia que o comentário tinha o intuito de fazê-la ficar à vontade, mas elogios sempre eram agradáveis. Especialmente quando vindos de Mitch. — Obrigada. Ainda não consegui acreditar que me convidou. — Devia tê-lo feito na sexta-feira, mas não imaginei que pudesse estar interessada. Nunca me falou nada a respeito de gostar de tênis. — Para ser honesta, nunca quis jogar, mas admiro quem é bom no esporte. E os troféus que vi em sua casa me dizem que você é ótimo! Ele sabia que era preciso mais do que talento para desenvolver carreira nos esportes. — Houve um tempo em que achei que pudesse jogar profissionalmente, mas então flagrei minha mãe tendo um caso com meu instrutor de tênis. — Oh, não! Estava casada com seu pai? Mitch tentou fazer um gesto indiferente com a cabeça, indicando que sim, mas a forma como apertou com força a direção do carro traiu-lhe a amargura. — Depois disso recusei-me a continuar praticando. No momento em que percebi que já não machucava ninguém, a não ser a mim mesmo, já tinha perdido tempo demais. — Gostaria de ter sabido disso antes — Jenny falou, a voz suave — para lhe ter oferecido apoio na ocasião. — Obrigado de qualquer forma — Mitch respondeu com um sorriso frágil. — Mas então você descobriu a magia de voar e isso se tornou um grande amor, não é? — De certa maneira, sim. — Até recentemente, ele acreditava haver perdido a capacidade de sentir emoções com muita intensidade. — E como se fosse uma terapia. Uma sessão de relaxamento à minha moda. — Isso nunca me passou pela cabeça. — Achou que talvez o que me seduzisse fosse a velocidade? — Acho que sim. Nossa, como conseguira enganá-la! — Amo voar porque desanuvia minha cabeça, faz com que me sinta livre. — A liberdade é tão importante assim para você? — Às vezes, é o mais importante. — Em especial quando os pais brigavam. Precisara usufruir do prazer do silêncio, fugir à dor e à decepção. Uma independência que pensou garantirlhe segurança emocional. Como estava enganado! Continuou, o semblante fixo na pista à frente: — Nunca usei o céu para ter emoções fortes. Afinal, diversas pessoas voam sob os meus cuidados. — Você é cauteloso, hein? Ele ajustou o espelho retrovisor, para observar Mary, adormecida no banco de trás. — Posso dizer que há coisas que não arrisco. Com um suspiro feliz, Jenny recostou-se no assento de couro. — Bem que imaginei. — Eu sei.
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Continuaram em silêncio. Havia pouco tráfego. A distância, os prédios de Dallas ficavam mais visíveis, como em uma paisagem futurista. — Arriscando manchar este... namoro, mesmo antes de ele começar, gostaria de saber se teve algum sucesso com o detetive particular que contratou — comentou ela. Se fosse há algum tempo, Mitch teria se sentido intimidado com a pergunta. Entretanto, agora era diferente. Jenny tinha o direito de saber. — Não, não tive. Se não tiver notícias até segunda-feira, vou ligar para ele. Espero que tenha ao menos algumas pistas. — Parece uma luta contra algo misterioso... — E é. Mary e eu começamos a nos acostumar um com o outro. Ela já me reconhece. Só quero que as coisas sejam explicadas e resolvidas, para o bem de todos. — Deu uma olhadela para Jenny. — Sei quanto essa situação é desconfortável para você. Ela suspirou. — De certa forma é, sim. Mas será que estaríamos conversando assim, tão próximos, se não fosse Mary? — Não sei. Por outro lado, você tem de admitir que é uma senhorita atraente. — Os homens têm me falado isso há muito tempo — confessou ela, olhando para o teto do carro. — Obrigada por me dizer isso antes que meus cabelos fiquem brancos e meus dentes, fracos. Mitch riu, charmoso. Estacionou junto ao clube e, antes que saíssem para pegar o bebê, afastou o cinto de segurança e murmurou: — Espere um segundo. — Antes que Jenny pudesse antecipar o movimento, aproximou-se e beijou-a. Ficou aliviado em vê-la tão surpresa. Notou até um certo tremor no corpo dela. — Por que o beijo? — Jenny perguntou, com um sorriso, quando ele levantou a cabeça. — Achei que assim você me daria ainda mais sorte. — Espero que não esteja me confundindo com aquela loira sinuosa que sai de uma garrafa. Uma "gênia". Ele sorriu. — O que você tem é muito mais importante: doçura. Jenny fez uma careta. — Por que não posso ser sensual? — É sensual, sim. Bastante. — Pegou-lhe os dedos e deu beijos nas palmas das mãos macias. — Se ficar um pouquinho mais sensual, não serei capaz de sair deste carro sem tornar a situação embaraçosa para nós dois. As emoções que tingiram o rosto dela de púrpura eram adoráveis, e muito sensuais. Mitch desejou que estivessem em sua casa, onde poderia deitá-la sobre o sofá ou, melhor ainda, em sua cama, tirar-lhe a roupa e sentir a textura da pele suave, saborear cada pedacinho do corpo adorável. Foi quando descobriu que não estava preparado para os sentimentos que Jenny Stevens lhe despertava.
CAPITULO VI — Mitch! Você encontrou a mãe da criança? Ele suspirou. Devia ter falado a Neil Dennison que levaria Jenny. De todo modo, teve vontade de jogá-lo em meio aos arranjos de plantas tropicais. Mas, antes que pudesse fazer isso, outras pessoas haviam se virado e Jenny, sem graça, estendia-lhes a mão.
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— Sou Jennifer Stevens, vizinha de Mitch. Estou cuidando de Mary enquanto ele trabalha. — Jennifer... Um de meus nomes favoritos. — Neil tomou-lhe a mão e aproximou-se para olhar a nenê. — Mitch sabe quanto é sortudo por tê-la encontrado? — Bem, já que nunca estive perdida, não tenho certeza. — Muito bem, Jennifer — uma morena miúda disse, sorrindo, enquanto de juntava ao grupo. — Sou Bonnie. Este homem falador, mas muito simpático, é meu marido. Desejei pegar este bebê no colo assim que ouvi falar nela. Posso carregá-la enquanto você descansa um pouquinho e toma uma taça de champanhe? — Neil e eu já voltamos — Mitch avisou, sorrindo de maneira encorajadora para Jenny, enquanto ela lhe pedia aprovação com o olhar. — Bonnie é uma veterana em cuidar de crianças. Já teve duas: um filho e uma filha. — Parece jovem demais para ter dois filhos — Jenny falou, estendendo-lhe a doce Mary. — Oh, querida! Acho que seremos boas amigas. Em seguida, Jen foi apresentada a executivos, equipes de vôo, algumas pessoas importantes. Mitch gostaria muito de pensar que a atenção que recebia tinha como causa sua reputação de bom piloto, seus recordes de vôo, sua atuação no tênis. Mas não se enganava. Sabia que o alvo de tanta badalação eram Mary e Jenny. — Sua filha é maravilhosa. Comporta-se tão bem! Mas não imagina quanto meu marido ficou entusiasmado ao conhecer Jenny — disse a esposa de um executivo. — Compro os produtos dela. Fui de Dallas a New Hope, certa vez, só para adquirir seus quitutes. É uma moça cativante. Meu marido disse que tem mais senso para negócios do que o planejador financeiro de nossa empresa. — Será que ela estaria interessada em posar como modelo? — perguntou um publicitário, estendendo a Mitch um cartão. — Tem uma aparência que lembra Monalisa. Algo clássico e etéreo, incomum nas mulheres. Quando ele foi aprontar-se para o jogo, notou que Jenny encantava o presidente da companhia aérea. Fez-lhe um sinalzinho duas vezes, em vão, e perguntou-se se alguém notaria sua ausência... Com o orgulho ferido, finalmente conseguiu atrair-lhe o olhar. Jenny desculpou-se e, protegendo a cabecinha de Mary, caminhou em direção a Mitch. — Já está na hora? — Sim. Estive pensando, no entanto, se você ainda se encontrará aqui quando eu voltar, srta. Popularidade, — Não gostou que eu apresentasse sua filha a todos? Mitch usara esse argumento para convencê-la a acompanhá-lo, mas essa era apenas parte da verdade. Havia outros motivos, menos definidos e muito mais perturbadores. Não conseguira dizer-lhe, por exemplo, que também fizera questão da presença dela por razões egoístas: a tranqüilidade de ter alguém por perto que o conhecesse bem e sua inata generosidade. Queria que Jenny estivesse a seu lado pela paz que sentia quando a via com Mary. E, claro, pedira-lhe que o acompanhasse porque não era mais capaz de ignorar a atração crescente que sentia por ela. Mas, desde a chegada, descobrira um lado desconhecido de Jenny, e isso o deixou mais do que pensativo; talvez estupefato. — É claro que gostei — respondeu ele, começando a pensar que seria melhor não tentar tirar conclusões. — Mas eu não fazia idéia que fosse tão boa nisso. — McCord, estou certa de que acabei de ouvir um elogio, mas não tenho muita certeza. — Esqueça o que eu disse. — Incapaz de se acalmar, ele afastou-lhe uma mecha da testa. — Acho que estou com ciúme. — Você?
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— Sim, eu. Todos, aqui, a adoraram. Não apenas porque é gentil e graciosa, mas também porque é muito inteligente. Começo a perceber que não conheço o principal em você, Jen. E não me sinto bem em ser a última pessoa a descobrir isso. — Pobre querido... — Havia um quê de riso em sua voz, bem como no olhar. — Mas este não é o melhor momento para se preocupar com isso. Não tem uma partida de tênis pela frente? Mitch desejaria não ter. Deixá-la sozinha, naquele momento, não lhe parecia a melhor idéia. Suspirou. — Está bem. Depois continuaremos. — Não vou a lugar algum. Exceto trocar as fraldas de nossa querida Mary antes que a partida comece. Mitch ergueu-lhe o queixo e mergulhou nos belos olhos. — Deseje-me boa sorte. — Você a terá. — Estou me sentindo deprimido. Será que poderia fazer algo mais? Ela ficou na ponta dos pés e tocou-lhe os lábios. — Boa sorte. — Um pouco mais? Dessa vez ela o abraçou com cuidado, para não machucar a criança. E à ternura, à suavidade em seu olhar, aliou-se um toque de sensualidade. O beijo dessa vez foi mais longo, mais profundo. — Estou com problemas — murmurou ele ao ouvir o próprio nome nos alto-falantes. — Acha mesmo? — Vou dizer aos organizadores do torneio que mudei de idéia. Não seria melhor encontrar um lugar fresquinho e quieto, onde possamos conversar e cuidar de Mary? Jenny suspirou e arrumou-lhe a camiseta. — Soa maravilhoso, mas agora é tarde para voltar atrás. Vá colocar o uniforme. O público conta com você e, a despeito do que disse, não é o tipo de pessoa de quebrar promessas. Mitch acariciou-lhe os cabelos. — Quem é você, Jenny Stevens? Uma bruxa? — Vou lhe dar uma chance de descobrir. — Prometa-me que vamos conversar mais tarde. — Quando quiser. Enquanto isso, você se importaria em me mostrar como se joga tênis? Jenny poderia ter ficado em pé, ali, toda a tarde e metade da noite, apreciando Mitch. Era o homem mais maravilhoso e atraente do planeta. Alto, pernas fortes, quadris firmes e ombros largos, diferenciava-se dos outros. Para as mulheres, já era o vencedor, mesmo que perdesse a partida. — Venha sentar-se aqui, Jenny — Bonnie Dennison a chamou, na fileira frontal. — Guardei um lugar para você. Ela agradeceu à alegre morena e, após acomodar-se, tirou uma mamadeira de um recipiente aquecido e a deu a Mary. Em segundos, as pequeninas mãos brincavam com a garrafa. — Para uma novata, está se dando bem — Bonnie comentou, tirando os óculos escuros. — Não é difícil fazer isso quando um bebê é tão calmo quanto Mary. — Jenny sorriu. — E, claro, ajudou o fato de que, quando adolescente, eu tenha trabalhado como babá. Foi suficiente para comprar meu primeiro carro. Então contou a Bonnie que fora morar com a avó após a morte dos pais, e falou dos anos que passou como vizinha de Mitch. — Neil diz que o capitão se tornou uma pessoa diferente na última semana... E tenho o pressentimento de que isso não se deve apenas ao bebê.
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Jenny apreciou imensamente o elogio. Entretanto, sentia-se pouco à vontade para discutir a situação, de Mitch... ou a deles... com pessoas que até há pouco lhe eram estranhas. — Sempre senti que Mitch tinha um lado carinhoso. Simplesmente precisava de um bom motivo para deixar isto transparecer. Descobrir que é responsável por uma vida, por exemplo. Bonnie não pareceu se ofender com a recusa de Jenny em falar no relacionamento de ambos. — Diga-me, já o viu jogar antes? — Nunca. Mas vi seus troféus. — Oh, lá está ele! — Bonnie apontou, e começou aplaudir entusiasticamente. — Tomara que vença! Querendo que Mitch se concentrasse antes de começar a jogar, Jenny não soube como reagir quando ele parou perto de onde ela se encontrava e atirou-lhe um beijo. — Olhe só — Bonnie falou enquanto suspiros femininos ecoavam por todos os lugares. Jenny não respondeu. Estava feliz demais. De todo modo, não teria muito a dizer a Bonnie, pois em minutos seu coração chegou a uma velocidade nunca experimentada. O ar lhe faltava. Os dois homens poderiam ter jogado formalmente, sem disputas acirradas, apenas para entreter a platéia feminina. Com sua presença morena, Bruce Paxton criava um intenso contraste com o físico de Mitch. Mas ambos exibiam espetacular senso de humor e paixão pelas competições. — Ambos são ótimos — Jenny comentou, grata por Mary suavizar-lhe a ansiedade. Bonnie riu. — Acho que o nosso Mitch tem vantagem. Está especialmente inspirado hoje. Verdade. Ele ganhou o primeiro set sem grande dificuldade. Durante o breve intervalo, retirou-se, enxugou o rosto e tomou um pouquinho de água. Poderia ter usado o tempo para descansar, mas olhou novamente para Jenny e sorriu. — Vê o que eu quis dizer? — disse Bonnie, aplaudindo o gesto. Quando o segundo set começou, Jenny percebeu como era arriscado dar-se por vencedor antes do tempo. Mitch perdeu um ponto crucial e parecia imensamente desgostoso consigo mesmo. O segundo set durou o dobro que o primeiro, e terminou com a vitória de Paxton. No terceiro, Mitch passou à frente, mas com pequena diferença de pontos. A disputa era acirradíssima. Quando a jogada definitiva, a que determinaria o vencedor da partida, estava prestes a acontecer, Jenny já não agüentava de tanto nervosismo. Mas então Mitch sacou, Paxton devolveu com igual força e a seqüência só não se repetiu porque Paxton, a despeito de seu esforço, não conseguiu chegar a tempo para rebater. A multidão se levantou, aplaudindo. Bonnie abraçou Jenny, que permaneceu sentada, exausta. Tomada pelas emoções, tudo o que conseguiu fazer foi derramar algumas lágrimas. De orgulho. Mitch tentou, mas não conseguiu chegar até ela. . Todas as vezes que tentava, alguém o interrompia para lhe dar os parabéns e exigir alguma atenção. Ele não deu muita importância ao troféu que recebera. Tomou banho o mais depressa que pôde, trocou de roupa e voltou ao camarote. Quase trombou com Jenny ao entrar. — Jen! — Tocou-lhe o rosto lacrimejante, observando que ela protegia a criança e segurava as bolsas. Rapidamente aliviou-a do peso. — Você está bem? — Claro que estou bem. — Aconteceu alguma coisa? — Não, eu... — Sei que o grupo com o qual trabalho é meio barulhento, mas se alguém lhe disse alguma coisa, se foi rude...
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— Fique quieto, por favor. Ele afastou-se um pouquinho e a expressão de Jenny se suavizou. — Por que está chorando? — O jogo foi maravilhoso. Você é maravilhoso. — Obrigado. Mas... você não devia estar feliz? — E estou. Mas há uma certa tristeza nisso tudo. Você é um ótimo tenista. Deveria ter seguido carreira, como sonhou. Mas recusou-se a fazer isso. — Não fale assim. Mitch não queria que ela dissesse mais nada. Não ali. Abraçando-a, conduziu-a para a saída mais próxima. A despeito da sombra da árvore no estacionamento, o carro estava extremamente quente. Demorou um minuto até que Mitch colocasse a chave na ignição e ligasse o ar-condicionado no máximo. E outros minutos se passaram até que o carro estivesse frio o suficiente para que Jenny e o bebê pudessem entrar. — McCord? — Sim? — Sinto muito que tenha ficado embaraçado pela maneira como reagi. — Mas quem disse que fiquei embaraçado? — Ele observou atentamente o rosto corado e os cabelos despenteados de Jenny. Parecia ainda mais adorável. — Fiquei emocionado. Afinal, você chorou por mim. — Por que fala assim? Ninguém chorou por você antes? — Acho que não. Algumas mulheres fizeram isso, porque fui grosseiro ao terminar certos relacionamentos abruptamente mas... foi só. — Bem, espero que tenha gostado — murmurou ela, bem-humorada. — Não é algo que costumo fazer com freqüência. Mitch a puxou para perto de si. — Nunca me senti tão comovido. — Está dizendo isso porque não quer que eu me sinta triste mas... E pensar que sua família, com sua imensa indiferença, o fez abandonar o tênis... — Não importa. Eu fiz a opção. — Deveriam ter lhe dado apoio, reconhecido seu talento. — Talento não é suficiente. Eu não tive força, energia, determinação. — Porque estava emocionalmente arrasado. Apesar de apreciar tanta preocupação, Mitch colocou um dedo nos lábios de Jenny, obrigando-a a calar-se. — Fiz uma escolha. Foi tudo. — Oh, Mitch... — Por que não me dá os parabéns e me beija? Ela obedeceu, mas não na seqüência indicada. Primeiro envolveu-lhe o pescoço e o beijou. No instante em que sentiu o calor sedoso dos lábios femininos, Mitch correspondeu com ansiedade. Não foi uma carícia doce, e sim exigente. Jenny sentiu-se fora do mundo ao notar quando ele a queria. Com um suspiro, mergulhou os dedos nos cabelos loiros. Encorajado, Mitch colou o corpo ao dela. Embora o ar-condicionado estivesse na potência máxima, ele sentia um calor intenso, imenso, ao perceber os seios firmes contra o peito. Erguendo um pouco a cabeça, intensificou o beijo, explorando a maciez dos cabelos e aspirando o delicioso perfume que emanava dela. — Parabéns — Jenny murmurou enquanto sentia carícias ardentes no pescoço. — Não está mais triste? — É difícil ficar triste quando você parece tão... Oh, não sei dizer.
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Ele riu, adorando a provocação. Ouviram então um som muito delicado. Mitch deu uma olhadinha para o banco de trás e viu que Mary sorria. — Olhe! Ela aprova! Jenny virou-se e brincou com a garotinha. — Deve estar exausta por toda a atenção que teve esta tarde, senhorita. Por que não dorme? — Ela deve cuidar de seu velho papai. — Mitch estudou os movimentos dos seios de Jenny enquanto girava o corpo para fitá-la. — Quando a adrenalina começa a subir, é difícil controlar. — Está insinuando algo, capitão? — perguntou Jenny, acariciando-lhe o bigode. — Sim. Quero sua boca novamente, Jen. Não me peça para voltar para casa sem sentir esse gosto maia uma vez. Ou duas, ou... Dessa vez ele a abraçou com mais força, os dedos; mergulhando furiosamente nos cabelos sedosos, a ansiedade por senti-la crescendo a cada instante. Adorava a maneira como ela gemia, como lhe massageava as costas, como brincava com a pele de seu pescoço. Sentiu-lhe o coração batendo descompassado de encontro ao peito, os bicos dos seios intumescendo sob o tecido fino. Era impossível resistir. Mitch deslizou a mão pela cintura delgada, encontrou os seios, explorou com cuidado e deleite os contornos femininos. — Oh, Mitch... — Eu estava louco para fazer isso. — E tão bom! — Gostaria que já estivéssemos em casa. Então eu poderia fazer com que se sentisse ainda melhor. Alguma vez pensou nisso? Minhas mãos descobrindo os segredos de seu corpo? — Acho que sempre... e mais intensamente nos últimos dias. — Digo o mesmo. — Verdade? — Juro. — Hum... Você uma vez não me disse que não era muito confiável? — Falei isso porque achei que dessa forma seria mais fácil resistir a você. Porque eu poderia tentar esquecê-la nos braços de outra mulher. Mas... você tem de saber que as coisas já não estão mais nessa etapa, Jen. — Eu sei. Sua vida está mais complicada. — Não é só pela nenê — sussurrou ele, os dedos percorrendo-lhe o corpo. — Não se pode teorizar sobre essas coisas, meu amor. Ela tomou-lhe o rosto nas mãos e o fitou. — É a coisa mais adorável que já ouvi. Gostaria de poder acreditar. — Eu não mentiria a você. — Mas pode estar acreditando em algo que mais tarde perceba ser um erro. Fazendo um muxoxo, Mitch a abraçou com tanta força que ela teve de se arquear para conseguir fitá-lo nos olhos. — Não sou um adolescente que não consegue controlar seus instintos, e certamente não quero apenas uma noite com você. De fato, não quero apressar nada, mas acho que estamos prontos para seguir adiante com este relacionamento. Vamos descobrir a maravilha de estar juntos. E prometo: não avançaremos o sinal, a menos que você esteja preparada. A fim de convencê-la, beijou-a novamente, com muita gentileza, antes de intensificar o carinho para uma dança sensual, que aprendiam a apreciar. Mitch queimava. Já estava quase sucumbindo ao desejo de deitar Jenny no banco e cobrir o corpo delgado com o seu. — Diga sim. Jenny não respondeu, mas também não o deteve. E, quando Mitch iniciou mais um beijo, correspondeu com todo o coração;
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Ele a queria, e muito. Mas não quis apavorá-la ao lhe dizer quanto. Saberia esperar, especialmente porque mal podia acreditar que aquilo estivesse realmente acontecendo. Nesse instante, alguém bateu no vidro. Mitch virou-se e encarou o último rosto que queria ver naquela tarde
CAPITULO VII Mitch? — Jenny mal conseguia respirar. — Quem é? Não houve resposta a princípio, e ela ficou apreensiva, tentando imaginar quem seria o homem que estava à janela. Talvez alguém com problemas com o carro ou... Não, não parecia interessado em roubar algo. — Voltarei logo — disse Mitch, colocando a mão na maçaneta. — Espere um minuto! — Jenny pediu, em pânico. — Você nem ao menos conhece esse homem! Hoje em dia, precisamos agir com muito cuidado. — Mas eu o conheço. Conhecia? Ela ficou atônita. Quem seria? Enquanto o observava sair do carro, permaneceu muito chocada para dizer qualquer coisa. O estranho, de meia-idade, tinha uma protuberante barriga, que sugeria uma paixão imensa por cerveja e doces. Tentava disfarçá-la usando uma camiseta larga, fora da calça, mas a curva era grande demais para ser ignorada. O olhar era enigmático, meio satânico, o rosto pálido e os cabelos, espetados. Onde Mitch o conhecera?, Jenny perguntou-se enquanto os dois se afastavam, rumo à sombra de uma árvore. O desconhecido parecia falar rápido, e fazia gestos em direção ao clube. Pegou um lenço do bolso da calça e enxugou a testa. A expressão de Mitch começou a se tornar mais séria na medida em que o outro falava; qualquer que fosse o assunto, não parecia impressioná-lo. Em determinado momento, ele colocou-as mãos nos quadris, num sinal de quem já não agüenta mais a situação. Subitamente o homem sacudiu a cabeça, colocou a mão no outro bolso e dele tirou um envelope. Estendeu-o a Mitch, que não pareceu nem um pouco feliz em recebê-lo. Guardou-o no bolso, de maneira raivosa. Depois deu um tapinha nas costas do outro e caminhou em direção ao carro. Atrás dele, o sujeito praguejava e corria. Jenny encarou Mitch quando ele entrou no carro, e mordeu os lábios quando o envelope amassado foi jogado num canto. O cinto de segurança foi fechado com movimentos bruscos. — Aperte o seu — disse Mitch, sem olhar para ela. — O que aconteceu? Quem era? — Estamos partindo, Jen. Aperte seu cinto de segurança. Ou quer que eu seja multado? Ele não quis exatamente ser rude, mas havia um tom cortante em sua voz. Jenny percebeu que seria um erro discutir naquele momento. Decidida a não. retrucar, obedeceu. Após vários segundos, Mitch suspirou. — Sinto muito. Fui grosseiro com você. — Quer falar sobre o que aconteceu? Ele fez um gesto negativo com a cabeça. — Não. Mas você tem o direito de saber. — Saindo do estacionamento, dirigiu na direção norte. — Era o detetive particular que contratei para procura Savannah. Jenny estudou-lhe o perfil. Sumira a figura confiante e positiva que há apenas alguns minutos jogara e vencera uma acirrada partida de tênis. Desfizera-se como bolha de sabão o
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homem carinhoso que a abraçara e tocara como se fosse a jóia mais preciosa do mundo. Mesmo com a ajuda do sol brilhante, que lhe tingia os cabelos de âmbar e suavizava tudo ao redor, ela observou a tensão no rosto bonito. Queria perguntar o que tinha acontecido, mas era importante facilitar-lhe as coisas. — E como o detetive sabia que estaríamos aqui? — Deixei um recado em minha secretária eletrônica, caso ele ligasse. Decidiu vir me procurar. — Parecia muito ansioso em falar com você. — Sim — Mitch murmurou, aborrecido. — Ansioso para me dizer que estava deixando o trabalho e para me mostrar a conta. — Por quê? — Assustaram-no quando já estava próximo de descobrir a verdade, acho eu. — Ele a encontrou! — Acha que sim, porque alguém apareceu em seu quarto, num motel da Califórnia, e lhe disse para tomar cuidado. — Cuidado com quê? Com a própria vida? Jenny não queria dizer as últimas palavras, presas em sua garganta, mas precisava saber. Seus nervos estavam à flor da pele. — Ele acha que sim. — Mas não tem certeza? — Disseram-lhe para parar de se intrometer onde não era chamado, a menos que quisesse gastar muito dinheiro em cirurgias plásticas. Acho que isso qualifica uma ameaça. — Mas por que Savannah agiria assim? — Ei, apenas acabei de ouvir a história. Nem tive a chance de pensar direito, quanto mais analisar! Jenny ignorou a interrupção abrupta, bem como tom ríspido. — Seu investigador particular disse mais do que está me contando, McCord. Pude observar daqui. — Sim, ele falou mais — Mitch respondeu, praticamente mastigando as palavras. — Descreveu o homem que o ameaçou como um rato imenso. Está bem assim? Ela ficou mais intrigada ainda. E furiosa. — Onde está Savannah, afinal? — Não sei, mas vou descobrir. Ficaram em silêncio enquanto Mitch concentrava-se em ultrapassar um carro. Jenny aproveitou para estudar-lhe novamente o semblante. — Não pode falar sério. — Nunca falei tão sério. Ela respirou profundamente, tentando aliviar o nervosismo. — Savannah parece saber exatamente o motivo pelo qual o detetive a procurava. E, com a ameaça, mostrou que não apenas é a mãe de Mary como também não a quer de volta. Por que não aceita isso e leva sua vida adiante? — Porque não é suficiente. Ela me deve respostas... um pedido de desculpas. A certidão de nascimento de Mary. — Pode ir a um juiz e solicitar o documento. — Não vou permitir que fofoqueiras tornem a história de vida de Mary um circo. Ela já terá problemas suficientes quando for à escola e alguns garotos repetirem que mamãe e papai costumam conversar todas as noites à mesa de jantar. Jenny colocou uma das mãos no braço forte, tentando confortá-lo.
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— Quando chegar a essa fase, Mary terá confiança suficiente no amor que você tem por ela. De todo modo, pare de se preocupar tanto. New Hope vem crescendo e mudando rapidamente. — Já me decidi, Jen. Essa resposta a magoou. Sim, ele tinha o direito de fazer o que achasse melhor para a filha, mas... por que não a consultava? Afinal, ela passara muito tempo com a nenê, e se afeiçoara. Além disso, ambos sabiam que algo mais profundo estava nascendo. Será que isso não dava a Jenny o direito de opinar também? Fosse como fosse, ela achou melhor nada perguntar. Na verdade, temia a resposta. Como resultado, o resto do trajeto a New Hope pareceu um funeral, não uma celebração de vitória ou um prelúdio romântico. Quando Mitch entrou na rua onde moravam, estacionou e desligou o motor, Jenny olhou para trás. —- Mary dormiu. Vou levá-la para a cama. Poderia pegar a sacola? Mitch fez um gesto afirmativo com a cabeça. Sem nada dizer, pegou a bolsa. Jenny nem parou para ver se ele a seguia. Dirigiu-se para o quarto de Mary. Ficou ninando a pequenina, que resmungara um pouquinho ao ser tirada do carro. A linda boquinha curvou-se em um doce sorriso enquanto os olhinhos se fechavam. Jenny acariciou as faces rosadas e sentiu um nó na garganta. Queria desesperadamente lhe ensinar as primeiras palavras, ajudá-la a dar os primeiros passos... Desejava cuidar de seus machucados, quando se tornasse maior, e ampará-la no dia em que tivesse um bebê. Por que Mitch não via que podia jogar tudo isso fora? Cega pelas lágrimas, Jenny beijou a testa delicada e saiu pé ante pé do quarto. O hall estava silencioso. Esperara que Mitch a seguisse, mas ele se encontrava no andar de baixo. Com um sorriso triste, ela desceu para encontrá-lo. Velhos fantasmas. Mitch fechou a porta da geladeira com uma cerveja na mão. Precisava beber algo. Era como se isso lhe pudesse refrescar os pensamentos. Mas voaria no dia seguinte, e sempre procurara seguir religiosamente as regras da companhia sobre evitar álcool. — Acho que ela só acordará pela manhã — disse Jenny, entrando na cozinha. Foi diretamente para a sacola da pequenina e começou a abri-la. — Posso fazer isso mais tarde. — Não me importo. — Deve estar cansada. — Quer que eu vá embora? Ele hesitou. Até demais. Como Jenny tivesse se virado para sair, Mitch rapidamente se levantou e pegou-lhe a mão. — Não! — O toque tornou mais difícil a procura das palavras. — Eu... não sei como fazer isso. — O quê? — A voz dela era muito tênue, quase temerosa. Os olhos revelavam emoções semelhantes, mas o queixo estava erguido. — Fazer o quê? — Jenny insistiu, dessa vez com mais força. — Dizer-lhe como eu me sinto. — Achei que fosse exatamente o que estava fazendo enquanto vínhamos para cá. — Não. Fiquei calado e não expliquei o que você queria. — Suspirou. — Deixei-a meio abandonada, essa é a verdade. Porque senti que você insistia em perceber cada poro, cada célula de meu corpo... para me tornar dependente de seu carinho. — Isso é tão ruim assim? — Como posso fazê-la entender que não posso fazer algo simplesmente porque você quer?
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— Não é exatamente o que eu quero. Você tem me evitado há anos. Então, não me diga que o problema sou eu. O que quer que esteja acontecendo, é só com você. E acho que está cansado da maneira como sempre jogou. Quer parar de se enganar, parar de pensar que não se importa em envelhecer sozinho? Preocupa-se em deixar que uma oportunidade saia de suas mãos, mas não faz o suficiente para mantê-la porque o risco não lhe dá nenhuma garantia. — Não quero machucá-la. Jenny ergueu a cabeça. — Tem me machucado há muito tempo. Sabe de uma coisa? Provavelmente já é hora de eu acordar. Pegou a bolsa e encaminhou-se para a porta. Mitch conseguiu alcançá-la e virou o corpo delicado, obrigando-a a encará-lo. Já que as palavras faziam mais sentido quando não eram ditas, beijou-a, apertando-a nos braços e mantendo-lhe os lábios cativos enquanto a carregava para a sala de estar. Finalmente alcançaram o sofá, e ele prendeu-lhe o corpo. — Que droga, Mitch. Deixe-me ir. — Notou que somente quando perde o controle das coisas ou se sente vulnerável pára de me chamar de McCord? — Sim. E, já que descobriu isso, poderia me deixar ir embora? Poderia, igualmente, não tirar vantagem da situação? Ela tremia e não queria fitá-lo. Mitch sentiu um misto de alívio e ternura. Acariciando o pescoço delicado, procurou fazer com que Jen relaxasse. — Sinto muito, mas não posso. Preciso dessa sua fraqueza. Dá-me coragem para ignorar as minhas. — Preciso ir para casa. — Fique comigo alguns minutos. Vamos terminar o dia juntos, admirando o sol se pôr. Jenny não concordou, mas parou de se debater. Quando ele percebeu o que isso significava, deu-lhe um beijo na testa. O sol tingia de amarelo a sala, dando-lhe um aspecto imensamente acolhedor. Mitch observou o quadro retratando o interior do Texas na parede oposta. A cena era tão vivida que quase se sentia o calor se intensificar. Voara sobre aquelas terras diversas vezes. Anos atrás, quando fizera seu primeiro vôo solo, pousara lá e sentira muita estranheza, devido à aridez e ao deserto. De certa maneira, era como se estivesse encontrando a si mesmo. Como podia admirar uma coisa e ao mesmo tempo não gostar dela? Queria explicar isso a Jenny, mas as palavras não saíam. Acariciou-a nos quadris. — Você é linda, Jenny Stevens. É a primeira amiga de verdade que tenho. — Covarde. Sou sua melhor amiga, McCord. — Verdade, mas admitir isso é um pouco aterrorizante — ele murmurou com um suspiro. — Não se preocupe, vou manter nosso segredo. — Não fale assim. Não quero que isto acabe. Perdê-la... — Não consegue parar de me mandar embora? — Não fale assim, já lhe pedi. — Prefiro ser direta. Você e eu não podemos suportar... — Como Mitch começasse a acariciála novamente, ele parou de falar, pois um arrepio de prazer passou-lhe pelo corpo. — Não conseguiremos lidar com esta situação confusa. E não quero nenhum mal-entendido. Mitch também não queria. Mas no momento tudo o que desejava era beijá-la novamente. Gostava de tê-la assim, lânguida, a seu lado. Confiante. Capaz de sentir cada centímetro de seu
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corpo. Cada toque, carinho calor, aroma e prazer. Podia imaginar quão docemente insano seria tornarem-se amantes. - Ah, Jenny... O que vai acontecer conosco? — Isso é problema seu; está tentando achar respostas para tudo — respondeu ela, inclinando-se para encontrar-lhe o olhar. — Passa dias, meses, anos tentando planejar coisas impossíveis de prever. E então entra em pânico. O que há de errado com um pouquinho de espontaneidade? — Em teoria, nada. Mas a última vez que coloquei a teoria em prática, Mary foi concebida. — Vê? — Jenny sentou-se como um autômato. — Você não pode nem mesmo evitar falar em Savannah! Ele suspirou. — Acho que tem razão. — Por que acredita que ela não quer ser encontrada? — Não sei. Savannah viajou... Parece querer desencorajar qualquer contato. — Pode me chamar de louca, mas... será que ela não está envolvida com alguma figura perigosa? — Já não tenho certeza de mais nada. Sei apenas que preciso descobrir tudo, para que isso não machuque Mary mais tarde. Mas você está certa. O fato de Savannah ter agido dessa maneira indica que realmente é a mãe de Mary. — E você, o pai — Jenny acrescentou com um sorriso. — Sim. A palavra quase inaudível revelava um certo espanto. Mitch tentara manter-se calmo a respeito do assunto, especialmente considerando sua primeira atitude em relação à paternidade. Entretanto, o alívio e a euforia lhe mostraram quanto esteve procurando se proteger, durante a árdua semana anterior. Essa dúvida rapidamente tornou-se medo. E medos são tão cruéis... Temeu que Mary pudesse não ser sua. — Você olhou o conteúdo do envelope que o detetive lhe deu? Mitch fez um gesto negativo com a cabeça. — Ainda não. Seria choque demais para um dia só. Quero algum tempo para me acostumar com tudo, para lidar com a possibilidade de perder você. — Já lhe disse que isso não acontecerá. A menos que me expulse desta casa. Estou aqui porque quero, McCord. Essa era a parte mais difícil. Ele segurou-lhe a mão e estudou-lhe os dedos esguios e belos, as unhas curtas e impecáveis. — Mas, quando lhe pedi para me ajudar com a nenê, prometi que seria temporário. Jen, você é uma empresária com uma agenda atribulada e responsabilidades diversas. Não tenho o direito de usar a atração que existe entre nós para coagi-la a negligenciar aquilo pelo qual tanto lutou. Jenny livrou a mão e o fitou. Estavam tão próximos... — Agora ouça, McCord. Foi sua decisão me procurar. E coube a mim aceitar. Se não quer mais que o ajude, apenas tem de me dizer. Se eu não sentir que posso dar a Mary tudo que ela precisa, mesmo continuando com meus negócios, eu lhe direi imediatamente. — Incomoda-me saber que você é um anjo. Os olhos escuros dela brilharam, com uma pitada de humor. Inclinou a cabeça em direção ao peito forte.
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— É por isso que está nervoso. Teme que minha ajuda o obrigue a alguma coisa. Exatamente qual de meus sentidos acredita que seja o mais perigoso? Estou consciente de que é alérgico à palavra "relacionamento"... — Não pense nem por um só segundo que não estou feliz. — Mitch a beijou de leve e com ternura. — Apenas preciso que saiba que ainda tenho de fazer o que acho correto. — Savannah? — Sim. — Mitch avaliou-lhe a expressão, entendeu-lhe a vulnerabilidade, as dúvidas que passavam pelo rosto bonito. — Você anda pensando bobagens. Está errada e sabe disso. — Sei? Mitch compreendeu que só havia uma forma de provar a Jenny que a queria, e a ninguém mais. Inclinou-a sobre o assento do sofá e a manteve cativa sob seu peso. — Savannah foi um erro. Nunca penso nela. — Não diga... — Correção. Não penso nela exceto para querer sacudi-la por ter feito o que fez. — Tomou o rosto de Jenny nas mãos, fazendo-lhe a respiração se acelerar. Os seios arfantes atraíram seu olhar. — Você é a única mulher na qual penso. Posso lhe contar coisas de sua infância, se quiser. Guardo tudo na memória. — O quê, por exemplo? — Que tal sua primeira roupa de banho? Era um biquíni cor de laranja que quase me enlouqueceu. Fiquei escondido, observando-a. Ela ficou boquiaberta. — Está brincando! — Bem, na verdade o que eu realmente queria... teria me colocado na cadeia. — Ah, se eu soubesse... O que mais? — Não importa, tenho muitos dados. Aos poucos vou lhe dizer. — É mesmo? Sempre pude extrair as informações que queria à minha maneira. — E que maneira é essa? — Mitch murmurou, beijando-a. O coração de Jenny se incendiava com rapidez. A medida que Mitch se inclinava sobre ela e passava-lhe a mão nos cabelos, percebia que o autocontrole de ambos se perdia. Docemente, de modo tentador, ela o fez ajoelhar-se a seus pés. Tudo que esperava e sonhava, há anos, era ter um amor maravilhoso e delirante. E com ele. Arrepiava-se inteira. Não sabia que, apesar dos olhos fechados, Mitch imaginava-a sem o vestido, lentamente caído ao chão. Queria tanto alcançar o zíper, sentir-lhe a pele macia... Excitado com a imagem, começou a beijar-lhe o rosto suave, o pescoço. Admirou os ombros elegantes e delicados. Mas era o tecido do vestido que o deixava ensandecido. Começou a beijarlhe o colo bem na altura do decote. Queria-a tão completamente... Precisava satisfazer seu corpo ardente com o paraíso que ela lhe oferecia. Queria-a tanto que a fazia suspirar com a velocidade com que se movia sobre seu corpo. — O que há de errado? — perguntou Jen, abraçando-o com intensidade mas obrigando-o a parar. — Você pode me deixar louco. Particularmente hoje. Então, é melhor mesmo que vá para casa. Jenny mal conseguia andar enquanto era empurrada em direção à cozinha, para pegar a bolsa. Depois, foi conduzida à porta. — Mitch! Posso dizer uma palavrinha? — Não. — Antes de abrir a porta, ele a beijou ardentemente. — Não dessa vez. Mas não se preocupe, vou deixar que tente novamente... Muito em breve.
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— Talvez eu deva fazer isso por escrito. Com os cabelos em sensual desalinho e a pele do rosto corada, Jenny exigia muito das boas intenções dele. Só mais um beijo, decidiu Mitch, puxando-a para si. Então selou-lhe os lábios e deixou o desejo fluir. Como esperara, inflamou-se com uma intensidade enorme e com uma rapidez surpreendente. Inebriado, forçou-se a respirar fundo. — Não precisa pôr nada no papel — falou. Acariciando-lhe os lábios úmidos, desejou-lhe boa-noite e abriu a porta. — Vejo-a de manhã. — Pode ter certeza. Doía como o diabo deixá-la ir. Mas Mitch sentia orgulho de si mesmo. Mas houvera um tempo em que... Não, o passado estava enterrado. Agora, construía o futuro. Um passo de cada vez, como Jenny sugerira. Aquele dia fora um bom começo. Não muito perfeito, claro, com alguns imprevistos aqui e acolá, mas um começo. E o dia seguinte seria ainda melhor. — Se você sobreviver a esta noite, evidentemente — lembrou-se ele. Respirando fundo, tirou a camisa e subiu a escada. Planejava um banho bem frio. Então abriria o envelope que o detetive lhe dera. A mensagem era breve. Continha um relatório de todas as pessoas com quem Rogers, o investigador, falara, assim como citava os lugares onde tinha estado. A caminho do quarto, Mitch deu uma olhadinha na nenê. O bercinho fora presente de Jenny, bem como o trocador. Ele começava a pensar na possibilidade de tê-la inteirinha, para sempre. Era a mais pura realidade. Savannah nada queria com a criança. — Mas eu quero — sussurrou para Mary enquanto se inclinava para beijá-la. Como era maravilhosa! Vestida com o macacão cor-de-rosa e meias floridas, dormia na semiescuridão com os bracinhos estendidos e os pequeninos dedos fechados. Mitch sorriu, orgulhoso. Sabia que deveria deixá-la dormir, em paz mas teve uma necessidade imensa de abraçá-la um pouco. Pegou-a no colo e a manteve próxima a seu corpo. Fora meio traumático no começo, mas ele já ganhava prática nisso. Levantou o pezinho e o colocou contra o peito. Depois deitou a pequenina cabeça no peito, sentindo o perfume delicado. Ninou-a um pouco e a fitou com carinho. Era algo tão novo para ele... Mas Mary parecia não se importar. Bebês talvez tivessem uma imensa paciência com principiantes. Esperava que sim, porque precisaria que ela o compreendesse. Foi tomado pela emoção. Talvez o relacionamento que começava com Jenny lhe tivesse aberto promessas para o futuro. Quaisquer que fossem as razões, sentiu lágrimas inesperadas se formando nos olhos, e então os fechou. Sabia que construía algo novo e belo. Algo que o faria feliz o resto de sua vida.
CAPITULO VIII Mary está cada dia mais parecida com o pai — Jenny comentou enquanto colocava a nenê no carrinho. A avó pegou uma xícara de chá e se juntou a elas. Ajustou os óculos bifocais. — Agnes me disse que está havendo uma correria em busca de cobertores para bebês. Fiquei pensando por que Faith não me disse que estava grávida. — Talvez porque a senhora passe tempo demais conversando com Agnes...
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— Se quer saber, se essa "epidemia" de bebês continuar, as igrejas vão ter serviço por vinte e quatro horas. — Parou para respirar e avaliar o efeito de suas palavras no semblante impassível de Jenny. — Isso me faz recordar... lembra-se do que Agnes me falou? Viu Edwin Fishburn ontem. O pequeno Eddie costumava conversar com você e passear de bicicleta sobre uma só roda, tentando atrair-lhe a atenção. Agnes disse que ele não sabia o que fazer, pois a noiva rompeu o compromisso. — Agnes, Agnes, Agnes! Por acaso essa fofoqueira consegue cuidar da própria vida? — Jenny sacudiu a cabeça, decidindo que já tinha problemas suficientes para ficar se envolvendo com o que acontecia com outras pessoas. Desejava que a avó também traçasse um objetivo para a própria vida. — Fale a verdade. Não acha que Mary se parece com o pai? — Todos os bebês são adoráveis, independentemente de com quem se assemelham. Em vez de se preocupar com isso, que tal pensar sobre se ela herdou a falta de moral da mãe e a língua apimentada do pai? Estaríamos falando na parte genética da questão. — Pare com isso, vovó. Sabe que Mitch está mudando. Para alívio de Jenny, Fiona sorriu. — Acho que sim. Ou parece estar. Por outro lado, algumas semanas não significam uma garantia. Lembre-se de Valerie. A menção à amiga a fez lembrar-se do encontro que tiveram no supermercado, na terçafeira. — Não sei o que fazer para ajudá-la. Val não se abre. Sempre arruma uma desculpa para se esquivar. Diz que está ocupada ou atrasada para um compromisso e não dá retorno a minhas ligações. Temo que ela e Lucas estejam pensando no divórcio. — Estão na cidade certa, então. Bebês e divórcios parecem ser os únicos acontecimentos em larga escala de New Hope, atualmente. — Ao menos estamos progredindo, nesse aspecto. — Como vê, querida, mudanças nem sempre ampliam os horizontes. — Tenha paciência, vovó! Não demorará muito até que essas crianças precisem de suéteres, vestidos e uniformes para a escola. Isso fará com que seu negócio prospere mais. — Você é uma romântica inveterada. — Devo ser. — E se ficar decepcionada? Jenny sorriu levemente já acostumada à tática da avó. — Quando comecei a fazer geléias e doces durante as férias de verão, e lhe perguntei se achava que poderia vendê-las, a senhora achou que eu ficaria magoada se ninguém as quisesse comprar. Mas os negócios foram ótimos. Sorriu ao ver a expressão de indiferença da avó. — Isso é diferente. — Não é, não. Quando abri a doceira e comecei a vender para as crianças no colégio, você julgou que eu fosse adoecer de tanto trabalhar. Ou que perderia minhas economias, herdadas de papai e mamãe. Isso também não aconteceu. Será que já não lhe provei que consigo me sair bem? — Está certo, está certo. Mas há uma grande diferença entre um pouco de fadiga e um coração partido. — Quando Jenny começou a protestar, a avó ergueu a mão. — Vou tentar manter o pensamento positivo. O que quer que eu faça, tricote um suéter para Mitch? — Seria uma boa idéia para um presente de Natal. Algo com motivos navais ou um pouco de verde lhe cairia muito bem. — Vou pensar nisso. — Havia um sorriso intrigante nos lábios de Fiona. — A senhora é um doce! Jenny voltou ao trabalho, mas logo ouviu um familiar som de passos. Segundos depois, Mitch entrou na sala.
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— Alguém em casa? Como sempre, o coração dela começou a bater desesperado. A aparência viril, maravilhosa, estava deslumbrante no uniforme. — Papai está em casa! — Jenny falou, olhando para Mary. Os olhinhos do bebê se abriram, reconhecendo-o; ela levantou as mãozinhas, sinal de que queria ser carregada. — Como está o ar lá em cima? — a avó perguntou, cumprimentando-o, enquanto Jenny pegava a criança. — Não muito bom. A frente fria que esperávamos para amanhã está criando alguma turbulência nos vôos. Como está o tricô? Fiona o encarou durante algum tempo. — Muito bem. Vamos, agora vá brincar com sua filha. — Olá, solzinho — ele cumprimentou, segurando Mary no colo. Depois virou-se para Jenny. — Gostaria de lhe pedir um favor. — Fique à vontade. — Devia ter pedido ontem, ou mesmo antes, mas... Você sabe que estarei de folga até segunda-feira. Jenny fez um gesto afirmativo com a cabeça, dizendo-lhe com o olhar quanto esperara pela sexta-feira. Será que Mitch ia sugerir que fizessem algum programa juntos no domingo? — Bem, fiquei pensando se Fiona tomaria conta de Mary esta noite, para que nós dois possamos ir até Dallas. Uma noite em Dallas? Seria um sonho! Desde o torneio, os dias de Jenny foram de pura felicidade. Era lindo vê-lo com Mary, conversar longamente depois de colocar a nenê na cama, partilhar beijos inebriantes. Mas um passeio a Dallas, só os dois... Significava muito mais. Era puro romance. — Oh, Mitch, me parece maravilhoso! Mas não sei se vovó teria outros planos... A senhora tirou os óculos. — Que planos? — Você costuma sair com Agnes, Ethel e Minny nos finais de semana. A avó levantou-se e colocou o dedo em riste. — Ei, isso não significa que o programa não possa ser modificado. — Virou-se para Mitch: — Se precisar de mim... Ele tomou-lhe as mãos. — Não sabe quanto preciso. Sei que tem gastado muito tempo e energia para cuidar de minha filha, e nunca lhe agradeci o suficiente. A avó olhou, atônita, para Jenny. — Não lhe disse? Veja só o olhar dele. Bem, querida, o que está planejando vestir hoje à noite? — Vovó é um amor! — Jenny disse, já na estrada, no carro esporte de Mitch. — Justamente quando acho que posso adivinhar-lhe os movimentos, faz algo que me confunde. Ele sorriu. — Ótimo. Vamos ao clube? Gostaria de levá-la lá. — Mas não estou vestida apropriadamente, estou? — Está maravilhosa. Que transformação se operara na comportada dona de casa! Jenny usava um vestido preto, justo, bem acima dos joelhos, meias pretas e sapatilha de verniz também preta. Se continuasse vestindo roupas que deixassem à mostra suas pernas bem torneadas, ele definitivamente desistiria de tentar comportar-se.
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— Obrigada. Quanto a você, nunca achei que pudesse parecer mais atraente do que em seu uniforme. Mas hoje... está fascinante. Deliciado pelo elogio, embora embaraçado, Mitch pegou-lhe a mão e lhe deu um beijinho. — Essa é uma das coisas que mais aprecio em você. — O quê? — Sua espontaneidade. Diz o que pensa. Acredite-me, é muito reconfortante. Jenny o fitou, cética. — Gosta de elogios? — Vamos dizer que o que você diz parece verdadeiro. Ela relaxou. — Está bem. Se decidir parar de voar, acredito que terá uma carreira maravilhosa no serviço diplomático. — Olhou para Mitch. — Onde este tapete mágico motorizado está nos levando? Sei que brincava ao falar no clube. O fato de Jenny não o ter levado a sério lembrou-o de que ainda se encontravam numa espécie de arena, lutando pela verdade e pela confiança mútuas. O mais importante era que estavam progredindo. — As noites de sexta-feira tendem a ser muito barulhentas na maioria dos restaurantes. Mas há um hotel, não muito longe do centro da cidade, que é tranqüilo e tem um excelente cardápio. Ao menos foi o que Neil me disse. — Nunca esteve lá? — Não. Que tal? Aceita? — Claro que sim! Assim que sentaram-se à mesa, Mitch decidiu que devia ao colega uma boa garrafa de vinho, em sinal de gratidão pela indicação acertada. — É adorável — Jenny murmurou assim que o garçom os deixou, levando os pedidos. Mitch deu uma olhadela ao redor. — Não acha aconchegante e reservado demais? — Adoro lugares assim. Mitch tocou a pétala de rosa que flutuava sobre uma tigelinha de cristal com água. — Gosta de rosas brancas? — perguntou. — Adoro. Flores brancas sempre foram minhas favoritas. — Fiquei pensando se esta pétala podia ser tão macia quanto sua pele. Não é. — Ele sorriu. — Por que prefere flores brancas? Um rubor intenso invadiu o rosto de Jenny. — Parece uma cor naturalmente poética. E ao mesmo tempo melancólica, romântica... Pura e misteriosa... Inocente e exótica. — Percebe que descreveu a si mesma, não é? Como ela evitasse seu olhar intenso, Mitch tocou-lhe o rosto. — Acho que não. Sou muito espevitada. Amarela seria a cor ideal. — E quanto à sua avó? O rosa seria o tom ideal para Fiona? — Não é surpreendente? Finge ser tão rude, arredia, mas tem um coração de manteiga. Devia ver o quarto dela. — Deixe-me adivinhar: é cor-de-rosa. — Indica paixão, poder, petulância. Vovó é muito influenciada por essas qualidades. O garçom trouxe o vinho. No brinde, Mitch murmurou: — A esta noite. Enquanto bebericavam, um pianista começou a tocar uma música suave, tornando a atmosfera ainda mais íntima. Garçons vestidos de preto passavam aqui e acolá.
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Mitch notou os discretos olhares que davam na direção de Jenny. Não podia culpá-los. O cabelo maravilhoso convidava as mãos de um homem a acariciá-los, o decote do vestido sem mangas deixava à mostra muito da perfeição da pele. Inclinou-se em sua direção até que seus rostos estivessem bem próximos. — Diga-me, por que optou pelo negócio de comida? — Que pergunta! — Talvez fora de hora, eu sei, mas isso me deixa curioso. Foi algum conselho de sua avó? Ela a induziu a fazer isso? — Oh, não. Vovó queria que eu trabalhasse em um banco. Para ela, não é próprio da mulheres lançar-se em um negócio próprio. Fica um pouco assustada. — E você gosta de ficar o dia todo numa cozinha, em meio a um monte de pratos sujos, doces e bolos? — Está brincando? Por que pensa que comprei duas máquinas de lavar pratos? Escolhi o ramo de alimentação porque — fez um gesto discreto, indicando as outras pessoas que jantavam ali — é sensual. As cores, as texturas, a reação ao paladar. A comida sempre foi um misto de arte e magia, para mim. Algo misterioso. E por isso que invento minhas próprias receitas. Gosto de fazer pratos coloridos, decorá-los para que pareçam mais apetitosos e depois apreciar o resultado. — Nunca imaginei isso. Jenny deu de ombros. — Desejo que meus produtos deliciem as pessoas. Que elas se sintam acariciadas, entende? Felizes. — Um tipo diferente tipo de terapia contra o estresse — Mitch murmurou. — Exatamente. Lembrou-se das inúmeras ocasiões em que Jenny lhe oferecera amostras dos quitutes. Por que os recusava? Como fora tolo! — Sabe de um coisa? Eu me sinto um idiota por tê-la rejeitado tanto. — Vai ver que você sabia que, se experimentasse meu tempero, seria conquistado no mesmo instante. Ele riu. — Tem razão. Mas uma coisa posso garantir: seu gosto é melhor que os pratos que prepara, Jen. Beijá-la é uma experiência inigualável. — Seus olhares se encontraram. Mitch se inclinou por sobre a mesa e aproximou-se. — Está pensando em quê? — Não importa, não é? Descobrir vai ser muito divertido. — Se eu não a beijar logo, vou morrer. — Sei exatamente o que quer dizer, porque também me sinto assim. Mas a espera também é deliciosa, não acha? Tinham acabado de comer. Mitch fez um sinal para o garçom e pagou a conta. Já mudara de idéia a respeito de perguntar se Jenny gostaria de ir a algum lugar, para dançar. Sabia muito bem que isso significaria perigo, e muito. Mal conseguia esperar que o manobrista lhe trouxesse o carro. A porta foi aberta; ele rapidamente a acomodou e depois entrou. — McCord, coloque seu cinto de segurança — Jenny falou, preocupada. — Eu sei. Mitch entrou em uma rua pouco movimentada. Estacionou num local escuro e solitário, percebendo que Jenny arregalava os olhos, surpresa. — Eu disse que precisava beijá-la. Não achou que eu falava sério? — perguntou ele, desligando o motor. Nem esperou que Jenny soltasse o cinto de segurança. Inclinou-se para beijá-la.
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Sentiu seu nome vibrando nos lábios delicados, as mãos macias e belas passeando por seu peito, pelo rosto. Já não conseguia resistir, mas queria muito continuar. Finalmente ela percebeu que o desejava com igual intensidade. As mãos passeavam pelo corpo forte, ávidas; os lábios mantinham-se entreabertos. Mitch gemeu quando os lábios se encontraram em um contato quente, leve, sensual. Aquilo o perturbou, incendiou-lhe a imaginação. Aquela mulher era doce, complexa, maravilhosa. Queria conhecê-la cada vez mais. O beijo foi mudando, tornando-se mais instigante, explorador, devastador. As emoções já os dominavam por completo, deixando-os em imenso desvario. Mesmo sabendo que seria melhor que ela ficasse no assento do passageiro, Mitch viu-se livrando-a do cinto de segurança e colocando-a no colo. — Eu sei, meu amor — murmurou quando Jenny disse-lhe o nome, em sinal de cautela. — Não me esqueci de onde nos encontramos. Ainda não. Mas você está tão linda! — Você também. — Seu sabor é tão bom... — E mesmo? — Preciso de mais um pouquinho. Puxando-a, beijou-a mais e mais. Enquanto fazia isso, encorajava-a a tocá-lo e explorá-lo, querendo que percebesse cada sinal de seu corpo. A pele sedosa de Jenny se confundia com o tecido macio da roupa. Era pura provocação. Quando Mitch passou-lhe a mão pelos seios, quadris, coxas, ela nada falou. Manteve os braços ao redor do pescoço largo. — Perfeito. — Mitch sussurrou a palavra contra os lábios sensuais. Jenny arqueou-se em sua direção, sentindo o desejo que o inflamava. — Deixe-me sentir sua boca. Um arrepio passou pelo corpo de Mitch. Sem hesitação, inclinou-se, para que ela o beijasse completamente. Jenny, encorajada, mergulhou os dedos nos cabelos claros e puxou-lhe a cabeça, sorvendolhe a boca com avidez. Mas foi a maneira como se moveu, uma mensagem sensual de seus quadris contra os dele, que o avisou de que estavam próximos demais, arriscando-se muito. Afastou-se um pouco e pressionou-lhe a cabeça contra o peito. — Céus... — murmurou por entre os cabelos cheirosos. O riso sem fôlego de Jenny soou-lhe estranho. — Está sendo um cavalheiro, e eu o adoro por isso. Mitch respirou profundamente. — Não se engane. Eu a quero, Jen. Quero fazer amor com você, mais que tudo na vida. — O desejo é suficiente, Mitch. Não tem de se envolver seriamente e... Ele levantou a cabeça e colocou um dedo sobre seu lábios, impedindo-a de continuar falando. — Não diga isso. As coisas não devem ser à minha maneira. — Puxou-a para perto de si novamente. —-Você está fazendo coisas muito sérias com minha cabeça e com meu coração, Jen. — Sei quanto lhe custa dizer isso, e desejava encontrar algo espirituoso para falar, a fim de aliviar a tensão. Mas tudo o que posso fazer é confessar que estou tranqüila e muito, muito feliz. — Sabe de uma coisa? Deveríamos estar em uma pista de danças. A noite, como dizem, é uma criança. Além disso, preciso recompensá-la por tudo o que fez por mim. Mas só consigo pensar em tocá-la, em ouvir os gemidos que dá quando nos abraçamos. — O que faço por você e Mary não exige recompensa. Quanto à dança... Acha que seria o programa mais adequado agora, McCord? Ele fez uma careta triste.
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— Não. — Sorriu. — Seríamos presos por atentado ao pudor. — Suspirou, os olhos brilhando. — Eu gostaria... — Não fale, Mitch. — Dessa vez, ela se afastou um pouco. — Se o que vai dizer tem algo a ver com a mãe de Mary, partiria meu coração. — Não, não. — Ele tomou-lhe a mão e lhe deu um fervoroso beijo na palma. — Talvez tenha ver, isso sim, com Mary. Quer saber? Acredito que sempre quis ter alguém como ela. — Fico feliz em saber. — Jenny acariciou-lhe o rosto. — Mas então, o que há de errado? Depois de ter passado a última semana atrás do detetive, de haver pensado seriamente na possibilidade de um confronto entre Jenny e Savannah, Mitch vinha evitando fazer menção ao assunto. Não desejava melindrá-la. A última coisa que lhe diria era que buscava uma maneira de contatar Savannah sempre que voava para Los Angeles. Não gostaria de confessar isso a Jenny. Desejava encontrar uma maneira de resolver essa confusão sem fazê-la sentir-se vulnerável. Na verdade, estava apaixonado por ela. Não sabia exatamente quando isso acontecera. Na primeira vez que a vira com Mary? Ou quando a beijara? Tudo o que sabia com certeza era que essa era a mulher com quem queria passar o resto de sua vida. Mas será que o casamento funcionaria? Jenny importava-se com ele. E o amava. Amava mesmo? Infelizmente, não estava totalmente convencido disso. Talvez ela sequer soubesse o que era o amor. Tivera poucos namorados, e todas as pistas indicavam que se mantinha virgem. Jenny podia estar se enganando, e isso o deixava com um medo imenso. E se aquelas emoções não passassem de uma grande confusão? E se a compaixão dela tivesse sido confundida com atração sexual? Ele sabia de que falava. Vira o casamento dos pais fracassar, e depois nenhum deles conseguiu se recuperar. Os casais, antes de formalizar a união, esqueciam-se de considerar esse aspecto. O casamento não se limitava a um homem e uma mulher. Se crianças estivessem envolvidas, sofreriam também. E Mitch não podia evitar pensar no quanto ele, Jenny e Mary já estavam ligados. Era por isso que se mantinha naquela constante batalha para manter o desejo e os sonhos sob vigília até que as coisas se decidissem. Até que estivesse certo de que poderia ter um futuro com Jenny. — Não há nada errado, querida — disse, beijando-a com ternura antes de colocá-la de volta no assento. — Nada que não se resolva em breve. — Preocupações ligadas a Mary, certo? Está preocupado em garantir que ela seja legalmente sua? Mitch não queria falar nisso. Também não desejava que Jenny se preocupasse com o assunto. Sabia que ela não queria que tivesse algum contato com Savannah, e buscou uma maneira de se esquivar. — Não é isso. Bem, talvez depois eu me preocupe com o assunto, mas não agora. Decidi seguir seu conselho e contratar um advogado. Brad Tyson me disse para fazer isso logo no início mas... diabos, você sabe do resto. — Estou feliz que tenha mudado de idéia. — Mesmo no escuro era evidente o alívio na expressão de Jenny. — Tenho certeza de que assim obterá os resultados que tanto procura. Talvez os resultados legais, obviamente. Mas somente Savannah poderia lhe dar as respostas para as perguntas que o assaltavam. Esperava consegui-las antes que Jenny descobrisse que não lhe contara tudo.
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CAPITULO IX — Estão loucos? É fundamental que eu volte para Dallas hoje à noite! — Mitch disse a Neil, em frente ao portão que conduzia à aeronave. — Se eu não chegar em casa a tempo de ficar com as crianças enquanto Bonnie vai para o chá de cozinha de uma amiga, ela ficará furiosa. Bem, mas acho que temos alguns telefonemas a fazer. Os mecânicos disseram que o problema hidráulico parece mais sério do que imaginavam, e querem manter o avião aqui, à noite, para ter certeza de que não se esqueceram de nada importante. — Eu sei, eu sei. — Essa era a segunda vez que Neil lhe explicava isso, deixando-o ainda mais nervos com a situação. Com um suspiro, procurou dissipar a tensão que lhe torturava as costas e o pescoço. Quando percebera que algo não ia bem durante o vôo, não tiveram tempo de dar-se conta do estresse que os dominou. Mantiveram a atenção e pousaram de maneira segura. Mas, desde que o perigo havia passado, Mitch senti uma dor de cabeça intensa, e suas costas parecia travadas. — Diabos... Pelo menos me diga se os passageiros foram transferidos para outros vôos. Neil fez um gesto afirmativo com a cabeça. — Todos eles. É uma boa notícia, já que estamos em setembro. A estação de férias terminou, os feriados ainda não começaram e teremos um avião parcialmente vazio. Venha, anime-se! — Por quê? Com um olhar amigável, Neil disse: — Pense que as coisas poderiam ter sido piores. Mitch sentiu-se imensamente envergonhado e culpado. — Desculpe-me por ser tão tolo. Há alguma coisa que possamos fazer antes de procurar um local para pernoitar? — Tudo foi providenciado. Até já liguei para nosso hotel favorito, a fim de ter certeza de que haveria dois quartos vagos. — Neil ajeitou o boné antes de dar um tapinha nas costas do amigo. — Vamos pegar um táxi e encarar da melhor maneira possível essa situação imprevista. Menos de dez minutos depois, estavam presos no tráfego, observando o motorista esgueirarse por entre a barreira de veículos. — Só faltava essa! — Mitch falou baixinho. — Evitamos um acidente aéreo, mas podemos morrer num congestionamento de automóveis! — Eu estava pensando a mesma coisa. Talvez pudéssemos conversar, para nos manter tranqüilos. — Que tal falarmos a respeito de meu desejo de tomar conta de Mary? Ainda não comemorei. Neil sorriu. — Não era bem isso que eu tinha em mente. E que tal falar sobre esta noite? Você e Jenny planejavam algo especial? — Eu poderia dizer que sim. Faz um mês que Mary foi deixada à minha porta. O belo rosto do amigo mostrava afeição e simpatia. — Pudera você estar tão aborrecido... Quais eram os planos? — Apenas um jantar que Jen mesma ia preparar. — Sua família, pensou Mitch, experimentando uma satisfação estranha. — Ouça, eu sinto muito. Não devia ter me comportado daquela maneira. — Está tudo bem. Sei que esta seria uma noite especial, de comemoração. Não é à toa que você ficou tão aborrecido.
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A vida tornava-se doce, quase perfeita. Mitch não buscava mais desculpas para se manter distante de Jenny. Mal podia aguardar para chegar em casa e vê-la. — Então, como estão as coisas entre vocês? — Neil perguntou, interrompendo-lhe os pensamentos. — Bonnie sempre me pergunta quando receberemos o convite de casamento. Era exatamente o que o coração de Mitch pedia: casamento. Mas a mente procurava detê-lo. Por um motivo: ainda não fizera contato com Savannah. Ainda não dera o fato por encerrado. Era cada vez mais difícil arranjar desculpas quando Jenny lhe perguntava em que estágio a situação se encontrava. Ele não achava decente mentir, mas o fazia para deixá-la mais tranqüila. — Queremos deixar tudo muito claro. Apressar as coisas poderá criar problemas futuros — falou. Não sabia se Neil julgaria as palavras tão artificiais quanto soaram a seus próprios ouvidos. — Está certo. Deixe o velho Neil lhe dar algum conselho, amigo. Esperar o momento certo não significa nada após um vôo como hoje. Você faz o que sabe que é adequado e não me deve nenhuma explicação. Mitch ainda pensava nessas palavras quando finalmente chegaram ao hotel. Foi direto para o quarto, primeira coisa que fez depois de tirar o paletó e colocá-lo no encosto de uma cadeira foi ligar para Jenny — Residência das Stevens — a voz familiar de Fiona soou, do outro lado da linha. — Se você for vendedor, vou desligar o telefone na sua cara. Mitch sorriu. A avó de Jen às vezes podia ser mais espontânea do que uma criança. — O que está fazendo, Fiona? — Mitchell! É você? Pensei que fosse algum vendedor. Eles têm nos aborrecido muito, ultimamente. Parecem saber exatamente quando Jenny não está, e então telefonam, para vender tudo. De lâmpadas a hambúrgueres. Eu já nem consigo mais ficar sentada... — Sinto muito. Jenny está? — Não. Saiu pouco antes de o telefone começar a tocar. Mitch massageava o pescoço e tentava se lembrar se ela lhe dissera algo a respeito de algum compromisso. — Sabe se voltará logo? — Oh, é claro que sim. Foi à cidade, fazer uma visita à butique de bebês. Queria comprar algumas coisas para hoje à noite. Algo especial para a nenê, você sabe. Ele sentiu um aperto no coração. — Sim, hoje à noite. — A única maneira de lidar com a injustiça da situação era seguir seu impulso. — Fiona, diga-lhe que... anote um número de telefone, está bem? Mas diga a ela que liguei e que em breve voltarei a telefonar. Assim que desligou, pegou o paletó. Jenny fora comprar algo para Mary; devia ter pensado nisso também. Poderia descer e ver se havia algum presente no hall do hotel, em alguma das pequenas lojas. Ele e Neil combinaram jantar juntos, mas estaria de volta a tempo. Mitch abriu a porta e ficou pálido ao ver, junto à soleira, uma loira vestida com roupas de couro e usando óculos escuros. — Um mês? Como o tempo passou depressa! — Faith Harper massageava as próprias costas atrás do balcão. Jenny não pôde deixar de observar a blusa apropriada para grávidas que a moça usava. A barriguinha já era evidente. Como sempre fosse à loja, testemunhava as mudanças no corpo de Faith. — Quanto tempo falta para o bebê nascer?
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— Pouco mais de dois meses — respondeu a moça, colocando a mão protetora sobre o ventre. Sua expressão tornou-se mais suave, embora um tanto triste. — Fiquei assustada ao saber que estava grávida, mas agora... mal posso esperar. Faith fora criada com muito rigor pela tia, já falecida. — Posso imaginar — Jenny murmurou, procurando as palavras certas. Tinha dezenas de perguntas, mas viu que a outra não pretendia falar mais no assunto. Então calou-se. Que direito tinha de insistir? — Você está no negócio certo: tem uma loja para bebês. Ah, sabe quem mais engravidou? Michelle Parker. Nós nos encontramos outro dia, no estacionamento. Faith olhou para o nada, mas enrubesceu. — Eu... não sabia sobre Michelle. — Recordo-me de tê-la visto na festa de noivado com Michael Russo. O sorriso de Faith foi forçado. — Sim, mas... — Fez uma pausa e apoiou-se no balcão repleto de brinquedos. — Oh! Como isso pôde acontecer? Essa mercadoria chegou ontem e eu já estraguei alguns potes! — exclamou ao derrubá-los ao chão. Jenny agachou-se para ajudá-la a limpar tudo. — Estas embalagens são adoráveis. — A idéia de preenchê-las com um gel para banho me pareceu maravilhosa — Faith continuou, os olhos sonhadores ao pegar uma delas. — E o bebê pode brincar durante o banho. Há também uma coleção completa de sabonetes e xampus. Veja que bonitos. — Acho que vou levar este — Jenny respondeu assim que o telefone tocou. — Por que não atende enquanto dou mais uma olhadinha por aí? Com um murmúrio de agradecimento, Faith apressou-se em pegar o fone, deixando-a à vontade. A campainha soou quando um cliente entrava na loja, alguém que Jenny ficou muito feliz em ver. — Valerie! Que surpresa maravilhosa! Quando a amiga a avistou, apressou-se em sua direção. — O que faz aqui? Ainda mimando a garotinha? — perguntou, abraçando Jenny. — Exatamente. — Ela sorriu. — Está bem-humorada, querida. Que ótimo. Eu estava preocupada com você. Vai respondeu com um suspiro. — Apreciei muito sua preocupação mas... Bem, o único jeito de lhe contar é ir direto ao assunto. Lucas e eu recebemos notícias inacreditáveis. Joe Danson e sua esposa Carrie sofreram um acidente e acabaram falecendo. Joe e Lucas eram amigos desde crianças, e acabamos de saber que somos os tutores dos dois filhos que o casal deixou. Acredita nisso? — Mal posso imaginar! Na verdade, não sei se devo cumprimentá-la ou dar-lhe minhas condolências. — Sei o que quer dizer. Quando recebemos o telefonema, Lucas e eu ficamos sentados, olhando um para o outro durante muito tempo. Mas agora... — Valerie fez um gesto de impotência. — Nada posso fazer a não ser acreditar que este é um sinal de que devemos lidar com nossos problemas e permanecer juntos. Jenny teve apenas de pensar no passado de Mitch para saber que crianças não garantiam um futuro feliz. Não lhe cabia, entretanto, dizer isso à amiga. — Então são duas crianças... — Duas lindas menininhas. Estou aqui para comprar algumas coisas para o guarda-roupas delas, enquanto brincam com Lucas. — Lucas está tomando conta das garotas?
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— Há dois dias, e já está exausto. — O olhar de Valerie passeou pela loja. Arregalou os olhos ao ver Faith. — Ei, estou mesmo vendo aquilo? Ela está grávida? Que história é essa? — Um mistério. Faith nada fala a respeito. Lembra-me de alguém que conheço... — Sinto muito, querida, mas precisei de tempo. Ainda preciso. Logo lhe contarei tudo. Além disso, você precisa conhecer as meninas. — E você precisa ver a nenê de Mitch. A amiga deu-lhe um tapinha nas costas. — Como vão as coisas? — Maravilhosas. Incríveis. — Você está apaixonada. — Você fala como se isso fosse horrível! — É preocupante. Mitch ainda inspira cuidados. Usou de seu charme para fazê-la cuidar da nenê, e temo que, por isso, você fique ainda mais ligada a ele. — É verdade — Jenny confessou, tentando disfarçar a dor que as palavras da amiga lhe causaram. — Nós nos tornamos muito próximos. Valerie mordeu os lábios. — Sinto muito. Não tenho o direito de criticá-la. Espero que as coisas funcionem e dêem certo para vocês dois. Mas... seja cuidadosa, está bem? Proteja seu coração. Jenny pagou o presente de Mary, prometeu visitar Val e sua nova família e deixou a loja sorrindo. Mas o sorriso sumiu quando chegou ao carro. Doía-lhe pensar que sua mais querida amiga acreditava que Mitch não poderia estar apaixonado por ela. "Não ligue. Logo que ele regularizar a papelada de Mary, tudo ficará bem e poderemos nos dedicar um ao outro. Então todos verão que Mitchell Sean McCord me ama", pensou. Com um olhar carinhoso em direção à embalagem de celofane que trazia nas mãos, entrou no carro. Em seguida, ligou o motor e voltou para casa. — Savannah! Ela fez um gesto para Mitch, pedindo para entrar. — Não fique parado aí. Feche a porta! — Tirou os óculos escuros. — Viu alguém no hall? Alguém que parecesse suspeito? — Atrás de você? Não. Savannah fez uma careta enquanto caminhava em direção à janela. Por detrás das cortinas, observou o tráfego. — Parece que tudo está bem, mas... — Acaso está ensaiando para um comercial? — Mitch perguntou friamente. —Alguma coisa que tenha a ver com óculos escuros ou perfume? — Acha engraçado? Ou simples? Não recebeu o recado que enviei por seu detetive? — Você... enviou um recado? — Não poderia dá-lo pessoalmente. Hugo é o homem mais rude que conheço, e é dono de meu clube favorito. Mitch jogou o paletó sobre a cama e passou as mãos nos cabelos. Tinha o pressentimento de que a conversa seria um pouco demorada. A mãe de sua filha contemplava-se no espelho, para ver se a maquiagem continuava perfeita e se o cabelo não se desalinhara. Fitou-a como se fosse a primeira vez que a via. E de certa forma era mesmo. Savannah era tão artificial quanto as roupas que vestia. Não podia negar que tinha uma aparência maravilhosa. Mas de que isso adiantava, se não passava de uma pessoa fria, materialista? Ela sorriu.
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— Não está bravo comigo, está? — Bravo? Eu gostaria de... — Forçou-se a respirar profundamente. — Apenas me diga por que agiu daquela maneira. — Bem, você participou de cinqüenta por cento do processo, querido. Fiz a parte mais complicada e, acredite, não foi fácil. Então me ocorreu que o restante poderia ficar sob sua responsabilidade. — Desse jeito? Que tipo de pessoa você é? Nenhuma mãe faz isso com uma criança que acabou de nascer! — Mas esta aqui fez. — Savannah continuou caminhando, o corpo esguio em movimentos sensuais, os olhos azuis brilhando. — Ouça, eu poderia ter evitado a gravidez. E acredite, foi muito difícil voltar ao meu corpinho de sempre. Eu... me senti obrigada a agir daquela forma, a fazer a coisa certa. — A coisa certa! Você fez minha vida virar de cabeça para baixo! — E eu perdi muitos trabalhos em função da gravidez. — Tem de colocar as coisas desse modo? Por acaso tem a mais leve prova de que ela seja minha filha? A expressão de Savannah foi de cinismo. — Se eu batesse à sua porta e a entregasse, você ficaria com ela? — Sim, ficaria. — É... Uma vez alguém me disse que no fundo você era uma pessoa decente. — Savannah colocou a bolsa de couro sobre a cama e literalmente jogou-se sobre uma poltrona. — Por que acha que o escolhi para me levar ao hotel naquela noite, depois de nossa ridícula reunião de escola? — Não sei — ele respondeu, incerto. — Você era a única pessoa educada ali... e que ainda não tinha ficado careca. Não pulou em cima de mim quando pediu para dançar comigo e... Mitch observou-lhe a expressão, que aos poucos ficava mais vaga, meio triste. — E...? — Foi difícil para mim. Eu tinha acabado de terminar um relacionamento e precisava de alguém que fosse agradável comigo. Escolhi você. — O quê? Você me usou! — Mitch mal podia acreditar nisso. Ela começou a rir. — Ambos usamos um ao outro. Como se isso fosse algo novo naquela cidade... Mitch recobrou-se do embaraço rapidamente, e percebeu que ela já mergulhara nos próprios pensamentos. — Então você descobriu que estava grávida. — Não. Então conheci Hugo. Impaciente, ele se sentou no canto da cama. — Quem é Hugo? — Nunca ouviu falar em Hugo Hanover? — Quando Mitch fez um gesto negativo com a cabeça, Savannah deu um gritinho. — E o mais bem-sucedido e reverenciado diretor de Hollywood. Estou viajando o mundo todo com ele. Viu A garota e o flamingo? Rita Roostefí? — Não. — Bem, acho que esses filmes não passaram em New Hope. Hugo cria histórias muito profundas, metafóricas. — Ah, sei. — Conhecemo-nos no aeroporto. O salto de meu sapato se partiu na calçada, bem em frente à limusine dele. Não foi incrível? — Foi então que percebeu que estava grávida? Ela fez um gesto negativo com a cabeça.
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— Não. Isso aconteceu semanas depois. — Espere um minuto! Por acaso está querendo me dizer que a menina não é minha filha? — Está brincando? Mitch, foi o destino. Mas a enorme disciplina de Hugo... Bem, sempre praticamos sexo seguro. — Sei, sei. — Vou lhe dizer que pessoa grandiosa ele é. Quando lhe contei a respeito de minhas condições, mandou-me para sua casa de praia. Pagou hospital e tudo. Mitch estreitou os olhos. — Que nome consta na certidão de nascimento dela? — O seu. Ele sentiu a imensa dor que lhe atormentava o peito começar a desaparecer. — E qual é o nome real de Mary? — Mary? — Savannah o fitou, horrorizada. — Você a chama de Mary? — Tinha de chamá-la de algum nome. Gosto de Mary. Combina com ela e com a cidade na qual crescerá — acrescentou Mitch de maneira significativa. Pela primeira vez notou suavidade nos olhos de Savannah. — Dei-lhe o nome de Shawna Mary McCord. Quero que seja uma boa menina, Mitch. 1L As emoções o deixaram aturdido. — Não quer que seus pais saibam a respeito da menina? — Eles já morreram. Tenho uma tia em algum lugar do Kansas, mas nunca conversamos. Não, é melhor que Mary fique com você. Está feliz com a nenê? Eu estava certa? — Ela mudou minha vida. Savannah começou a dizer algo, mas então fez um gesto negativo. — Não me fale sobre a garotinha. É melhor que eu não saiba de nada. — E Hugo? Está tudo bem entre vocês? — Melhor do que isso. Vamos nos casar na próxima semana, e vou figurar em seu próximo filme. — Algo ainda me confunde — disse ele, pensando nas últimas semanas. — Por que você tentou apavorar meu detetive e fazê-lo pensar que havia algo perigoso ao seu redor? — Hugo é muito ciumento. Se descobrir que estamos conversando agora, ficará furioso. — Esse não me parece um relacionamento saudável... — Ele é meio velho, tem medo de me perder para alguém mais novo. Tive de me esquivar a fim de poder estar aqui. — Levantou-se e pegou a bolsa. — Tenho algo para você. — Estendeu-lhe um envelope. — O que é? — Estou lhe dando a custódia do bebê. Há duas cópias, uma para cada um de nós. A minha já está assinada e registrada. Faça-me um favor e assine a sua agora. Vou esperar aqui, se não se importa. A última coisa que desejo é que alguém me reconheça. Mitch sentiu-se imensamente aliviado. Tudo o que sonhara estava acontecendo. Pensou em Jenny e desejou ligar para ela, contando-lhe as novidades. Logo, prometeu-se. Muito em breve. Vestiu a jaqueta. — Logo estarei de volta — disse, dirigindo-se à saída. Jenny abriu a porta e entrou na cozinha. — Cheguei! — O que comprou? — a avó perguntou, virando-se. Estava com uma xícara de chá na mão. — Um presente para Mary. Não é adorável?
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— Acho um pouco grande. Jenny deu-lhe um beijo. — Coloque um pouquinho de água para mim também. Gostaria de uma xícara de chá. Como está a nenê? — Ótima. Mas quanto ao pai, não sei dizer. Ligou e falou alguma coisa sobre mudança nos planos. Jenny parou e olhou para a avó. — Por quê? — Não sei. Deu um número de telefone. Disse que teria de sair e que ligaria mais tarde. — Deixe-me ver. — Ela colocou o pacote sobre o balcão e preparou-se para telefonar. — Oh, não! Será que houve algum imprevisto? — Calma, querida. Ele disse que ligaria depois. — Talvez já tenha voltado. Eu gostaria de saber o que está acontecendo antes de começar a preparar o jantar. Discou o número. Segundos depois, o recepcionista do hotel atendeu. — O quarto de Mitchell McCord, por favor — disse, pensando no que poderia ter dado errado para fazê-lo hospedar-se num hotel quando deveria estar a caminho de casa. — Sim? A voz feminina a deixou sem fala. Será que haviam ligado para o quarto errado? — Desculpe-me — falou, sentindo-se ansiosa. — Estou tentando entrar em contato com Mitch McCord. Ele está? A mulher hesitou. — Este é o quarto dele mas... não pode atendê-la no momento. Posso anotar o recado? — Não pode me atender? — Quem quer falar com ele? — a mulher perguntou em um tom estranho. Jenny franziu a testa. Conhecia aquela voz, já a ouvira em muitos comerciais. Claro! Só podia ser ela: Savannah!
CAPITULO X Consegui! — Mitch disse, entrando no quarto. Mal podia conter o entusiasmo. Finalmente, os documentos de Mary estavam legalizados. Demorou algum tempo para perceber a expressão preocupada de Savannah, ainda imóvel ao lado do telefone. — Que bom! — murmurou ela, caminhando em direção à bolsa. — O que há de errado? — Você falou com alguém sobre mim? — Quer dizer... a respeito daquela noite? — O que quer que seja. Quem, além daquele detetive, sabe que você e eu tivemos um caso? — Jenny. Por quê? — Acho que foi ela que ligou agora há pouco. — Levantou uma sobrancelha. — Parece que consegui criar mais uma complicação para você. Mitch quase gritou ao pensar nas conclusões a que Jenny devia ter chegado. Diabos, por que não esperou que ela lhe telefonasse? — Oh, não! — Está apaixonado por essa moça.
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Não era uma pergunta e Mitch não tinha a menor intenção de explicar nada, mas acabou cedendo. - Sim. E minha vizinha desde que éramos crianças, e tem sido um anjo com Mary. Cansei de viver sozinho e decidi tentar ser uma pessoa decente para merecê-la. A expressão de Savannah se tornou cética. — Não diminua a si mesmo. Você é decente. — Fez um gesto em direção ao telefone. — Há algo que eu possa fazer para facilitar-lhe as coisas? — Vou ligar para ela. Tudo vai dar certo. — Deu-lhe então uma cópia do documento. — Realmente apreciei essa sua atitude. Espero que alcance tudo o que procura. — Alcançarei. — Estudou-o por um longo momento antes de se inclinar e beijá-lo no rosto. — Tenha uma boa vida, Mitch. Assim que fechou a porta, ele dirigiu-se ao telefone e discou o número da casa de Jenny. Prendeu a respiração enquanto a campainha chamava. Suava frio e já contava cinco toques sem que ninguém atendesse. Após oito toques, desligou e tentou o telefone comercial. Na terceira chamada, a secretária eletrônica atendeu. Mas foi interrompida no meio da mensagem. Convencido de que alguma coisa estava errada, Mitch discou novamente. Dessa vez, o sinal foi de ocupado. Concluiu que Jenny mantinha o fone fora do gancho. Ligou para o primeiro número, e ouviu também o sinal de ocupado. — Diabos! — exclamou, batendo o punho com força sobre a mesinha. — O que você fez, McCord? — Não me diga, não quero saber. — Fiona colocou o fone no gancho quando Jenny retornou do escritório. — Está bem. Não falarei. Ela não queria conversar mesmo. Estava muito machucada, furiosa demais para falar de maneira racional. Claro que a avó deduzira haver algo errado. Ainda mais porque, após o telefonema fatídico, Jenny desistira de tomar chá e pegara uma garrafa de vinho. — Está bem. Diga-me. Jenny removeu a rolha da garrafa. — Ele está em um hotel. Com outra mulher! — Com Savannah, não é, meu bem? — Acha que estou me precipitando? Que devia deixá-lo se explicar? — Certamente que não. Acho que deveríamos esquartejá-lo no minuto em que chegar, e no momento certo contar a Mary que papai foi seqüestrado por alienígenas. Jenny tinha vontade de brigar com a avó. Tentou abrir uma gaveta, procurando não sei o quê, e a fechou com força. Depois desabou sobre uma cadeira. — Não entende, vovó? Ouvir a voz dela... — Tem tanta certeza de que se tratava de Savannah? — Tenho. — Mas isso significa que não há nenhuma explicação plausível? — Eu sei que há alguma, como sei que Mitch sempre tentará dá-la. Fará com que tudo se ajuste à sua maneira. Jenny, inexperiente em abrir garrafas de vinho, havia quebrado uma unha e o dedo sangrava. No momento em que começou a tomar uma taça, veio um pouquinho de alívio. — O gosto é tão bom quanto parece? — a avó perguntou depois que ela deu o segundo gole. — É.
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Fiona olhou para a chaleira e para o saquinho de chá. — Acho que precisamos conversar. — Não há nada a ser dito. A propósito, a senhora devia estar feliz. Estava certa, e eu, errada. Nosso vizinho vive uma maravilhosa noite de amor enquanto tomo conta de sua adorável filha. — Você pode estar certa. — Eu sei que sim. — Ou pode estar desesperadamente enganada. Jenny sentia que havia um imenso nó em sua garganta. E nunca mais seria desatado. Embora tentasse se acalmar, sabia que, para obter sucesso, teria de tomar toda a garrafa de vinho. — Não acha que já é hora de eu tirar a venda que trago diante dos olhos há tanto tempo? Estive cega pela paixão. Pensei que confiança e boas intenções fossem tudo. Acreditei que ele me veria como sou e me amaria. Sou uma triste imagem de meus desejos. — Por que não pára de tirar conclusões precipitadas? Boa pergunta. Mas Jenny tinha também uma ótima resposta: — Porque percebi quanto estou cansada, vovó. Tenho vinte e sete anos. Já não quero ficar me preocupando com essas coisas. Investi demais nesse moço e me dei mal. A avó fez um gesto afirmativo com a cabeça. — Então não vou dizer mais nada, nem tentar convencê-la. Sei como fica sensível quando se aborrece. — Por favor, deixe os fones fora do gancho. — Claro. Mas agora vou preparar um jantar para nós. E então você vai tomar um longo banho e procurar relaxar. — Eu só quero ir para meu quarto e ficar sozinha, vovó. — Certo, querida. Nesse momento, ouviram um choro. Mary acordara e começava a fazer manha, pedindo atenção. — Mais tarde — Jenny disse com um suspiro enquanto colocava o copo sobre a mesa. — Agora tenho um compromisso comigo mesma. Mitch pousou em Dallas ao raiar do dia. Um milagre, considerando as chamadas, as negociações e os pedidos que teve de atender antes de partir. Quando estacionou diante de casa, uma vã esperança o fez aguardar o adorável rosto de Jenny à janela da cozinha. Curiosamente, ficou quase aliviado ao ver Fiona no jardim. Deixando as coisas no carro, pegou algumas flores e um ursinho branco que havia comprado ao chegar ao terminal e dirigiu-se, determinado, à casa vizinha. — Fiona! A senhora, que cuidava das flores, levantou o olhar. Seu rosto esperto mostrou uma satisfação surpreendente. — Você voltou, hein? E rapidamente. Em seguida, voltou-se ao que estava fazendo. Entretanto, Mitch teve certeza de ter captado um pouco de sarcasmo na voz dela. — Vim o mais depressa que pude. — Para pedir desculpas? — Não, vovó. Para me explicar. São duas coisas diferentes. Fiona ficou em silêncio por alguns momentos, como que debatendo internamente o que ouvira.
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— Jenny está muito magoada, Mitchell. Acha que ela tem direito de estar? — Sim... e não. Talvez eu possa fazê-la compreender. Ela está lá dentro, com Mary? Mais uma vez Fiona hesitou. Finalmente caminhou em direção à porta. — No andar de cima. A segunda porta à esquerda. Não lhe diga que eu falei; tenho uma reputação a zelar. Ele sorriu, começando a sentir alívio na tensão que o dominava. Em um impulso, tirou uma rosa do buquê e a ofereceu à senhora. — Obrigado. Tome — disse, e lhe deu um beijo no rosto. — Vá agora. Já a manteve esperando por muito tempo. Mitch descobriu que, se passasse o resto de seus dias tentando, nunca entenderia as mulheres. Tinha, entretanto, o palpite de que achava essa missão tentadora. Sim, acabaria por compreender as mulheres. Mas por enquanto, precisava agir. Subiu a escada, dois degraus de cada vez. Ouviu barulho de água corrente antes de chegar ao topo e achou que Jenny poderia estar dando banho na nenê. Acertou. Mas, quando abriu a porta do banheiro, viu algo que jamais esqueceria. Com os cabelos presos no alto da cabeça, apenas de calcinha e sutiã, Jen segurava Mary no colo. As duas admiravam um patinho que boiava na banheira. O movimento da porta foi suficiente para chamar a atenção de Jenny. Ela se virou e o viu. Tossiu. Mitch suspirou. Mary fez barulhinhos alegres na água. — Vocês duas são as coisas mais lindas que vi em toda a minha vida — murmurou ele, desejando ter uma câmera fotográfica para registrar aquele doce momento. — Saia daqui! Como já tivesse antecipado uma recepção fria, ele achou fácil ignorar o comando. Conseguiu dar um sorriso calmo e aproximar-se. — Trouxe presentes — disse, estendendo-lhes as rosas e o ursinho. Jenny mordeu os lábios, tornando-se adoravelmente atraente. — Isso não vai funcionar, McCord. Mas não era o que Mary pensava. Mitch mal conteve o riso quando viu os olhinhos se arregalarem, fixando-se no brinquedo. — Meu amor... voltei assim que pude. — Não deveria ter se importado. Agora, por favor, vá embora. Mitch sabia que não devia sair. Precisava explicar tudo. — Ainda não. Precisa me ouvir primeiro. — É mesmo? — Ontem à tarde o avião teve problemas mecânicos. Jenny olhou ao redor e então o fitou, visivelmente descrente. — É mesmo? — repetiu. — Conseguimos pousar com segurança, mas o conserto não foi concluído a tempo. Assim, não pudemos voltar no mesmo dia. — Você esteve em perigo e só me conta agora? — Não havia motivo para preocupá-la. Tudo saiu bem. Mas pediram que pernoitássemos lá. Quando a situação exige, ficamos em um hotel. Os olhos de Jenny tornaram-se opacos pela dor. — Sim, e quando eu liguei para seu quarto, Savannah atendeu. — Ela me seguiu. Suponho que tenha telefonado para a central da companhia aérea, a fim de descobrir onde me hospedei. — E por que motivo ela iria até o hotel? — Está envolvida em um relacionamento amoroso e preocupada com o noivo ciumento.
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Jenny o fitou, francamente aborrecida. — Como assim? — É um diretor de cinema meio excêntrico. — Ouça, sei que você nunca aceitou aquilo que combinamos, que sempre andou procurando por ela. Então, por que vê necessidade de mentir para mim? — Não é necessidade. Eu apenas queria fazer as coisas à minha maneira. Estava pensando em Mary e em nós. O futuro dela afeta o nosso. Mas tudo correu da melhor maneira possível. A nenê conseguiu alcançar o ursinho e Jenny tentou distraí-la com os patos. Mitch percebeu que ela lutava consigo mesma. — Que quer dizer? — perguntou, não ousando encará-lo. Mitch colocou a mão no bolso da jaqueta. — Savannah me deu a guarda de Mary. Foi por isso que eu não estava no quarto quando você ligou. Havia descido para oficializar a documentação, apavorado que a bolha de sabão pudesse se romper e acabar com a fantasia. — Oh... — Finalmente ela o fitou. — E eu que pensei... Mitch, fiquei com ciúme. — Eu sei. — Sorriu, deliciado. — E adorei. Mas o melhor de tudo é que a confusão acabou. Savannah está fora de nossas vidas. — Não acredito! — Acredite. Mary é só nossa. — Sua — Jenny corrigiu. Mitch fez um gesto negativo com a cabeça e tocou-lhe o rosto com uma das rosas. Queria-a tanto! — E quer saber o melhor? — Você será padrinho do casamento de Savannah! — O nome de Mary realmente é Mary. Jenny abraçou a nenê. — O quê? — Shawna, uma variação que Savannah inventou do meu nome Sean, Mary McCord. Shawna Mary McCord! — É mesmo? O destino realmente tem caminhos misteriosos... — Foi o que pensei. E por isso não pude esperar para lhe dar as boas novas. Agora estou livre para me concentrar em nosso relacionamento da maneira que tanto queremos. Jenny sentiu-se enrubescer. — Não precisa dizer isso, Mitch. — Que outra coisa um homem louco de amor poderia falar? Eu a amo, Jen. Mas talvez tenhamos de passar nosso primeiro Natal separados, porque burlei os esquemas da companhia aérea para chegar logo em casa. Mas valerá a pena, se você me disser que irá se casar comigo e será a mãe de Mary. — Eu... — foi tudo o que ela conseguiu dizer. — Meu amor, é melhor responder depressa ao meu pedido. Do contrário, vou mergulhar nessa banheira e molhá-la. — Beije-me. Talvez então eu acredite que isso realmente está acontecendo. Ele cobriu os lábios macios, sentindo emoções maravilhosas que transcendiam as palavras. Provou-lhe em segundos não haver motivos para temer o futuro. Então, após hesitar um pouco, Jenny o abraçou e apertou de encontro ao corpo. As horas de angústia, a pressão que lhe atormentara o espírito, tudo enfim pareceu desabar sobre os ombros de Mitch, fazendo-o tremer.
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Suavemente, colocando as flores e o ursinho de lado, pegou as mãos de Jenny e as beijou com paixão. Depois, voltou aos lábios tão amados. Seu coração batia tão rápido que lágrimas se formaram em seus olhos. Um segundo depois, ele a erguia, e ao bebê, abraçando-as com todo o amor de seu coração. Subitamente ouviram um barulho de água e, assustados, se soltaram. O bracinho livre de Mary espirrara sabão nos dois. Mitch começou a rir. — Será que está nos dando sua bênção, senhorita? Beijou-a no rosto. Depois, alcançou um dos seios de Jenny e também o beijou. Era um convite que prometia imensas alegrias e a realização de intensos sonhos. — Agora confirme o que tem demonstrado há anos — ele sussurrou. — Tem de me aceitar como marido, sabe disso. Sua avó aprova. Sempre fingiu que não concordava, mas descobri que gosta de mim. Simplesmente não consegue parar de bancar a advogada do diabo. — Eu sei. Teremos de curá-la. Juntos. — Boa idéia. — Mitch sorriu e olhou para a boca bonita. — E então? — Eu o amo, McCord, de todo o coração. — Ainda bem! — ele sussurrou, beijando-a. Em seguida, pegou uma toalha e envolveu-a nela. — Vamos fazer um noivado bem curto, por favor. — Muito curto — Jenny murmurou. Mary brincava na água, feliz. Era o mais doce acordo que Mitch vivenciara. E que, tinha certeza, vivenciaria até o fim de seus dias.
Fim
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A ALIMENTAÇÃO DO BEBÊ Logo após o parto a mulher produz pouco leite (2 ou 3 colheres de sopa). Essa secreção inicial é conhecida como colostro, um líquido branco-amarelado, que é a primeira vacina que a criança recebe depois que nasce. O colostro contém anticorpos da mãe e manterá a criança protegida durante os três primeiros meses de vida. Do terceiro dia em diante, o leite materno já terá adquirido uma consistência mais rala, adocicada e esbranquiçada. Esse aspecto não quer dizer que ele seja fraco e, mesmo se comparado ao leite de vaca, que possui mais proteínas e sais minerais, nada fica devendo a este, pois o fato de ser menos concentrado permite que, além de se alimentar, a criança também mate a sede e não se desidrate.
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Em algumas mulheres, o colostro continua sendo produzido por um tempo mais longo, mas em geral por volta do décimo dia a transição para o leite normal já se efetuou. É importante que, nos primeiros dias, a mulher ofereça o seio sempre que o bebê pedir, isso estimulará a produção do leite, pois a sucção ajuda a liberar dois hormônios: a procrastina, que provoca a produção do leite; e a ocitocina, que age facilitando a saída do leite. Quando a mulher leva o bebê ao seio, ele instintivamente procura o mamilo e suga, mas, durante as primeiras mamadas, às vezes o bebê não está alerta suficiente para sugar o seio. Uma forma de estimulá-lo é comprimir suavemente a aréola entre o polegar e o indicador fazendo com que o leite surja no mamilo, em seguida deve-se trazer a cabeça do bebê para perto do seio e deixar que algumas gotas de leite molhem seus lábios, dessa forma ele reagirá indo à procura do mamilo. A criança estará mamando corretamente quando segura dentro da boca o bico e quase toda a aréola. Quantas vezes? É claro que o bebê é quem vai determinar esse ritmo, mas em geral o número de mamadas para um bebê alimentado só com leite materno segue um padrão geral: - Do nascimento até o final do segundo mês, as mamadas são flexíveis e atendem à fome do bebê, variando de seis a sete mamadas durante o dia e tantas vezes quantas o bebê reclamar durante a noite. - Com três meses, ele mama cinco vezes durante o dia e duas durante a noite. - Aos quatro/cinco meses, as cinco mamadas por dia continuam, já acompanhadas por mais alguma suplementação sólida. - Aos seis meses, ele mama duas vezes por dia, uma pela manhã e outra à noite. - Para o bebê de nove meses, uma mamada por dia, geralmente à noite, é suficiente. Como já dissemos, cada bebê tem suas necessidades, e esse roteiro pode ser alterado conforme sua vontade. NOTAS GERAIS SOBRE ALIMENTAÇÃO - A mamada noturna é outro fator que contribui para a produção abundante de leite. Se a mulher não puder amamentar a criança nesse período, deve retirar o leite manualmente ou com o auxílio da bomba de leite que as maternidades possuem. Entretanto, existem crianças que não solicitam a mamada noturna, dormindo todo o período. - Mamadas mais freqüentes também estimulam o aumento do volume de leite. Para isso, o horário de alimentação deve ser flexível: a intervalos de 2, 3 ou 4 horas durante o dia e durante a noite apenas se o bebê chorar. - Para interromper a mamada, depois da criança ter sugado durante 10 a 20 minutos no primeiro seio, a mulher pode introduzir o dedo mínimo da mão livre entre o canto da boca e o seio, fazendo pressão contra o mamilo. O leite que é liberado nos primeiros minutos do aleitamento costuma ser pobre em teor de gordura, depois, por causa da sucção efetuada no primeiro seio, o leite fornecido pelo segundo será mais rico em gorduras. Portanto, é importante que o bebê possa sugar os dois seios em cada mamada. - Se o bebê receber suplementação de mamadeira durante os cinco primeiros dias de vida, não se esforçará para sugar o seio com a força necessária e, por falta de estímulo, as glândulas mamárias irão produzir pouco leite. - Muitas mulheres, temerosas de que o leite que produzem não seja suficiente para o bebê, passam a complementar a mamada com mamadeiras. Isso apenas fará com que o leite dos seios realmente diminua. Ao invés de complementar as mamadas, a mulher deve oferecer o seio para o bebê com mais freqüência.
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- Também o hábito de dar água ou chá em bicos fáceis de serem sugados podem causar o desinteresse por sugar o seio. Se achar indispensável dar líquidos além do próprio leite para a criança, a mãe deve fazê-lo com uma colherinha. Sempre com carinho Não se deve ter uma preocupação muito grande em relação à quantidade de leite materno ingerida pela criança, instintivamente ela suga o necessário para saciar a fome. Quando o apetite do bebê foi satisfeito, ele dorme e deixa o mamilo escapar espontaneamente. Para evitar que o bebê fique nervoso, a mulher deve segurá-lo no colo sempre que for alimentá-lo, mesmo que ele esteja recebendo alimentação artificial. Ao ser levado ao peito, o recém-nascido deve ficar com a cabeça mais alta do que os seios, esse procedimento evitará que ele engula ar e sinta uma falsa saciedade. Quando isso ocorre, o bebê chora de fome em espaços de tempos menores. Para amamentar confortavelmente o bebê, a mulher pode sentar-se na cama, com as costas apoiadas por travesseiros ou sentar-se numa cadeira sem braços. Um travesseiro colocado sob o bebê ajuda a sustentá-lo sem cansar o braço. E saudável o hábito de fazer a criança arrotar depois que ela mama ou entre a mamada de um seio e outro: com uma fralda limpa colocada no ombro, apóie a criança de encontro ao peito, fazendo com que a cabeça dela repouse em seu ombro. Com uma das mãos, segure-a pelo bumbum, com a outra dê pequenas palmadinhas nas costas. Outro método eficaz é colocá-la de bruços no colo e massagear suas costas. Após o terceiro mês, o bebê pode ser colocado sentado no colo e receber algumas palmadinhas nas costas. A menstruação só costuma reaparecer no fim da amamentação, mas existe a possibilidade de ocorrer uma ovulação durante este período, portanto, a mulher não está livre de engravidar durante o período em que amamenta. QUEM GANHA MAIS COM A AMAMENTAÇÃO NATURAL A amamentação não faz o seio cair, isso ocorre quando a mulher engorda além da capacidade elástica de sua pele. Entretanto, se a mulher se alimentar de forma equilibrada durante a gestação, fizer exercícios físicos moderados e usar sutiãs com boa sustentação pode manter a silhueta dos seios. Outro ponto positivo para a amamentação é que ela ajuda a mulher a voltar à sua forma física mais rapidamente, pois os hormônios liberados ajudam o útero a voltar para o seu tamanho normal e determinam que a gordura acumulada no corpo durante a gestação seja usada para a produção de leite. Além dos benefícios que traz para o bebê, a lista de aspectos favoráveis do aleitamento materno é grande: não ter de esterilizar mamadeiras constantemente; ter o leite sempre pronto, em temperatura e quantidades adequadas são bons exemplos. E a alimentação artificial, quando utilizada desde o nascimento, é apontada pelos especialistas como a causadora das alergias nos recém-nascidos. COMO CUIDAR DOS SEIOS Algumas ocorrências nos seios podem dificultar ou prejudicar seriamente a amamentação, além de torná-la difícil e dolorida para a mãe. A maioria é de simples solução, principalmente se for tratada de modo correto. Veja alguns dos problemas mais comuns a seguir.
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Inchaços Nos primeiros dias, quando o leite começa a fluir em abundância, os seios podem ficar endurecidos e doloridos. As vezes, a aréola incha e o mamilo se retrai, impedindo o bebê de sugar bem. Para evitar isso, a mulher pode, antes de amamentar, fazer compressas mornas nos seios ou tomar um banho morno, relaxante e depois fazer massagens em toda a volta do seio, antes de extrair um pouco de leite até sentir que o inchaço foi aliviado. Pode-se também, nos intervalos entre as mamadas, retirar o excesso de leite e armazená-lo para ser usado mais tarde. O procedimento de preparação dos seios deve ser o mesmo citado acima, a seguir, a mulher fará a retirada do leite, manualmente ou com a ajuda de uma bombinha, e o colocará em uma mamadeira. Não se deve esquecer de esterilizar todos os objetos que vão ter contato com o leite e de lavar as mãos muito bem. Depois, o leite deve ser hermeticamente tampado e levado à geladeira. Nada impede também que seja congelado (no máximo por 3 dias). Fissuras e rachaduras Os seios costumam vazar nos intervalos do aleitamento durante as primeiras semanas, até que o bebê consiga esgotar o leite produzido. O excedente que escorre deve ser removido com água pura, sem o uso de sabonetes ou anti-sépticos que podem causar rachaduras no seio. Outro cuidado que previne rachaduras nos seios é mantê-los sempre secos entre as mamadas. O uso dos protetores descartáveis para seio é o ideal desde que sejam trocados com freqüência. Outra forma eficaz de prevenção é deixar os seios desnudos algumas horas por dia e, se for possível, tomar 20 minutos de sol pela manhã ou no final da tarde também dá bons resultados. SEM SOFRIMENTO Mas, se a irritação já se instalou o jeito é evitar que o bebê sugue o seio afetado durante alguns dias ou usar um protetor de seios de borracha com bico, que deve ser colocado sobre a aréola afetada enquanto o bebê mama. Esse protetor também deve ser esterilizado antes do uso. E preciso observar também o tempo que o bebê suga cada seio: o mínimo é de 10 minutos, mas o tempo de 20 minutos não deve ser ultrapassado. Se o bebê tiver muita fome deve-se diminuir o espaço entre as mamadas. Existem, também, pomadas e cremes que aceleram a cicatrização das fissuras, mas elas devem ser prescritas por um médico. E removidas antes de se oferecer o seio para a criança, mesmo que se esteja usando protetor para amamentar. A alimentação de quem amamenta O equilíbrio na alimentação é sempre a melhor opção para quem amamenta. A mulher deve repor as calorias gastas da maneira mais saudável possível ou seja, seu cardápio deve conter carnes de frango, peixe ou vaca; leite; ovos; frutas frescas, legumes e verduras; massas e batatas. Uma dieta inadequada poderá deixá-la com pouca resistência orgânica, o que faz com que fique cansada e tensa. Com a lactação, a necessidade de líquidos também aumenta, em conseqüência, sucos de frutas e água devem ser ingeridos em abundância. Uma boa maneira de verificar se o organismo está bem hidratado é observando a cor da urina: quando ela fica escura, é sinal de que a quantidade de líquidos não está sendo suficiente. Não se deve abusar de vinho, cerveja, chás preto e mate, café, chocolates e frituras. A carne de peixe deve ser incluída na dieta da mulher que amamenta pelo menos uma vez por semana, pois o iodo que contém é demandado pelo corpo em grande quantidade neste período. Certos alimentos devem ser usados em pequenas quantidades: frutos do mar, enlatados em geral, condimentos fortes como a pimenta e carnes gordurosas como a de porco. Outros, como o alho, a cebola, o rabanete e a mostarda, além de
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alterar o sabor do leite, são responsáveis pelas assaduras dos bebês. Algumas frutas como o morango e o abacaxi, e queijos gordurosos, podem causar alergias em recém-nascidos quando ingeridos pela mulher que amamenta. Da mesma maneira, repolho e batata-doce causam gases. E, por último, vale lembrar que durante a amamentação, regimes para emagrecer são contraindicados, pois podem prejudicar o desenvolvimento do bebê. A mulher que amamenta deve comer por dia, no mínimo: Pão.....................................150g Carne...................................200g Leite/iogurte/queijo branco .................500g Massas..................................200g Queijo gordo............................. 50g Açúcar.................................. 50g Verduras frescas (folhosas)................. 200g Frutas cruas.............................150g Peixe (uma vez por semana) ...............200g Sopa de legumes e carne (frango ou vaca) .... 200g Medicamentos que passam para o leite materno Medicamentos como analgésicos, antibióticos, antiinflamatórios, hormônios (inclusive anticoncepcionais) e determinadas vitaminas são alguns exemplos do grande número de substâncias que vão para o leite materno quando ingeridas. Algumas passam em pequenas quantidades e não fazem mal à criança, mas é preciso sempre consultar um médico para ter certeza de que determinado medicamento não afetará o bebê. ALIMENTAÇÃO ARTIFICIAL Em princípio, toda mulher pode amamentar seu filho. Algumas, no entanto, não conseguem ter leite devido à tensão, à ansiedade ou mesmo porque determinados fatores de sua saúde física as impedem. Alimentar o recém-nascido com mamadeira é então o caminho a ser seguido. Em algumas cidades, existem bancos de leite humano que fornecem leite para que o recém-nascido possa receber leite materno durante as primeiras semanas. Uma das vantagens de se usar mamadeiras é que o pai ou outras pessoas podem dividir essa tarefa com a mulher, muitas vezes ainda abatida. Outras se sentem ansiosas quanto à quantidade de leite ingerida pelo bebê no seio e só vendo-o alimentar-se pela mamadeira, se convencem de que o bebê está se alimentando bem. Entretanto, a mamadeira exige constante vigilância sobre a higiene de todo o material utilizado, da própria mamadeira a todos os utensílios envolvidos, para que a proliferação de bactérias não provoque vômitos e diarréias. Outra grande desvantagem é que a mulher tem de secar o próprio leite, o que às vezes causa grandes desconfortos. Neste momento, procurar o médico é indispensável, pois muitos medicamentos podem ser de grande ajuda, desde que a prescrição venha de um profissional de confiança da mãe. Medidas práticas para dar mamadeira Para tomar mamadeira, o bebê deve ficar com a cabeça mais alta que o corpo, pois os canais abertos do ouvido — que se comunicam com a faringe — abrem-se quando ele engole, e, se a criança estiver deitada, pode haver a penetração do leite, uma causa comum de otite.
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A temperatura do leite deve ser de morna a fria. E aconselhável manter a criança no bebêconforto por 40 minutos depois de ter tomado a mamadeira ou segurá-la ao colo por 10 a 15 minutos antes de deitá-la. Depois da mamada, deve-se limpar o rosto da criança com um pano úmido. O leite que o bebê deixou na mamadeira deve ser jogado fora, assim como o que foi aquecido e deixou, por qualquer motivo, de ser usado, pois pode desenvolver bactérias nocivas ao bebê. A MAMADEIRA Ao ser introduzida na alimentação do bebê, este importante item, traz duas vantagens imediatas: permite que se saiba exatamente quanto o bebê está ingerindo a cada mamada e que outra pessoa possa se incumbir dessa tarefa, antes exclusiva da mãe. Mas também traz toda uma rotina de cuidados que a alimentação natural dispensa, como a escolha do modelo a ser usado e a rigorosa higiene a ser observada, tanto da própria mamadeira, como dos demais apetrechos envolvidos na tarefa. As garrafas das mamadeiras As melhores garrafas são as de vidro, fáceis de esterilizar e que se mantêm transparentes mesmo após o uso prolongado. Muitas mulheres preferem as de plástico, embora elas tenham menor durabilidade, pois riscam, ficam manchadas e podem absorver o odor característico do leite e de outros alimentos. Caso vá usá-las, esteja atenta quanto ao seu estado de conservação e não deixe de substituí-las sempre que achar necessário. Também existem agora, no mercado, mamadeiras importadas que são descartáveis e facilitam muito a vida de quem pretende viajar. Os bicos Os bicos para as mamadeiras são encontrados em diversos formatos no mercado. Deve-se escolher os que melhor se adaptem ao bebê: os bicos de formato natural imitam o ato de sugar ao seio; os de silicone, denominados de bicos anticólica, permitem que o ar penetre na garrafa e impedem que o bebê engula ar; os bicos de base larga e bico semelhante ao mamilo feminino servem apenas para bebês até os quatro meses de idade; ou os de formato padrão. Para se saber se o furo do bico da mamadeira está correto, deve-se virar a mamadeira cheia de leite e sacudi-la, o leite deve cair em gotas. Se escorrer o bico está furado demais e fará a criança engasgar. Por outro lado, se o leite não sair, o furo está pequeno demais e o bebê, além do esforço para sugar, irá engolir grande quantidade de ar. Bicos com furo grande servem apenas para líquidos espessos como leite engrossado e vitaminas e são reservados para crianças após os quatro primeiros meses de vida. Com a palavra, a higiene Todos os objetos que vão ser utilizados no preparo da alimentação infantil devem ser rigorosamente limpos e esterilizados, mesmo que sejam novos, inclusive tesouras e abridores de latas, até a criança ter um ano de idade. Assim que o bebê acabou de mamar, esvazie a mamadeira, passe água no bico, na mamadeira e na rosca e deixe de lado. Quando restar apenas uma mamadeira pronta na geladeira, deve-se proceder à limpeza dos utensílios para o preparo das novas. Numa bacia plástica comprada apenas para esta finalidade, coloque água quente e detergente e lave todas as peças muito bem. Tome uma a uma as garrafas e, com o auxílio da escova, retire os restos de leite. Passe sal dentro dos bicos e pressione entre o polegar e o indicador a ponta para desgrudar o leite aderido. Enxágüe todas as peças e passe uma agulha pelo orifício dos bicos.
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Para esterilizar os objetos, pode-se usar uma panela grande, cheia de água fria, onde os utensílios limpos, lavados com água e detergente, são colocados. As mamadeiras devem ser postas de pé, destampadas, tomando-se o cuidado de enchê-las com água, assim como as tampas, para que não flutuem; e, por último, vão os bicos e as roscas. Lave a panela tampada ao fogo, depois que levantar fervura, deixe por 25 minutos e desligue. Assim que esfriar, escoe a água com o auxílio da tampa. Mantenha a panela tampada até usar os utensílios. Nunca seque os objetos com pano de prato. Sempre que for manipular os apetrechos esterilizados, lave as mãos com água e sabão, enxaguando muito bem. Para se esterilizar com substâncias químicas, usa-se um recipiente esterilizador, de preferência com bóia — para que os utensílios fiquem submersos —, água fria e líquido ou pastilhas de esterilização. Depois de dissolvida a substância esterilizante, coloque as peças, como indicado acima, agite bem para que saia totalmente o ar das garrafas e bicos, coloque a bóia e tampe. Deixe o tempo necessário prescrito na embalagem do produto esterilizante. Retire apenas as peças de que for precisando e enxágüe-as com água fervente, depois coloque-as para escorrer sobre papel-toalha. A solução esterilizante dura 24 horas e os utensílios podem ficar imersos nela durante esse período. Pode-se também usar o esterilizador elétrico a vapor, bastante prático e rápido, mas ele serve apenas para a esterilização das mamadeiras. UTENSÍLIOS PARA O PREPARO DAS MAMADEIRAS 8 mamadeiras de 250 ml 2 mamadeiras de 125 ml 5 bicos extras Funil de plástico Colher de plástico Faca de plástico Sal de cozinha (usado apenas para este fim) Tesoura pequena Jarra de vidro graduada (opcional) Bacia plástica média Escova para limpar garrafas Esterilizador (opcional) Líquido ou tabletes de esterilização (se for utilizar o item acima) Panela grande (se for usar os utensílios em água fervente) Aparelho elétrico de esterilizar a vapor (opcional) Panela pequena para aquecer água Panela média para preparo de mingaus (para os bebês maiores) QUE LEITE USAR? Leite de vaca O leite in natura deve ser fervido logo depois de comprado e guardado na geladeira em recipiente de louça ou vidro tampado, e utilizado, no máximo, em 48 horas. No caso de se usar leite longa vida, a fervura fica dispensada, mas, após aberta a caixa, deve-se guardá-la na geladeira e seu consumo também não é aconselhado após 48 horas. Outro cuidado indispensável é levar as embalagens com água e sabão antes de manuseá-las, além, é claro, de verificar o prazo de validade do produto. Se usar leite em pó, a lata deve ser fechada e colocada em lugar seco e arejado. Mesmo que o prazo de validade não esteja vencido, depois de aberta a lata, ele deve ser
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consumida em 15 dias. Em geral, o leite de vaca, em pó ou líquido, é diluído com água filtrada e fervida pouco antes de ser dado para a criança. Leite em pó modificado O leite em pó modificado costuma ser bem tolerado pelo recém-nascidos e tem um rigoroso controle da composição de seus nutrientes, além de apresentar boas condições de higiene. Ele é chamado modificado porque parte de seus componentes originais foram substituídos ou diminuídos para que ficasse com uma composição próxima da do leite materno e não precisa ser adicionado de açúcar ou farinhas. O leite em pó modificado se classifica em duas categorias; para bebês recém-nascidos (0-5 meses) e para bebês crescidos (6-12 meses). Em algumas marcas, o leite já vem adicionado de ferro e vitamina D, dispensando suplementação dessas substâncias. Antes de abrir a lata, deve-se lavá-la com água e sabão e, após o uso, fechá-la e colocá-la em lugar seco e arejado. Mesmo que o prazo de validade não esteja vencido, depois de aberta, a lata deve ser consumida em 30 dias no máximo. Em geral, o preparo do leite em pó segue as indicações do rótulo à risca, para que o bebê tenha uma alimentação equilibrada. Se as medidas de leite forem muito concentradas ou diluídas a saúde da criança ficará comprometida. Durante as primeiras semanas, deve-se oferecer 80 ml de leite em cada mamadeira e experimentar a fome do bebê, se ele suga tudo, pode-se ir aumentando a quantidade aos poucos, de 10 em 10 ml. COMO PREPARAR AS MAMADEIRAS Lavar bem as mãos, retirar do esterilizador ou da panela em que foram fervidos os bicos, madeiras e os outros utensílios que serão utilizados no preparo das mamadeiras. Enxugar apenas a faca. Numa panela, utilizada apenas para este fim, coloque água filtrada e ferva. O mais prático é preparar o leite diretamente nas garrafas de mamadeiras e guardá-las na geladeira, aquecendoas em banho-maria momentos antes de usar. Alinhar as garrafas e, em seguida, colocar a medida exata de água em cada uma delas. Medir o leite em pó, sem apertar o pó na medida e retirar o excesso com a faca. Adicionar as medidas de leite em pó sobre a água fervente, observando rigorosamente as quantidades recomendadas. Feche a mamadeira sem colocar o bico e agite bem. Abra a mamadeira e coloque o bico virado para baixo (ele não deve tocar o leite). Feche novamente a garrafa e reserve. Repita esse processo com as outras garrafas. Depois de frias, leve-as à geladeira por até 24 horas. O leite pode ser preparado dentro de uma jarra graduada pelo mesmo procedimento, mas deve-se usar uma colher de plástico esterilizada para dissolvê-lo. Depois, com a ajuda de um funil esterilizado, passar o leite para as garrafas.
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HELEN R. MYERS satisfaz sua preferência por um estilo de vida recluso morando em Piney Woods, no oeste do Texas, com o marido Robert e diversas espécies de animais que habitam seu rancho. Escrever é sua maior paixão e dar a cada livro um sabor diferente, uma permanente ambição. Incansável, diz que isso a ajuda a escrever e explica: — Faz-me alcançar novas fronteiras e experimentar variadas sensações. Em 1993 a associação dos escritores da América concedeu-lhe premiação por ser autora do melhor romance contemporâneo do ano.
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