MARCELO ROCHA
MICRO E PEQUENAS EMPRESAS O DESAFIO DE SOBREVIVER
c a p í tu lo i
o empreendedor e seus aspectos gerais
1.1. or ige ns e d efin iç õ es Esse trabalho tem início pela consideração do “empreendedorismo” e sua importância para o surgimento e desenvolvimento das pequenas e microempresas em um país, bem como para o desenvolvimento socioeconômico de uma sociedade, com ênfase em seu papel no caso do Brasil, em particular. Antes, porém, que se avance em tais considerações, é necessário apresentar uma delimitação conceitual para o termo “empreendedorismo”, a começar pela sua origem. Ângelo4 afirma que a palavra “empreendedor” deriva do vocábulo francês entreprendre, que significaria “fazer algo”. Ressalta, nessa acepção, as ideias de “iniciativa”, de “ação” e de “atitude” implicadas pelo verbo “fazer”. ÂNGELO, E. B. Empreendedorismo: a revolução do novo Brasil. http://www.faap.br/revista_faap/rel_internacionais/empreendedorismo.htm. Acesso em 16 de dezembro de 2005, 12h08m. 4
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Já Araújo et al5 atêm-se ao significado literal da expressão francesa, “o intermediário”, “aquele que está no centro, ou no meio”. Põe-se assim, em relevo, “a atividade de um intermediário, aquele que fica ‘entre’ o fornecedor e o mercado e que facilita o processo de troca”6. Prossegue: Neste sentido, o empreendedor é a pessoa que “faz acontecer”. A figura do empreendedor pode ser vista como criadora: aquele que transforma uma troca em potencial em uma troca real, aquele sem o qual a transação poderia nunca ocorrer.7
Chega-se, assim, à definição proposta pelo economista francês J. B. Say, no início do século XIX, para a palavra “empreendedor” como correspondendo àquele que transfere recursos de um setor de produtividade mais baixa para um setor de produtividade mais elevada e de mais rendimento8. É também relacionada à iniciativa de um agente econômico que ocorre, ainda no século XIX, a incorporação do termo entrepreneur à língua inglesa9. Como referência à ação ou atitude do empreendedor — vale dizer, à iniciativa do agente econômico — define-se, portanto, a expressão “empreendedorismo” (entrepreneurship): empreendedorismo é o processo de fazer algo novo (criação) e/ou algo diferente (inovação) com o propósito de criar riqueza para o indivíduo e agregar valor para a sociedade10. Observa-se que a definição apresentada acima delimita conceitualmente não apenas um tipo específico de atividade social e econômica,
ARAÚJO, M. H. et al. O estímulo ao empreendedorismo nos cursos de Química: formando químicos empreendedores. http://www.scielo.br/pdf/qn/v28s0/26770.pdf. Acesso em 16 de dezembro de 2005, 12h17m. 5
6
HINDLE, K.; YECKEN, J.; Technovation 2004, 24, 793. Apud ARAÚJO, M. H. et al, idem.
7
ARAÚJO, M. H. et al, ibidem.
8
SAY, J. B. Apud ÂNGELO, E. B., idem.
9
ÂNGELO, E. B. Op. Cit.
KAO, R. W. Y.; Kao, K. R.; Kao, R. R. Entrepreneurism, Imperial College Press: London, 2002, p. 29. Apud ARAÚJO, M. H. et al, Op. Cit. 10
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mas o objeto de um campo do conhecimento que leva também o nome de “empreendedorismo”, uma ciência com mais de oitenta anos, que tem crescido muito rapidamente no mundo inteiro e desenvolvido uma forte base empírica e teórica11. Nesse sentido, é digno de menção o fato de já haver, no ano de 2005, quarenta e três periódicos indexados que se dedicam especialmente ao empreendedorismo12 em todo o mundo. Importante destacar também o relatório Global Entrepreneurship Monitor (GEM), organizado conjuntamente em 2002 pela London School of Business, Babson College e Kauffman Center for Entrepreneurial Leadership, em parceria com instituições de trinta e sete países. No Brasil, participam da iniciativa o Sebrae, o IEL e o Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade — IBQP. O GEM é um relatório internacional sobre a atividade empreendedora em diversas partes do mundo que monitora também o ambiente empreendedor de diferentes países, ou seja, as condições e fatores favoráveis e desfavoráveis à iniciativa empreendedora em cada nação13. Algumas de suas conclusões em relação ao Brasil serão abordadas mais adiante. Além de se dirigir às questões gerais mencionadas acima — as condições, características e repercussões da atividade empreendedora em diferentes regiões do mundo — o empreendedorismo é um campo do conhecimento que procura também compreender melhor o protagonista de tal iniciativa econômica, o empreendedor, visando à identificação de atitudes, características e padrões comportamentais que orientem a conduta dos diversos agentes econômicos, no sentido de maximizar os benefícios econômicos e sociais que o empreendedorismo pode proporcionar. É a tais benefícios, inclusive, que se relaciona a próxima seção deste capítulo, dedicada à importância socioeconômica do empreendedorismo. 11
ARAÚJO, M. H. et al, idem.
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_____, ibidem.
13
_____, ibidem.
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1.2. o emp reen d ed o r ism o e seu pa pel so c io ec o nô m ico A afirmação de que o desenvolvimento social está diretamente relacionado à iniciativa econômica dos diferentes agentes individuais pode ser encontrada já no início do desenvolvimento da teoria econômica, em Adam Smith. Para o economista inglês14, a riqueza das nações é resultado do trabalho e da ação econômica dos indivíduos que, perseguindo a satisfação de seus próprios interesses individuais, promovem conjuntamente o progresso e o desenvolvimento social. Também no campo da Sociologia, o economista e sociólogo alemão Max Weber apontou, em sua obra clássica15, a vinculação entre o dogma calvinista da predestinação (com a associação da prosperidade a um sinal da Graça Divina) e a generalização da iniciativa empreendedora, que caracterizou o desenvolvimento econômico da economia capitalista nos Estados Unidos da América. No decorrer do século XX, foi o economista austríaco Schumpeter o principal expoente a se destacar no estudo do empreendedorismo, exercendo forte influência sobre o desenvolvimento teórico e prático desse campo. Para esse autor, é o empreendedorismo que funciona como o principal elemento impulsor do desenvolvimento econômico de uma nação, na medida em que traz inovação ao sistema econômico e permite que ele se renove e progrida continuamente. Tal ideia está contida na fórmula segundo a qual sem inovação não há empreendedores, sem investimentos empreendedores não há retorno de capital e o capitalismo não se propulsiona16. Para o economista austríaco, o desenvolvimento econômico se apoia sobre três pilares17:
SMITH, Adam. A riqueza das nações. Investigação sobre sua natureza e suas causas. São Paulo: Abril Cultural, 1983, Col. Os Economistas. 14
15
WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Martin-Claret, 2002.
SCHUMPETER, J. A. Teoria do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1961. 16
17
SCHUMPETER, J. A. Op. Cit.
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• a inovação tecnológica; • o crédito para novos investimentos; • o empresário inovador. Sob essa perspectiva, o empresário inovador, o empreendedor, é o agente transformador que, por meio da inovação tecnológica e do acesso a crédito para novos investimentos, concebe e desenvolve novos e lucrativos negócios, gerando oportunidades econômicas, mais empregos e mais renda para a sociedade. A figura do empreendedor desempenha, portanto, papel essencial no processo de “destruição criativa” que Schumpeter aponta como inerente à dinâmica econômica capitalista: O empreendedor é aquele que destrói a ordem econômica existente pela introdução de novos produtos e serviços, pela criação de novas formas de organização ou pela exploração de novos recursos materiais.18
Para Ângelo19, cada país pode desenvolver, à sua maneira, o clima mais adequado para o desenvolvimento do empreendedorismo, conforme seus valores, características e imperativos políticos, sociais, econômicos e culturais, observando-se, contudo, a importância de elementos fundamentais para tal desenvolvimento, como o acesso ao capital de investimento, o baixo grau de intervenção e regulação do Estado e padrões socioculturais que demonstrem uma postura favorável à atividade empreendedora. O mesmo autor identifica ainda três exemplos históricos de modelos econômicos e políticos que são apresentados como modelos conceituais de um ambiente empreendedor20. O primeiro seria o modelo “de livre mercado”, em que a intervenção governamental é mínima, como ocorre nos Estados Unidos da América; o segundo, o modelo “de individualismo monitorado”, caracterizado pelo estímulo às iniciativas empreendedoras 18
_____. Idem.
19
ÂNGELO, E. B. Op. Cit.
20
_____. Idem.
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individuais por meio de políticas públicas “catalisadoras das energias empreendedoras”, como nos casos de Cingapura e Taiwan; e o terceiro seria o modelo socialdemocrata, observado em países como Alemanha, Suécia e Holanda, onde há o estímulo aos empreendimentos, ao mesmo tempo em que se procura assegurar a proteção social, com o governo atuando fortemente no estabelecimento de regras que determinam os parâmetros segundo os quais os empreendimentos podem se desenvolver. Além desses diferentes modelos conceituais, as diferenças existentes entre os diversos países e contextos históricos e sociais encontram-se refletidas também nos dois tipos de “força propulsora do empreendedorismo”: os “empreendimentos de oportunidade” e os “empreendimentos de necessidade”21. Ângelo afirma que os “empreendimentos de oportunidade” ocorrem quando um empreendedor inicia, ou investe em um negócio, com a intenção de aproveitar uma oportunidade que se apresenta no mercado, sendo mais comum a ocorrência desse tipo de iniciativa em ambientes caracterizados por uma redução na ênfase à manufatura, baixa intromissão governamental, grande número de investidores e respeito pela atividade empreendedora22. Já os “empreendimentos de necessidade” são apontados como a “melhor opção de trabalho disponível”, ou seja, alternativas de autoemprego típicas de cenários em que o desenvolvimento econômico do país é relativamente pequeno, a economia é menos internacionalizada, o Estado oferece benefícios menos generosos e as mulheres têm menor influência econômica23. Ressalta-se a observação de que, em ambos os casos, o empreendedorismo contribui para intensificar o processo de desenvolvimento econômico e social do país, proporcionando novas oportunidades de desenvolvimento tecnológico, novos postos de trabalho, novas riquezas que são reinvestidas na atividade econômica e, com relativa frequência, em
21
ÂNGELO, E. B. Op. Cit.
22
_____ . Idem.
23
_____. Ibidem.
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novos empreendimentos, multiplicando os benefícios para toda a comunidade24. Considere-se, entretanto, a necessidade, já mencionada nesse capítulo, de haver um ambiente propício para que o empreendedorismo se desenvolva e proporcione benefícios a um país (acesso ao capital de investimento, baixo grau de intervenção e regulação do Estado, padrões socioculturais que demonstrem uma postura favorável à atividade empreendedora).
1.3. o em p reend ed o r ism o n o b r as i l A introdução a esse trabalho já menciona a corrente ideia de que “o Brasil é um dos países mais empreendedores do mundo”. Aqui se procederá a análise de tal afirmação sob a perspectiva do empreendedorismo e, mais especificamente, à luz do Global Entrepreneurship Monitor — GEM, o já referido relatório mundial sobre o empreendedorismo, organizado conjuntamente pela London School of Business, Babson College e Kauffman Center for Entrepreneurial Leadership, realizado em trinta e sete países, entre eles o Brasil, com a participação do Sebrae, do IEL e do Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade — IBQP. Tal relatório apontou, em relação ao empreendedorismo no Brasil, os resultados apresentados e discutidos abaixo. O Brasil possui um nível de atividade empreendedora que pode ser considerado relativamente alto. Em cada 100 adultos da População Economicamente Ativa — PEA — 13,5 são empreendedores, índice que posiciona o país como o sétimo país mais empreendedor do mundo. É necessário considerar, no entanto, que mais da metade desses empreendedores é movida pela necessidade, não pela oportunidade, ou seja, prevalecem aqui os “empreendimentos de necessidade” típicos de uma situação econômica restritiva, em que o empreendedorismo se configura como alternativa de autoemprego face à escassez de vagas no mercado de trabalho. 24
ÂNGELO, E. B. Op. Cit.
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Há um grande número de mulheres entre os empreendedores brasileiros, 40% do total, proporção que é uma das maiores entre os 37 países pesquisados. A intervenção governamental ainda se apresenta como um peso burocrático e burocratizante para o empreendedor brasileiro, embora tenha sido identificada uma redução nesse fardo. Há pouca disponibilidade de capital, fazendo com que muitos empreendedores brasileiros percebam sua obtenção como algo difícil e custoso. Ao mesmo tempo, há má divulgação dos programas de financiamento existentes, o que contribui para a sedimentação dessa percepção negativa. O difícil acesso a investimentos e a falta de tradição nessas práticas continuam a ser os principais impedimentos à atividade empreendedora no Brasil, impondo-se a urgente necessidade de que tais práticas sejam otimizadas. É necessário formular programas descentralizados, que levem em consideração o tamanho do país e suas diversidades regionais; as diferenças culturais e de infraestrutura impõem abordagens localizadas do capital de investimento e dos programas de treinamento. A proliferação dos programas de incubação de novos negócios fora dos grandes centros tem sido impedida pela precariedade da infraestrutura e pela baixa disponibilidade de mão de obra qualificada. O ambiente político e econômico do país contribui para aumentar o nível de risco e a incerteza em relação à estabilidade e ao crescimento. É necessário o aprimoramento do sistema educacional como um todo, no sentido de se estimular a cultura empreendedora entre os jovens adultos. Há pouca integração entre os programas de ensino e a realidade. Os direitos de propriedade intelectual não têm adequada proteção legal, são altos os custos para registro de patentes, no país e fora dele, e há poucos mecanismos de transferência tecnológica, com insuficiente relacionamento entre as universidades e as comunidades de empreendedores. É importante lembrar que o relatório mencionado foi produzido em 2002, três anos antes da produção desse trabalho e, embora algumas de suas conclusões possam não mais corresponder integralmente à realida-
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de, trata-se de um painel relativamente recente sobre uma grande variedade de aspectos diretamente relacionados às condições e circunstâncias em que se desenvolve a iniciativa empreendedora no Brasil. Nesse sentido, e consideradas as parcas transformações em aspectos importantes como o sistema constitucional-legal, a estrutura tributária, a infraestrutura, a política macroeconômica e o sistema educacional do país, entre outros, reitera-se aqui a importância, pertinência e atualidade do GEM como indicador geral das condições e circunstâncias vividas pelo empreendedorismo em terras brasileiras.
1.4. o emp reend ed o r ism o e as m i cro e pequ ena s em p resa s b ra si l e i r as É lícito afirmar que as condições e circunstâncias oferecidas pelo ambiente econômico, jurídico, social, cultural e político de um país para o florescimento da atividade empreendedora relacionam-se e repercutem diretamente na sustentabilidade e no desenvolvimento de suas micro e pequenas empresas. É para a constituição de micro e pequenas empresas que se dirige a maioria inequívoca das iniciativas empreendedoras. É por meio de sua constituição que os indivíduos se tornam empreendedores, na maioria dos casos. No Brasil, a relação entre empreendedorismo e MPEs ganha relevo especial, na medida em que predominam no país os “empreendimentos de necessidade”, conforme revelado pelo GEM. Nesse contexto, um ambiente favorável à implantação, formalização e desenvolvimento de tais empreendimentos equivaleria, primeiramente, à redução das restrições para que os indivíduos explorassem meios alternativos de obtenção de renda, via autoemprego, em um contexto caracterizado pela escassez de vagas no mercado de trabalho. Ao mesmo tempo, a multiplicação de iniciativas empreendedoras bemsucedidas, ou seja, o aumento no número de micro e pequenas empresas e
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a redução de suas “taxas de mortalidade”, colaboraria para criar um grande número de vagas outrora inexistentes, gerando mais crescimento, renda e contribuindo sensivelmente para o desenvolvimento do país. Eis aí um possível ciclo virtuoso: a melhoria das condições para o desenvolvimento do empreendedorismo no país equivale ao aumento das possibilidades de sobrevivência das micro e pequenas empresa do país, o que representa, por sua vez, uma grande oportunidade para que a economia e a sociedade brasileiras se desenvolvam a passos mais largos. É justamente a um aspecto crucial desse processo, aos desafios enfrentados pelas micro e pequenas empresas brasileiras em sua luta diuturna pela sobrevivência, mantendo-se atuantes no mercado e materializando de maneira sustentável as aspirações econômicas de seus empreendedores (e, em última instância, de toda a sociedade), que se dirigiram os esforços de pesquisa relatados nos capítulos seguintes.