Public confl 36

Page 1

Confluências

B OL E T I M E SC OL A R

Confluências

(2ª Série) outubro-dezembro 2016

A poesia está na vida 18 de junho de 2016 UM GESTO PELA DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA!

XII EDIÇÃO DO CONCURSO LITERÁRIO CAMÕES

III EDIÇÃO DO CAMÕES CREATIVE WRITING CONTEST 16 DE NOVEMBRO (BIBLIOTECA) APRESENTAÇÃO CONJUNTA DE TRÊS INICIATIVAS

I EDIÇÃO DO PRÉMIO DE ILUSTRAÇÃO CAMÕES

SECRETÁRIO– GERAL DA ONU

ENGº ANTÓNIO GUTERRES (EX– ALUNO DO LICEU DE CAMÕES)

Nesta edição:

Mário Dionísio ……….. Scriptomanias ………... Variações ………………. Scriptomanias ………... Entre heráldica e ……. Circunstanciais ……… Reflexão …………….….. Entrevista ……….…….. João Lobo Antunes .... Miguel Ventura Terra .. No Dia da Escola ….…. Retrospetiva I ……..….. Retrospetiva II ……..… Retrospetiva III …..….. Atualidade …………...... Breves ……………..…….

p. 2 p. 3 p. 4 p. 5 p. 6 p. 7 p. 8 p. 9 pp. 10-11 p. 12 p. 13 p. 14 p. 15 p. 15 p. 15 p. 16


Página 2

Confluências MÁRIO DIONÍSIO (Lisboa, 1916 -1993) Arte Poética

Mário Dionísio, por João Abel Manta, 1949

Em 1958, depois de uma vida intensa e sofrida, com provas dadas em vários domínios (designadamente na pintura, na literatura e na ensaística), “Faz o Exame de Estado para o Ensino Oficial e passa a ser professor efetivo do Liceu Camões, onde ensinará durante 20 anos.” Em 1978, “É destacado para a Faculdade de Letras de Lisboa onde começa a reger a cadeira recém-criada «Técnicas de Expressão do Português», o que fará até à aposentação.”

A poesia não está nas olheiras imorais de Ofélia nem no jardim dos lilases. A poesia está na vida, nas artérias imensas cheias de gente em todos os sentidos, nos ascensores constantes, na bicha de automóveis rápidos de todos os feitios e de todas as cores, nas máquinas da fábrica e nos operários da fábrica e no fumo da fábrica. A poesia está no grito do rapaz apregoando jornais, no vaivém de milhões de pessoas conversando ou prague­ jando ou rindo. Está no riso da loira da tabacaria, vendendo um maço de tabaco e uma caixa de fósforos. Está nos pulmões de aço cortando o espaço e o mar. A poesia está na doca, nos braços negros dos carregadores de carvão, no beijo que se trocou no minuto entre o trabalho e o jantar — e só durou esse minuto. A poesia está em tudo quanto vive, em todo o movimento, nas rodas do comboio a caminho, a caminho, a caminho de terras sempre mais longe, nas mãos sem luvas que se estendem para seios sem véus, na angústia da vida. A poesia está na luta dos homens, está nos olhos abertos para amanhã.

Título: Confluências Iniciativa: Departamento de Estudos Portugueses Coordenação de edição: António Souto, Manuel Gomes e Lurdes Fernandes Periodicidade: Trimestral Impressão: GDCBP Tiragem: 250 exemplares Depósito Legal: 323233/11 Propriedade: Escola Secundária de Camões Praça José Fontana 1050-129 Lisboa Telefs. 21 319 03 80 21 319 03 87/88 Fax. 21 319 03 81

(in Novo Cancioneiro, Poemas) [Deste poema se extraiu o verso que serve de lema ao PAA do presente ano letivo: “A poesia está na vida”]

A ABRIR O ANO LETIVO 2016-2017 (17 DE SETEMBRO) UMA VISITA AO MUSEU DO DINHEIRO, NA BAIXA DE LISBOA, SOB A CONDUÇÃO DO ARQº JOÃO FALCÃO DE CAMPOS (EXALUNO DO CAMÕES)


Página 3

Confluências SCRIPTOMANIAS

Só sei que sou preto e branco Olá, eu sou um pinguim. Um pinguim com algumas questões de identidade. Por exemplo, eu gosto mais de estar dentro de água do que em terra, em terra sinto que sufoco, na água tudo é mais fluido, tudo me parece mais natural. Para além disso, as focas-leopardo não me assustam “tanto quanto deviam”, segundo dizem os meus pais. Foi por causa dos meus pais que decidi ir falar com a nossa xamã, uma pinguim que perdeu a visão umas semanas após o seu ovo eclodir. Há quem diga que ela não perdeu a visão, mas que aprendeu a ver noutra dimensão, na dimensão da alma. Eu não sei bem o que sou nem o que quero ser, por isso vou falar com ela. Os meus pais e irmãos queriam tanto conhecê-la que insistiram em vir comigo. – Olá, eu sou um pinguim – apresentei-me. Ela fez um gesto para me sentar numa rocha e eu expliquei-lhe todas as minhas questões de identidade. Ela ficou sempre calada, a ver a minha alma falar. Quando me calei, pediu-me que me descrevesse fisicamente, o que fiz com o maior detalhe. – Bem, tens asas, mas não voas – disse a xamã –, por isso não és uma ave. Saíste dum ovo, mas não tens guelras, por isso não és um peixe. Tens pequenas penas pretas e brancas como um pinguim, mas não tens medo de focasleopardo, e todos sabem que elas são o diabo e que todo o cuidado é pouco – e bateu três vezes no gelo, gesto que os meus pais e irmãos imitaram – por isso, não és um pinguim. Os meus pais pareciam preocupados, talvez até desiludidos. – Só consigo pensar numa outra opção – continuou ela –, és uma baleia, uma orca, para ser mais precisa. As tuas “asas” são barbatanas, o teu “bico” é uma boca e as tuas “pequenas penas” são pele nua. É por isso que não tens medo das focas e te sentes a sufocar quando estás fora de água. Os olhos dos meus pais foram substi-

tuídos por estrelas que brilhavam ainda mais que o Sol. A mim pareceu-me ridículo. – Não acho que isso seja possível – ripostei –, tenho menos de um metro e ando com dois pés. Para além disso, as orcas não aguentam duas horas fora de água, eu aguento duas semanas. – Mas tu és especial – nem acreditei que ela insistia. – Como viveste com os pinguins tiveste de te adaptar e adquiriste essas qualidades. És muito versátil, parabéns! Olhei para o lado e todos estavam a concordar. Os meus pais sorriam e acenavam, os meus irmãos sorriam e acenavam, até alguns pinguins que estavam à espera da sua vez sorriam e acenavam. Eu era o único pinguim que não gostava de sorrir e acenar. Então talvez fosse verdade, talvez eu fosse mesmo uma orca. Despedi-me da xamã. Os meus pais não paravam de dizer “Que orgulho, criámos uma orca, é muito melhor ser orca, tens muitas mais vantagens”, e eu dei-me por vencido. Eu sou uma baleia, uma orca, para ser mais preciso. No dia seguinte, fui falar com as orcas. Nadei até uma boia e esperei que alguma aparecesse. Finalmente, vi uma cabeça branca e preta, tal como a minha, a rasgar o horizonte do mar. – Olá, eu sou uma orca! Vivi com os pinguins durante todo este tempo, por isso é que sou um bocado diferente. Tive de me adaptar, sou muito versátil – fez-se silêncio enquanto mais umas cabeças brancas e pretas, tal como a minha, emergiam. – Vim para aprender a ser orca, disseram-me que é muito bom e tem mais vantagens do que ser pinguim. As orcas entreolhavam-se e, por fim, uma delas convidou-me a entrar. Comecei a pensar se seria bom ser orca, se faria amigos, se seria capaz de acompanhar as outras orcas. Devo ter demorado muito tempo a pensar, visto que a mesma orca repetiu o convite. Esqueci as incertezas e as inseguranças, esqueci o meu bico e troquei-o por uma boca, esqueci as minhas penas e troquei-as por pele nua, e esqueci as minhas asas que eram claramente barbatanas. Esqueci a minha família e os dois pés sob os quais me apoiava. Esqueci tudo e dei um salto. Um salto maior do que o salto em si, um salto

que era O salto. O salto que me tornaria uma orca, que me dava mais vantagens e que mudaria a minha vida para sempre. Rasguei o horizonte do oceano tal como aquelas cabeças brancas e pretas, como a minha, tinham feito. As suas barbatanas, parecidas com a minha, faziam pequenos movimentos circulares. Os seus gigantes corpos pretos e brancos, que até se assemelhavam ao meu, rodeavam-me. As suas grandes bocas cheias de dentes, diferentes da minha, abriam e fechavam. Então percebi: elas tinham sido orcas a vida inteira, elas tinham uma barbatana a mais no final da cauda, que eu não tinha, elas eram muito maiores e mais rápidas do que eu. Eu não as conseguia acompanhar. Eu não era capaz de ser orca. O círculo à minha volta apertava e apertava e apertava. Olá, eu sou um pinguim! Um pinguim com algumas questões de identidade. A minha xamã e a minha família acharam que eu era uma orca, o que era fantástico, porque as orcas têm mais vantagens. Mas eu não sou uma orca. Eu tenho um bico e não uma boca, pequenas penas, e não pele nua, dois pés para andar, e não uma barbatana a mais para nadar. E também há uma pequena diferença em termos de tamanho. Mas eu não sou um pinguim. Eu não gosto de sorrir e acenar, gosto mais da água do que da terra e não tenho medo de focas-leopardo, e todos sabem que elas são o diabo e que todo o cuidado é pouco. Então não sei o que sou, não sei o que fui. Só sei que sou preto e branco, porque, ao contrário de tudo o resto, isso nunca foi posto em causa. Para os pinguins, sou uma orca incrível. Para as orcas, sou um estúpido pinguim. Para muitos que não me conhecem, não sou nada. Sou um ponto inanimado que boia no mar. Um ponto que saltou demasiado longe, um ponto que ouviu o que lhe diziam e que acreditou na sabedoria alheia. Olá, eu não sei o que sou, não sei o que fui, e agora já não importa o que quero ser.

Sara Roseira Pimenta, 12º E


Página 4

Confluências SCRIPTOMANIAS

Eu não sou eu nem sou o outro, sou todos e sou nenhum. Sou a terra, sou o ar, sou o fogo e sou o mar, sou todos e mais algum. Débora Mogueiro, 12º L

Perdi-me dentro de mim. De que me serve fugir se sei que não vou conseguir? Contudo, ao prosseguir, sei-me incapaz de mentir.

De que me serve fugir se me não vou encontrar? Para me poder sentir, basta-me desencontrar. Ana Battaglia, 12º G

De que me serve fugir se não sei para onde vou? Que para onde quer que eu vá levo comigo quem sou. Maria Ribeiro, 12º G

Pedro Nazoliny, 12º L

Eu não sou eu nem sou o outro, sou o mais além do ser. Retorno ao inicial amanhecer, à primeira consciência do morrer.

Perdi-me dentro de mim, vivendo neste tormento. Tentando saber quem sou, tropecei em pensamento. Maria Ribeiro, 12º G

Jéssica Pinto, 12º L

Eu não sou eu nem sou o outro, sou quem sempre se adivinha. Não sou mágoa nem sucesso, sou quem entre ambos caminha.

Perdi-me dentro de mim, numa salgalhada, agora, sem norte e sem destino, em confusão toda a hora. Gonçalo Pereira, 12º G

Foto de Elsa Maurício Childs

Sofia Cazemajou, 12º L

17 de novembro de 2016 Dia Mundial da Filosofia Prémio de Ensaio Filosófico no Ensino Secundário “Uma encruzilhada do séc. XXI — tecnologia e humanidade”

Aluno vencedor

Thomas Childs, 11º C (Trabalho orientado professor António Cadima)


Página 5

Confluências SCRIPTOMANIAS Os doces anos – parte VI Aquele outono chuvoso de 1965 ficara para sempre marcado na minha memória. Decorriam ainda os dias incertos do começo da estação. Num momento as montanhas eram banhadas por um sol quente e acolhedor e pouco depois eram cobertas por nuvens escuras e chuva gelada. Foi num destes dias que recebemos uma carta vinda de Lisboa, escrita pelo irmão do meu pai, que vivia na cidade há já alguns anos. Lembro-me perfeitamente do rosto pálido do meu pai ao ler a carta e do olhar esperançoso da minha mãe ao reler a mesma pela terceira vez. O meu tio tinha arranjado um trabalho para o meu pai na cidade, um bom trabalho cujo salário superava facilmente o pouco que se ganhava na altura. Duas semanas depois, num dia húmido e frio, eu e o meu pai estávamos a caminho da grande cidade. A minha mãe e os meus irmãos ficariam na casa de pedra até que fosse possível assegurar uma vida estável e segura na capital. No entanto, a minha mãe sempre quis que eu fosse, na esperança de me conseguir oferecer melhores oportunidades e uma boa educação. E então lá ia eu, naquele dia húmido e frio, carregada com malas desgastadas, encolhida nas traseiras de uma carrinha velha, em direção a Lisboa. Sentia-me dividida. Se por um lado estava entusiasmada

e, claro, muito curiosa, por outro sentia um medo crescente e um nervosismo que se espalhava lentamente. Na verdade, tinham passado pouco mais de duas horas de viagem e os meus pensamentos já vagueavam de novo pelas montanhas ventosas e verdejantes… Já passava do meio-dia quando acordei repentinamente com o barulho da grande cidade. E como descrever esta grande cidade? Tinha acordado num mundo completamente diferente! Era, de facto, uma diferença abismal. As pequenas casas de pedra e madeira a que estava acostumada transformavam-se em edifícios gigantes, de várias cores, com janelas bem alinhadas, pequenas varandas de ferro e por vezes com telhados vermelhos que cobriam as janelinhas dos sótãos. Os pequenos jardins que decoravam as ruas estreitas da vila eram agora largas praças com estátuas que se erguiam majestosamente ou bonitas fontes delicadamente esculpidas. As carroças velhas eram automóveis de variadas cores e formas e o trote dos cavalos fora substituído pelo ruído dos carros. E depois o rio… Ao longe distinguia-se o azul inconfundível do Tejo que brilhava ao sol, como se fosse o tesouro da cidade. Apesar de ficar encantada com tudo aquilo que observava, ainda sentia o mesmo receio e nervosismo. Abandonara a pequena casa de pedra onde cresci para passar

Mãe Natureza vs Homem “Sou o fogo que arde no teu olhar, O vento que sopra e te deixa voar; Sou a terra que pisas ao correr, A água que corre e não te deixa morrer.” Ouço a tua voz no murmúrio do vento, saboreio o teu amor na água que bebo, sinto a tua paixão na fervura do fogo e vejo-a no horizonte, onde o céu beija a terra, e Úrano se une a Gaia numa dança interminável. Em ti não há maldade, tal como o teu nome evidencia, em ti tudo é natural. Tu que nos acolheste e providenciaste a vida, sofres agora com a nossa consciente ingratidão. Mas se da terra nós nascemos e se na terra morremos, não faz

a viver no meio daquela confusão, daqueles prédios altos e intimidantes, daquelas ruas intermináveis e repletas de pessoas tão diferentes daquelas a que eu estava habituada. Chegámos por fim ao largo onde morava o meu tio e onde passaríamos nós a morar. Parecia um lugar tranquilo, mas alegre. Entrámos num edifício não muito grande, pintado de tons avermelhados, com compridas janelas brancas e flores que cobriam as varandas. Subimos as escadas desalinhadas até ao terceiro andar, onde encontrámos o sorriso distinto do meu tio, que nos abria a porta com muito entusiasmo. A casa, apesar de antiga, parecia ter boas condições. Era um espaço arejado e bem iluminado, com uma decoração bonita por ser tão simples e delicada. O soalho escuro chiava à medida que andávamos, e os canários amarelos agitavam-se alegremente na gaiola pendurada junto à janela. Pairava no ar um leve aroma a tarte de maçã adocicada que se misturava com o característico cheiro da madeira ligeiramente húmida. Era um lugar agradável e acolhedor e, por momentos, todo o receio desaparecera, apesar dos quadros da serra pintada de branco ainda passearem pelos meus pensamentos deixando um rasto de saudade que me apertava o coração. E começava ali uma nova vida, uma vida completamente diferente…

Beatriz Santos, 12º C

isso de nós parte de ti? Então porque criaste esta faceta que te magoa e destrói continuamente até que nada reste? “Cada vez mais pequena e fraca, Começo a esmorecer e a partir; Enquanto nas costas me cravas a tua faca, Uma última vez, vejo-te sorrir.” Estou sozinho, o céu está cinzento de tanto fumo, as árvores transformam-se em cinzas e o chão abre-se sob os meus pés. Eu fiz isto, eu destruí-te, e sem ti não existo porque somos um só. Sem ti, morri. Sónia Sias, 12º C


Página 6

Confluências ENTRE HERÁLDICA E “PEDE PAPYRUS” Biblioteca da ES Camões 02 de Junho de 2016

"Estudar Heráldica hoje: Porquê? Por quem? Para quê?" Dinamizada pelo Prof. Doutor Miguel Metelo de Seixas (Professor Auxiliar ULL, Investigador integrado CHAM-IEM/FCSH/UNL e Presidente do Instituto Português de Heráldica) teve lugar, na Biblioteca da nossa Escola, uma palestra sobre 'Heráldica', que muito interesse despertou aos presentes (alunos de Humanidades, da turma 12º L, e professores de Latim e Português).

PEDE PAPYRUS: Em busca de novos caminhos guiados pelo Latim. No último dia de aulas do ano letivo de 2015/2016, os alunos de Latim do 10.º K e do 12.º L completaram uma aventura na nossa Escola e descobriram que não há línguas impossíveis de compreender nem línguas que não sirvam para comunicar. Já conheciam peddy papers; ficaram a conhecer Pede Papyrus também. Catarina Boto (Núcleo de Estágio de Latim da FCSH - 2015/2016) | Mário Martins


Página 7

Confluências CIRCUNSTANCIAIS Leituras de Verão: – Fi-las sempre que possível e julgo que esse hábito se enraizou a partir da época em que frequentei primeiro o Liceu de Camões, nos 1º ao 4º anos (195256), depois o Charles Lepierre, as Faculdades de Direito e Letras e, já na vida profissional docente, quando, sempre num crescendo, o gosto, a curiosidade, a frequência e a cultura me converteram num incontrolável bibliófago / bibliófilo e originaram uma escolhida biblioteca particular que muito me deleita e orgulha. No Verão p.p., li duas obras que me agradaram muitíssimo e delas quero aqui deixar um breve testemunho: – A primeira, foram os Cahiers de Sainte-Helène (1816-1821), memórias do general Bertrand, um dos indefectíveis companheiros de Napoleão (ed. Albin Michel, 3 vols., Paris, 1949-51-59), o qual, sob a forma de um continuado e pormenorizado diário, nos relata os quotidianos do Imperador prisioneiro dos ingleses e as múltiplas peripécias ocorridas com o alojamento, as dificuldades e humilhações impostas pelo governador Lowe, as «recordações» político-militares de Bonaparte, as múltiplas visitas que recebeu, a doença que o foi progressivamente acometendo, as suas últimas vontades e morte às 5h49 minutos da tarde de 5 de Maio de 1821. – A outra obra, Sigmaringen, é um notável «romance histórico» escrito por Pierre Assouline (Gallimard, Folio nº 6007, 2014) que, baseado numa extensa e rigorosa bibliografia historiográfica, relata o surpreendente, grotesco, surreal, ambiente do exílio das mais importantes personalidades colaboracionistas do «Estado Francês» (Pétain, Laval e suas respectivas «cortes»), no castelo de Sigmaringen, aquando da derrocada do III Reich Nazi (setembro de 1944 – Abril de 1945). Dois tópicos importa destacar neste pequeno mas interessantíssimo livro: – Nas pgs. 39-40, o autor refere-se a um espaçoo do palácio, a «galeria portuguesa», dedicada à memória de D. Antónia de Bragança, espaço esse («cette folie de 40 mètres de long», pg.228) do qual alguém disse «On se croirait à Versailhes!». Ora, esta D. Antónia era uma dos 11 descendentes dos reis D. Maria II e D. Fernando, logo, irmã do rei D. Pedro V, os quais casaram com dois irmãos da família Hohenzollern – Sigmaringen, Leopoldo e D. Estefânia. Por sua vez, D. Antónia foi avó de Augusta Vitória Hohenzollern – Sigmaringen com quem se casou D. Manuel II em 1913 (cfr. Cândida Proença, D. Manuel II, 2006). – Na mesma obra, a partir da pg.142, aparece o escritor médico Louis Ferdinand Destouches, Céline (famoso pró-nazi) que em D’un château à l’autre (1957), retratou de uma forma muito irónica não só os supra referidos exilados «vichystas» mas outros famosos contemporâneos como, v.g., Jean-Paul Sartre.

Prof. José Luís Vasconcellos (O A. não segue o AO de 1990)

Átrio da Biblioteca

MÁRIO DIONÍSIO A passagem do professor pelo Liceu de Camões (curadores: professores Francisco Pereira e José Luís Vasconcellos)


Página 8

Confluências REFLEXÃO caminhar de ambos os lados. Portanto, a reflexão. A reflexão, sim! A reflexão é um bom cimento para construir uma ponte, mas... ao invés acenamos esvoaçantes ideias, atraentes, brilhantes e reluzentes, caminhos escorregadios que evidenciam os lugaressombra das nossas acomodações. Demagogias que nos levam a nenhures, mas que até dão trabalho e canseira aos seus laboriosos obreiros.... Sem pontes, as travessias não são possíveis e ficamos parados no mesmo lugar, mas ... sem um sistema, pilares e sustentáculos, qual o sentido de existirem? Quem coloca a mochila nas costas e se distancia, sabe o quanto é complicado manter pontes antigas quando também é preciso energia para construir novas. E quanto mais nos distanciamos, seja no tempo ou no deslocamento, mais amplificadas as nossas perceções ficam, mais despertos ficamos em relação aos que realmente desejam caminhar por pontes e aos que há muito se acomodaram na berma da estrada e que até estorvam os que desejam viajar. Nesta paisagem a ponte pouco importa, amuralhamonos em ilhas, lugares que aquecemos com a inércia e que sempre nos vão permitindo lançar uns foguetórios tão vistosos quanto incoerentes...mas que iludem e tranquilizam (in)consciências.

Das Pontes

Pontes são grandes obras de engenharia pessoal. Ligações trabalhosas. Pontes conectam ideias e pessoas; pontes-caminhos entre o que antes não havia ou o que se encontra atafulhado sem conseguir respirar. Pontes-ligações que ajudam nos percursos da comunicação na escola, na vida. O tempo corre denso, pesa no corpo e faz com que seja difícil, penoso e cansativo o processo de construir pontes. Habitamos a lamúria, deixamos cair os braços, ombros curvados e queixo na direção do peito. Nesta posição o campo visual é escasso. Olhamos raso e não avistamos o que está logo acima das nossas cabeças. Falamos com as mesmas pessoas, ocupamos os meus espaços, sentamo-nos nas mesmas cadeiras, percorremos os mesmos caminhos, cruzamos os mesmos olhares imóveis, andamos de costas voltadas, fechados em gabinetes sem janelas. Aí não existem nem se movem pontes porque a vontade para que elas existissem nem sequer nunca aconteceu. As pontes viabilizam atravessamentos e isso (des)gasta quem já está gasto. Nutrem-se distâncias, canteiros que vamos, nostalgicamente, regando. O espaço entre os lados vai aumentando e, por isso, maior é o tempo que se leva (As raras pontes que existem devem ser polidas e para construir uma ponte sólida e duradoura, maior o conservadas para não tombarem, também elas, ao projeto, o planeamento e o acabamento, maior a sabor das chuvas e nevoeiros existenciais, ou do quantidade de material para preencher o buraco e descaso). criar um caminho atrativo onde haja desejo de se Professora Mª Clara Melo da Silva

Celebrando

Mário Dionísio Uma exposição (cedida pela Casa da Achada)

(Caves da Escola) 15-26 de nov. 2016


Página 9

Confluências ENTREVISTA Interview to Karin Dubsky, founder of the CoastWatch project Karin Dubsky is a marine ecologist, staff in Civil, Structural and Environmental engineering TCD and head of the environmental group Coastwatch. She has worked professionally in environmental education, and in research and practical projects ranging from wetland protection, over waste, oil and litter prevention and control, coastal zone management, environmental law and biodiversity policy. She co designed the Blue Flag for beaches award and set up the Coastwatch Europe survey as international volunteer eco-audit of the coast. She has lectured and partnered in projects across Europe and the US. the data and Frank produced a super Why did you become an environarticle on that – it so happened that mentalist? Irish staff in the European commisKaren Dubky – No single reason. sion offices in Brussels were reading There are usually a clutter of factors the paper and told others. That led to why you do something – your up- small seed fund from the EC to debringing and experiences which trig- velop our CoastWatch survey and ger you to go one way or another. In create our CoastWatch Europe netmy case my parents brought us out work. into nature to listen, watch, discuss Since when do you care for the and they stood up for what they environment? believed was right. In secondary school I had some outstanding teach- K. D. – According to my older siblings ers who really cared and encouraged – since I was tiny. However, that did engagement outside the school and not prevent me from accidentally later the same in college. They drowning my brother’s hamster in taught us how to research, evaluate the toilet. information critically and the many ways open to us to influence things. Do you think people nowadays They also challenged us on the phi- are more worried about pollulosophical side: is it right to know tion, specially the pollution of the oceans? and not to act? K. D. –That is a good question and Did you have a goal when workwould make a nice research project – ing as an environmentalist? If so, hint hint ... I presume it depends on have you accomplished it? when and where you are comparing it K. D. – At first I just had short term with. If you were to compare with say goals focused on protecting one 30 +- 10 years ago in Europe then the hedge, or halting pollution from one extent of pollution worry could be source. Later that widened into similar but the focus different. broader policy and how to improve When I was in school people were law enforcement and seeking full very worried about three water polluinformed public participation in tion issues: oil, sewage and radioacenvironmental protection and man- tivity as Chernobyl had only recently agement as the only way to make any happened. Before you sat down on real progress. the shore you would carefully check the ground not to ruin your trouWhat made you start this pro- sers. Sewage became very visible ject? around towns as people were switchK. D. – Realisation that people were- ing to sanitary material with plastics n’t seeing the riches of our coast and which could be seen as sewage indiso weren’t equipped to protect them, cators washed up on the shore. While no one is shouting about it or manage usage. CoastWatch was started sitting on we see far less oil, sewage and indeed the steps of our house in South Dub- nuclear pollution now. People are lin with a very good friend Frank Mc now most worried about plastic polluDonald – a journalist with the Irish tion of the oceans and rightly so as Times. We lamented how the first more and more is ending up there ever European Year of the Environ- and we need to address it. Other key ment was 3/4 gone and so little was pollution issues are nutrients reachieved. Oh dear, another cup of leased from land, but that isn’t catchcoffee.... Then we looked at each ing as much media attention. other and clicked – sure we are part When you started this project, of the problem. So could we make a did you think you were going to difference – even coax more people be this successful and make a out of their own patch onto the great difference? commons, our seashore? I designed the basic CoastWatch audit of the K. D. –We just hoped it would make shore as survey questions that night a tiny ‘sit up and see’ difference at and Frank put it to his editor, then that time, but never thought it would wrote an article asking readers grow and develop. to get themselves onto a bit of coast, answer the questions printed in the How did this project develop? newspaper while on the shore and K. D. – It developed very fast to 23 post back the newspaper cutting with European countries and became the answers. To our surprise 100s of largest European citizen scipeople responded. When we analysed ence project on marine litter by the

mid 1990s with well over 10,000 survey sites per annum. Then we started focusing more on follow up work to address problems which our survey brought to light. Also we wanted to not just have litter and waste issues reported on but improve quality of the biodiversity data collected, so it could be relied upon and used. We also started playing with modern technology to map survey areas and book survey sites on line. So there were many things happening at the same time and this was more suited to being dealt with at national or regional level. A period of rapid technology development and ‘speciation’ followed were countries designed their own adaptations of the survey. It became impossible to pool international data. The last 5 years have seen a gradual r e - e m e r g e n c e o f the CoastWatchnetwork using an ag re ed c ommon te ch no log y for dividing the coast and showing survey sites on line with GIS tools. Information and input of results went online too. This was designed by our then Spanish intern, the graduate Ángel Duarte Campos, who is now our CoastWatch international technology coordinator. Are you happy with results? K. D. – I am very happy with loads of results, especially where they have led to people becoming active in protecting their coast and where our results have been used for a specific goal like:

Introduction of the plastic bag tax – first in Ireland and later across most of Europe;

Change the product design of Hi cone beer can holders and packing straps to avoid wildlife entanglement;

Official listing of special features like seagrass – Zostera – beds which surveyors found, so helping increase scientific knowledge and inform protection of marine areas;

Locating illegal dumps and buildings which were then removed in several countries including most dramatically in Bulgaria;

There are over a dozen PhDs now which use CoastWatch methods;

An informal network of CoastWatchers across Europe and lately further afield.

Will continue doing CoastWatch? Why? K. D. – Yes, always – but formally as head of the network no more than 2 years. Just long enough to make sure the new method has enough countries involved and hopefully to have proper network funding for paid staff. Then I would love to step back and see it flourish in the wave of new citizen science initiatives. What was the most difficult court case? K. D. –CoastWatchers in different countries took court cases with some really outstanding ones. The most difficult one I myself was involved in was perhaps the first one as I had no idea how things worked in the Irish High court. Have you ever been threatened by some entity due to the causes that you defended? K. D. – Yes, a few times. There were the carefully worded threats and letters which were designed to get my university to drop me and the more physical threats by phone calls at night what they would do to me if. But most can be defused and dealt with. I only took one so serious that I sought protection. How do you see the future? K. D. – I see major challenges with climate change and more people as the most worrying large scale issues and see that peppered with cumulative impacts of lots of tiny problems. We need to deal with causes and adapt very quickly and get enough people on board to stop greedy or short-sighted uses of marine resources which destroy and reduce the ocean‘s resilience. I think it’s like trying to herd cats – not a chance? Then again – I see good new policies being adopted and all those young people coming up with idealism and new social media tools and Aarhus laws to guarantee public environmental information, participation and access to justice. So, I suppose I sway between high concern and hope that we can step up to the mark as mankind to change the way we treat our planet before it’s too late. A entrevista foi realizada pelos alunos do 11º J:

André Ferreira Débora Carvalho Inês Caldeira Mei Andrade


Página 10

Confluências

JOÃO LOBO ANTUNES ANT João Lobo Antunes faleceu aos 72 anos, dia 27 de outubro de 2016. “João Lobo Antunes era atualmente presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. Licenciado em Medicina pela Universidade de Lisboa com uma média final de 19,47 valores, foi professor catedrático de neurocirurgia da Faculdade de Medicina de Lisboa e foi diretor de serviço de neurocirurgia do Hospital de Santa Maria, em Lisboa. O neurocirurgião dedicou-se principalmente ao estudo do hipotálamo e da hipófise. No ano passado, foi-lhe atribuído o Prémio Nacional de Saúde 2015, altura em que foi recordado como o primeiro médico da história a implantar um olho

eletrónico num cego, um implante que desde então já foi feito em 15 invisuais, permitindo-lhes ver algumas formas e distinguir certas cores. No último dia de 25 de abril recebeu das mãos do Presidente da República a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade. Já antes tinha recebido a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique e a Grã Cruz da Ordem Militar de Sant'Iágua de Espada. Depois de agraciado em 1996 com o Prémio Pessoa, recebeu em 2003 a Medalha de Ouro de mérito do Ministério da Saúde e em 2013 o Prémio da Universidade de Lisboa. Foi Vice-Presidente para a Europa do World Federation of Neurosurgical Society (1990), Presidente da Sociedade Europeia de Neurocirurgia (19992003), do Conselho Superior de Ciência, Tecnologia e Inovação (2003-2006), da Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa e da Academia Portuguesa de Medicina e Professor Convidado da Universidade de Pequim.”

Reproduzimos aqui a intervenção que o Professor Doutor João Lobo Antunes proferiu no Ginásio General Humberto Delgado por ocasião das comemorações do Centenário do Liceu / Escola Secundária de Camões, em 16 /10/ 2009 Senhor Presidente da República, senhora Ministra, senhores Secretários de Estado, ilustres convidados, senhores professores, senhores alunos, meus caros condiscípulos, é com particular emoção que estou aqui hoje. Quando há alguns dias, o senhor presidente do Conselho Diretivo desta escola, e a senhora presidente da Comissão das Comemorações do Centenário do Liceu Camões me procuraram para me convidar para dizer aqui, hoje, algumas palavras, eu regressei logo numa vertiginosa viagem ao passado, 55 anos atrás, ao tempo em que eu, de calções, porque os jeans ainda não tinham sido inventados, o que havia na altura era o que nós chamávamos calças à “cowboy”… em que eu Tomava o elétrico nº 1, que partia de Benfica, numa viagem longa, muito longa… mas que, às quintas-feiras, dava para ler O Mundo de Aventuras. Até ao Marquês de Pombal, custava 10 tostões, até S. Sebastião, apenas oito, e com os dois tostões que sobravam ainda se compravam quatro rebuçados. Este passado desenrolou-se num flash perante o olhar da memória e tinha o encanto único das recordações que provocam um sorriso na alma – sorriso de saudade, sorriso de gratidão. Aqui vivi 7 anos, que foram decisivos para o modo como me fiz homem, como foram, decerto, para os milhares de alunos que (…) aqui represento. Não seria por acaso que o reitor desse tempo, quando se dirigia a um de nós, do 1º ao 7ºano, dizia sempre “ó meu homem!”, o que pelo tom que usava nos deixava invariavelmente gelados. É claro

que percebi rapidamente a enorme responsabilidade desta tarefa. Hoje, cabe-me falar em nome dos antigos alunos, sem que para isso tenha mandato. Esta é necessariamente uma breve evocação pessoal. Mas estou certo que, pelo menos, meu pai, meus tios e meus irmãos – em certa altura, éramos quatro que, ao mesmo tempo, corriam estes pátios –, me perdoariam o atrevimento… De facto, o Camões era o liceu da família, como foi de gerações e gerações de rapazes… e perdoemme as raparigas, que o frequentaram também, falar de rapazes, mas este era de facto um liceu de rapazes…Este era, de facto, um liceu masculino, o que não é inteiramente verdade, porque no meu 6º ano surgiram 12 meninas que eram mantidas escondidas no andar superior e que (está uma ali na 1ª fila), mal terminavam as aulas, eram recolhidas no gineceu que era a sala de professores… Acontece que eu já namorava uma delas, e contentava-me com um breve aceno… É claro que tínhamos um orgulho clubista. Estávamos sempre em disputa com outro liceu que havia lá para os lados da Estrela… liceu, seguindo a terminologia corrente, que nós considerávamos um liceu de betinhos… liceu que nós humilhávamos com gosto nos campeonatos de voleibol. Eu contribuía para a equipa com muita energia, mas muito pouco talento, mas foi aqui que eu percebi, pela primeira vez, que não gostava de perder nem ao berlinde. (continua na página seguinte)


Página 11

Confluências

TIGO ALUNO DO LICEU DE CAMÕES (continuação da página anterior) O que não deixa de ser uma filosofia útil no meu ofício. Certamente que as sucessivas gerações que por aqui passaram reconhecem que foi aqui que o barro de que éramos feitos começou a ser moldado, e que, num ambiente de rigorosa disciplina, para alguns excessivamente rigorosa, num tempo em que o exercício de liberdade obrigava a maior imaginação, este liceu foi admirável (?) escola de cidadania. Alguém sublinhou que a educação e a cultura são ramos da liberdade (o aluno acaba de o demonstrar). Liberdade política e moral, e esta ligação orgânica nasce na escola, e acima de tudo na escola secundária. É claro que a memória nos prega sempre partidas e eu aqui digo apenas os dois polos extremos do passado – o bom e o mau. Eu reconheço que aprendi aqui, mesmo com os maus professores, mas eram raros aqueles que deixavam cair, o que alguém chamou, o mais corrosivo dos ácidos, ou seja, o enfado. Mas isso obrigou-me a ir à procura, por exemplo, de uma filosofia e de outras fontes e de outros livros, que o não insuportável livro do professor Pardal. Aprendi também aqui como a injustiça era intolerável, e naquela idade nos podia incendiar a alma. Um professor de matemática que tive conseguia combinar os dois defeitos, era mau e incompetente. Dizia mesmo “vocês, desculpem, mas nunca tive jeito para números”. Mas teve a enorme virtude de me ter obrigado a mudar de turma e de ter então, como professor, um dos professores mais admiráveis de toda a minha vida, Carneiro da Silva, que me revelou o encanto mágico da matemática. Homem agreste, rabugento, que ia buscar um pequeno livro usado, de capa de oleado preta, Exercícios de Impossível Dificuldade. De facto, ele percebia bem como uma escola fácil não preparava para uma vida difícil. Na vida de cada um, a lista (?) de verdadeiros mestres nunca é muito povoada, mas os que marcaram mais a minha geração de alunos e, porventura, os que me antecederam e os que se seguiram foram professores deste liceu. Recordo alguns que foram meus: Mário Dionísio, José Augusto Teixeira, Maria Helena Lucas, Maria Helena e Manuel Ferro, e algumas aqui presentes: Hélia Pereira de Almeida, Maria Alice Silva, e outros de quem os meus irmãos falavam, figuras legendárias, como Marina Pestana. Tantos outros!... A recordação que deles guardo é sobretudo a da sua fidelidade à vocação de ensinar, do cuidado que punham no seu ofício, do orgulho com que o desempenhavam, do respeito que inspiravam, digo respeito, não respeitinho, como o de que falava o Poeta.

Ignoro como são hoje ensinadas as disciplinas científicas, mas havia neste liceu excelentes laboratórios – Física, Biologia. E o professor Franco mandava chamar o contínuo e dizia-lhe “a flor do lírio!” E aqui também dissecámos coelhos, rãs e minhocas. E na Química, um professor sábio demonstrava-nos um dia “combinando estas duas substâncias, obtemos um precipitado cor de canário”. Quando daí resultou um produto branco como o leite, ele não se atrapalhou e disse “isto só prova que também há canários brancos”. Os mais afinados, e não só, faziam parte do orphéon, que foi dirigido por homens tão ilustres como o compositor e famoso maestro Frederico de Freitas, que nos dizia, a propósito de uma canção que estava a ensinar, “versos, Luís de Camões, música, quem souber o meu nome que o escreva”. Ou então o esfuziante Padre Ávila, açoriano e sportinguista, que exortava aos gritos “pchinchinhos… pchinchinhos!...”. Eu vi com surpresa no livro fantástico, magnífico, agora publicado, que eu pertencia ao naipe dos barítonos… eu não sei quem é que, entretanto, me afinou a voz… Não é possível recordar o liceu desse tempo sem falar do senhor Reitor, cuja ação, no tempo do fervor revolucionário, foi tão caluniada. Estou à vontade para o recordar porque saí do liceu em conflito com o dr. Sérvulo Correia, que me disse à despedida “tu és daqueles que eu gostaria de ver triunfar na vida”. Ao que eu respondi, com a insolência de um filho rebelde, “espero que não, senhor Reitor!”. Ele governou com mão de ferro um grande liceu que foi a obra da sua vida, e por isso, 50 anos depois, em nome de todos os que só mais tarde perceberam a eficácia da sua governação, a complexidade da sua personalidade e o afeto que ele continha (?) rédea curta, mas no qual se vislumbrava aqui e ali centelhas fugidias, eu curvo-me perante a sua memória. Creio poder dizer, em nome dos que aqui estudaram, que, se nos tornamos úteis à nossa terra, se procurámos ser cidadãos úteis nesta democracia ainda adolescente, muito devemos a este liceu e por isso lhe estamos eternamente gratos. Termino com uma história. Quando há anos vivia em Nova Iorque, e não tinha intenção de regressar à pátria, visitava Lisboa e, ao atravessar esta Praça, tive um súbito impulso de visitar esta escola, dirigi-me ao porteiro e pedi-lhe licença, e ele respondeu-me “faça favor de entrar, senhor doutor Lobo Antunes, esta escola é sua!”. E eu entrei. A escola parecia-me mais pequena do que nunca. Regresso hoje, apenas um entre os milhares de antigos alunos, ainda na terra ou já no céu, regresso hoje para celebrar convosco os 100 anos da escola onde começámos a ser alguém. (aplausos). Muito obrigado. (Transcrição feita por Manuel Gomes)


Página 12

Confluências Miguel Ventura Terra e o Liceu de Camões A obra e os seus principais empreendedores No século XX, entre os finais da 1ª década e os princípios da 2ª, sete personalidades coevas promoveram a construção e o apetrechamento de um liceu em Lisboa, o primeiro instalado em edifício privativo e destinado a servir os filhos e os netos de uma população residente nos centro oeste e leste (as «avenidas novas») de uma capital em expansão. Foram elas: – JOÃO FERREIRA FRANCO PINTO CASTELO BRANCO, presidente do governo e ministro do Reino que, fundamentalmente, apresentou (em 12 de Julho de 1907) ao rei D. Carlos a proposta do seu gabinete para se contrair com a Caixa Geral de Depósitos um empréstimo de 200 milhões de réis destinados à aquisição de um terreno para a construção, apetrechamento e equipamento estruturais de um edifício para um liceu; – Rei D. CARLOS DE BRAGANÇA que, na mesma data, validou os objectivos e assinou o documento contratual; – RUI TELES PALHINHA, professor e reitor do Liceu Nacional Central da 1ª zona Escolar de Lisboa (ou «Liceu de S. Domingos») que não só, em leilão público (14 de Agosto), licitou por 1 000 réis (1 escudo) simbólicos o terreno da «Quinta Nova» ao Matadouro (pertença da família Pina Manique), mas também, posteriormente (até 1910), acompanhou, com grande diligência, sensatez e rigor todas as peripécias do empreendimento, embora acabasse por assistir aos primeiros efeitos desastrosos de uma empreitada que, em alguns aspectos, se revelou muito deficiente;

das Obras Públicas, a responsabilidade da sua edificação e, em seguida, estabelecer as condições que deveriam sustentar o processo, ou seja:  que o arquitecto Miguel Ventura Terra fosse requisitado às Obras Públicas para organizar o caderno de encargos e fixar o limite orçamental da obra na qual seria fiscal com a comissão até 4% do valor da empreitada;  que no prazo de dois meses esse trabalho seria apreciado por uma comissão específica extraordinária;  que por concurso público os «constructores civis» (tendo depositado 250 mil réis) teriam 20 dias para apresentarem as suas propostas e valores totais únicos, comprometendose, a partir dos princípios de 1908, a realizar a obra em 20 meses, caso contrário a multa seria de 20 mil réis / dia;  que o valor máximo da empreitada seria de 130 contos a pagar em 11 prestações, de dois em dois meses. – MIGUEL VENTURA TERRA, prestigiado arquitecto que à época «traçara mais de 60 edifícios diversos» e, sobretudo, interviera estrutural e artisticamente no ex-convento de S. Bento, recriando em 1903 uma nova câmara dos deputados, aceitando 4 anos depois conceber de raiz o futuro Liceu de Camões (30-31 de Agosto de 1907); – ANTÓNIO RIBEIRO, «Constructor civil, Rua do Arco do Cego, 57» que, entre 9 concorrentes, Ventura Terra escolhe para empreiteiro (em 26 de Dezembro) dado que apresentou o orçamento mais baixo e também inferior ao do próprio arquitecto, i.e., 119 contos e 500 mil réis;

– finalmente, a 7ª personalidade, ACÁCIO DA SILVA PEREIRA GUIMARÃES, professor e 2º reitor do Camões, sob cuja administração ocorreram inquietantes factos demonstrativos de uma – AGOSTINHO CELSO DE AZEVEDO CAM- obra com imperfeições muito significativas e conPOS, director-geral da Instrução Secundária, sequentes… Superior e Especial que (em 26 de Agosto) subIn brochura «Património e História», meteu a João Franco um minucioso plano de da responsabilidade do professor JLFVasconcellos acções em prol do novo liceu, começando por – Junho/Julho 2016 reservar para o ministério do Reino, e não para o (O Autor não segue o AO/90)


Página 13

Confluências NO DIA DA ESCOLA 17 de outubro de 2016

Um Encontro com

FERNANDO ALVES a Voz de «Sinais na estrada» (TSF)

seguido da entrega dos Diplomas

Ver aqui: https://www.youtube.com/watch?v=mN_ZQcXPeig


Página 14

Confluências RETROSPETIVA I "7 Crianças Judias" Levada à cena pelo GTESC, esta peça contou uma vez mais com a empenhada e entusiástica participação de professores e alunos da Escola Secundária de Camões.


Página 15

Confluências RETROSPETIVA II No ano em que se comemoram os 150 anos do nascimento do arquiteto Miguel Ventura Terra, há uma série de iniciativas previstas para divulgar a sua vida e a sua obra. A Escola Secundária de Camões abriu as suas portas no dia 23 do passado mês de julho, para uma visita àquela que é uma das referências da arquitetura escolar em Portugal. Atenção à programação!

RETROSPETIVA III «Amarelo Preto Preto», o filme que os alunos da oficina de cinema (no âmbito do Projeto "Filhos de Lumière") realizaram no ano letivo transato. Parabéns à equipa e ao professor Manuel Gomes que, concluído o projeto, acompanhou o grupo à capital francesa, onde o trabalho foi apresentado na Cinemateca local! A curta-metragem pode ser vista aqui: https://www.facebook.com/escolasecundariacamoes/ ou aqui: https://vimeo.com/171225110

ATUALIDADE Aclamado, a 13 de outubro de 2016, como novo secretário-geral das Nações Unidas, numa sessão da assembleia-geral da ONU (órgão que agrega os 193 Estados do mundo) que ratificou a escolha feita pelo Conselho de Segurança em 5 de outubro.

António Manuel de Oliveira Guterres Nascido a 30 de abril de 1949, natural de Lisboa, frequentou o Liceu Camões entre 1959 e 1966. Durante este período, revelou excelente rendimento escolar e comportamento exemplar, consagrados, desde o 1º ao 7º ano, no Quadro de Honra desta Escola. Nos exames nacionais do 7º ano, obteve classificações iguais ou superiores a 17 valores, dispensando da prova oral a todas as disciplinas – Ciências Naturais, 19; Ciências Físico-Químicas, 19; Matemática, 19; Desenho, 18; Filosofia, 17; Organização Política e Administrativa da Nação, 17 valores.


ESCOLA SECUNDÁRIA DE CAMÕES http://www.escamoes.pt BE/CRE http://esccamoes.blogspot.com/

Página 16

Confluências

B

R

E

V

E

S

ATIVIDADES QUE VÃO CATIVANDO OLHARES E INTERESSES NA ESCOLA SECUNDÁRIA DE CAMÕES (O PROFESSOR LINO DAS NEVES REGISTA A MAIOR PARTE DELAS)

O BOLETIM CONFLUÊNCIAS DESEJA A TODA A COMUNIDADE EDUCATIVA UM FELIZ E SANTO NATAL! APOSENTAÇÃO

ESMERALDA COELHO 18 anos zelando pela reprografia, e sempre com costumada eficiência. A Escola Secundária de Camões agradece-lhe reconhecidamente a dedicação e simpatia e deseja-lhe um longo e risonho futuro.

A todos quantos colaboraram com a cedência de textos, fotos e cartazes para este Boletim, uma palavra de agradecimento. Com o generoso apoio do Grupo Desportivo e Cultural do Banco de Portugal


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.