A gestão Estratégica e os Desafios dos Profissionais de RH - Parte 2

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A GESTÃO ESTRATÉGICA E OS DESAFIOS DOS PROFISSIONAIS DE RECURSOS HUMANOS PARTE 2 – A ANÁLISE DOS FATORES CONTINGENCIAIS PARA O ALINHAMENTO ESTRATEGICO por André Luiz Fischer

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Sumário V. O Alinhamento Estratégico da GERH..................................... 2 5.1 Atividades Transacionais, Técnicas e Estratégicas........... 3 5.2 Fatores Contingenciais da GERH............................................7 5.3 A Estratégia de Negócio.......................................................... 8 5.4 Outros Fatores Contingenciais............................................. 12 5.4.1 Ambiente de Negócios: da regularidade e rotina à turbulência competitiva............................................. 14 5.4.2 Padrão Tecnológico: da indústria mecânica a “startup” de negócios digitais.............................. 16 5.4.3 Organização do trabalho: do operacional/individual para o autônomo/empreendedor................................................16 5.4.4 Modelo Organizacional: da estrutura departamental à célula matricial............................................... 19 5.4.5 Cultura Organizacional (RH): do burocrático processual ao competitivo individualista.................................21 5.4.6 Relações de trabalho e sindicais.....................................23 Referências Bibliográficas...........................................................28 2


V. O Alinhamento Estratégico da GERH < voltar ao sumário

Como foi possível observar até aqui, a predominância da visão estratégica de GRH e a teoria contingencial são inspiradoras do modelo de consultoria interna, proposto por Ulrich, (2004) e amplamente disseminado nas organizações mais estruturadas na área. Esse modelo implica alterações radicais no sistema de GRH, ou seja, na forma de organização da área, nas práticas de gestão adotadas e, principalmente, no papel dos agentes envolvidos. A implementação dessa nova forma de operar vem sendo perseguida pelos profissionais e consultores desde final da década de noventa e apresenta ainda vários desafios. Neste capítulo abordaremos alguns deles, focalizando prioritariamente o papel do profissional especializado. O conceito popularizado por Ulrich, é o de parceiro estratégico e sua principal missão seria de alinhar tudo aquilo que se faz em RH à estratégia de negócio. Como resultado, seguindo a lógica estabelecida até aqui, teríamos comportamentos coerentes com o negócio e contributivos com seus resultados. Com essa referência, nosso diagrama tomaria a forma indicada na figura 7 a seguir. Figura 7 Alinhamento Estratégico de RH

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Mas como promover esse alinhamento? Como tornar-se parceiro estratégico? Como diferenciar e valorizar as atividades de RH que são realmente estratégicas? Sem a pretensão de resolver definitivamente essas questões complexas do quotidiano da GERH, buscaremos a seguir trazer algumas referências da teoria e da prática sobre elas.

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5.1. Atividades Transacionais, Técnicas e Estratégicas < voltar ao sumário

Abordaremos inicialmente o caráter das atividades realizadas pelo profissional e de responsabilidade da área de RH. É comum encontrarmos na linguagem empresarial a menção a determinadas práticas e atitudes como estratégicas, em contraponto a outras, que não teriam essa condição. Haveria atividades de RH intrinsecamente estratégicas? Como vimos, os universalistas diriam que sim, mas essa é uma resposta ainda parcial. Precisamos analisar mais detidamente os processos mais característicos da área e do profissional, a partir da visão que desenvolvemos até aqui, para responder esta questão. Se recuperarmos a ideia de que a gestão de RH tem por objetivo orientar o comportamento humano que prevalece na organização, veremos que há três tipos de atividades que predominam na área e na atuação do profissional. Aquelas voltadas para processos predominantemente administrativos e de baixo, ou quase nenhum impacto direto no comportamento, como o cumprimento de normas processuais de registro dos empregados, recolhimento de taxas, processamento de folha e garantia de que a remuneração chegue até o empregado. São tarefas que a literatura chamará de transacionais, ou seja, a transação envolvida no processo tem muita importância, deve ser feita de forma cuidadosa e, em geral, padronizada. Nesses casos predomina o “compliance” porque regras estabelecidas pela empresa ou pela sociedade precisam ser cumpridas, ou porque outros processos menos transacionais assim o exigem. O segundo grupo de atividades pode ser classificado como técnicas. São processos que dependem de competências específicas para sua realização e seu aprendizado depende de conhecimentos nos campos da psicologia, sociologia e outras disciplinas das ciências humanas e comportamentais. Nessa categoria se incluem as entrevistas, dinâmicas de grupos, práticas de educação corporativa, gestão do clima organizacional; da remuneração, entre outras. Na verdade, se classifica com técnica ou de prestação de serviços tudo que tradicionalmente é considerado como atividade característica de RH e que forma a “mala de ferramentas” do profissional. Sobre essas atividades ele, obrigatoriamente, deve saber responder as três questões chaves que caracterizam as profissões, a saber: o que fazer, o porquê fazer e como fazer. O terceiro e último grupo consiste naquilo que é realmente estratégico, que demanda um

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pouco mais de explicações. Defendemos a proposição de que três características básicas podem conferir caráter estratégico a um processo ou atividade. São elas: 1. O processo é claramente orientado por diretrizes da estratégia de negócio e das diretrizes de RH (é possível relacioná-lo ou com a viabilidade presente ou com a sustentabilidade futura do negócio) 2. O processo ou atividade tem por finalidade provocar mudanças de caráter comportamental em pessoas ou grupos de pessoas visando a viabilidade presente do negócio ou a sua sustentabilidade futura. 3. Os objetivos do processo estão voltados para a solução de desafios de médio e longo prazos da empresa. Algumas das atividades transacionais e, praticamente todas as técnicas, podem se tornar estratégicas dependendo da forma como são implementadas e do momento que está vivendo a empresa. No caso das transacionais, tomemos como exemplo o processamento da folha de pagamento. Em princípio ele não deveria ser considerado estratégico, o foco é processual, uma vez que as atividades operacionais sejam realizadas adequadamente, o processo cumpre seus objetivos. O impacto no comportamento não é observável, exceção feita no caso de falha de processo. Assim, a gestão da folha de pagamento não promove mudança de comportamento em busca da estratégia da empresa, mas, se não feita adequadamente, certamente cria obstáculos a isso, o que a caracteriza como transacional. Mas, se a gestão dos dados contidos nos sistemas de folha de pagamento se tornar uma de suas finalidades mais importantes, se ela for utilizada para análise dos perfis dos funcionários, visando decisões sobre o quadro atual e futuro da empresa, nesse caso o processo se torna estratégico. O objetivo não é mais a transação, a operação que termina quando o funcionário recebe o contracheque. Agora trata-se de gerar dados para projetar novos perfis, para planejar recrutamento, seleção, fazer o que hoje se chama de “people analitics”, tudo isso, evidentemente, levando-se em conta a estratégia de negócio da empresa e/ou de cada uma de suas unidades. Os processos técnicos são candidatos naturais a tornarem-se estratégicos. Tudo depende da sua orientação, concepção e objetivos. Uma atividade de treinamento pode ser concebida de forma a capacitar pessoas, tornando-as mais hábeis para realizar uma tarefa. Uma vez comprovado que houve aprendizagem e que a tarefa é realizada de forma mais adequada

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do que anteriormente, cumpriu-se o objetivo técnico da atividade. A pergunta que se coloca é: os treinandos perceberam como essa tarefa executada da forma proposta pela capacitação contribui mais para a estratégia da organização? A resposta positiva a essa questão poderia nos dar indícios de que esse processo, originalmente técnico, tornouse estratégico. Parece evidente que, para atingir esse status, o programa da capacitação deveria ser orientado por diretrizes conectadas à estratégia de negócio. Sua metodologia e conteúdo provavelmente deveriam ser definidos não só por critérios técnicos, mas pela análise detida do papel daquela tarefa para a estratégia da empresa e seus objetivos não se limitariam a tornar as pessoas mais hábeis na sua execução. O mesmo raciocínio acima poderia ser aplicado a atividades como remuneração, recrutamento, seleção, gestão de carreiras, entre outras práticas de RH. O que se quer dizer aqui é que, de uma perspectiva estratégica, o critério técnico deixa de ser o único relevante nas decisões sobre processos, como a avaliação de desempenho ou a gestão de carreiras, por exemplo. A demanda do negócio - ou as contingências do negócio, na visão contingencial - passa a definir também a melhor maneira dessa atividade ser realizada, bem como seus objetivos prioritários. Procuramos demonstrar, assim, que todos os processos técnicos podem ser realizados de uma forma mais operacional, limitada aos objetivos da própria atividade, ou estratégica, orientada para mudanças comportamentais coerentes com um posicionamento futuro que a organização deseja alcançar. Mas existem atividades de RH que necessariamente implicam orientação estratégica. A gestão da cultura da organização e a gestão de mudanças de larga escala são os exemplos mais claros de processos intrinsecamente estratégicos. Investimentos em gestão da cultura organizacional somente se justificam se nos propomos a reforçar uma cultura instaurada ou se pretendemos estimular novos valores e crenças. Assim, a gestão da cultura, por definição, corresponde aos critérios que definem uma prática como estratégica: é de alto impacto comportamental, pretende gerar uma transformação e existe para apoiar um posicionamento estratégico. O mesmo acontece quando o profissional de RH está envolvido em equipes encarregadas de promover mudanças mais estruturais, como processos de fusão, aquisição, lançamento de produtos e serviços muito inovadores em relação aos atuais, cortes drásticos de pessoal, adoção de tecnologias desruptivas, novos modelos de organização do trabalho, entre outros. Como agentes de mudança, estamos viabilizando a estratégia na prática em nosso campo de conhecimento e atuação: o comportamento humano em transição para uma nova realidade. Novamente temos aqui

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exemplos claros de processos intrinsecamente estratégicos. O quadro a seguir resume as classificações dos processos de RH conforme definidos acima: Quadro 2: Categorias de processos ou práticas de RH transacionais, técnicos e estratégicos PROCESSOS

TRANSACIONAIS

TÉCNICOS

ESTRATÉGICOS

Definição

O processo é necessário, mas tem pouco ou nenhum impacto no comportamento.

O processo tem impacto no comportamento das pessoas, mas seu resultado modifica pouco o “status quo” e não corresponde necessariamente à estratégia de negócios.

O processo é orientado por estratégias de negócio, promove mudanças comportamentais relevantes e tem por objetivo um horizonte de médio a longo prazo.

Exemplos

Registros trabalhistas, folha de pagamento, atividades de apoio a infraestrutura de eventos, etc.

Recrutamento, seleção, atividades de treinamento, gestão do clima organizacional, avaliação de desempenho e todos os demais.

Gestão da mudança organizacional; gestão da cultura organizacional, disseminação da estratégia da empresa.

Fonte: elaborado pelo autor Como procuramos demonstrar, na maioria das situações, não é o tipo do processo em si que lhe dá ou não caráter estratégico, mas sim sua orientação e a forma como ele é conduzido. Essa análise não pode ser feita a priori, mas sim observando aquilo o que acontece na empresa em questão. De qualquer maneira, as classificações que propusemos até aqui são indicativas e não podem ser tomadas como absolutas. Sua utilidade está em oferecer uma primeira forma, bastante superficial e pouco conclusiva, do profissional avaliar sua atuação na empresa. Utilizando estas categorias, podemos nos perguntar se estamos engajados em processos e projetos mais transacionais, técnicos ou estratégicos. Podemos analisar quanto a área de RH hoje investe em quais desses tipos de projeto, indicando, muito preliminarmente ainda, seu maior ou menor alinhamento estratégico e possíveis oportunidades de aprimoramento. É evidente que o papel do profissional de gestão de pessoas em buscar coerência da gestão

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de RH com a estratégia de negócio vai bem além das decisões sobre tipos de práticas. Como já dissemos, ele depende da capacidade de analisar o negócio e seus fatores contingenciais. Nos próximos tópicos utilizaremos alguns conceitos sobre posicionamento estratégico e retomaremos a abordagem contingencial, já tratada aqui, para indicar alguns caminhos sobre como entender e atuar nesse alinhamento.

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5.2 Fatores Contingenciais da GERH < voltar ao sumário

Como defende a teoria contingencial, o alinhamento estratégico de RH não se resume à escolha e implantação de um conjunto de práticas mais recomendado pelos especialistas ou mais utilizado por empresas semelhantes à nossa. Essa abordagem reconhece a importância do “benchmarking” e das “best practices”, mas considera que a competência fundamental do consultor interno consiste em conhecer os fatores relativos ao negócio e, a partir da sua análise, adaptar as práticas de acordo com suas demandas. Assim, é fundamental que os profissionais de RH identifiquem quais são os fatores contingenciais mais relevantes e como eles podem ser considerados nas decisões de RH. Somente dessa forma ele poderá definir quais práticas se alinham mais com o comportamento desses fatores na sua empresa. Este é o assunto que trataremos neste tópico. Como vimos anteriormente, os autores da teoria contingencial realizaram pesquisas relacionando práticas com resultados organizacionais, como os demais estudos que construíram as teorias de GERH. A diferença está em que eles colocaram outras variáveis inerentes à firma e ao seu contexto de inserção nos modelos estatísticos e perceberam que tinham um considerável efeito. A principal delas, evidentemente, é a estratégia de negócio da empresa, mas outras, como tamanho, setor de atividade, estrutura organizacional e mercados de atuação, também interferiam na relação entre a gestão de RH e o desempenho da empresa. Como afirma Armstrong: “O que funciona bem em uma organização, não necessariamente funcionará em outra porque podem não se adequar a sua estratégia, cultura, estilo de gestão, tecnologia e práticas de trabalho” (ARMSTRONG, 2011, p. 57). São vários os fatores contingenciais identificados pelas pesquisas dessa escola. Destacaremos aqui aqueles mais consensuais entre os autores e que podem ser mais facilmente identificados e analisados pelos profissionais.

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5.3 A Estratégia de Negócio < voltar ao sumário

É longa e diversificada a história da teoria sobre gestão estratégica, desde Chandler (1962) até os escritos de Porter (1996), sobre posicionamento estratégico, e Prahalad (1994), sobre a gestão de recursos e competências essenciais, chegando, nos dias de hoje às estratégias disruptivas, ágeis e desconstruídas das startups. Não é objetivo deste texto resgatar essa evolução e todas as suas linhas de pensamento. Queremos apenas garantir um entendimento comum sobre o conceito, de forma a orientar o profissional na análise do negócio em que atua. Pretendemos também, como nos demais fatores contingenciais aqui analisados, propor algumas categorias de posicionamento estratégico. Essas categorias serão úteis para que possamos associá-las aos diferentes modelos ou sistemas de gestão de pessoas que lhe são coerentes. Com isso, acreditamos que ambos os conceitos teóricos, de categoria de posicionamento estratégico e de tipos de sistemas de gestão de pessoas, poderão ser operacionalizados buscando o alinhamento estratégico de RH, principal tema deste capítulo. Seguimos aqui a visão de Mintzberg (1990, 1994), para quem a estratégia é muito mais do que o plano estratégico formal elaborado periodicamente pela empresa. Ela uma força mediadora entre a organização e o seu meio ambiente, um padrão no processo de tomada de decisões organizacionais para fazer face aos desafios de contexto. O planejamento estratégico formal e os esforços de uma área especializada em fazê-lo cumprir na empresa é importante, mas o que efetivamente consiste no posicionamento estratégico da firma é a lógica que orienta as suas decisões de maior impacto estrutural. Essa abordagem sobre estratégia é denominada por Boxal e Purcell (2011) como a perspectiva da “escolha estratégica”: “A estratégia da firma é o conjunto de escolhas estratégicas que é revelado nas formas mais características dela se comportar” (Boxal e Purcell, 2011, p.40). As escolhas estratégicas devem ser percebidas na forma de atuação das áreas nucleares da empresa (operações, marketing, finanças, RH) quando promovem ações direcionadas

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para dois grandes objetivos: garantir a viabilidade da empresa no presente e manter a sustentação da sua vantagem competitiva em relação aos seus concorrentes no futuro. Praticamente todas as organizações mais estruturadas procuram hoje definir seu posicionamento de maneira explícita e formal, esforçando-se para manter uma identidade em relação aos seus concorrentes e destacar-se perante os “stakeholders”. A pergunta chave que se coloca é: qual a proposta de valor que a organização oferece aos seus clientes ou, em outras palavras, por que o cliente procurará a nossa empresa e não os concorrentes? É razoável supor que quanto mais homogênea for a resposta a essa questão entre as áreas internas e entre todos os que atuam na empresa, maior será a chance de sucesso da estratégia da empresa. Todos sabemos que o alinhamento entre estratégias e comportamento não é assim tão mecânico e facilmente atingível. As questões organizacionais, contextuais, gerenciais, cognitivas e comportamentais que interferem neste movimento são inúmeras e, até certo ponto, incontroláveis. É isso que torna a gestão estratégica uma tarefa desafiadora. E é isso também que transforma a GRH num elemento essencial do desenvolvimento estratégico da empresa. Embora as empresas se esforcem por definir suas diretrizes estratégicas na forma de missão, visão, valores e políticas, ainda que os planos formais sejam produzidos e monitorados por meio de “scorecads” e “milestones”, a estratégia que prevalece é aquela que se transforma em comportamento. Assim, cabe ao profissional de RH conhecer alguns padrões de posicionamento estratégico, saber identificá-los na empresa e derivar daí os perfis de comportamento que se fazem necessários. A decisão pelas práticas será consequência dessa análise. A figura 9 procura representar o fluxo do processo de análise dos fatores de alinhamento estratégico por parte do profissional de RH adotando uma perspectiva contingencial. Figura 8 – Fluxo de análise do posicionamento estratégico para decisão do SGERH

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Vale observar que reiteramos aqui a definição que assumimos nos capítulos iniciais deste texto, na qual considerávamos que o principal objetivo dos sistemas de RH é estimular comportamentos coerentes com o negócio. No caso da GERH apenas adicionamos que essa coerência deve recair sobre a estratégia do negócio. Essa é a proposta também da literatura e da prática de gestão por competências, alinha competências organizacionais (da empresa) às competências humanas (das pessoas) que atuam na empresa (Dutra, 2017). Como já dissemos, as declarações formais por vezes falam pouco do real posicionamento estratégico da empresa, precisamos deduzi-lo das escolhas estruturais e importantes que a empresa vai fazendo no seu percurso de negócios. As decisões das lideranças, particularmente em situações de crise, soluções dadas para dilemas estruturais, como em investimentos, aquisições, fusões, contratações de lideranças e demissões em larga escala, explicam muito a estratégia em uso, por vezes em contraponto com a estratégia declarada (Argyris, 2000). Para os fins didáticos deste livro, podemos classificar os posicionamentos estratégicos em três categorias de referência. São elas: (1) excelência operacional (ou liderança em custo), (2) intimidade com o cliente e (3) inovação (em produto, processo ou serviços). Como qualquer categoria que visa agrupar ações organizacionais, elas são arbitrárias, são, na verdade, tipos ideais de posicionamento. Isso quer dizer que nenhuma empresa se ajusta totalmente a uma delas, mas analisando as escolhas estratégicas realizadas pela firma em um período dado, podemos perceber o quanto ela se aproximou mais de uma ou de outra categoria. Quando adota prioritariamente uma estratégia centrada em custo, a empresa centra seus esforços na busca de eficiência produtiva, na ampliação do volume de produção e na minimização de despesas. Investe menos em marketing, assistência técnica, distribuição, pesquisa e desenvolvimento, e tem no preço um dos principais atrativos para o consumidor. O controle dos gastos e o foco na produtividade definem os perfis de comportamento esperados nessas organizações. É evidente que todas as empresas, independentemente de posicionamento, gerenciam seus custos e esforçam-se por minimizá-los, mas, no caso da estratégia de excelência operacional, esse controle consiste no propósito maior da organização. Aproximam-se mais dessa categoria indústrias de setores tradicionais, que produzem commodities e algumas prestadoras de serviços cujas tarefas podem ser facilmente padronizáveis. São

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atividades que, com a automatização, ou por meio da migração dos produtos principais tendem a migrar para outros posicionamentos. No posicionamento de intimidade com o cliente, a empresa focaliza determinado segmento e procura manter com ele uma relação de longo prazo. O objetivo aqui é fidelização. Nesse caso é preciso investir em conhecer muito bem o cliente, em alguns casos customizar produtos e serviços para diferenciar-se dos demais concorrentes, estar presente na vida do cliente em várias circunstâncias que o lembrem e familiarizem com a marca (branding). Ou seja, iniciativas que vão muito além do investimento no aperfeiçoamento do processo produtivo ou de prestação do serviço. Vale observar que nesse caso o cliente vê valor nesse atendimento diferenciado e na relação que estabelece com a empresa em diferentes circunstâncias. É fácil perceber como o posicionamento de diferenciação por intimidade com o cliente só se viabiliza se o comportamento das pessoas que trabalham nessa organização estiver fortemente alinhado com a estratégia. Qualidade, especificação dos produtos, atendimento, são características fundamentais para o sucesso dessa estratégia. Alguns setores de prestação de serviços exemplificam essa estratégia, como hospitais, laboratórios e clínicas de primeira linha na área de saúde, ou prestação de serviços bancários para segmentos mais exigentes no mercado. Na área industrial, empresas que terceirizam atividades de maior complexidade e atuam dentro dos seus clientes precisam manter uma relação de longo prazo com eles, o que implica conhecê-los e acompanhar as mudanças que acontecem em suas atividades, para adequar seus produtos e serviços permanentemente. O posicionamento de inovação talvez seja o que mais se popularizou no mundo de negócios da atualidade, no qual prevalece a revolução digital. Trata-se da antítese da liderança em custo. Nesse caso, o valor percebido pelo cliente significa estar sempre a frente do produto em uso. Não utilizamos 40% dos recursos do nosso celular, mas assim que a nova versão é lançada, o atual parece que deixa de ser atrativo. O mesmo acontece com o que o google, o linkedin, o facebook e tantos outros sistemas e aplicativos oferecem, é preciso inovar sempre, caso contrário, muito rapidamente perdem os milhões de dólares que valem nas bolsas especializadas em negócios digitais. Citamos aqui exemplos mais extremos, mas várias empresas tipicamente voltadas para excelência operacional transitam para a inovação, é claro que não na velocidade dos negócios digitais, mas também fazem essa transição buscando novos produtos e mercados.

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Observe-se, por exemplo, os fabricantes de cimento. Originalmente uma commoditie, hoje podemos encontrar produtos a base de cimento voltados para diferentes aplicações, frutos de inovações que atendem segmentos específicos de clientes: argamassas prontas, reboco de paredes, texturas, ou seja, empresas que inovaram em produtos, diversificando a partir de uma mesma matéria-prima. Movimento semelhante aconteceu na área de outros materiais para construção como tintas, ou bens de consumo como açúcar, leite e café. Optando pela inovação, essas empresas revolucionaram seus negócios, mas isso somente foi possível porque desenvolveram nas pessoas comportamentos coerentes com esse posicionamento. Todos sabemos, inovação depende de criatividade, de espírito empreendedor, de despertar a curiosidade, a autonomia e a participação ativa na vida da organização. A gestão de RH deve se responsabilizar por isso nas empresas com esse posicionamento. Reiteramos, mais uma vez, que a finalidade dessas categorias é exclusivamente didática. Elas são úteis para análise dos negócios nos quais os profissionais de recursos humanos atuam por que permitem verificar quanto o posicionamento desejado pela empresa ou por uma unidade de negócio se aproxima mais de uma ou de outra categoria, ou ainda se está transitando entre elas. Dessa forma, podemos nos situar e entender se os comportamentos e, principalmente, os componentes do SRH (políticas, práticas, papéis, etc) estão condizentes com os objetivos estratégicos estabelecidos. Como propusemos no início desse texto, não são roteiros de conduta, mas referências capazes de orientar a prática e as decisões sobre gestão de pessoas de uma perspectiva contingencial. Mas outros fatores além da estratégia devem ser considerados nas decisões de RH, eles são objeto do próximo tópico desse capítulo.

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5.4 Demais Fatores Contingenciais < voltar ao sumário

Os demais fatores contingenciais que devem ser considerados nas decisões de RH em geral já estão previstos na própria opção da empresa por um determinado posicionamento estratégico. Entretanto, cabe ao profissional de RH participar das decisões estruturais da empresa e reconhecer todos os fatores que nelas interferem. Além disso, os tipos de posicionamentos nem sempre são claros e definidos, é mais comum que eles fiquem em zonas cinzentas entre uma e outra categoria. Momentos específicos pelos quais as organizações estão passando, por vezes, as colocam em posições diferentes do que seria seu posicionamento mais permanente. Enfim, uma série de circunstâncias exige que consideremos os vários fatores que interferem mais diretamente nos comportamentos desejáveis e, por, consequência, no design dos modelos de gestão de recursos humanos. A relação dos fatores que privilegiamos para análise neste capítulo segue abaixo: • Ambiente de negócios • Padrão tecnológico adotado • Formas de organização do trabalho dotadas • Estrutura organizacional • Cultura organizacional desejada • Relações sindicais

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5.4.1 Ambiente de Negócios: da regularidade e rotina à turbulência competitiva < voltar ao sumário

Empresas vivem em diferentes ambientes de negócios. Entende-se por ambiente de negócios o contexto em que a organização atua, que envolve diversos agentes como fornecedores, competidores, reguladores, clientes, entre outros. Ambientes de negócio mais competitivos são aqueles nos quais as decisões estão relacionadas com o comportamento livre do mercado. Quando esse mercado é dinâmico, novos competidores podem surgir de forma inesperada, aquisições e fusões acontecem com frequência e os clientes têm opções caso não se interessem mais pelos produtos e serviços da firma. Nesses casos, é fácil perceber que os desafios de RH são maiores, é preciso estimular comportamentos voltados para a iniciativa e para a permanente vigilância. Pessoas e as práticas devem ser flexíveis para possibilitar sua adaptação às possíveis mudanças de ambiente. Figura 9 – Categorias de ambientes de negócio

Já nos ambientes de regularidade, ocorrem poucas mudanças significativas e quando isso acontece, é possível controlá-las com antecedência. Numa fase intermediária estariam os ambientes de negócios de mudança incremental, neles é possível a entrada de um novo concorrente, ou o surgimento de uma nova tecnologia que alterará o status quo da produção da empresa, mas esses eventos acontecem com razoável possibilidade de absorção e adaptação por parte da organização. Parece evidente que os perfis de comportamento e as práticas de gestão seriam radicalmente diferentes em cada um dos casos. Ambientes e regularidade pressupõem processos estáveis e cumprimento de padrões, neles predominam relacionamentos de longo prazo e pessoas

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que se submetem a rotinas razoavelmente permanentes. Já na mudança incremental e, principalmente, nos ambientes competitivos, as relações são mais instáveis e os processos de mudança exigirão maior capacidade de iniciativa e adaptação por parte das pessoas. Os processos e as práticas de RH tenderão a estimulá-las mais ao desenvolvimento pessoal e profissional, terão mais flexibilidade e privilegiarão o comprometimento com o trabalho, fixando metas e diferenciando desempenhos.

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5.4.2 Padrão Tecnológico: da indústria mecânica a “startup” de negócios digitais < voltar ao sumário

Toda organização depende de tecnologia para desenvolver suas atividades. Utilizamos aqui o conceito de padrão tecnológico para definir o caráter dessa tecnologia. Organizações que atuam em negócios tradicionais, predominantemente industriais, utilizam tecnologias mecânicas em seus processos, o que combina com o ambiente de regularidade, acima mencionado, e demanda atividades padronizadas e rotinizadas. Em outro extremo estão as tecnologias automatizadas e digitais. A utilização de robôs e, mais recentemente, os processos produtivos do que se convencionou chamar de indústria, prescinde do trabalho manual e substitui até mesmo as atividades mentais com o uso da inteligência artificial. Na prestação de serviços, essas rupturas tecnológicas são ainda mais sentidas, originando novos modelos de negócios e estruturas empresariais como as “startups” voltadas para negócios digitais. Em geral, nas organizações que estão neste extremo mais radical do avanço tecnológico predomina a estratégia de inovação, pouco, ou quase nada de trabalho manual é executado e há uma total dependência de competências analíticas, do comportamento empreendedor e espírito criativo de seus empregados. Nesses casos, as relações de parceria e os vínculos de trabalho estabelecidos a partir de objetivos claramente identificados desafiam as práticas tradicionais de GRH. As oportunidades e riscos são compartilhados confundindo empregadores e empregados que, por vezes, se conhecem apenas por meio de conexões eletrônicas Figura 10 – Categorias de padrões tecnológicos

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5.4.3 Organização do trabalho: do operacional/individual para o autônomo/empreendedor < voltar ao sumário

Entende-se por organização do trabalho a maneira particular como as pessoas e equipes realizam as etapas de um processo produtivo ou de prestação de serviços. Geralmente as formas de organização do trabalho são compatíveis e condicionadas pelas tecnologias aplicadas ao processo, mas os gestores, normalmente pautados pelos estudos da engenharia de produção, têm uma relativa autonomia na sua definição. Os métodos fordistas e tayloristas de organização do trabalho eram condizentes com as máquinas utilizadas nas linhas de produção das indústrias do século passado e prevalecem até hoje em algumas empresas mais tradicionais. A imensa maioria delas, entretanto, passou a adotar práticas de manufatura que exigiam perfis de comportamento muito diferentes daqueles que predominavam no fordismo. As práticas de qualidade total, que se disseminaram na década de 1980 no mundo e 1990 no Brasil, significaram um novo padrão de envolvimento dos empregados no processo produtivo. Esperava-se agora que ele não se restringisse à sua operação, mas se responsabilizasse por todo o processo e pelo seu resultado final. Os círculos de controle de qualidade, a possibilidade de apertar um botão e interromper toda a produção e os programas de melhoria contínua, significaram uma revolução muito maior do que todas as práticas de recursos humanos seriam capazes de fazer pelo engajamento das pessoas no trabalho nesse período. Outro movimento de mudanças nas estruturas humanas de produção veio das experiências do norte da Europa com os grupos semiautônomos de produção. Pouco discutido no universo de RH, esse movimento criou padrões de atividades coletivas e de diversificação de funções que hoje são seguidos na maior parte das organizações que utilizam modelos avançados de organização do trabalho em seus processos produtivos. São características dessa escola a substituição do trabalho individual pelas células de produção, a implantação dos chamados operadores multifuncionais no trabalho e outras formas de organização que significavam ampliação de responsabilidades, maior comprometimento individual, estímulo ao senso de coletividade e de pertencimento ao grupo e à empresa. Tudo isso é, sem dúvida, uma aproximação das pessoas às estratégias da organização, demonstrando mais claramente os papéis de indivíduos e grupos no sucesso

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do negócio. Algo que as propostas tayloristas não estavam nem próximas de imaginar. Mas é nas organizações de serviços especializados e naquelas voltadas para alta tecnologia que encontraremos as formas mais avançadas de organização do trabalho. Ela corresponde ao trabalhador que é mobilizado apenas pela sua própria energia autônoma e empreendedora. O seu comprometimento e automotivação determinam os resultados de desempenho. Estamos falando aqui do consultor que atende seu cliente em uma área de conhecimento muito específica como a revisão das estratégias de uma empresa, ou que orienta decisões sobre o plano de aquisição de uma unidade industrial, ou ainda que atende um cliente do segmento de grandes fortunas de um banco nas decisões de aplicação financeira. A natureza de sua atividade implica que ele mesmo seja responsável por criar a organização do trabalho mais apropriada para a sua função de acordo com as características desse cliente. Para isso, a gestão de RH se limita a duas competências que são fundamentais: comprometimento – que garante que a atuação desse profissional esteja dentro de limites éticos, morais e culturais que identificam a instituição que ele representa, e autonomia – que possibilita ao profissional adaptar sua atuação ao contexto em que ele está operando. São atividades que não comportam manuais ou formas de organização mais estruturadas, nelas à regularidade se sobrepõem aquilo que Zarifian (2001) denominou como evento, ou seja, o inesperado, aquilo que coloca sempre um grau de complexidade superior ao processo de trabalho. Cabe ao profissional utilizar as habilidades pessoais que desenvolveu ao longo de sua experiência para administrá-lo. Figura 11 – Categorias de formas de organização do trabalho

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5.4.4 Modelo Organizacional: da estrutura departamental à célula matricial < voltar ao sumário

Um debate já superado em administração estratégica discutia se a estratégia determina a estrutura ou ao contrário. Parece forçoso reconhecer a predominância da primeira sobre a segunda, embora, na prática, perceba-se que ambas estão em permanente interação. De qualquer maneira, o profissional de recursos humanos deve considerar o modelo organizacional da empresa em que atua como um fator condicionante da atuação de RH. Ao mesmo tempo, suas responsabilidades implicam intervir nessa estrutura, propondo novos modelos e alterações quando necessário. Os autores da área propõem e estudam vários tipos de estruturas organizacionais, nos limitaremos aqui a três delas: departamental, matricial e por projetos. A estrutura departamental é característica dos modelos clássicos de organização empresarial. Ela divide a empresa em áreas com responsabilidades específicas e bem definidas, nas quais as pessoas atuam em atividades tão específicas e bem definidas quanto. O modelo departamental condiciona papéis organizacionais mais formalizados e previamente estabelecidos, o que corresponde a sistemas de gestão de pessoas compostos por práticas mais tradicionais. A organização por unidades de negócio, em meados dos anos 1980 viria quebrar essa estrutura linear, estabelecendo áreas internas não só por funções organizacionais exclusivamente, mas a partir dos produtos, serviços ou segmentos de clientes atendidos pela empresa. Prevalece nessa nova estrutura a lógica estratégica: produtos e serviços que demandam estratégias diferentes são reunidos em unidades diferentes com relativa autonomia em relação às áreas centrais. Essa forma de organização das firmas que passou a predominar nas grandes organizações de maior porte, multinacionais principalmente, foi um dos fatores que impulsionaram o uso dos modelos de consultoria interna em RH. A partir de então, cada unidade de negócio deveria ser atendida em gestão de pessoas de acordo com a sua especificidade, embora respondendo também às diretrizes de uma orientação central. Cabia ao profissional de RH o difícil papel de fazer essa conciliação entre as políticas corporativas e as demandas locais, desafio que até hoje persiste na prática da consultoria interna. A estrutura por unidade de negócios é, de certa maneira, uma estrutura matricial. Nela o

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responsável por uma função quase sempre responde a um duplo comando, atende ao gestor da área de negócios em que está alocado, mas também presta contas ao dirigente de sua especialidade para toda a organização. O pressuposto é que existe um duplo alinhamento: às necessidades do negócio, por meio do atendimento das demandas do cliente interno e às diretrizes corporativas, por meio do cumprimento do que é decidido nas áreas centrais que integram as políticas a serem cumpridas por toda a empresa. Nas estruturas matriciais as pessoas são mais envolvidas com o negócio e seus resultados do que nos modelos departamentais. A gestão de RH deve operar na disseminação da estratégia do negócio e na transformação do desempenho dos empregados e equipes em metas claramente contributivas para essa estratégia. Diferentemente da empresa estruturada por departamentos funcionais, nas unidades de negócio torna-se mais evidente a diferenciação de performances e padrão de comprometimento dos empregados. A estrutura por projetos é muito específica de um tipo característico de organizações. Ela predomina principalmente nas empresas prestadoras de serviços especializados como consultorias e grandes escritórios de advocacia, mas aparece também em empresas industriais em negócios “B to B”, como aquelas que atendem outras empresas produzindo e entregando grandes equipamentos ou sistemas de alta tecnologia, por exemplo. A realização do projeto, atendendo a especificações muito customizadas, geralmente inclui essas organizações no posicionamento de intimidade com o cliente. A estrutura nuclear e básica destas organizações é a equipe de projeto. Elas permanecem tanto tempo quando perdurar o projeto, depois são recompostas, substituídas ou mesmo eliminadas, dependendo da continuidade daquela linha de atividades e negócios na empresa. O retrato da estrutura de uma empresa desta natureza revela um conjunto de equipes ou grupos de trabalho especializados em determinadas áreas de conhecimento, criando aquilo que alguns autores denominaram como forma holográfica de organização (Nonaka e Takeuchi, 2002). O comportamento empreendedor de pessoas que representam integralmente a empresa perante o cliente é aquele que predomina neste tipo de estrutura. As pessoas devem ter atitude de “dono”, devem responsabilizar-se pelo seu próprio desenvolvimento com autonomia e estarem prontas para responder às demandas, problemas e perguntas que o cliente apresentar. Mais uma vez aqui são essenciais a relação de parceria, o que faz com que muitas dessas organizações utilizem o termo “associados” ou “sócios” para denominar os gestores e técnicos de projetos.

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Nas organizações estruturadas por projetos, como as empresas de prestação de serviços altamente especializados como consultorias, os sistemas de gestão de RH são mais leves e resolutivos. Atividades transacionais são quase que totalmente terceirizadas, bem como as de prestação de serviços assistenciais e mesmo técnicos. A atuação de RH concentra-se em oferecer as condições para que as pessoas promovam seu desenvolvimento e tenham acesso às competências necessárias para um desempenho de excelência. Por outro lado, as pessoas são escolhidas no mercado de trabalho de forma bem seletiva e a gestão de talentos exige avaliações periódicas rigorosas e definitivas. O sucesso dos projetos perante os clientes é o principal critério de avaliação e de permanência nas equipes e no quadro de funcionários da empresa. Figura 12 – Categorias de modelos organizacionais

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5.4.5 Cultura Organizacional (RH): do burocrático processual ao competitivo individualista < voltar ao sumário

A cultura organizacional que predomina na empresa é fruto de sua história e, em particular, das experiências de sucesso da coletividade que forma a empresa. Portanto, as empresas bem sucedidas desenvolveram culturas que são coerentes com suas estratégias de negócio. Isso fez com que valores e crenças fossem se sedimentado no imaginário coletivo do grupo como a forma correta de se fazer as coisas (Schein, 1992). Não cabe aqui discutir se os desafios do futuro correspondem à cultura atual, essa é uma questão a ser tratada em outro tópico, sobre o desafio do consultor interno nos processos de mudança organizacional. O fato é que a cultura existe em toda a organização com algum grau de maturidade no relacionamento entre as pessoas e ela é, ao mesmo tempo, um fator condicionante e um foco de intervenção da ação de RH. Por exercer uma ação estimuladora de algumas práticas e atitudes dos agentes do sistema de gestão de RH e limitadora de outras, a cultura deve ser analisada como um importante fator contingencial. O profissional de RH deve ser capaz de identificá-la e perceber a sua interferência nas iniciativas que pretende implementar administrando um movimento permanente de avanços e recuos. Promovendo mudanças no que for possível, mas, ao mesmo tempo, adaptando os projetos à cultura vigente, naquilo que se mostrar intransponível. Vários autores produziram tipologias para identificar e classificar culturas (Handy, 1978; Cameron e Quinn, 1999; Hofstede, 1991). Optamos aqui por utilizar um conjunto de classificações que mescla essas propostas. Essa decisão se deu por conveniência, ou seja, por entender que as classificações escolhidas explicam melhor aquilo que traz impactos mais significativos para os modelos de gestão de pessoas. Assim, as categorias propostas não podem ser consideradas exatamente tipos de cultura organizacional, mas categorias de aspectos da cultura que interferem mais na identidade e imagem da área e do profissional de RH. Tentam representar aquilo que os empregados, dirigentes e gestores pensam e esperam dos processos, práticas e da atuação do profissional da área. Algo próximo do que poderia ser identificado como a cultura de gestão de RH de uma organização. Uma primeira marca característica da cultura de gestão de RH das empresas mais

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tradicionais é o caráter burocrático e processual. Nestas empresas as atividades de Recursos Humanos são orientadas mais para os processos que classificamos anteriormente como transacionais e isto justifica a própria existência da área e dos profissionais que nela atuam. No mundo moderno raramente encontramos organizações que ainda estão totalmente inseridas nesse estágio, por mais tradicional que seja a empresa, algumas atividades técnicas mínimas, como recrutamento, seleção, preparação para o trabalho, precisam ser executadas e legitimam as atividades da área. A segunda categoria é aquela que ainda está presente no senso comum como representação mais significativa do papel de RH na empresa. Denominamos essa categoria de paternalista e assistencial. O pressuposto básico nas empresas nas quais predomina essa cultura é de que o papel predominante dos processos de GRH consiste em atender às necessidades das pessoas. Nesta perspectiva, a GRH não é cobrada por resultados organizacionais, mas pelos sentimentos de satisfação e motivação que promove junto ao quadro de funcionários da empresa. Nessas organizações as pessoas são vistas como dependentes da empresa, seus projetos profissionais e pessoais devem se submeter aos projetos da empresa e se fomenta uma relação desigual entre as duas partes. A terceira categoria engloba as empresas com cultura competitiva, mas coletivista. Nela a gestão de RH deve estar voltada para os resultados de negócio, mas por crenças desenvolvidas em sua história ou por necessidades objetivas do trabalho, são mais valorizadas as ações e relações em grupo. A própria empresa, como um grande grupo, estimula o sentimento de pertencimento das pessoas e o seu comprometimento. Nela os sistemas de incentivos e recompensas estão voltados mais para as equipes de trabalho do que para os indivíduos e são raros os processos de diferenciação individual de desempenho. A legitimidade e a performance de RH dependem do quanto o profissional e a área contribuem para o negócio, mas o foco de atuação está mais voltado para obter maior participação e envolvimento coletivo das pessoas. Por fim, nas organizações mais características dos ambientes de alta competitividade, temos a cultura competitiva individualista. Nesse caso, a relação entre RH e negócio deve ser demonstrada a cada iniciativa da área e do profissional, caso contrário a legitimidade de ambos é questionada. As pessoas são tratadas como indivíduos que devem ter projetos próprios que, naquele momento da trajetória de vida e profissional, coincidem com os projetos da empresa. As diferenciações individuais de desempenho são claras e os processos internos esforçam-se por explicitá-las. O engajamento depende mais da própria

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atitude das pessoas do que de ações da empresa por meio das práticas de SRH. Vale ressaltar mais uma vez que toda e qualquer tipologia cria arbitrariedades. Os tipos aqui definidos não existem na realidade, eles representam, de forma distorcida, uma categoria que amplifica aspectos que podem predominar mais ou menos nas organizações. Sua utilidade consiste em criar referências para a análise dos negócios pelo profissional de RH, objetivo principal deste capítulo. Figura 13 – Tipos de Cultura Organizacional de Gestão de RH

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5.4.6. Relações de trabalho e sindicais < voltar ao sumário

As relações de trabalho e, dentro delas, as relações sindicais, fazem parte do universo de atuação da GRH. Trata-se de um fator específico que, na teoria é considerado como fator institucional (Brokes, 2014), o que quer dizer que é instituído e legitimado pela estrutura social na qual a organização está inserida. Alguns autores chegam a chamar esse fator e outros sistemas regulatórios que a empresa tem que cumprir de fatores não estratégicos, uma vez que não estão sob o controle dos gestores, mas devem ser considerados nas decisões de GERH. Os estudiosos dessa área são reticentes quanto à criação de categorias que contemplem toda a complexidade dos aspectos que envolvem as relações de trabalho de uma sociedade ou setor de atividades. Utilizaremos aqui a classificação proposta há tempos por Pastore e Zilberstajn (1988), uma vez que ela, apesar de muito genérica, explicita bem dois grandes polos das regulações e das práticas de negociação entre patrões e empregados. Esses autores acreditam que existem dois grandes tipos de sistemas de relação de trabalho, os sistemas negociais e os sistemas estatutários. Nos sistemas negociais, pouco regulamentados, predomina o livre mercado e a livre negociação entre as partes. As leis procuram garantir apenas alguns direitos básicos e o estado intervém apenas em situações extremas. Nesse sistema, os sindicatos estão voltados mais para os resultados das categorias que representam, havendo, inclusive, uma profissionalização da atuação sindical cuja remuneração chega a ser dependente do sucesso das negociações. Nos sistemas estatutários, a presença do estado e da regulação é marcante. A legislação determina as características da entidade sindical, que passa por registro oficial e é monitorada em sua forma de atuação. Conflitos trabalhistas são resolvidos exclusivamente por meio da intervenção de órgãos públicos. A legislação do trabalho determina minuciosamente os direitos e deveres das partes e fiscaliza o seu cumprimento. Como é possível perceber nessa breve descrição, o Brasil se enquadra mais na condição de um sistema estatutário de relações de trabalho, diferente por exemplo do sistema a que estão submetidas as organizações norte-americanas. As mudanças que estão em implantação na nossa CLT visam flexibilizar esse sistema, tornando a legislação e as

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formas de promover acordos trabalhistas mais próximas de práticas negociais. Acrescentamos a essas categorias uma terceira que, acreditamos corresponder a situações que são vivenciadas por algumas organizações no Brasil. É o caso dos setores de atividade ou bases geográficas, em que os sindicatos tem uma atuação meramente burocrática, existem para cumprimento da legislação, mas têm pouca ou nenhuma iniciativa nas relações das empresas com seus trabalhadores. Se considerarmos as três categorias de sistemas: burocrática, estatutária e negocial, podemos dizer que elas implicam níveis crescentes de desafios para a GRH das empresas. No nível burocrático não há nenhuma pressão por parte das entidades sindicais, elas não são levadas a desenvolver conhecimento, competência e processos para lidar com a negociação trabalhista. É claro que a possibilidade de conflito existe e, de certa maneira, implica maiores riscos para a organização que não conta com um canal de negociação legítimo para administrálo, mas, mantidas as condições de diálogo com os trabalhadores, na categoria burocrática a empresa, e seu SRH estaria em uma zona contingencial de conforto. No sistema estatutário, a atuação de gestão das relações de trabalho é predominantemente jurídica. Além da preocupação com o cumprimento das normas estabelecidas, as empresas devem se estruturar para negociar seus acordos coletivos, apoiadas pelos seus sindicatos patronais, federações e confederações. De certa maneira, a legislação e a estrutura criada pela ação estatal também protege a área de RH, mas a zona de conforto se reduz, porque alguma estrutura interna deve ser criada e mantida para atuar na gestão destes processos. Pela necessidade de uma especialização nas intrincadas regulações trabalhistas e nas práticas de negociação de acordos anuais, as organizações acabam por criar áreas apartadas da estrutura de Recursos Humanos para se responsabilizar pelas relações de trabalho na empresa. O modelo negocial pressupõe que os sistemas de RH incorporem a prática de lidar com o conflito e as contradições do trabalho de forma mais frequente. Nesse caso, a área de Recursos Humanos se envolve com negociações sobre diferentes aspectos do quotidiano de trabalho como horários de trabalho, formas de contratação, estabelecimento de metas, dentre outros. Como a legislação é menos restritiva e mais flexível, as possibilidades de se adaptar as relações de emprego e trabalho às estratégias de negócio se ampliam. E, com elas, se ampliam também as necessidades e habilidades de negociação por parte dos profissionais da área e dos gestores dos negócios.

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Figura 14 – Tipos de sistemas de relações de trabalho e a gestão de RH

Procuramos abordar aqui alguns dos principais fatores que o profissional deve reconhecer e saber analisar para apoiar seus clientes internos no alinhamento estratégico dos SGRH aplicados a uma organização ou uma de suas unidades de negócios. A ideia é que o alinhamento ocorre quando o sistema de gestão de recursos humanos, composto por políticas, práticas, estruturas de gestão e papéis organizacionais atendem às demandas da estratégia de negócio e dos demais fatores contingenciais. O uso desta lógica implica que as empresas cuja estratégia e fatores contingenciais forem mais próximos do que denominamos aqui de clássico ou tradicional poderiam conviver com práticas de gestão igualmente tradicionais. Já aquelas que estão em ambientes de negócios turbulentos, utilizam tecnologias avançadas, em mercados mais personalizados, com relações mais individualizadas com as pessoas, exigiriam modelos mais competitivos. Em geral, estes fatores atuam de forma combinada e dentro de uma certa lógica. Ambientes pouco competitivos combinam com uso de tecnologias pouco sofisticadas e com pessoas envolvidas em atividades operacionais de baixa complexidade, já o contrário ocorre em ambientes de negócios de alta competitividade. Mas, para o profissional de RH, é importante reconhecer essas diferenças. Há vários casos em que o comportamento destes fatores, inclusive a própria estratégia da empresa, não apresenta essa linearidade, exigindo do SGRH uma composição mais plástica e diferenciada. Por vezes unidades de negócio de uma mesma empresa sofrem pressões diferentes dos fatores estratégicos demandando práticas e papéis diferentes na gestão de RH. Frequentemente, dentro de uma mesma unidade áreas internas são condicionadas por fatores estratégicos de diferentes formas, fazendo com que a prática de RH seja dinâmica e diferenciada. O importante, na análise dos fatores contingenciais é que com ela o profissional desenvolve

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argumentos concretos a respeito de suas propostas para defender o SGRH que considera adequado para a empresa ou unidade de negócio que atende. Esses argumentos deixam de ser técnicos e exclusivos da linguagem de recursos humanos, passando a ser argumentos de negócio, linguagem de alto poder de convencimento dos gestores de linha e dirigentes da organização. A abordagem contingencial de recursos humanos confere, assim, ao profissional de recursos humanos um papel de analista de negócios, papel esse que é característico das estruturas de consultoria interna. Supera a visão universalista, na qual a atuação desse profissional se limita à implantação de práticas consideradas exemplares. Nesta etapa desse texto procuramos demonstrar como o profissional pode exercer esse papel, tendo referências do comportamento de alguns fatores mais relevantes no alinhamento estratégico de suas atividades.

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