Boletim Confluencias 22

Page 1

B OLE TI M E S COLAR

Confluências

Confluências

(2ª Série) março / abril 2013

“… é fraqueza/ Desistir-se da cousa começada.” Camões, Os Lusíadas, c.I, est.40 O Dia da Escola “UM DIA E UMA NOITE COM LUÍS VAZ NO CAMÕES” aulas abertas, pintura de um painel leitura de textos de Camões palestras cartografia náutica exposição anglófona de traduções de Camões e escritores ingleses do tempo de Camões projeção de excertos de filmes dedicados a Camões e aos seus textos música do século XVI exposição de um plátano realização de uma quermesse exposição bibliográfica e documental sobre a camoniana da escola exposição dos trabalhos das turmas de artes… entrega dos prémios aos vencedores do VIII Concurso Literário Camões jogos tradicionais dança indiana demonstração de esgrima danças de roda canções baseadas em textos de Camões apresentação do coro Camões com canções quinhentistas apresentação de algumas especiarias e trajes orientais espetáculo de fogo e malabarismo comes e bebes

Os jornalistas José Carlos Vasconcelos e Joaquim Letria falaram da personalidade incontornável de Álvaro Cunhal, do seu caráter de homem e de político. O encontro, precedido pela representação de uma passagem de Até Amanhã, Camaradas, foi moderado pelo professor Francisco Pereira. Nesta edição: Scriptomanias

p. 2

Concurso Literário Camões, VII edição pp. 3 - 8 p. 9 Em Alemão Clube Ler Para p. 9 Viver Um dia com Luís p. 10 Vaz Apontamentos

p. 11

Breves

p. 12


Foto de António Souto

Página 2

Confluências SCRIPTOMANIAS

Ela Quando escreveram o famoso ditado de conforto “Depois da tempestade vem a bonança”, não pensaram em escrevê-lo ao contrário. Depois de ter passado dias com aquela que vinha a ser a minha alma gémea, ela faleceu. A minha avó faleceu. Eu sabia que ia acontecer, só não sabia que seria naquele momento. As ondas inacabáveis que descontroladamente e sem pedir autorização apareciam no meu rosto, nasceram depois do discurso reconfortante dos meus pais. Minutos de silêncio antecederam-nas. Ouvia

O que aprendi com a minha leitura de Que farei com este livro, de José Saramago? No âmbito do contrato de leitura da disciplina de Português foi necessário realizar a leitura de um texto dramático, pelo que, após algumas pesquisas, acabei por escolher Que farei com este livro?, de José Saramago. Quando comecei a minha leitura estava relutante, nunca tinha lido um livro de José Saramago, mas após as primeiras páginas pude reconhecer a genialidade do autor, tendo por isso terminado de ler o livro logo no dia seguinte. O livro remonta ao ano de 1570 (e termina em 1572), tratando de problemas como a publicação de Os Lusíadas por Luís de Camões e a crise de sucessão criada por D.

Título: Confluências Iniciativa: Departamento de Línguas (Grupo Disciplinar de Românicas) Coordenação de edição: António Souto, Manuel Gomes e Lurdes Fernandes Periodicidade: Trimestral Impressão: GDCBP Tiragem: 250 exemplares Depósito Legal: 323233/11 Propriedade: Escola Secundária de Camões Praça José Fontana 1050-129 Lisboa Telefs. 21 319 03 80 - 21 319 03 87/88 Fax. 21 319 03 81

o bater do meu coração ao ritmo dos instrumentos que soavam na minha cabeça. Os meus olhos cerravam-se. Perguntava-me qual fora a sua última imagem, o seu último pensamento, o seu último desejo. Lembro-me do profundo relevo que lhe inundava a face, de cada traço que contava uma história, dos olhos cor de mar, do cabelo cor da paz e do carinho que transbordava do seu coração. Não me despedi dela, não tive coragem. Sei que estará algures, em paz…

Sebastião, na altura em que Portugal perde a sua hegemonia e passa a ser um país em crise, algo que para os meus contemporâneos é fácil de compreender… Um dos aspetos do livro que mais apreciei foi que, regressando a 1570, regressa também aos costumes do séc. XVI e, portanto, as personagens falam o português da época, o que, combinado com a grande capacidade de escrita, o autor constrói diálogos entre as personagens muito interessantes – sendo um dos meus diálogos favoritos aquele em que Luís de Camões tem de argumentar com o Frei Bartolomeu Ferreira para que a Inquisição autorize a publicação de Os Lusíadas. A leitura deste livro trouxe-me ainda conhecimentos sobre a crise de sucessão que ocorreu com o “desaparecimento” de D. Sebastião, as circunstâncias que estiveram na origem desta crise e as várias perspetivas acerca desse problema. Após a leitura, fiquei muito curioso a respeito de José Saramago, que até então quase me era desconhecido, à exceção de saber que era um português que recebera o prémio nobel da literatura. Ler a autobiografia de José Saramago foi ainda algo que me emocionou, devido às dificuldades pelas quais a sua família passou e às condições em que viveu. A frase que mais me impressionou na sua

(-) Com uma lua teimosa e com um sol que tarda em se mostrar reina nesta madrugada uma luz terna e gentil com o horizonte a alargar-se a uma dimensão em que se cansa de existir estou sozinho com o mundo

Daniela Campos, 10º E autobiografia foi “livros meus, comprados por mim, ainda que com dinheiro emprestado por um amigo, só os pude ter aos 19 anos”, embora tal não o tenha impedido de desenvolver a sua vocação para a escrita e chegar a ser mundialmente conhecido. Concluo assim que fiquei satisfeito com a minha leitura do 2º período escolar, fazendome ter vontade de conhecer mais sobre este autor, ler mais obras escritas por ele, assim como continuar a questionarme acerca de Os Lusíadas, obra em torno da qual existe muito mistério e que a maioria dos autores portugueses não pode deixar de mencionar, pois é a expressão máxima da cultura portuguesa e de tudo aquilo de que nos podemos vangloriar.

Manuel Ribeiro, 10º A

e reclamo esta madrugada como parte dos meus pecados quotidianos chamo-lhe paz pois ela é minha e eu nela incutido à medida que o dia acorda e a minha alma desperta somos paz, nada mais. Leonardo Janeiro, 12º G


Página 3

Atuação de Filipa Pais acompanhada ao piano por Paulo Sousa e percussão por Rui Alves

Confluências Concurso Literário Camões VII edição Nazaré da Silva ao piano, Rui Alves na percussão

Os apresentadores – Ana Catarina Sousa e Ricardo Silva Maria João Pica cantando “Enquanto quis fortuna que quisesse”

O júri de Poesia – professoras Ana Enes, Lídia Teixeira (António Souto, ausente) e aluno José Francisco Lemos

As organizadoras – professoras Lídia Teixeira e Teresa Saborida

Poesia – Pedro Fonseca (1º prémio)

Poesia – Catarina Letria (2º prémio) Poesia – Adriana Jorge (menção honrosa)

Poesia – Inês Palma Felizardo (3º prémio) Diogo Martinho tocando “Lady Labyrthinth”

Ana Margarida Botelho cantando “Alma minha gentil que te partiste” O júri de Conto – professoras Adriana Remédio, Paula Mota e Lina Marques e aluno André Baptista

Conto – Diogo Gomes (3º prémio)

Conto – Leonor Andrade (1º prémio)

Conto – Dinis Tomás (menção honrosa)

Conto – João Santos (2º prémio)

Fotos da cerimónia de entrega dos prémios gentilmente cedidas por BE/CRE


Página 4

Confluências Concurso Literário Camões VII edição “Esta 8ª edição do Concurso Literário Camões satisfaz mais uma vez o desejo de esta escola cumprir um dos seus fins, o de impulsionar, junto dos alunos, as tarefas criativas de leitura e de escrita. Em boa hora o tem feito e o resultado, como no dizer do poeta, tem valido a pena, porque a “alma” dos alunos tem correspondido. Salienta-se e louva-se a transposição para a ficção poética a vivência da e na escola. A todos os seus autores, por igual, a nossa gratidão. Sentimento que tornamos extensivo a quantos, formal ou informalmente, colaboraram e tornaram possível esta iniciativa.” Lídia Teixeira e Teresa Saborida (Comissão organizadora), abril 2013

1º Prémio – Poesia Pedro Manuel R. dos Santos Fonseca, 12º A

Café Concerto Chuva e névoa húmidas, Ciano filtro da luz solar, Sintonizadas, reproduzidas Nas janelas do meu lar A cada badalada tomando Tom fluvial, lacustre, marinho. Ao som do rádio tocando Ajusto o meu colarinho. Já noite dentro, sozinho, Numa fossa abissal; A camisa é de linho, Igual ao véu sepulcral De silêncio que se abate Quando me preparo para sair; Há, porém, um cão que late E as gotas do céu a cair. Este azul, aquático dia

2º Prémio – Poesia Catarina Lobo Vasconcelos Letria, 10º L

Meras suposições Estás sentada à minha frente. O teu cabelo crespo, loiro e áspero Esconde os sulcos profundos do teu rosto. Os teus olhos, de um castanho desbotado, Espelham o sem-vontade Com que enfrentas a luz do dia, ao acordar. Seguras a cabeça com uma das mãos. Dedos grossos, unhas encardidas, a pele seca.

3º Prémio – Poesia Inês de Valsassina Teodósio Palma Felizardo, 10º L

Cansa-me esta gente Fatiga-me a falta de vontade dessa gente, Que se deixa flutuar ao longo da corrente E de mim espera a rendição, Pois. Mas não. A mim não me convencerão Da virtude dessa mediocridade, Da glória infértíl da criatividade, Porque além dessa maré,

Preparou-me para a penumbra, Moldou-me no que eu queria: Uma diminuta ouvinte sombra. Que escorrega por caminhos Para ir ouvir cantar, Nas caves, os doces vinhos Do êxtase auricular. É neste café cor de jazz Que pairo pela noite fora; Onde perco sem que me pese Noção do minuto, da hora... Deste dia mesmo até Que me anegava num oceano D’Onde não me salva a fé Mas uma voz e um piano. “Eu cantarei de amor tão docemente” Vi eu escrito nessa pauta Que quem canta nos lábios sente, Com sopros doces de flauta, Ou ásperos timbales, Ou aveludadas liras. Preciosa voz não te cales, De rubis, opalas, safiras.

Muito mais havia No segundo plano; Ora gente em folia, Ora um eco arcano. Nada disto aos sentidos durou Senão, porém, um ardor Purpúreo, carmesim ou bordeaux, Como se veste uma flor. Baixo-relevo? Retalho? Não, renda! De classe, um acervo... Haverá quem entenda? Flama visual De nobre postura, Pelo palco teatral Deslizando a figura De quem incendeia Minh’alma sonando Um timbre de sereia No culminar, quando O melódico vocal Acelera livremente Por uma escala musical

De todas diferente. Seu corpo orquestral, no cume, Segue o seu coração, Compassado crepita qual lume E meneia no ar a mão Sentido tudo na sua pessoa Desempenhar a sua função: Mutando-a em música boa; Em ninfa ou deusa da canção. Aquela mão que abre e fecha É um músculo a bombear A paixão química que a deixa Sem receio de errar. Amor inato à harmonia Que o erro inviabiliza, E é por esta via Que o talento a caracteriza. Que elegância quente, sublimada E de dom vocal poderoso Roubou a noite pela calada? Foi um sonho; maravilhoso...

Com a outra, ajeitas a camisa florida De pano barato.

Não pensar em nada. Nunca pensar em nada. Nunca interrogar nada.

(Porque para esse alguém, A vida não é mais que sardinhas.) Não te conheço, Nem é provável que algum dia te conheça. Estás à minha frente e não sei o que pensas. Tudo isto não passa de suposições. Se este meu pensamento de especular tudo sobre a vida de todos, De teimar em perfurar a vida de alguém, Se esvaísse como fumo, Lentamente, Eu seria mais leve.

Trabalharás decerto numa fábrica Ou numa cozinha de restaurante Ou a limpar casas de banho nas salas de espetáculo Que nunca frequentaste, nem sabes bem para que servem. Vais para o trabalho num sono, Num transe Que te comanda a vida. Não pensas em nada. Deixas isso para os que não têm mais nada que fazer E para os escritores, loucos e inúteis. Talvez assim tudo seja mais simples.

Só reza a desilusão. O meu gozo é a aventura! Esses que se aconchegam no seu torpor de ignorância, Que para além de si só deixam a insignificância, Não confiro a legitimidade De me condenarem a "vaidade", De me censurarem o desinteresse Por tudo o que é fácil e barato. O meu gozo é a aventura! Desprezo o dogmatismo do antigo, Que venham as cordas, que venha o castigo!

Assim não darás conta de que nasceste Para enriquecer alguém. Alguém que não sabe sequer quem és, Nem que tens vida, Nem que existes. Alguém que apenas precisa que todos os dias As tuas mãos ásperas encham latas E latas E latas E latas De sardinhas. Que me excomunguem, Já que para mim o pecado (E toda a fonte do meu enfado) É renegar ao espírito livre que me foi dado! Por isso, os senhores conformados Que fiquem com os seus caracóis domados. Os meus afoguear-se-ão ao sol. O meu gozo é a aventura! Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades E essa raça ainda perdendo tempo com futilidades! Esse é o sangue envelhecido e flácido

Mas que posso eu fazer, Se não passo de um mero especulador Cansado de viver a vida dos outros?

Que para mim é como ácido E me corrói a juventude. E se insinuam ter piedosas intenções, São dislates! No mínimo invenções! O meu gozo é a aventura! Deixem-me ser, correr! Ser Ieda! Cunharei a minha própria moeda A custo da desaprovação Dos que alheios são Ao sentimento de liberdade. O meu gozo é a aventura!


Página 5

Confluências Concurso Literário Camões VII edição O busto é um fumador passivo!

Menção honrosa – Poesia Adriana Jorge, 10º E Erros meus má fortuna amor ardente Olhos chorosos sede de beijos chama crescente Alma despida saudade temida sonhos em vão Tudo perfeito amor enfim uma ilusão E depois o regresso o carinho a emoção Sentimento doce desejo intenso prazer proibido Meu amor minha loucura meu peito rendido Tudo perfeito porque tudo pode uma afeição

1º Prémio – Conto Leonor Andrade, 11º A

O busto – Sou orgulhoso, sou. No entanto, creio ter razões para o ser. Não é qualquer um que ocupa diariamente o cargo de representar o nosso grande poeta. Estou aqui, dia após dia, à entrada desta escola; vejo caras novas em setembro, e em junho já as conheço finalmente todas. Por vezes olho estas criaturas como sendo uma ameaça para a sobrevivência do edifício. Talvez muitas nem o sejam, mas provavelmente penso assim por respeito às longas horas que, durante a noite, dedico a fazer pequenos arranjos aqui e ali de modo a que a escola não desmorone.

Chegado fevereiro, comecei a ter uma carga enorme de trabalhos, testes e outros afazeres e fui deixando de ter tempo para esperar que todos fossem para casa, e deixei por isso de falar com o busto. A nossa amizade agora baseava-se em olhares cúmplices entre os dois conhecedores do maior segredo do liceu. Numa quarta-feira à tarde, encontrava-me eu na biblioteca a estudar física quando, repentinamente, o piano me chamou. Quase suplicava para que eu tocasse uma peça, por mais pequena que fosse. Depois explicou-me que desde a segunda-feira anterior que ninguém o fazia porque, nesse mesmo dia, tinha acordado extremamente desafinado. Não toquei nada, por respeito ao conceito de melodia e por respeito aos compositores das peças. Nessa mesma tarde, reparei que as plantas da biblioteca, por mais que o Sr. Ferreira tratasse bem delas, estavam com ar tristonho, prestes a murchar. Todo aquele espaço, habitualmente tão acolhedor e confortável, estava naquele dia sombrio, frio e já nem as folhas dos plátanos da fachada se atreviam a espreitar pela janela. Umas horas mais tarde, fui até às catacumbas com o objetivo de ajudar na preparação do Café-Concerto cuja data se aproximava, e deparei-me com os membros do grupo organizador, todos irritados uns com os outros, com o chão mais sujo do que o normal e também com um barulho insuportável proveniente da aula de basquetebol que ocorria no ginásio.

Esta é uma amostra dos pensamentos do busto de Camões que guarda fielmente a nossa escola. Há um segredo que eu não devia revelar a seu respeito, mas na verdade ele pode comunicar. Certo dia, estava à espeAquela não era a escola a que eu me tinha ra que os meus pais me viessem buscar após uma longa reunião e, como se fosse totalmen- acostumado! Para onde tinham fugido a simpatia e a calma que, na minha opinião, a te normal uma pedra falar, o busto perguncaracterizavam? tou-me as horas; e como se fosse totalmente normal falar para uma pedra, respondi-lhe. Passaram-se alguns dias e a situação não A partir desse dia comecei a ficar na escola melhorava: as folhas dos plátanos e os pólens precoces amontoavam-se em ambos os pátios até um pouco mais tarde para lhe contar o porque a motivação para os varrer desaparemeu dia, e para ele exercitar a fala, contando-me histórias incríveis às quais ele assisti- cera; tanto o Camusicando como o concurso ra em tempos. Pedia-me por vezes para repa- de cultura musical foram cancelados por rar nas remodelações que tinha feito na noite falta de adesão e público; algumas turmas pareciam estar em greve de silêncio e outras anterior. Eu acredito mesmo que sem ele, a em greve de fome; o piano continuava desafiEscola Secundária de Camões já não teria nado e as flores continuavam murchas. condições para nos receber! Durante muitas semanas falámos quase diariamente. Eu era a única pessoa com quem ele conversava. Nunca me explicou as suas verdadeiras razões para isso, mas eu cá desconfio que o busto não gosta especialmente de grande parte dos alunos, e também professores, que lhe vão fazer companhia nos intervalos. Provocam-lhe problemas de pulmões e tosse, que ele se esforça por disfarçar.

Certo dia, por volta da hora de almoço, vejo a minha professora de português a ter uma espécie de ataque de fúria. Parecia correr em todas as direções, segredava coisas a alguns plátanos, gritava com outros… por vezes até parecia imaginar verdadeiros diálogos com eles. Numa situação normal, os alunos teriam rido imparavelmente, e talvez alguns fossem ajudar a docente a acalmar-se,

mas entre os acontecimentos estranhos dos dias anteriores, aquele foi apenas mais um, ao qual pouca gente prestou atenção. Vim a saber pelas tílias, que se situam entre os gabinetes de química e física, que a professora tinha dado pela falta do exemplar raro de 1764 de Os Lusíadas, que existia na biblioteca e isso tinha interferido com o seu sistema nervoso. Fizeram-se investigações minuciosas e a professora foi aconselhada a permanecer uns dias numa associação de recuperação. Durante todos estes últimos dias, não conversei com o busto; confesso que também eu fiquei transtornada com o desaparecimento, mas após uma semana de buscas sem resultados, fui finalmente fazer-lhe uma visita. Fiquei feliz porque ele admitiu que tinha saudades minhas. Relatei-lhe os comportamentos estranhos que tinham ocorrido. Falei-lhe do piano e da sua desafinação. Perguntei-lhe se ele não se dedicaria numa daquelas noites a tratar dele. Falei-lhe também de outros problemas no soalho do ginásio e nas janelas rachadas. Falei, falei, e ele apenas ouvia. Depois surgiram uns segundos de silêncio em que eu me perguntava silenciosamente se ele tinha estado com atenção. Senti então uma hesitação e logo a seguir ele falou:

– Eu admito, nos últimos dias não tenho feito a manutenção necessária. Mas tenho uma razão! Há cerca de duas ou três semanas, estava a organizar e limpar as prateleiras preciosas da nossa biblioteca e encontrei um magnífico exemplar da epopeia de Camões que não consegui impedir-me de trazer comigo para reler. Após estas palavras, paralisei. Todas aquelas intermináveis buscas foram em vão? E como iria agora dizer-lhes que encontrei o livro? Não podia simplesmente revelar-lhes a verdade. Afinal é uma pedra que ninguém desconfia que fala e que se move. Também não podia aparecer lá com o livro na mão dizendo apenas que o encontrei, sem dar mais detalhes. Fiz-lhe prometer-me que na noite seguinte o voltaria a colocar no sítio. O busto cumpriu. No dia seguinte, fui como que ajudar nas investigações, e miraculosamente encontrei Os Lusíadas, há tanto procurados! A escola secundária de Camões tem uma espécie de coração, que se encontra protegido por umas centenas de outros livros. Concluí-o porque as plantas reanimaram, o piano voltou a ser utilizado, o liceu voltou ao seu ambiente natural, e o seu guardião voltou às suas tarefas noturnas, como homenagem ao patrono Luís de Camões.


Página 6

Confluências Concurso Literário Camões VII edição escola. Decide então voltar para a antiga biblioteca e, ao abrir a porta, encontra vários livros espalhados no chão e uma prateleira caída. SurPortões fechados preendido, olha de relance para os livros e descobre um Hamlet e uma ou Era uma tarde chuvosa e cinzenta, duas Odisseias. Pousa a sua pasta na até mais do que o normal, e sob o mesa e começa a arrumar os livros, abrigo de um guarda-chuva de pouca folheando-os sempre primeiro. qualidade, António Cruz, bibliógrafo e Algum tempo depois, ouve um especialista em Luís de Camões, barulho seco vindo do corredor e com apressava-se por chegar à biblioteca algum nervosismo apressa-se a ir ver. do famoso Liceu Camões. Assim que Ao não descobrir a fonte do ruído, entrou, certificou-se de que estava volta, mas a sua pasta assim como a sozinho e sentou-se na mesa que rara edição de 1764 d’Os Lusíadas continha o número 10 escrito. Tal haviam desaparecido. Desta vez, como esperava, encontrou um enveloconfuso e um pouco irritado, chama pe castanho colado debaixo da mesa. por alguém, mas nada ouve em resAo retirar os óculos da pasta, reparou posta. Agora, em completo silêncio, no silêncio em que se encontrava. A põe-se à escuta e muito ao longe ouve única luz existente era a do candeeiro vários sons, que lhe pareceram ser da sua mesa e o único barulho audível passos numa escadaria. Pousa a mão era o de dois mosquitos às voltas na sobre o bolso e verifica que, embora o lâmpada. Com algum nervosismo seu caderno de notas lá estivesse, o arrancou a fita-cola do envelope e seu telemóvel ficara de novo em casa abriu-o com extremo cuidado. No seu como muitas vezes acontecia. Procura interior encontrava-se o Santo Graal pelos corredores as escadas que podedos camonianos, um verdadeiro tesouriam produzir tal som ao serem pisaro literário com três séculos de histódas e, depois de dar leves pancadas ria, uma edição tão rara que apenas com os pés e mãos em vários degraus dois livros tinham sido impressos, diferentes, descobre que um deles tendo um ido parar às mãos de um continha uma runa esculpida de tal monarca turco e desaparecido rapidamaneira que quem passasse nunca mente. Esta era a mais rara das edirepararia. Identificou-a como sendo ções d’Os Lusíadas de Luís Vaz de idêntica a um dos símbolos presentes Camões e o nosso caro bibliógrafo nos apontamentos do livro. Consultou tinha-a nas mãos. o seu caderno por um breve instante e Abre suavemente o livro e contemcom um leve sorriso na cara enconpla a refinada escrita e os desenhos trou o que esperava. Segundo o autor marítimos. Com o virar das páginas, das notas enigmáticas, aquele raio deuses, musas e monstros marinhos sobre a garrafa de vinho indicava um eram descritos com a beleza que apelugar, um lugar que o autor não chenas os antigos sabiam usar. Ao analigou a encontrar pois, nas suas notas, sar com mais atenção a obra-prima, escreveu: “No Olimpo, Júpiter se reparou que existiam pequenos aponbanqueteia mas uma mente perversa tamentos e notas que alguém havia tudo observa e tudo planeia. Sob o deixado e, em cada página, havia vinho e o relâmpago estará o mais algum tipo de enigma que remetia nobre tesouro, só eu não pude chegar para os acontecimentos descritos no a tocar nesse belo ouro”. Relendo texto. Depois de apontar no seu cadervárias vezes as notas, António toca no algumas das anotações, olhou para com o punho no degrau e o som espao relógio: já passava das vinte horas e lha-se por dentro da pedra. Era oca. tinha um gato faminto à sua espera Agora mais confiante, embora em casa; por isso, decidiu deixar os sempre cauteloso, dá várias pancadas enigmas para mais tarde. Pensou na e percorre o degrau até chegar a uma sorte que tinha por ter sido escolhido pequena portinhola que dizia: “Zona pela Sociedade Camoniana para anadas caves em remodelação, dirija-se lisar as obras literárias do Liceu ao pátio para entrar na zona livre”. Camões e especialmente aquele curioLevanta a cabeça e observa o pátio; so exemplar; sabia que estaria um voltara a chover e o pátio encontravaenvelope à sua espera, mas não imagise escuro e ventoso; sem receios desce naria que tal cópia do livro estivesse até ele. Como se habituara a pesquidisponível para si; estes pensamentos sar raridades na penumbra das biblioocupavam o nosso especialista tecas, trazia sempre a sua lanterna de enquanto caminhava em direção à bolso e um pouco às apalpadelas saída da escola. Mas, quando desperta encontrou a entrada para as caves. de novo para o mundo, dá de caras Reparou que havia água no chão e com os portões fechados. Procurou por deduziu que seriam pegadas. Estava alguém, mas já era tarde e ninguém mais quente e uma fraca luz provinha se encontrava no recinto. Já lhe tinha de uma esquina ao fundo. Continuou acontecido noutras ocasiões, como na a andar, fazendo o mínimo de barulho biblioteca do convento de Mafra ou na possível; quando chegou à esquina Torre do Tombo, mas nunca numa ouviu uma voz: “Sim….sim cla-

2º Prémio – Conto

João Lucas Freitas dos Santos, 10º F

ro….tenho-o mesmo aqui….” Ouvindo isto, António chega-se para trás e o seu ombro bate numa prateleira. A voz calou-se de repente. Virou a cabeça para a esquina e subitamente um homem investe contra ele e deixa-o deitado no chão. O homem regressou à conversa, tentando despachar quem estivesse do outro lado e António repara na tatuagem desenhada no braço do agressor, um fundo azulescuro, algumas embarcações e uma grande nuvem emergindo do oceano. Aquela nuvem estivera numa das páginas d’Os Lusíadas, na página em que aparecia o Adamastor, esse colosso marítimo que atormentara os marinheiros portugueses a caminho da Índia. Pensando que perdera já muito tempo, levantou-se e, como que instintivamente, empurrou o homem contra a parede. Este, agora furioso, tenta acertar-lhe com as mãos, mas o único efeito que consegue são algumas braçadas no ar. António tira a sua lanterna e ofusca o outro, que protege a cara mesmo a tempo de levar com uma jarra que o faz desmaiar. Sozinho, olhou tudo à sua volta e pesquisou os papéis em que o homem mexia. Alguns mapas da cidade, cartas e mesmo sonetos de Camões que o nosso especialista não tardou a ler e analisar. Olhou de novo para o relógio, eram vinte e duas horas e a fome já era alguma. Enquanto procurava por algo que comer, visto que aquelas caves serviam também como bar, encontrou por detrás de algumas caixas uma parede de tijolo que não fazia parte do padrão das paredes. Passou os dedos pelas pontas do tijolo e sentiu uma brisa fresca, assim como algum cimento solto. Voltou à mesa onde achara os papéis e encontrou o desaparecido livro de 1764. Estupefacto, abriu-o e era exatamente o mesmo que tivera nas mãos horas antes; a seu lado estava uma folha que fazia a correspondência de vários símbolos contidos no livro com locais do globo. Pelos riscos nalguns dos símbolos, António deduziu que já haviam sido encontrados; descobriu tanto o raio e a garrafa como uma nau com um livro na proa; este último, encontrara-o numa sua viagem de trabalho a Goa, inscrito numa fonte. Aos poucos foi juntando os vários significados e, pelo que parecia, vários símbolos indicavam para aquele preciso local, não o Liceu, pois na época não existia, mas o local da sua construção. (...) Se o Liceu tinha sido construído ali, não podia ter havido um mosteiro a não ser que o tivessem deitado abaixo, o que seria pouco provável, pensava para si. Assim, a ideia do túmulo parecia-lhe a ideal, especialmente se fosse subterrâneo. O melhor que podia fazer era tentar; por isso, pegando

numa vassoura, desatou a partir a parede de tijolo que tinha encontrado há pouco. Com êxito, consegue fazer uma abertura por onde passa; do outro lado, uma poeirenta sala em forma circular deixa-o abismado. Esperava encontrar apenas restos de ossos do outro lado mas o que encontrou foi uma grande mesa de pedra, também ela circular, e três portas à sua volta que levariam a direções diferentes. Avançou e, em cima da mesa, estava gravado em Galaico-Português: “Sois mui nobre e corajoso se por ventura haveis chegado até aquy. Angora tereis de escolher antre estas tres portas. Se mayor é vossa vontade entã que leda seja a vossa escolha, pois se és digno encontrarás o caminho correcto.” Cada uma das portas estava assinalada com um símbolo: uma moeda, um farol e uma onda. Os três símbolos pareciam-lhe bons, mas pensou melhor e decidiu que não iria pela moeda pois, apesar de procurar o tesouro, a moeda costumava significar «ladrões», coisa que ele não era. Por isso, restavam dois e, concentrado nas suas ideias, mal ouviu o barulho do homem que entretanto se tinha levantado. Virou-se e um pedaço de madeira raspou-lhe a perna; olhou uma última vez para as duas portas e correu para uma delas. O outro correu atrás dele pelo corredor escuro. Chegou ao final e uma outra sala circular, repleta de estantes e livros velhos, surgiu à sua frente; no centro, um farol esculpido e uma estante com um só livro iluminado por uma brecha na pedra. Lembrou-se imediatamente do Farol de Alexandria e logo a seguir da sua biblioteca, uma das maiores fontes de conhecimento do mundo antigo. Por detrás dele chegou o agressor e começou a murmurar para si próprio numa outra língua. Sem lhe ligar nenhuma, António debruçou-se sobre a estante e para seu espanto viu ali a primeira edição d’Os Lusíadas, mas não a de 1572; este era o manuscrito feito pelo próprio Luís de Camões com as suas notas pessoais. Finalmente percebeu que o tesouro não era ouro mas sim conhecimento; aquela sala continha um enorme tesouro para a humanidade. Com um encontrão, o outro passa por ele e arranca o livro da prateleira. Mas ao fazer isso várias das estantes começam a cair e o chão vacilou por debaixo dos seus pés. António observou o Farol, no qual estavam inscritas as seguintes palavras: “Chegastes até aqui e aqui podeis ficar mas daqui nenhum livro sairá a não ser com angústia e desespero”. Chamou o homem mas em vão. Com os papéis debaixo do braço, começou a correr pois o Farol já havia tombado. Toda a sala parecia desmoronar-se...


Página 7

Confluências Concurso Literário Camões VII edição do na porta da biblioteca, as próximas sessões só estavam agendadas para a Diogo Godinho Gomes, 12º A tarde. Como sempre, apenas cinco minutos O exemplar depois do fim da segunda aula saímos Quando cheguei à biblioteca, já para o intervalo; uns foram comer, estavam todos sentados a ouvir a outros conviver para o portão da escopalestra do representante do Centro la, outros ainda foram à papelaria ou Cultural de Belém que veio à nossa ao bar. Eu fiquei com a Diana. escola de propósito para falar sobre o – O Carlos passa a vida a faltar às famoso exemplar. Odeio chegar atraaulas; que se terá passado desta vez? sado, fico a sentir-me como se jamais – Não sei, não o vejo desde o fim da fosse conseguir recuperar de forma palestra. – respondeu-me ela. eficaz aquilo que perdi. Tentei ser o – Pois, nem eu… Olha, e já consemais discreto e fazer o mínimo ruído guiste encontrar o teu casaco? possível, mas foi inevitável: o senhor – Não, mas acho que o deixei na calou-se e aguardou que eu me sentas- biblioteca. Só que ninguém pode lá se. Portanto, consegui, por momentos, entrar enquanto não estiver lá o reprea atenção de todos os alunos presensentante do CCB novamente. Acho que tes, o olhar reprovador da nossa proandam a fazer-lhe uma visita guiada fessora de matemática e alguns risos pela escola, agora, durante a manhã. comedidos. Logo que o ambiente perdiMais uma aula passada, outra à qual do se restabeleceu minimamente, o Carlos decidiu não comparecer. Fomos homem continuou: almoçar ao refeitório e éramos um – Como eu estava a dizer, este exem- grupo mais numeroso do que o costuplar d’Os Lusíadas, de 1764… me. À medida que íamos chegando às – Ainda só sabemos que o livro vai mesas com os tabuleiros cheios, íamos ficar por cá durante uma semana; não também começando a comer e a conte preocupes que não perdeste nada. versar. Acabamos por ocupar uma Mas como soubeste que estávamos…? mesa de oito lugares. Conversou-se Fiquei mais tranquilo, apesar de o sobre diversos assuntos, mas o tema meu colega ter sido bruscamente inter- mais recorrente era a nova aquisição rompido pela professora, que ordenou temporária da biblioteca da escola de que nos calássemos e ainda comentou Camões. o quão lamentável era que não me A principal divisão nas opiniões tivesse bastado ter chegado atrasado. residia nos métodos envolvidos na Apreensivo, o senhor prosseguiu após proteção da obra: uns achavam totala nova pausa. O livro era um exemplar mente compreensível que o livro fosse raríssimo e muito valioso, não só pela exposto na escola, mas outros considesua óbvia importância cultural e literavam que trazer algo do género para rária, mas também pelo seu valor uma escola pública sem a segurança material – era constituído por diversos adequada era estar a procurar um materiais preciosos, como o ouro. crime. Estava exposto num pequeno cavalete, – Bem, estava a ver que esta manhã aberto aleatoriamente, e protegido por nunca mais acabava. Tenho andado uma campânula de vidro feita à medi- tão sonolenta… E a apresentação de da. manhã não ajudou. – queixou-se a Todos os alunos saíram apressadaDiana. mente assim que o orador acabou a – Pois, mas estava bem conseguida. apresentação. Quando saí, a porta da E é uma honra termos uma relíquia biblioteca fechou-se pesadamente destas aqui na escola, não acham? – atrás de mim. Fiquei durante alguns perguntou o Marco, deveras orgulhoso segundos especado a fitar o vazio, – Só acho é que os cuidados que eles enquanto a multidão se dissipava. Até estão a ter com o livro são inadequaque apareceu uma rapariga do meu dos. Isto é, acho que não estão a levar grupo de teatro que me informou que o a segurança tão a sério como devenosso professor andava à minha procu- riam. ra, porque queria discutir algo sobre – Mas nós vivemos numa sociedade os ensaios comigo. Não nos encontrácivilizada, não? É suposto que se possa mos. Entretanto fui para a aula fazer um evento destes sem que seja seguinte, onde uma colega minha me necessária tanta preocupação. perguntou, logo no início, por onde eu E o debate continuou sem que se tinha andado, ao que eu respondi que chegasse a qualquer conclusão. Mas tinha estado na zona da biblioteca à foi interrompido pela chegada do procura do professor de teatro e que Carlos que contou que as entradas e tinha também ido ao cacifo. saídas da escola estavam impedidas, O senhor não repetiu mais a sua dado o desaparecimento do exemplar palestra – aquela que eu interrompera trazido para a biblioteca na manhã na primeira hora – sobre o raro exem- desse mesmo dia. Tanto quanto se plar da mais importante obra escrita sabe, ao chegar do almoço que lhe foi pelo talentoso homem, cujo apelido foi oferecido pela escola a seguir à visita escolhido, em sua homenagem, para guiada e deparando-se com a falta do dar nome a esta escola, durante a raríssimo volume, o orador correu manhã, pois, segundo o horário afixaescadas abaixo para a sala da direção

3º prémio

e ordenou que se chamasse a polícia imediatamente. Com esta novidade, o reacendimento da discussão foi inevitável, sobretudo quando o recém-chegado sugeriu que começassem a organizar planos de fuga, dada a conhecida intenção do corpo docente e dos polícias de manter no recinto escolar todas as pessoas que lá estavam aquando o furto, pelo menos até ao final oficial das aulas daquele dia, altura em que inevitavelmente teriam de arranjar uma outra solução mais viável. – Se calhar vou ao cacifo buscar as minhas coisas e vou com eles, Diana. Não vens? Não me apetecia nada ficar retido na escola até ao final do dia. – Estás a falar a sério? Para quê fugir nesta altura? Isso não é nada inteligente: só vai fazer com que todas as suspeitas recaiam sobre nós. Mesmo com a pressão constante do Carlos e dos amigos para nos apressarmos a arranjar uma maneira de sair da escola, durante um bom bocado tentei convencer a Diana a vir connosco. Mas ela não vacilou, nem por momentos. Assim sendo, passei rapidamente pelo cacifo e depois fui ter com o grupo que planeava sair da escola. Enquanto pensávamos, junto ao refeitório, na melhor maneira de sair discretamente da escola, ouvimos o barulho dos portões automáticos do parque de estacionamento da escola. É agora mesmo! Desatamos todos a correr freneticamente com as mochilas a saltarem de forma violenta nas nossas costas e conseguimos todos passar – o último mesmo à tangente – para fora do recinto da escola. Mas a corrida não acabou: continuamos a descer o mais rápido que conseguimos pela estreita rua do lado esquerdo da escola, passando à frente da entrada do Auditório Camões. Não foi muito claro para ninguém a razão pela qual ninguém estava a controlar aquela acessível saída da escola. Mas também não nos preocupámos muito com esse aspeto; afinal, tínhamo-nos livrado de uma tarde aborrecida. E o mais provável era que ninguém nos tivesse reconhecido, não só porque não estava por ali ninguém para além da mulher desconhecida, provavelmente professora lá na escola, que ia a conduzir o veículo que nos salvou o dia, e dos escassos transeuntes que circulavam no exterior do espaço escolar, mas também porque constituíamos um grupo relativamente grande de rapazes. – Parece que nos safamos bem, pessoal... Bom, adorei este pequeno trabalho de equipa, mas tenho vida, vou indo. – informou secamente o Carlos. – Está bem. Ouçam, se algum de nós souber de alguma coisa que tenha corrido mal, avisa logo os restantes, combinado? – sugeriu um outro rapaz. O plano não era, nem tinha sido em

momento algum sequer, minimamente elaborado. Mas decidi pensar como eles e resolver os problemas à medida que fossem aparecendo. Com alguma sorte, os polícias ficariam entretidos com a procura do livro pelo recinto escolar e nem se preocupariam com um grupo de rapazes, constituído maioritariamente por elementos já conhecidos na Direção pela sua irresponsabilidade, e cuja única razão para terem fugido da escola era apenas o facto de não suportarem o espaço em si. Porém, quando já estava sozinho, lembrei-me, subitamente, de que talvez fosse uma boa ideia ligar anonimamente para a escola para tentar perceber o ponto da situação. A verdade é que, apesar de tudo, eu ainda tinha mais uma aula nesse dia, ainda que essa não me fosse manter na escola até ao fim do turno da tarde. Enfim, informaram-me apenas que as entradas e saídas se encontravam proibidas e que provavelmente não se realizariam mais aulas naquele dia, devido à necessidade de se fazerem interrogatórios gerais. Fui mais descansado para casa: estava a correr tudo perfeitamente. Mas como nem tudo são rosas, assim que cheguei a casa deparei-me com a minha mãe que pensava eu que estaria a trabalhar. Cumprimentei-a e expliquei-lhe improvisadamente porque não teria mais aulas naquele dia: saíra da escola para ir ao café e não pude regressar devido ao fecho dos portões da escola por causa do roubo de um livro valioso que lá estava em exposição. – Ah, já sei de que livro falas, filho. Hoje de manhã quando fui ao computador, ainda lá estava aberto um mail teu que falava sobre isso. Erro fatal, o meu! Como tinha saído de casa de manhã à pressa, esquecerame totalmente de fechar o computador ou sequer a página da internet… Entrei no meu quarto. Encostei a porta. Finalmente pude descansar. A pressão a que tinha estado submetido durante todo aquele dia era tal que nem fui capaz de me dirigir logo à mochila. Tratei de fazer algumas tarefas rotineiras primeiro, como por exemplo, arrumar roupa ou dar um jeito ao quarto, só mesmo para descomprimir. Chegou a altura. Finalmente iria abrir a mala… Mas, na realidade, nem para isso tive tempo. Quando me dirigia a ela, a minha mãe entrou no meu quarto repentinamente. Detive-me. Olhei para trás e busquei o olhar dela. Estava mais assustado e confuso do que eu meu. – A polícia está ali à porta de casa, filho. Disseram-me para te pedir que os acompanhasses. Tu e a tua mochila…


Página 8

Confluências Concurso Literário Camões VII edição dor. Era indiferente por qual iria optar, ou pelo menos assim lhe parecia. Como Dinis Rodrigo Dias Tomás, tal, e de modo a evitar momentaneamen10º A te o frio que aderece todas as noites de Inverno, preferiu seguir pela direita, Um escuro engano entrando no interior da escola após mais uma veloz deslocação. A aula de Informática decorria entre as No chão, a madeira substituiu a pedra, dez e as onze e meia da manhã, todas as e o calor fez Cédric esquecer o frio a que quartas e sextas-feiras. Aquela era o Inverno o habituara. Os candeeiros, especial, num sentido negativo: Todo o velhos e já sem vida, não libertavam luz aluno que frequentava a respetiva era suficiente para que todo o recinto ficasse autor de alguma fraude cometida numa iluminado. Desta feita, Cédric seguiu dessas aulas já referidas. Com efeito, as encostado à parede, apalpando cada cadeiras estavam repletas de rebeldes e pedaço da sua pedra. Esqueceu-se dos foras-da-lei, todos alunos do Liceu desenhos afixados, lembrando-se apenas Camões. Mas, como estamos a falar da quando as suas unhas cravaram profunaula de informática, esta não padecia de damente o papel. Que bonito desenho, qualquer infâmia, no que aos alunos diz pensou. Pousou o danificado papel no respeito. Assim, Cédric, que na aula chão, e seguiu até ao corrimão mais passada foi apanhado em flagrante delito próximo, ainda com muita cautela. A luz navegando por páginas não permitidas, que sustentava toda a iluminação morre era o único habitante da sala, excluindo repentinamente, suscitando a atenção de o professor da contagem. O senhor, de Cédric que, em resposta, se agarra viocabelo e barba brancos, ocupava-se a lentamente ao corrimão. Descia os preencher alguns papéis que o rapaz não degraus que restavam para chegar à percebeu do que tratavam. Já Cédric curva do corrimão, quando um estilhaçar vislumbrava a noite que se abatia sobre de vidro fez o seu coração – já frio e a praça do lado de fora do Liceu. O relóamedrontado – gelar. Os seus olhos gio que a avó lhe oferecera no natal esbugalharam e um arrepio correu a sua mostrou-lhe que decorria a vigésima espinha. O interior da escola parecia a segunda hora do dia. Frustrava-o recorCédric, naquele momento, quase tão dar que todos os seus colegas estariam – gelado quanto o exterior. Este acumular muito provavelmente – divertindo-se de acontecimentos repentinos deixou o numa festa qualquer, e que ele estava rapaz em estado de alerta. Já não eram o ali, limpando as entradas de um velho escuro e o agudo som gritado pelo vidro o computador, cuja caixa era quase tão objeto da sua preocupação, mas sim o branca quanto as paredes que o rodeaque originou toda aquela barafunda. De vam – excetuando a das suas costas, modo a saciar a curiosidade, Cédric vítima da humidade ímpia que habitava desceu alguns degraus. Um outro vidro em alguns outros locais da Escola. O fora quebrado, desta vez com uma brutasono estava a domá-lo, isso era claro. Os lidade acrescida. Podemos dizer que o olhos quase lacrimejavam ao reverem as medo era inversamente proporcional ao horas, e a sua escléria estava quase tão vidro de origem desconhecida. A cada encarnada quanto a camisa que vestia – caco que se estatelava no chão, o pânico e acreditem, ela estava tingida de um engordava no interior do jovem, que vermelho bastante intenso que alternava tremia como uma vara de circo acabada com o branco e o azul-escuro, desenhande beijar o chão. Agachou-se por de cima do um padrão de quadrados que se prode uma carpeta castanha, tão fina que longava dos ombros à cintura. Os olhos parecia fazer parte da pedra que cobria. fecharam-se pela quarta vez naquela Fechando ligeiramente a vista, cerrando noite, quando, de súbito, uma voz impoos dentes e os punhos, Cédric tentou nente ressoou como um canhão nas avistar a causa de todas as perturbações. paredes da sala: A luz lunar trespassou a janela e alu– Podes ir, Cédric, não te retenho mais miou um corpo pequeno e negro. Cédric aqui. Espero que tenhas aprendido a agora estava certo de que algo não estalição. – O professor de Informática era va bem. Os auxiliares que trabalhavam tão alto quanto a sua voz era grossa. A no Liceu costumavam identificar-se ou gabardina que vestia arrastara-se pelo berrar para qualquer aluno que avistaschão da biblioteca no decorrer do seu sem aquela hora. Aquele sujeito – ou andar, como um manto persa acompanha sujeita –nada fez senão correr em direção o seu rei. Os olhos, verdes e pequenos, ao pátio sul, localizado à direita de quem fitaram Cédric sonolentamente. O gesto se encontra virado para a majestosa foi acompanhado de um outro gesto vitrina, ou seja, à esquerda do espantado assim que o professor apontou para a Cédric, ainda plantado em frente da porta com o indicador. As dimensões do porta que, aquando da sua abertura, professor superavam as de Cédric em dava acesso ao ginásio. O rapaz, ainda mais de o dobro, o que amedrontou o em sobressalto, desce os últimos degraus rapaz, que se apressou em sair dali. Foi da escadaria e corre para a frente da tudo tão rápido: Cédric arremessou o vitrina. pincel e o pano que o professor lhe dera Durante a corrida, Cédric pisara para o fundo da mala, fechando-a logo de alguns vidros, o que atraiu a sua atenção seguida. Atirou-a para as suas costas, e para a vitrina, agora partida. O interior em três passos largos e repentinos estava – vazio – chamou a sua atenção. Não no corredor do segundo andar do Liceu pensara no que faltava. Aliás, nem imaCamões. O luar e a alegria iluminaramginaria o que era, caso pensasse. Seguiu lhe os olhos flamejantes. Suspirou e os seus instintos irracionais e correu vislumbrou ambas as direções do correatrás do fora-da-lei. Subiu os degraus

Menção honrosa – Conto

que antecedem a porta do pátio Sul, e aproveitou o balançar da porta para seguir a estranha figura até ao pátio em si. Tudo correria bem, não fosse ele obstruído por uma pesado e estranho objeto que quase arrancava a sua cabeça. Sentiu o sangue jorrar pelo nariz e por uma fenda que lhe fora aberta na testa. Caiu para trás. Sentia-se afogado nele, tal era o mar vermelho que agora lhe servia de almofada. Apesar da dor e do sangue, continuou a ouvir os passos do estranho sujeito, cada vez mais rápidos e distantes, até que não se ouviu mais nada senão o escoar do sangue por entre os seus cabelos. Caiu num pesado e doloroso sono, que só cessou na manhã seguinte, na manhã de sábado mais propriamente. Estava na grande biblioteca, sentado numa cadeira perpendicular à janela. Os seus ouvidos tiniam e o chão parecia fugir-lhe. Cédric estava tonto, sentia-se oco, vazio, e a cabeça ainda lhe doía. – Queres água, rapaz? – um sujeito fardado apresentou-se depois do pedido ser rejeitado por Cédric. O seu nome era Paulo, e estava acompanhado de um tal de Fernandes, que aparentava ser seu superior. Já mais lúcido, foi-lhe contado que ele assistira ao roubo de um exemplar único d’Os Lusíadas de 1764, avaliado num valor astronómico que, naquela noite, tinha sido transferido da biblioteca – onde se encontrava naquele momento – para a vitrina de onde fora furtado. A razão da transferência talvez frisasse alguma tentativa de ostentação por parte da escola, talvez, apenas talvez, isto a ver de Cédric, já capaz de pensar por si mesmo. Fernandes e o estagiário Paulo ficaram perplexos em frente do rapaz, procurando respostas que Cédric não possuía. – Ainda tens a mala nas costas? Dá cá! – Paulo, generoso, arrancou das costas de Cédric a mochila, cujas alças pareciam estar cravadas nos seus ombros. Levou-a para o exterior da biblioteca, esvaziou-a e entregou os livros à mãe de Cédric que estava plantada à porta da biblioteca em busca de notícias do seu filho. A porta fechou-se assim que o jovem viu a mãe sorrir ao ter conhecimento do estado do filho – positivo, dentro dos limites. Fernandes interrogara Cédric durante alguns minutos, mas este nada contara para além da pancada e dos vidros estilhaçados – afirmar perante um polícia de que se teme a escuridão de uma escola não era do seu agrado, nem do seu, nem do de ninguém que estivesse na sua posição. – Vou deixar-te sozinho, a tua mãe foi buscar o teu pai e mais tarde vêm buscar-te, obrigado por colaborares rapaz. – Fernandes saudara-o e virara-lhe as costas. Permaneceu hirto até que a porta abrisse para fechar de novo. Fechou os olhos durante minutos, mas assim que se sentiu descansado, ergueu-se da cadeira. Com a visão límpida, avistou uma dezena de papeis pendurados nas paredes da biblioteca. Pequenas citações e algumas explicações, tal como aquelas que enfei-

taram a biblioteca e ao mesmo tempo contavam como fantásticos eram os escritores Russos. Cambaleando, Cédric dirigiu-se à porta, onde o primeiro papel se encontrava afixado. “Tudo tem um começo…” assim se podia ler, em letras negras e itálicas. A esta seguiam-se dezenas de outras citações, mas estas eram confusas, sem sentido, o que captou a atenção do rapaz – talvez fosse esse o objetivo. Leu coisas como “ O céu é azul para todos, mas alguns vêem-no aos quadrados” ou “Não há prisão como a do engano”. Este aglomerado de confusão culminava com uma grande citação, da autoria de um tal de Diogo Coelho: “ Os Lusíadas são, sem sombra de dúvida, a obra lusófona mais complexa de todas. Este título não só permitiu a Camões ganhar a notoriedade – tardia – que tanto merece, como surte simultaneamente muitos outros efeitos. Todos sucumbiram à sua genialidade, mas nunca os seus encantos levaram vidas. “. Mais à frente, isto já perto da janela e da cadeira, uma outra citação: “ Mas tudo tem um começo…” O coração de Cédric começou a bombear o sangue a uma velocidade alucinante. Os papeis assustavam-no tanto ou mais quanto a escuridão da noite anterior. Mas parecia que chegava ao fim. Aquela sucessão de mórbidos papéis desaparecera, e Cédric sentou-se numa outra cadeira, perto de um belo piano. Como tinha algum apreço pelo instrumento, curvou-se sobre ele. Um livro de capa negra estava deitado sobre o teclado, e Cédric não hesitou em abri-lo. As páginas, brancas mas velhas, deslizaram nos seus dedos. Todo o livro estava por escrever, exceto a última linha da última folha, na qual morava uma última citação: “ As coisas mais valiosas estão nos sítios onde menos procuramos”. Após ler a citação, o livro caíra-lhe das mãos. No chão, ao lado do piano, estava a sua mala. Estranho, pois lembrava-se de Paulo a ter levado. Mas, por precaução, e para verificar se aquela era mesmo a sua mala e não se tratava de alguma sósia, abriu-a. De lá de dentro, o menos esperado: o exemplar de 1764 d’Os Lusíadas. Assim que ergueu o bafiento amontoado de papel, Fernandes ingressa na sala. Parou durante alguns instantes, e fitou Cédric perplexamente até que este lhe retribuísse o olhar. O polícia gritou incessantemente até ter os punhos de Cédric trancados em algemas. Empurrou-o para fora da biblioteca com tanta brutalidade que o rapaz pensava que ia desmaiar. Ao olhar para a esquerda, viu Paulo, de luvas calçadas, guardar uma resma de papel na mala de Cédric. Atirou a mala para as suas costas, e esperou que Fernandes recuperasse o fôlego e voltasse a gritar com Cédric para abandonar a escola e, talvez, a cidade, ou até mesmo o país. O rapaz bem tentou responder às acusações, remetendo-as para Paulo, mas a confusão era tanta que os seus gritos foram abafados pelos insultos dos demais. Cédric, o rapaz de 18 anos que frequentava pela segunda vez o 12º ano, fora vítima de um escuro engano que lhe ia custar a vida.


Página 9

Confluências Em Alemão Um grupo de alunos dos 11º A e L esteve, de 8 a 15 de fevereiro de 2013, na Alemanha, em casa de famílias de Dortmund, no âmbito do programa de intercâmbio que a Escola Secundária de Camões mantém com o Max-PlanckGymnasium de Dortmund. Do programa constavam visitas às cidade de Essen e Colónia (catedral), bem como a frequência de aulas no liceu.

Clube Ler Para Viver Hoje, na Biblioteca central Em 24 de fevereiro de 2010, no Auditório Camões, Vasco Graça Moura convidou-nos a ouvir, memorizar e recitar os versos do poeta David Mourão-Ferreira, porque em cada verso escorre o agora, nas suas dimensões de passado, presente e futuro… E esse é o território da poesia, do ser… e sempre que ela acontece, o paraíso ganha corpo. Hoje, 24 de abril de 2013, na Biblioteca central, Vasco Graça Moura, num esforço admirável, surge para entregar a cada um dos alunos o livrinho que reúne O olhar dos Jovens sobre o Amor de Perdição – As Cartas de Perdição. E mais uma vez, o homem de cultura deu conta da necessidade de envolver os jovens na criação a partir da leitura dos «clássicos», incentivando-os a efabular sem constrangimentos, pois só o tempo dirá se também eles, um dia, poderão engrossar a galeria dos clássicos. Para mim, no entanto, mais importante do que disponibilizar o Centro Cultural de Belém para apoiar e editar novos projetos de leitura e de escrita, foi a oferta à BECRE da Obra Completa de Ruy Belo, foi o apontar do caminho... Em tempo de parcos recursos, a leitura individual e partilhada pode muito bem ser o caminho! Nesse sentido, só posso aplaudir as iniciativas do CLUBE LER PARA VIVER. (Os meus agradecimentos aos 22 alunos, aos professores e a todos aqueles que, de algum modo, contribuíram para que a exposição CARTAS DE PERDIÇÃO fosse possível.) E já agora um outro caminho possível: «dizem que vais nascer; que há métodos de determinar-te o sexo. que a tua mãe deseja respirar o teu sopro, tua mobilidade, teu mamar; tirar o teu retrato. para quê prever-te o nome ou preparar roupas rendadas? ninguém há-de cumprir-te que te cumpras. e tentarão salvar-te a alma com água e óleo e sal.» (...) Vasco Graça Moura, da vida humana 1 PS. O destaque é meu. Manuel Cabeleira Gomes [Texto publicado no blogue Caruma.]


Página 10

Confluências Um Dia com Luís Vaz rem? Engolimos gritos que venha o suposto paradoxo de felicidade, que venha pedem: Deixem-me viver a a morte. [texto inspirado no poema de Camões minha dor! Deixem-me “Posto me tem Fortuna em tal estado”] ficar no conforto do meu mal-estar, tão certo e tão (Aluna do 10º H) meu! Só por agora, prometo. Eu vejo Camões, há centenas de anos, a roubar-me “Onde acharei lugar tão apartado”

O PLÁTANO DE LUÍS VAZ Este projeto, integrado nas atividades do “Dia com Luís Vaz”, mobilizou alunos e professores, envolvendo a recolha de textos, da responsabilidade dos alunos, e a conceção de um plátano artístico a cargo das professoras Ana Enes, Sara Velasco e Teresa Saborida. O produto final pretende ser uma homenagem aos nossos plátanos e ao nosso patrono. Aos alunos foi solicitada uma breve justificação da seleção feita. Os textos que se seguem são disso exemplo.

“Onde acharei lugar tão apartado?” Camões achará esse lugar apartado naquilo que está mais próximo de si: ele próprio. O bosque inundado de uma escuridão implacável é ele mesmo, e é esse o refúgio que ele procura para a sua dor. O eu lírico julga que é disso que é merecedor! Esta sua escura visão de si próprio, em momentos de dor, é-me familiar. Quantas vezes não olhamos para nós mesmos num dia mais triste e refutamos todas as tentativas de nos animarem e consola-

os meus pensamentos. No soneto, ele baixa os braços e rende-se à sua angústia, confessando-se (matreiramente, porque secretamente o deseja!) mais fraco que ela, E, deixando-se levar, abraça-a, passando a viver dentro dela, nessa selva solitária, triste e escura. O poeta quer-se salvar dos salvamentos que vêm em seu socorro! A sua pena não aceitará ser comandada pelos dias ledos ou brilhantes, mas, sim, ansiará pelo dia triste que a acolha. Ele, tal como eu, quer permanecer no conforto da sua dor. Beatriz Raimundo, 10ºH

“Posto me tem Fortuna em tal estado” Os sonhos tornam-se pesadelos. Os pesadelos tornam-se sonhos. O viver invoca as memórias do passado que não querem ser lembradas. O viver invoca o mais não viver que o que outrora foi vivido. Um viver que dói mais que desejar o fim. Desejar a morte. A conclusão da ilusão do viver acaba na morte e, com ela, começa a ilusão do morrer. Vivemos para morrer. Sobrevivemos às nossas mudanças. Vivemos e vivemos para nada, para ninguém. Queria sentir a mudança, queria algo inesperado, queria viver numa rotina de imprecisão que me oferecesse sempre inquietação e confusão. Não queria esta segurança, não queria esta constante conformidade que o mundo me tem para oferecer. Este é só mais um breve passeio pela realidade monótona de quem nunca saboreou a loucura, de quem nunca amou, de quem nunca sonhou. Se isto é viver, se isto é o que vocês chamam de vida, que venha a morte. Um passo para o desconhecido. Um passo para a dúvida. Um passo de esperança. O único passo. Errado este meu pensamento ou não, é o meu desejo. Aliás, este é o meu último desejo. Que

Antes de mais, devo dizer que este foi um dos trabalhos mais difíceis que tive de realizar. Parece ser um trabalho simples, justificar a escolha de um poema, mas não é exatamente assim, pelo menos para mim. Depois de muito vaguear pela internet, à procura de um poema que me dissesse algo, que se assemelhasse à minha visão do mundo, encontrei este. Ao lê-lo, vi os meus sentimentos em palavras e, devo confessar, nunca esperei tal coisa de um poema de Camões. Não me interpretem mal, Camões era um grande poeta, um génio, e eu reconheço isso, mas Camões não faz propriamente parte da minha seleção de leitura. No entanto, talvez isso mude agora. Não sei bem como explicar o porquê de ter escolhido este poema. Se disser simplesmente que gostei não será suficiente. Talvez se disser que “fugir” da realidade acontece frequentemente no meu dia a dia, este texto não fique tão pobre. O que não deixa de ser verdade. Fugir. Fugir para longe. Fugir da civilização. Fugir da sociedade. Fugir das pessoas, dos julgamentos, dos preconceitos. Fugir do mundo como o conhecemos. Sim, foi sem dúvida por esta razão que escolhi este poema. Pelos vistos Camões também não estava muito feliz no meio da civilização. Penso que ele desejava, tanto quanto eu, encontrar um lugar remoto, sem uma única alma, para se deixar afogar em pensamentos, entregue ao silêncio, à solidão e à tristeza que se acumulara ao longo de décadas. Talvez Camões fosse como eu, uma alma perdida, sem um lugar ao qual chamar de “seu”. Concluindo, a minha escolha foi baseada na ideia do “escape perfeito” de que o poema falava, de fugir de tudo e todos para nos entregarmos à solidão, para encontrarmos a felicidade. Devo dizer também que, depois deste trabalho, já gosto um pouco mais deste génio chamado Camões. Cátia Nogueira, 10º F

ABRIL NA ESCOLA SECUNDÁRIA DE CAMÕES Dia 23 (Auditório) Comemoração do Centenário do Nascimento de Álvaro Cunhal 09h30 – Sessão Inaugural, Exposições em torno de Álvaro Cunhal 10h00 – Dramatização de excerto de Até Amanhã Camaradas (pelo Grupo de Teatro da Escola Secundária de Camões e encenação de Clara Melo da Silva) e Encontro com os jornalistas Joaquim Letria e José Carlos Vasconcelos. 11h45 – Intervenção do Prof. Doutor António Sampaio da Nóvoa sob o lema “Ensino para a Democracia / Democracia para o Ensino” Dia 24 (Caves) 19h45 – Café Concerto no dia 24 de abril, organizado pelo Movimento Camoniano nas Caves. Dia 26 (Auditório) 11h45 – Projeção de um excerto da série televisiva “Até Amanhã, Camaradas”, realizada por Joaquim Leitão e com argumento e produção de Tino Navarro (com a presença do realizador).


Página 11

Confluências Apontamentos Encontro com o escritor João Tordo

Diálogo em torno do Grupo ACRE

Promovido pelo professor António Souto (com mediação da Texto Editora)

Convidado: Prof. Lima Carvalho. Moderador: Professor José Quaresma

Dia 9 de abril, 11h45 no Auditório

Dia 10 de abril, 11h45 na Biblioteca.

Lugares na Vida e Obra de Camões Exposição: Roteiro Cartográfico Com organização do Grupo Disciplinar de Geografia

De 15 a 19 de abril no átrio Biblioteca. Na última quinzena de abril e primeiros dias de maio, duas exposições no átrio do Auditório em torno de Álvaro Barreirinhas Cunhal (no âmbito das comemorações do Centenário do seu nascimento). Uma delas, sobre o exaluno do Liceu Camões e a ‘história’ do seu tempo, coordenada pelo professor José Vasconcellos e com a cooperação do Grupo de História; a outra, cedida pelo PCP.

Cantando

Dançando

Camões, os Cronistas e a Viagem de Vasco da Gama Conferência com Engº Ataíde Malafaia Dia 17 de abril, 17h00 na Biblioteca.


ESCOLA SECUNDÁRIA DE CAMÕES http://www.escamoes.pt BE/CRE http://esccamoes.blogspot.com/

Confluências

Foto de Manuel Gomes

Página 12

B

R

E

V

E

S

Por Constância, confluindo...

www.escamoes.pt

A página da escola foi reformulada e apresenta agora uma nova imagem. Descobre-a e... interage!

Ao professor Lino das Neves (autor dos cartazes), ao funcionário José Alvega e a todos quantos colaboraram com a cedência de fotos e trabalhos para este Boletim, uma palavra de agradecimento. Uma palavra de gratidão, igualmente, ao antigo aluno camoniano Artur Antunes e aos professores Manuel Cabeleira Gomes, Maria de Lurdes Fernandes e Maria Teresa Saborida pela disponibilização de fotografias.

Com o generoso apoio do Grupo Desportivo e Cultural do Banco de Portugal


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.