Colégio Adventista de Salvador Serie/turma: 2ª A Estudantes: Ana Karoline,Rafael Araujo, Hélio Neto,Matheus Lima,Gabriel Caldas
O cortiço RESUMO DA OBRA
I João Romão era funcionário de um velho português, dono de uma venda em botafogo, bairro do Rio de Janeiro. Durante doze anos ele economizou o suficiente para a sua volta a Portugal sua terra de origem. Porém o português devia a João salários atrasados, e como forma pagamento deixou a venda e o que estava dentro para seu funcionário. João Romão sempre viveu com uma loca ideia de enriquecer a qualquer custo, e agora como dono da venda ele se entregou total mente à labutação se privando totalmente de todas as mordomias. Dormia sobre o balcão da própria venda, a comida ele comprava em uma quitanda bem movimentada de sua vizinha chamada Bertoleza, uma escrava de um velho cego que morava em Juiz de Fora, e amiga de um português que fazia fretes pela cidade com um carrinho de mão. Um certo dia a escrava Bertoleza estava muito triste, e João ficou sabendo que o grande amigo da escrava havia morrido enquanto ele carregava um peso superior a suas forças em seu carrinho de mão. João sempre ganancioso se mostrou muito interessado nessa desgraça que ocorrera a sua vizinha Bertoleza e se fez o grande amigo dela. Daí em diante, “seu João” como ele era chamado por Bertoleza, cuidava de tudo que ela produzia, ele se tornou o caixa, procurador e conselheiro da crioula. João ganho tanta confiança da crioula que ela não resolvia nada sem a ajuda do vendeiro. Quando deram conta já eram amigos íntimos. Ele convidou Bertoleza para morar junto com ele, e ela concordou totalmente, e estava muito contente de esta se envolvendo com um português, porque ela não queria se relacionar com negros, mas sim com um homem que segundo ela era de uma raça superior a sua. João Romão comprou um terreno do lado esquerdo de sua venda e fez uma casinha com as economias da amiga. - Agora, disse ele à crioula, as coisas vão melhorar para você. Você vai ficar forra. Eu vou completar com o que você já tem e vou comprar sua liberdade. Nesse mesmo dia ele viajou e só voltou uma semana depois com uma folha na mão toda escrita, e leu para a amiga. - Você não é mais escrava, você esta forra. Porem a carta de liberdade que João Romão leu para sua amiga era uma farsa, feita pelo próprio João. O senhor de Bertoleza não fazia ideia do que tinha acontecido com sua escrava. João só foi ter descanso quando o velho morreu três meses depois. Um ano depois de todos esses acontecimentos João comprou um terreno que estava à venda no fundo de sua venda e sem perda de tempo construiu três casinhas. Nessa construção ele se mostrou um verdadeiro economista, ele mesmo servia de pedreiro, junto com a ajuda da companheira eles furtavam a pedreira do fundo da mesma forma furtava o material das casas em obras que havia por perto. Depois dessas três casinhas tão bem construídas, foi o ponto de partida para o grande Cortiço de Romão. Nessa mesma ocasião o homem chamado Miranda comprou uma casa que ficava a direita da venda de Romão. Miranda era um comerciante português, casado com Dona Estela uma mulher adultera que traia seu marido com seus amigos e funcionários. Eles se odiavam. O nascimento de Zulmira era um dos motivos para tanto ódio, Esteta sentia desprezo pela criança por ter certeza que era filha do marido e Miranda por sua vez a desprezava por ter certeza que a filha não era sua. O motivo da mudança foi uma necessidade que Miranda reconhecia, de afastar Dona Estala de seus Caixeiros.
Miranda achava a casa boa porem o único problema era seu quintal que era muito curto e decidiu comprar o terreno ou fundo de sua casa. Miranda foi logo tratar de negócios com João Romão, Porém João recusou todas as propostas de Miranda e naquele momento ficou estabelecida uma grande inimizade entre os dois. O cortiço começa a crescer e por fim as casinhas chegaram ate o muro da casa de Miranda que explodia de raiva. Foram construídas noventa e cinco casinhas que formava a imensa estalagem de João Romão que ao fim de tudo, pois uma placa no portão escrito “estalagem de São Romão. Alugam-se casinhas e tina para lavadeira”.
II Durante dois anos o cortiço só prosperava e ficava cada vez mais cheio. E do outro lado Miranda assustava-se com sua vizinhança. Miranda cada vez mais sentia inveja de seu vizinho por o ver prosperando de uma forma natural, sem precisar casar com uma mulher só pelo dote que lhe foi proposto. Pensava ser um idiota diante de toda a esperteza de João. Sentia ódio por pensar que Zulmira não era sua filha. Com toda essa inveja que ele sentia do vendeiro, ele decidiu conseguir um titulo de nobreza para diminuir o vazio que ele sentia. Pois como objetivo se torna barão. Zulmira já com doze ou treze anos era pálida, magra e delicada, mas já tinha sua malicia. Henrique de quinze anos que vivia em Minas, filho de um fazendeiro foi recomendado ao pai de Zulmira e estava pra chegar. Henrique foi instalado na casa de Miranda e era tratado como um filho e ainda tinha os cuidados de Dona estela. O velho Botelho que morava também na casa de Miranda foi instalado por ser muito amigo do velho e pelo fato de que a fortuna do velho estar acabando. Ele era o parasita da casa. Certa vez, ele escoltou sussurros abafados e foi verificar o que estava acontecendo. Dona Estela e Henrique estava se agarrando perto do muro, o velho se aproximou e os dois se assustaram. O velho mandou os dois ficarem tranquilo pois ele guardaria em segredo o que ele viu, mas Dona Estela pediu que ele parasse pois ela afirmava que não havia acontecido nada. Então Estela continuou catando flores enquanto o velho entreva em casa seguida por enrique.
III A vida no cortiço iniciava as cinco da manhã. Era um acordar alegre de quem tinha sete horas de sono. As pessoas iam surgindo nas portas ainda com cara de sono, bocejando, pigarreando por toda a parte, podia-se ouvir barulhos de xícaras e cheiro de café. Leandra foi a primeira a começar lavar roupa. Pelo seu estilo masculinizado de ser e por ter pulsos grossos e cabeludos era chamada de machona. Sua filha a Ana das Dores era divorciada que largou o marido por um comerciante. O outro Neném ainda era uma garota singela era uma donzela, com seus dezessete anos desviava-se dos prazeres carnais e era muito prendada com a casa, e machona também tinha um filho que era chamado de Agostinho. Ninguém sabia o passado de machona as pessoas não sabiam se ela era separada ou se ela era uma viúva. Na tina ao lado de Leandra, Augusta lavava sua roupa, ela era mulher de militar de quarenta anos, o Alexandre. Eles tinham filhos pequenos porem uma delas a Jujú vivia na cidade com a madrinha. Augusta era conhecida por todos por ser honesta e virtuosa. Leocádia era a esposa de Bruno um ferreiro, também lavava suas roupas lá na tina. Paula era uma cabocla velha era a benzedeira do cortiço, era tão feia que tinha o aspecto de bruxa, como a chamavam. Florinda era uma morena muito bonita e virgem, que
desejava discretamente ter um homem. João Romão, sabendo disso fazia descontos nas mercadorias dela pensando em um dia possuí-la.
IV Meia hora depois quando João se sentiu menos ocupado, foi falar com um rapaz que lhe esperava, João estava bem cansado, porém não deixou a sua fisionomia lhe trair, não demonstrou nenhum sintoma de cansaço. O rapaz sabia explodir as pedras com pólvora era ele que seu Romão estava à procura. Eles começaram a negociar o salário, mas como sempre João estava pechinchando. O rapaz ficou sabendo do acidente que havia acontecido na pedreira de Romão, por isso não queria receber um valor baixo para trabalhar. Os dois foram juntos para a pedreira para que o rapaz conhecesse o seu local de trabalho. No caminho as lavadeiras continuavam trabalhando depois do almoço. Elas estavam usando chapeis de palha para proteger o seus rostos do sol. Machona estava destrocando as peças de roupas, Leocádia sempre estava parando devidas suas coceiras na virilha e no quadril, que havia piorado devido ao calor. Augusta estava sentindo-se mole. E a bruxa cantava feito uma idiota. Se aproximando da pedreira a luz do sol que refletia nas pedras era de cegar o olho, mal se conseguia distinguir as variações entre as pedras, dava pra ver apenas uma luz branca e uniforme. Se aproximando da pedreira podia-se ver homem trabalhando duro. Num galpão em colunas e telhas homens trabalhavam. Em seguida eles passaram por uma ferraria onde homem todos suados martelavam ferro. O vendeiro seguia com o rapaz. Em seguida eles viram o deposito de madeiras que também era oficina, depois deram mais cinquenta passos e chegaram a pedreira. Havia homens trabalhando por toda as partes, uns debaixo do sol e outro debaixo de barracas improvisadas. O rapaz olhava para aquela grande e imponente pedreira como se a pedras estivessem estivesse desafiando ele.
V No dia seguinte, eram sete horas quando Jerônimo e sua esposa chegaram ao cortiço e ocupou a casa qual eles tinha alugado. A esposa de Jerônimo chamava-se Piedade de Jesus, não era uma mulher bonita, mas podia ver em seu rosto traços de simplicidade e honestidade. Eles vieram na boleira do caminhão e descarregaram os seus objetos sem a ajuda dos homens do caminhão por desconfiança. Eles atravessaram o pátio agarrado a alguns objetos, Machona indagava para as pessoas quem era o casal. Augusta contou que o homem que estava ali tinha andado por ali no dia anterior, e que a mulher provavelmente seria mulher dele. Horas depois o casal preparava a janta e organizava-se para começar a trabalhar no dia seguinte. Jerônimo era um homem metódico que veio tentar a vida no Brasil, depois de passar dois anos como colono se desgostou da lavoura onde não se deu bem financeiramente. Então largou tudo para trabalhar na pedreira de João por um salário mínimo. Como a vida que o casal levava era dura sua mulher lavava e engomava roupas para fora, porém nem assim o dinheiro era suficiente para o sustento do casal e da filhinha. Depois de um tempo Jerônimo já tinha pegado o jeito do trabalho na pedreira por ser um homem muito batalhador em dois anos ele se tornou contramestre ganhando um salário bem superior. Por ser um homem serio rapidamente ganhava o respeito das pessoas e, além disso, era é um cara honesto e simples. Com Jerônimo no comando era possível ver sua influencia por todos os funcionários. Com ele na direção ele não gostava de ver preguiçosos e nem gentes displicente,
demitiu alguns, admiti outros que queriam lutar por seu ganha pão, aumento os salários dos melhores funcionários, ele sempre fazia tudo para o melhor. No fim do mês Jerônimo já estava pensando em aumentar o salário dele para mantê-lo ali. Na venda Piedade era sempre bem atendida e desfrutava das vantagens de poder pegar os produtos de melhores qualidades, causando inveja nas outras lavadeiras. Sempre às quatro da manhã Jerônimo acordava para se preparar antes de todos. Ele ajuntava todos os homens para o trabalho ate o fim de mais um dia. Voltando para casa, cansado e faminto, sua esposa coloca sua comidas sobre a mesa. Depois da janta eles ficavam ali descansando em sua casa simples e gozando da vida.
VI É um domingo alegre de abril no cortiço. De roupa mudada, os moradores se divertem num rebuliço barulhento. Alguns se preparam para sair a passeio. Outros conversavam enquanto o almoço cozinhava já. Outros se amontoam na taverna para petiscar e beber alegremente. A agitação aumenta com a chegada da mulata Rita Baiana, com um moleque que lhe carregava compras para uma peixada. Todos a recebem entusiasmados. Ela andava sumida pelos lados de Jacarepaguá num pagode de roça. Naquele dia mesmo, seu mulato, o Firmo, viria com um amigo para fazerem um pagode, o que deixou a todos excitados: as patuscadas de Rita Baiana eram as melhores do cortiço. Haveria festa da grossa, uma vez que a vizinha da Rita, a das Dores, também receberia um amigo para o jantar. Enquanto tudo se preparava, Pombinha gastava seu domingo a escrever cartas nas quais os moradores derramavam suas paixões e ressentimentos.
VII Às três da tarde, chegou Firmo, o homem de Rita Baiana, mulato espigado, capoeirista temido, Bom tocador de violão, acompanhado de seu amigo Pórfiro, malandro como ele, tocador de cavaquinho. Às cinco Horas, começaram os jantares nas casas de Rita Baiana e das Dores. Jerônimo e a mulher foram convidados, mas Não apareceram. Meia-hora foi o suficiente para a reunião transformar-se numa algazarra alegre, infernal. A bebida botava a todos lúbricos, a sensualidade aflorava. Da casa do Miranda, observavam com desdém aquela bagunça, mas os moradores do cortiço não se incomodavam. A barulheira aumentou: da casa dos italianos, vinha A mesma animação ruidosa, e daí a pouco grupos barulhentos formaram-se por toda a estalagem, provocando um estouro de indignação do Miranda, que do sobrado esbravejava contra aquela confusão, o que lhe rendeu uma vaia assombrosa. Miseráveis famintos apareciam e juntavam-se ao grupo para filar um trago e uns bocados de comida. Até o velho Libório apareceu e devorava tão sôfrega e porcamente a comida que lhe deram que acabou por engasgar-se. Albino chateava-se com as brincadeiras que lhe lançavam, mas era acalmado por Rita, de quem gostava muito. Bruno roncava enquanto a Leocádia enroscava-se com o Porfiro. Até que Firmo teve a idéia de saírem para tomar um ar fresco no pátio. No sobrado do Miranda, espocavam champanhas e também a alegria crescia. A noite chegou, os lampiões e as luzes das casinhas acendiam-se. Os do cortiço aproveitaram para fofocar sobre a vida do sobrado.
Até que, à porta dos 35, começou a gemer a guitarra do Jerônimo, entristecendo aquela tarde ruidosa. Antes que o desânimo se abatesse sobre eles, Firmo e Porfiro atacaram um chorado baiano. A música crioula esquentou o sangue e assanhou como um veneno os moradores. Jerônimo abandonou a guitarra, entorpecido por aquela música estranha que continuava nele uma revolução iniciada quando pela primeira vez teve de enfrentar o calor, os cheiros e os gostos do Brasil. Seguido por Piedade, que notava o estranhamento do marido, aproximou-se maquinal mente da roda de chorado. Então surgiu Rita Baiana, de saia nova, ombros e braços nus, entrando no meio da roda e dançando num requebrado luxurioso e ofegante que levava todos ao delírio, numa animação sanguínea, enlouquecendo a todos com seus meneios de cobra. Jerônimo via e escutava, sentindo-se enamorar por aquela mulher que era uma síntese da natureza brasileira e seus encantos e feitiços. Ela era como um poderoso afrodisíaco que bambeava suas forças de trabalhador e excitava todos os seus sentidos com uma volúpia desconhecida, mas que há muito tempo, desde que ele chegara ao Brasil, já vinha trabalhando nele, transformando-o, sem que ele desse por isto, para aquele momento. Piedade, tonta de sono, foi deitar-se, incapaz de tirar dali o marido enfeitiçado. Isaura e Leonor vieram do sobrado. João Romão e Bertoleza chegaram-se à roda. Até a família do Miranda, da janela, divertia-se observando a gentalha. Jerônimo só deu por si bem tarde, quando a roda se dispersou e ele viu Rita Baiana sendo levada para dentro por Firmo. A madrugada e o silêncio tomaram conta de tudo. Mas Jerônimo só conseguia pensar em Rita Baiana, naquela mulata cujos cabelos crespos, brilhantes e cheirosos envolveram-no, a partir daquele momento, como um ninho de cobras do qual não conseguiria fugir antes de ter seu coração devorado. O dia amanhecia já, era quase hora de trabalhar, e valia a pena esperar de pé.
VIII No dia seguinte, à hora do almoço, Jerônimo voltou para casa indisposto, assustando a mulher, que logo apareceu com a Bruxa e outras mulheres a examiná-lo. Por último, apareceu Rita Baiana, o que logo animou o cavouqueiro. Ela lhe receitou um café quente e forte com cachaça, que ele tomou de bom grado, para estranheza de Piedade, que nunca vira o marido tomar daquelas beberagens. Depois disso, Jerônimo adormeceu. Quando acordou, muito bem disposto, recebeu a visita de Rita, e num momento a só tentou abraçá-la, mas foi repelido. Logo voltou Piedade, Rita se despediu. Enquanto isso, lá fora, rebentava um escândalo medonho. Tudo começara com as tentativas de Henriquinho de seduzir Leocádia. Esta o provocava, mas sempre se furtava. Até que ele ofereceu, do sobrado, um coelhinho que arrematara na noite anterior. Ela chamou-o com sinais para o capinzal dos fundos da estalagem. Mal ficou sozinhos, o estudante atirou-se às carnes da lavadeira, enquanto segurava o coelho com as pernas. Mas foram surpreendidos pelo Bruno, o que fez Henrique fugir e, no atropelo da fuga, soltar o coelho. Bruno caiu de pancadas sobre a mulher, que se recusou a dizer com quem estava se atracando e se defendeu com uma pedra, ameaçando o marido.Voltaram ao cortiço separados, aos berros, ameaçando-se. Primeiro Bruno entrou para casa e jogou pela janela todos os trecos da mulher, saindo em seguida. Ao chegar e ver o estrago, Leocádia foi quem adentrou a casa e fez o mesmo com os pertences de Bruno, atirando-os à rua para que quebrassem. A tudo isso,
a multidão de moradores assistia às risadas e fofocando, para saber com quem havia se metido a Leocádia. Bruno voltou decidido a escangalhar a mulher, mas foi contido pela multidão. Alguns moradores tentaram uni-los novamente, em vão. Dispersou-se o povo e Leocádia ficou sozinha, ajeitando os cacos que ainda prestavam em uma grande trouxa. Rita Baiana aproximou-se dela e saíram as duas do cortiço, à procura de um lugar onde a lavadeira pudesse ficar.
IX Uma profunda transformação operava-se em Jerônimo. Trocara o vinho verde pela parati, o chá preto pelo café, o bacalhau com batatas pelo feijão com carne seca. Ganhara gosto pelas reuniões com amigos, na casa ou na venda. Tornara-se gastador e farrista. Sua sensualidade aflorava cada vez mais, enquanto a capacidade e a atração pelo trabalho diminuíam. Enquanto isso, a Srºa Piedade de Jesus continuava a mesma, o que causava ânsias ao marido, cada vez menos interessado na comida que ela fazia enjoado de seu cheiro azedo, enquanto se desdobrava nas amabilidades a Rita Baiana. Piedade não demorou a enxergar o que acontecia e foi pedir ajuda à Bruxa, que lhe ensinava simpatias para trazer de volta o marido, todas sem efeito. Outro que também via cada vez mais claro e enraivecia-se era Firmo que já não escondia sua antipatia pelo cavouqueiro português, o que deixava Rita Baiana apreensiva. Por estes dias, um novo escândalo estourou no cortiço. Marciana descobriu que sua filha Florinda estava grávida de Domingos, o caixeiro da venda de João Romão. Enlouquecida, a lavadeira – seguida por uma multidão de mulheres − arrastou a filha até a estalagem para tirar satisfações. O vendeiro escondeu-se, pouco disposto a assumir a paternidade. O dono do cortiço protegeu o empregado da fúria das lavadeiras, prometendo que ele se casaria, e forçou a multidão a se dispersar. Quando se viu a sós com Domingos, disse que ele esperasse a noite para fugir escondido. Podia ir embora, mas não receberia nenhum dos seus direitos de empregado. Era aquilo ou ele lhe entregaria à mãe enfurecida. O caso de Florinda dominou as conversas do cortiço durante todo o dia, e mesmo à noite dominou as conversas na roda que se formou em torno da ilustre visita de Léonie. A madrinha da Juju viera ver a comadre Augusta e o compadre Alexandre. Todos se encantaram com suas roupas e modos de cocote francesa, bem como com o figurino da afilhada, que imitava o da madrinha, inclusive no cabelo alourado à força. Os moradores idolatravam a beleza fina de Léonie, que era bastante atenciosa com todos, mas dedicou especial atenção, a saber, de Pombinha, que fora à sociedade de dança com a mãe. Quando Pombinha chegou, já à saída de Léonie, teve de prometer à cocote que iria com a mãe à cidade, visitá-la, no domingo seguinte.
X No dia seguinte, Miranda recebeu do governo português um título de barão e ia dar uma festa em sua casa. Essa notícia causou grande alvoroço no cortiço, pois era possível ver pelas janelas do sobrado uma grande quantidade de pessoas trabalhando, dentre elas, D. Estela, que vez ou outra se movia para dar ordens aos empregados, e Henrique, que ajudava Botelho nos arranjos da festa. Porém, mesmo com toda essa algazarra, o assunto que estava na boca dos moradores do cortiço era o desaparecimento de Domingos, o sedutor de Florinda; Marciana estava a bater boca com João Romão na esperança de conseguir um dote e manter a dignidade de sua filha. Não conseguindo, ficou irada e foi reclamar com sua filha, que estava chorando; indignada com esse choro, tentou espanca-la com um pedaço de madeira o que fez com que Florinda fugisse de casa. Marciana então foi fazer gritaria na frente da venda, o que irritou muito a João Romão –que estava muito chateado, pois Miranda tinha ganhado um título- e fez com
que ele expulsasse Marciana do cortiço. Na manhã seguinte foi à festa de Miranda que deixou João cheio de dúvidas em relação à sua vida, e sobre o que deveria fazer para se tornar barão. Marciana então foi despejada e a festa continuava no sobarado de Miranda; mais tarde, João recebeu um convite para ir à festa, porém se sentiu indignado e resolveu não ir. O samba começou mais cedo, já que as pessoas estavam muito eufóricas com os acontecimentos do dia e Rita parecia inspirada, pois dançava como nunca havia dançado antes, provocando flertes por parte de Jerônimo e ciúmes em Firmo. Tomado pelo ciúme, Firmo começou a ofender Jerônimo, que respondia da mesma maneira e assim começou uma briga entre os dois Firmo capoeirista, levava a melhor até tomar uma paulada na cabeça; tomado agora pelo ódio, puxou uma navalha de seu bolso e esfaqueou Jerônimo no ventre. Havia agora um grande esforço por parte de todos para que a polícia, no esforço de acabar com a confusão, não entrasse na estalagem; no meio de toda essa confusão, perceberam que a casa 12 estava pegando fogo e num esforço para tentar apagar o incêndio, os moradores acabaram deixando que a polícia entrasse.
XI O incêndio era culpa da bruxa, que influenciada pela loucura de Marciana, ao invés de tentar ajudar a apagar o fogo, trazia palha e entulho para aumentar o fogo. O fogo foi apagado, porém algumas casas foram muito danificadas não só pelo incêndio, mas também pelos danos causados pela polícia. João teve que ir depor na delegacia e junto com ele foram muitos outros para dar queixa dos danos causados pela polícia, mas nenhum sequer chegou a comentar sobre a briga, pois eram unidos e não tinham a intenção de apontar ninguém para não causar problema; até Jerônimo, quando consultado pelo médico desmentiu os indícios de briga e disse que tudo não passou de uma brincadeira e que não houve intenção de ferir. Rita mostrou um afeto muito grande por Jerônimo naquele período, pois cuidava dele durante o dia todo e até mesmo na presença de Piedade, Rita acariciava e afagava o português. As duas levaram-no ao hospital e retornaram exaustas, mas na manhã seguinte a vida prosseguiu normalmente no cortiço, exceto por Pombinha que se sentia fraca e abatida, pois se recordava da visita à casa de Léonie, de tudo o que se sucedera e de como fora abusada; Se sentindo muito perturbada, decidiu sair para sentar-se sob as árvores e ali mesmo adormeceu. Nesse sonho ela viu que tudo ao seu redor estava mudando, ela se encontrava nua e deitada sobre uma rosa de cor muito avermelhada e tinha uma rosa posta no colo; viu então uma grande borboleta de fogo que relutava em se aproximar, mas que quando chegava perto lhe dava calafrios e provocava suspiros e gemidos e fazendo que o sangue fervilhasse dentro dela, como se algo estivesse acontecendo. Ela acordou num salto e logo percebeu que a partir daquele momento, havia se tornado uma mulher, pois sentia sair de si uma onda quente e vermelha.
XII Pombinha foi contar para sua mãe o que havia acontecido, e a velha dona Isabel, saiu gritando euforicamente pelo cortiço “Minha filha é mulher! Minha filha é mulher!”. Depois de receberem todas as felicitações, dona Isabel já foi organizando um jantar para a noite e chamou João da Costa, que deveria ser o futuro marido de Pombinha. As duas estavam muito felizes, põem todo o resto da estalagem não se encontrava da mesma maneira; estavam tristes, pois desde a briga que terminou em navalhada, não houve mais noitadas de violão e dança. Rita estava inquieta com a ausência de Jerônimo que se encontrava no hospital, e Piedade ardia por causa dos ciúmes que tinha de Rita. Somente Pombinha e sua mãe se sentiam realmente felizes, ainda mais com as visitas
constantes de João da Costa, que agora exercia seu papel de noivo. Bruno, que já estava há tempos separado de Leocádia, ficou com muita saudade e pediu para que Pombinha escrevesse uma carta destinada à sua mulher, pedindo que voltasse para ele; ela então percebeu o quão tolo e frágil era aquele homem, e a maioria deles, pois se curvavam facilmente para uma mulher, e essas ideias foram tomando espaço em sua mente até chegar à conclusão de que na realidade ela não amaria Costa, pois era como os outros homens.
XIII Pombinha casou-se, mudou para outro lugar com sua mãe, e sua antiga casa no cortiço não tardou para ser ocupada, assim como as outras vagas que apareciam por lá; mas nessa mesma época, ia surgindo ali por perto uma nova estalagem, o cortiço “Cabeça de gato”, que deixou João Romão preocupado, pois representava uma perigosa concorrência para os seus negócios; não tardou muito e também nasceu uma rivalidade muito grande entre os moradores dos dois cortiços fazendo com que os moradores do cortiço de João adotassem o nome de “Carapicus” - nome do peixe mais vendido por Bertoleza -. Firmo que havia sido proibido de morar no primeiro cortiço, se mudou então para o “Cabeça de gato”, onde conquistou amizades rapidamente e se tornou uma espécie de líder. João, depois de alguns meses percebeu que o novo cortiço em nada lhe prejudicava e até dava-lhe lucro, então voltou a preocupar-se somente com Miranda; desde que seu vizinho havia ganhado o título de barão, Romão começou a preocupar-se mais com sua aparência e seu porte, pois começou a se vestir adequadamente e adquiriu novos hábitos-na esperança de se tornar barão algum dia-, de maneira que até Miranda começou a tratá-lo de maneira diferente. Porém, Bertoleza não acompanhava esse crescimento cultural de João, continuava com a mesma feição de escrava. O velho Botelho, ciente da situação de seu vizinho, começou a se tornar mais amigo de João, para que pudesse arranjar o casamento dele e da filha de Miranda, pelo preço de 20 contos de réis; João, depois de muita insistência resolveu pagar o combinado e depois de alguns dias, como prometido por Botelho, foi convidado para jantar na casa de Miranda. A visita ocorreu bem, apesar do nervosismo de João, e no final da noite tudo parecia encaminhado para um acordo de casamento; porém, somente quando ele chegou em casa e viu Bertoleza dormindo, suja de gordura de cozinha e com cheiro de peixe, percebeu que ela seria um grande obstáculo em seus esquemas de casamento com Zulmira, e que talvez, a única forma de concretizar seus planos, fosse através da morte de Bertoleza.
XIV Acabaram de se passar 3 meses desde a briga que levou Firmo a dar uma navalhada em Jerônimo. Firmo continuava a se encontrar com Rita Baiana, mas ela já o tratava de forma diferente, a mulata passou a ser fria e sempre estava apressada. Certa vez , Firmo preparou um almoço e esperou Rita Baiana para comer junto a ele, mas ela não apareceu e a sua ausência gerou uma forte ira no capoeira, que aborrecido resolveu caminhar pelo bairro até parar no botequim do Garnisé, lugar onde esteve a beber, fumar e pensar, até que um mulatinho lhe aparece e noticiou a respeito da volta de Jerônimo. O conhecimento sobre a volta do português fez com que Firmo ficasse ainda mais irado e de imediato ele ligou o retorno de Jerônimo ao descaso de Rita para com ele, àquela hora Firmo queria matar Jerônimo. Jerônimo já estava no cortiço, porém com um aspecto fraco e pálido. Piedade levou o seu marido para o quarto e perguntou se o mesmo queria a sua comida, ele por sua vez disse que gostaria de um café feito por Rita Baiana, coube a sua esposa ir, infeliz, pedir
para que a mulata lhe arranjasse uma xícara. Jerônimo aproveitou para ir buscar o café e interesseiramente conversar com a brasileira, até que Piedade aparece e informa ao seu marido (que àquela hora disfarçava seu envolvimento com Rita) que Zé Carlos e Pataca o esperavam. Zé Carlos, Pataca e Jerônimo resolveram caminhar até a venda e conversar sobre o plano que eles tinham em mente, o objetivo seria se vingar de Firmo, com a morte dele, naquele mesmo dia e como recompensa Jerônimo ofertaria 40 mil réis para cada um.
XV O plano prosseguiu com Pataca indo até o Garnisé, onde ele achava que encontraria Firmo. O Garnisé estava rechado com muita gente e entre elas estava Florinda, mulher que Pataca esteve a conversar enquanto observava ao redor do lugar para tentar reconhecer Firmo entre as outras pessoas. Pataca fez-se de muito bêbado e foi procurar conversa com a capoeira, eles falaram sobre Rita e a volta de Jerônimo, Pataca fez-se de desconhecido e Firmo acabou revelando os seu planos contra o português que pretendia lhe matar e também revelou que estava armado com uma navalha. O falso companheiro da capoeira lhe disse que havia visto Rita Baiana na Praia da Saudade, então Firmo, sem saber que estava sendo vitima de uma armadilha, foi na companhia de Pataca atrás de Rita , mas foi surpreendido quando lhe amarraram e bateram com paus até que viesse a morrer. Os assassinos arrastaram o corpo do homem morto, jogaram no mar e cada um teve a sua recompensa, Jerônimo esteve satisfazendo seu desejo de vingança e Zé Carlos e Pataca acabariam de adquirir 40 mil réis. Após cometer aquele assassinato naquela noite chuvosa e parar no caminho de volta para comer e beber em um botequim, os três criminosos se separaram quando Jerônimo voltou ao cortiço, lá ele percebeu que na sua casa existia uma luz acesa, imaginou que sua mulher estava a lhe esperar e não quis encara-la, decidiu então que iria à casa de Rita Baiana. O português bateu na porta da mulata que a principio achou que seria Firmo mas logo percebeu quem realmente era e esse que estava na sua porta lhe contou o que havia feito e fez uma proposta de fuga para viver o amor que era presente naquelas duas almas. Rita, que já não conseguia conter o seu sentimento por Jerônimo, aceitou a proposta e se pôs nos braços do seu amado demonstrando toda a sua afeição.
XVI Piedade esteve à noite inteira preocupada devido à ausência de Jerônimo, a mulher ficava cada vez mais desesperada, o tempo sem noticias do seu marido se prolongava e ela foi, por esse motivo, atingida por alucinações que a sua mente criava. O dia amanheceu sem a aparição do cavouqueiro na sua casa e isso já era noticia no cortiço. Piedade resolveu rondar a cidade em busca de alguma informação, descobriu que Jerônimo havia passado a noite em botequins com Pataca e Zé Carlos e logo imaginou que ele havia chegado bêbado no cortiço e resolveu ir até a casa de Rita Baiana, mas só teve mais certeza de que isso aconteceu quando soube da morte de Firmo e deduziu que isso seria obra do seu cônjuge. Há essa hora o ódio corria nas veias daquela mulher traída, ela então avistou a mulata que havia roubado seu marido e resolveu prestar contas com ela, as duas então se enfurecem e começam uma briga no pátio do cortiço, brasileiros e portugueses que assistiam, torciam para as representantes das suas nações e essa disputa nacional acabou gerando mais brigas naquele pátio e finalmente promovendo um verdadeiro caos entre os moradores. No auge daquela balburdia, ouve-se um coro de vozes que estavam se aproximando, eram os capoeiras Cabeças-de-gato do outro cortiço que tinham o objetivo de vingar com sangue a morte de Firmo.
XVII Os Carapicus e os Cabeças-de-gato armaram o combate e começaram a batalhar de forma bastante equilibrada, cada grupo esperando que o outro seja vencido pelo cansaço, e assim aquele confronto prosseguiu até que um acontecimento maior chamou a atenção de todos que estavam ali, um grande incêndio começava na casa de 88, a guerra que ali acontecia já não era mais importante, os Cabeça-de-gato desertaram dando as costas e os Carapicus não pensaram em se aproveitar. O cortiço inteiro esteve em prantos e empenhado para apagar o fogo, a Bruxa seria mais uma vez a responsável e dessa vez ela estaria satisfeita com o tamanho do estrago que causara e que viria a sepultá-la sob as brasas . O fogo só foi contido quando os bombeiros chegaram ao local, e viraram heróis por causa da coragem e competência demonstrada pelos mesmos.
XVIII Durante a confusão do incêndio João Romão esteve a observar movimentos suspeitos do velho Libório e resolveu segui-lo até ver o velho tirando garrafas do seu colchão, mas antes que pudesse escapar faleceu agarrado às suas garrafas, João aproveitou da situação para apoderar-se do tesouro de Libório e logo veio perceber que dentro daquelas garrafas existiam notas de réis. Até então Romão só havia lucrado com o incêndio, Miranda foi cumprimentá-lo e lembrou que o vendeiro agiu ao correto em colocar tudo no seguro, João disse que realmente foi prejudicado foram os moradores e ele já pensava em reconstruir tudo. Após analisar os estragos, percebeu-se que Rita tinha fugido, pois Jerônimo já lhe esperava em um casinha que arranjara, e muitos outros moradores daquela comunidade acabaram feridos ou até mortos, isso gerou certo sentimento de solidariedade da parte dos presentes no acidente, esses chegaram até a contribuir para enterrar devidamente os mortos daquela ocasião.
XIX Com os dias passando os efeitos, a estalagem metia – se em obras. Á desordem do desentulho do incêndio sucedia a do trabalho dos pedreiros que martelava – se ali pela manha e pela noite. Os que ficaram sem casa foram aboletados a trouxe e desordenadamente por todos os cantos á espera dos novos cômodos. As obras principiaram pelo lado esquerdo do cortiço, o lado do Miranda: os antigos moradores tinham preferência e vantagens nos preços. Leocádia foi visitar o seu homem no hospital. Que alegrão para o infeliz a volta da mulher, aquela mulher levada dos diabos, mas de carne dura, a quem ele, apesar de tudo,queria muito.Com a visita ambos choraram muito e dona Leocádia decidiu voltar para o cortiço e viver com o marido.Piedade, essa é que se levantou das febres completamente transformada,nem parecia a mesma depois do abandono de Jerônimo. Esses meses, durante as obras, foram uma época especial para a estalagem. O cortiço não dava idéia do seu antigo caráter, tão acentuado e, no entanto, tão misto. Mais dentro de pouco tempo estava tudo pronto. O barão e o Botelho apareciam por lá todos os dias, ambos muito interessados pela propriedade do vizinho. E a crioula? Como havia de ser? Era isto justamente o que, tanto o Barão como o Botelho, morriam por que lhe dissessem. Sim, porque aquela boa casa que se estava fazendo, e os ricos móveis encomendados, e mais as pratas e as porcelanas que haviam
de vir, não seriam decerto para os beiços da negra velha! Conservá-la-ia como criada? Impossível! Todo Botafogo sabia que eles até aí fizeram vida comum! Todavia, tanto o Miranda, como o outro, não se animavam a abrir o bico a esse respeito com o vizinho e contentavam-se em boquejar entre si misteriosamente, palpitando ambos por ver a saída que o vendeiro acharia para semelhante situação. Maldita preta dos diabos! Era ela o único defeito, o senão de um homem tão importante e tão digno. Agora, não se passava um domingo sem que o amigo de Bertoleza fosse jantar à casa do Miranda. Iam juntos ao teatro. João Romão dava o braço à Zulmira, e, procurando galanteá-la e mais ao resto da família, desfazia-se em obséquios brutais e dispendiosos, com uma franqueza exagerada que não olhava gastos. Se tinham de tomar alguma coisa, ele fazia vir logo três, quatro garrafas ao mesmo tempo, pedindo sempre o triplo do necessário e acumulando compras inúteis de doces, flores e tudo o que aparecia. Nos leilões das festas de arraial era tão feroz a sua febre de obsequiar a gente do Miranda, que nunca voltava para casa sem um homem atrás, carregado com os mimos que o vendeiro arrematava. E Bertoleza bem que compreendia tudo isso e bem que estranhava a transformação do amigo. Por outro lado, Jerônimo empregara-se na pedreira de São Diogo, onde trabalhava dantes, e morava agora com a Rita numa estalagem da Cidade Nova. Tiveram de fazer muita despesa para se instalarem; foi-lhes preciso comprar de novo todos os arranjos de casa, porque do São Romão Jerônimo só levou dinheiro, dinheiro que ele já não sabia poupar. Com o asseio da mulata a sua casinha ficou, todavia, que era um regalo; tinham cortinado na cama, lençóis de linho, fronhas de renda, muita roupa branca, para mudar todos os dias, toalhas de mesa, guardanapos; comiam em pratos de porcelana e usavam sabonetes finos.
XX Chegaram a casa às nove horas da noite. Piedade levava o coração feito em lama; não dera palavra por todo o caminho e logo que recolheu a pequena, encostou-se à cômoda, soluçando. Estava tudo acabado! Tudo acabado!Foi à garrafa de aguardente, bebeu uma boa porção; chorou ainda, tornou a beber, e depois saiu ao pátio, disposta a parasitar a alegria dos que se divertiam lá fora. Mas o cortiço já não era o mesmo; estava muito diferente; mal dava idéia do que fora. O pátio, como João Romão havia prometido, estreitara-se com as edificações novas; agora parecia uma rua, todo calçado por igual e iluminado por três lampiões grandes simetricamente dispostos. Fizeram-se seis latrinas, seis torneiras de água e três banheiros. Desapareceram as pequenas hortas, os jardins de quatro a oito palmos e os imensos depósitos de garrafas vazias. À esquerda, até onde acabava o prédio do Miranda, estendia-se um novo correr de casinhas de porta e janela, e daí por diante, acompanhando todo o lado do fundo e dobrando depois para a direita até esbarrar no sobrado de João Romão, erguia-se um segundo andar, fechado em cima do primeiro por uma estreita e extensa varanda de grades de madeira, para a qual se subia por duas escadas, uma em cada extremidade. De cento e tantos, a numeração dos cômodos elevou-se a mais de quatrocentos; e tudo caiadinho e pintado de fresco; paredes brancas, portas verdes e goteiras encarnadas. Poucos
lugares havia desocupados. Alguns moradores puseram plantas à porta e à janela, em meias tinas serradas ou em vasos de barro. Albino levou o seu capricho até à cortina de labirinto e chão forrado de esteira. A casa dele destacava-se das outras; era no andar de baixo, e cá de fora via-se-lhe o papel vermelho da sala, a mobília muito brunida, jarras de flores sobre a cômoda, um lavatório com espelho todo cercado de rosas artificiais, um oratório grande, resplandecente de palmas douradas e prateadas, toalhas de renda por toda a parte, num luxo de igreja, casquilho e defumado. E ele, o pálido lavadeiro, sempre com o seu lenço cheiroso à volta do pescocinho, a sua calça branca de boca larga, o seu cabelo mole caído por detrás das orelhas bambas, preocupava-se muito em arrumar tudo isso, eternamente, como se esperasse a cada instante a visita de um estranho. Os companheiros de estalagem elogiavam-lhe aquela ordem e aquele asseio; pena era que lhe dessem as formigas na cama! Em verdade, ninguém sabia por que, mas a cama de Albino estava sempre coberta de formigas. Ele a destruí-las, e o demônio do bichinho a multiplicar-se cada vez mais e mais todos os dias. Uma campanha desesperadora, que o trazia triste, aborrecido da vida. Defronte justamente ficava a casa do Bruno e da mulher, toda mobiliada de novo, com um grande candeeiro de querosene em frente à entrada, cujo revérbero parecia olhar desconfiado lá de dentro para quem passava cá no pátio. Agora, entretanto, o casal vivia em santa paz. Leocádia estava discreta; sabia-se que ela dava ainda muito que fazer ao corpo sem o concurso do marido, mas ninguém dizia quando, nem onde. O prédio do Miranda parecia ter recuado alguns passos, perseguido pelo batalhão das casinhas da esquerda, e agora olhava a medo, por cima dos telhados, para a casa do vendeiro, que lá defronte erguia-se altiva, desassombrada, o ar sobranceiro e triunfante. João Romão conseguira meter o sobrado do vizinho no chinelo; o seu era mais alto e mais nobre, e então com as cortinas e com a mobília nova impunha respeito. Foi abaixo aquele grosso e velho muro da frente com o seu largo portão de cocheira, e a entrada da estalagem era agora dez braças mais para dentro, tendo entre ela e a rua um pequeno jardim com bancos e um modesto repuxo ao meio, de cimento, imitando pedra. Fora-se a pitoresca lanterna de vidros vermelhos; foram-se as iscas de fígado e as sardinhas preparadas ali mesmo à porta da venda sobre as brasas; e na tabuleta nova, muito maior que a primeira, em vez de "Estalagem de São Romão" lia-se em letras caprichosas. O "Cabeça-de-Gato" estava vencido finalmente, vencido para sempre; nem já ninguém se animava a comparar as duas estalagens. À medida que a de João Romão prosperava daquele modo, a outra decaía de todo; raro era o dia em que a polícia não entrava lá e baldeava tudo aquilo a espadeirada de cego. Uma desmoralização completa! Mas naquele domingo o cortiço estava banzeiro; havia apenas uns grupos magros, que se divertiam com a viola à porta de casa.
XXI Ao mesmo tempo, João Romão, em chinelas e camisola, passeava de um para outro lado no seu quarto novo. Um aposento largo e forrado de azul e branco com florinhas amarelas fingindo ouro; havia um tapete aos pés da cama, e sobre a petequeira um despertador de níquel, e a mobília toda eram já de casados, porque o esperto não estava para comprar móveis duas vezes. Parecia muito preocupado; pensava em Bertoleza que, a essas horas, dormia lá embaixo num vão de escada, aos fundos do armazém, perto da comua. Mas que diabo havia ele de fazer afinal daquela peste?
E coçava a cabeça, impaciente por descobrir um meio de ver-se livre dela. É que nessa noite o Miranda lhe falara abertamente sobre o que ouvira de Botelho, e estava tudo decidido: Zulmira aceitava-o para marido e Dona Estela ia marcar o dia do casamento. O diabo era a Bertoleza!... Deu meia-noite no relógio do armazém. João Romão tomou uma vela e desceu aos fundos da casa, onde Bertoleza dormia. Aproximou-se dela, pé ante pé, como um criminoso que leva uma idéia homicida. A crioula estava imóvel sobre o enxergão, deitada de lado, com a cara escondida no braço direito, que ela dobrara por debaixo da cabeça. Aparecia-lhe uma parte do corpo nua. E era aquilo, aquela miserável preta que ali dormia indiferentemente, o grande estorvo da sua ventura!... Parecia impossível! — E se ela morresse?... Esta frase, que ele tivera, quando pensou pela primeira vez naquele obstáculo à sua felicidade, tornava-lhe agora ao espírito, porém já amadurecida e transformada nesta outra: — E se eu a matasse? Mas logo um calafrio de pavor correu-lhe por todos os nervos. Além disso, como?... Sim, como poderia despachá-la, sem deixar sinais comprometedores do crime?... Envenenando-a?... Dariam logo pela coisa!... Matá-la a tiro?... Pior! Levá-la a um passeio fora da cidade, bem longe e, no melhor da festa, atirála ao mar ou por um despenhadeiro, onde a morte fosse infalível?... Mas como arranjar tudo isso, se eles nunca passeavam juntos?... Diabo! E o desgraçado ficou a pensar, abstrato, de castiçal na mão, sem despregar os olhos de cima de Bertoleza, que continuava imóvel, com o rosto escondido no braço. — E se eu a esganasse aqui mesmo?... E deu, na ponta dos pés, alguns passos para frente, parando logo, sem deixar nunca de contemplá-la. Mas a crioula ergueu de improviso a cabeça e fitou-o com os olhos de quem não estava dormindo. — Ah! Fez ele. — Que é seu João? — Nada. Vim só ver-te... Cheguei ainda não há muito... Como vais tu? Passou-te a dor do lado?... Ela meneou os ombros, sem responder ao certo. Houve um silêncio entre os dois. João Romão não sabia o que dizer e saiu afinal, escoltado pelo imperturbável olhar da crioula, que o intimava mesmo pelas costas.
— Teria desconfiado? pensou o miserável, subindo de novo para o quarto. Qual! Desconfiar de quê?... E meteu-se logo na cama, disposto a não pensar mais nisso e dormir incontinenti. Mas o seu pensamento continuou rebelde a parafusar sobre o mesmo assunto. — É preciso despachá-la! É preciso despachá-la quanto antes, seja lá como for!
XXII Desde esse dia Bertoleza fez-se ainda mais concentrada e resmungona e só trocava com o amigo um ou outro monossílabo inevitável no serviço da casa. Entre os dois havia agora desses olhares de desconfiança, que são abismos de constrangimento entre pessoas que moram juntas. A infeliz vivia num sobressalto constante; cheia de apreensões, com medo de ser assassinada; só comia do que ela própria preparava para si e não dormia senão depois de fechar-se a chave. No entanto, em redor do seu desassossego e do seu mal-estar, tudo ali prosperava forte em grosso, aos contos de réis, com a mesma febre com que dantes, em torno da sua atividade de escrava trabalhadeira, os vinténs choviam dentro da gaveta da venda. Durante o dia paravam agora em frente do armazém carroças e carroças com fardos e caixas trazidos da alfândega, em que se liam as iniciais de João Romão; e rodavam-se pipas e mais pipas de vinho e de vinagre, e grandes partidas de barricas de cerveja e de barris de manteiga e de sacos de pimenta. E o armazém, com as suas portas escancaradas sobre o público, engolia tudo de um trago, para depois ir deixando sair de novo, aos poucos, com um lucro lindíssimo, que no fim do ano causava assombros. João Romão fizera-se o fornecedor de todas as tabernas e armarinhos de Botafogo; o pequeno comércio sortia-se lá para vender a retalho. Florinda, metida agora com um despachante de estrada de ferro, voltara para o São Romão e trazia a sua casinha em muito bonito pé de limpeza e arranjo. Estava ainda de luto pela mãe, a pobre velha Marciana, que ultimamente havia morrido no hospício dos doidos. Aos domingos o despachante costumava receber alguns camaradas para jantar, e como a rapariga puxava os feitios da Rita Baiana, as suas noitadas acabavam sempre em pagode de dança e cantarola, mas tudo de portas adentro, que ali já se não admitiam sambas e chinfrinadas ao relento. A Machona quebrara um pouco de gênio depois da morte de Agostinho e era agora visitada por um grupo de moços do comércio, entre os quais havia um pretendente à mão de Nenen, que se mirrava já de tanto esperar a seco por marido. Alexandre fora promovido a sargento e empertigava-se ainda mais dentro da sua farda nova, de botões que cegavam; a mulher, sempre indiferentemente fecunda e honesta, parecia criar bolor na sua moleza úmida e tinha um ar triste de cogumelo; era vista com frequência a dar de mamar a um pequerrucho de poucos meses, empinando muito a barriga para a frente, pelo hábito de andar sempre grávida. A sua comadre Léonie continuava a visitá-la de vez em quando, aturdindo a atual pacatez daquele cenóbio com as suas roupas gritadoras. Uma ocasião em que lá fora, um sábado à tarde, produzira grande alvoroço entre os decanos da estalagem, porque consigo levava Pombinha, que se atirara ao mundo e vivia agora em companhia dela.
XXIII Eram duas horas da tarde e um grande movimento fazia-se ali. O tempo estava magnífico; sentia-se pouco calor. Gente entrava e saía, a passo frouxo, da Casa Pascoal. Lá dentro janotas estacionavam de pé, soprando o fumo dos charutos, à espera que
desocupassem uma das mesinhas de mármore preto; grupos de senhoras, vestidas de seda, faziam lanche com vinho do Porto. Respirava-se um cheiro agradável de essências e vinagres aromáticos; havia um rumor quente e garrido, mas bem-educado; namoravase forte, mas com disfarce, furtando-se olhares no complicado encontro dos espelhos; homens bebiam ao balcão e outros conversavam, comendo empadinhas junto às estufas; algumas pessoas liam já os primeiros jornais da tarde; serventes, muito atarefados, despachavam compras de doces e biscoitos e faziam, sem descansar, pacotes de papel de cor, que os compradores levavam pendurados num dedo. Ao fundo, de um dos lados do salão, aviavam-se grandes encomendas de banquetes para essa noite, traziam-se lá de dentro, já prontas, torres e castelos de balas e trouxas ovos e imponentes peças de cozinha caprichosamente enfeitadas; criados desciam das prateleiras as enormes baixelas de metal branco, que os companheiros iam embalando em caixões com papel fino picado. Os empregados das secretarias públicas vinham tomar o seu vermute com sifão; repórteres insinuavam-se por entre os grupos dos jornalistas e dos políticos, com o chapéu à ré, ávidos de notícias, uma curiosidade indiscreta nos olhos. João Romão, sem deixar a porta, apoiado no seu guarda-chuva de cabo de marfim, recebia cumprimentos de quem passava na rua; alguns paravam para lhe falar. Ele tinha sorrisos e oferecimentos para todos os lados; e consultava o relógio de vez em quando. Mas a família do Barão surgiu afinal. Zulmira vinha na frente, com uma vestida cor de palha justa ao corpo, muito elegante no seu tipo de fluminense pálida e nervosa; logo depois Dona Estela, grave, toda de negro, passo firme e ar severo de quem se orgulham das suas virtudes e do bom cumprimento dos seus deveres. O Miranda acompanhava-as de sobrecasaca, fitinha ao peito, o colarinho até ao queixo, botas de verniz, chapéu alto e bigode cuidadosamente raspado. Ao darem com João Romão, ele sorriu e Zulmira também; só Dona Estela conservou inalterável a sua fria máscara de mulher que não dá verdadeira importância senão a si mesma. Entraram todos na confeitaria e apoderaram-se da primeira mesa que se esvaziou. Um criado acudiu logo e João Romão, depois de consultar Dona Estela, pediu sanduíches, doces e moscatel de Setúbal. Mas Zulmira reclamou sorvete e licor. E só esta falava; os outros estavam ainda à procura de um assunto para a conversa; afinal o Miranda que, durante esse tempo contemplava o teto e as paredes, fez algumas considerações sobre as reformas e novos adornos do salão da confeitaria. Dona Estela dirigiu, de má, a João Romão vário perguntas sobre a companhia lírica, o que confundiu por tal modo ao pobre do homem, que o pôs vermelho e o desnorteou de todo. Felizmente, nesse instante chegava o Botelho e trazia uma notícia: a morte de um sargento no quartel; questão entre inferior e superior. O sargento, insultado por um oficial do seu batalhão, levantara a mão contra ele, e o oficial então arrancara da espada e atravessara-o de lado a lado.Iam falar ainda, mas o bonde de São Clemente acabava de chegar, assaltado por todos os lados pela gente que o esperava. Os dois só conseguiram lugar muito separado um do outro, de sorte que não puderam conversar durante a viagem.
Dentro do carro ia Pombinha, coberta de jóias, ao lado de Henrique; ambos muito alegres, em pândega.O estudante, agora no seu quarto ano de medicina, vivia à solta com outros da mesma idade e pagava ao Rio de Janeiro o seu tributo de rapazola rico. Ao chegarem à casa, João Romão pediu ao cúmplice que entrasse e levou-o para o seu escritório.O jantar correu frio e contrafeito; os dois sentiam-se ligeiramente dominados por um vago sobressalto. João Romão foi pouco além da sopa e quis logo a sobremesa. Tomavam café, quando um empregado subiu para dizer que lá embaixo estava um senhor, acompanhado de duas praças, e que desejava falar ao dono da casa. — Vou já, respondeu este. E acrescentou para o Botelho: — São eles! — Deve ser, confirmou o velho. E desceram logo. — Quem me procura?... Exclamou João Romão com disfarce, chegando ao armazém. Um homem alto, com ar de estróina, adiantou-se e entregou-lhe uma folha de papel. João Romão, um pouco trêmulo, abriu-a defronte dos olhos e leu-a demoradamente. Um silêncio formou-se em torno dele; os caixeiros pararam em meio do serviço, intimidados por aquela cena em que entrava a polícia. O sujeito fez sinal aos dois urbanos, que o acompanharam logo, e encaminharam-se todos para o interior da casa. Botelho, à frente deles, ensinava-lhes o caminho. João Romão ia atrás, pálido, com as mãos cruzadas nas costas. Bertoleza, que havia já feito subir o jantar dos caixeiros, estava no chão,reconheceu logo o filho mais velho do seu primitivo senhor, e um calafrio percorreu-lhe o corpo. Num relance de grande perigo compreendeu a situação; adivinhou tudo com a lucidez de quem se vê perdido para sempre: adivinhou que tinha sido enganada; que a sua carta de alforria era uma mentira, e que o seu amante, não tendo coragem para matá-la, restituía-a ao cativeiro. Seu primeiro impulso foi de fugir. Mal, porém, circunvagaram os olhos em torno de si, procurando escápula, o senhor adiantou-se dela e segurou-lhe o ombro. — É esta! Disse aos soldados que, com um gesto, intimaram a desgraçada a segui-los. — Prendam-na! É escrava minha! A negra, imóvel, cercada de escamas e tripas de peixe, com uma das mãos espalmada no chão e com a outra segurando a faca de cozinha, olhou aterrada para eles, sem pestanejar. Os policiais, vendo que ela se não despachava, desembainharam os sabres. Bertoleza então, erguendo-se com ímpeto de anta bravia, recuou de um salto e, antes que alguém conseguisse alcançá-la, já de um só golpe certeiro e fundo rasgara o ventre de lado a lado. E depois embarcou para a frente, rugindo numa lameira de sangue.João Romão fugira até ao canto mais escuro do armazém, tapando o rosto com as mãos.
Nesse momento parava à porta da rua uma carruagem. Era uma comissão de abolicionistas que vinha de casaca, trazer-lhe respeitosamente o diploma de sócio benemérito. Ele mandou que os conduzissem para a sala de visitas.