Primeiros capítulos diários de extermínio a guardia b r peruzzo

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Diários de Extermínio:

A GUARDIÃ

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2ª Edição


DIÁRIOS DE EXTERMÍNIO: A GUARDIÃ

SINÓPSE DESCUBRA, SOBREVIVA, DESEJE

O crepúsculo de todas as batalhas se dá nos momentos mais tenebrosos que existem. Assim como as noites mais obscuras, o mundo é um lugar sombrio, cheio de segredos. Quando o universo estava afundando em seu momento de maior lástima, os Guardiões surgiram para trazer o alvorecer, a luz e a paz de volta ao universo, ao nosso mundo e à Terra. Meu planeta natal, Zodark, foi destruído pela ganância de meu povo, e a Terra está prestes a ser destruída também, pelo mesmo motivo. Mas eu não permitirei. Meu nome é Lilian Moore, eu sou uma Guardiã, a que salvará a Terra e Zodark. Pelo menos é isso que eu espero! A Guardiã traz uma história épica, cheia de ação, aventura e ficção, feita para agradar a todos os públicos.

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B. R. PERUZZO

RESUMO O diário conta a história de Lilian Moore, uma adolescente que achava ter uma vida normal. Depois de ter passado toda sua vida em um orfanato, devido à misteriosa morte de seus pais, ela se mudou para o Rio de Janeiro, onde conheceu jovem rapaz que a sequestrou para lhe revelar verdades há muito tempo escondidas. Ela descobre que toda sua vida foi uma farsa. Suas memórias de infância foram implantadas e ao tentar distinguir o emaranhado de mentiras que lhe foram ditas, acaba descobrindo que nem mesmo é humana. Lilian faz parte da população de Zodark, um planeta próximo da Terra que, devido a uma guerra, teve que enfrentar problemas pós-apocalípticos. Como uma forma de evolução de uma espécie lutando para evitar a extinção, algumas crianças começaram a nascer com dons, poderes que poderiam trazer a vida e a glória de volta à Zodark. Enquanto essas crianças cresciam, protegidas e escondidas pelo governo, foi descoberto um mundo abundante em vida, fauna e flora, que poderia contribuir para a salvação de Zodark com seus recursos naturais: a Terra. Devido a um forte desejo de certo grupo Zodarquiniano de destruir a Terra para roubar os recursos naturais dela, outro grupo, formado por Zodarquinianos que queria apenas a ajuda dos humanos, enviaram as crianças com dons para proteger a Terra da invasão e destruição, conseguir a ajuda dos humanos e restaurarem a vida de seu planeta sem destruir ouro planeta. Essas crianças passaram a ser chamadas de Guardiões e Lilian faz parte deles. Porquê Lilian teve memórias implantadas? O que houve no seu percurso para a Terra? Onde estão as outras crianças com dons? Será que Lilian conseguirá salvar os dois mundos? Esse diário lhe dará essa resposta e revelará coisas há muito tempo escondidas dos humanos.

Lembrem-se, nada é o que parece. O mundo deve, diariamente, ser salvo de formas diferentes. Então, cuidado com o que vocês desejam, pois isso pode se tornar mais real do que você imagina.

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DIÁRIOS DE EXTERMÍNIO: A GUARDIÃ

SOBRE O AUTOR

B. R. Peruzzo é gaúcho, nascido em 1996. Desde novo, tem uma imensa paixão pela escrita e pela leitura, criando suas próprias histórias. Mora em Caxias do Sul com seus pais, sua linda Chow-Chow e um linguiça chato. A Guardiã é o primeiro livro da saga Diários de Extermínio.

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B. R. PERUZZO

Do Diário de Lilian Moore Para Toda a População Restante

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DATA: 28 / 12 / 2045

DECIDIDA Eu moro em num pequeno chalé de madeira em uma praia aconchegante. Os únicos seres que vivem comigo são meus dois cachorros, um Chow-Chow e uma linguicinha que ganhei assim que me mudei para cá. A primeira atividade do meu dia sempre foi correr. Eu levanto cedo e corro pela praia, às vezes na beira do mar, tentando ao mesmo tempo esquecer e aceitar tudo o que aconteceu. Eu ainda estava à procura de respostas, mas por mais que eu as buscasse incessantemente não conseguia encontrá-las. Não consigo encontrar o motivo de nossa existência. Talvez tenha algum motivo para isso, não sei. Ainda assim não posso, não consigo abandonar a esperança de que um dia entenderei o motivo da vida ter nos trazido a esse momento. Antes de sair para a minha corrida matinal, sempre confiro a minha aparência no longo espelho da sala. Eu não parecia ter apenas 21 anos. Quem me visse na rua provavelmente me daria 30 anos devido a não ter cuidado de mim mesma nos últimos anos: meus cabelos estão quebradiços, opacos e não veem um corte decente tem tempo, tenho cicatrizes e não vou nem começar a falar das eternas olheiras causadas pelas preocupações que nunca me deixam e as diversas noites sem dormir. Meu nariz fino e curto não combina com o rosto arredondado; os cabelos longos e pretos contrastam incrivelmente com meus olhos azuis. Fiquei alguns segundos a mais observando o biquíni vermelho que comprei em uma lojinha perto daqui, os óculos escuros que ganhei de uma vizinha e o chapéu de palha com uma flor artificial bastante delicada em cima. Nunca fui uma garota contente com o próprio corpo, sempre achei meus quadris largos demais. Não me acho bonita, mas ainda assim, sei que não sou das piores. Após essa verificação, saí de casa, rumo ao abafado calor que vinha da praia. O sol era abrasador, um calor insuportável, não tendo nenhum resquício de vento para me refrescar. Não havia nenhuma nuvem no céu, nem indício de chuva. A areia 5


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tocava meus pés com um formigamento gostoso e o sol queimava minha pele, então procurei caminhar rente à água para me refrescar um pouco. Quero contar a vocês que cheguei onde estou pois me apaixonei. Mas essa não é apenas uma história de amor, e sim uma história de destruição. O amor é algo que não podemos ver nem tocar, que nos motiva a continuar em frente e que também tem o poder de nos destruir. É o mais puro, bonito e ao mesmo tempo cruel sentimento que uma pessoa pode experimentar, mas nunca me arrependi de já ter amado... Pois foi o amor que me libertou. Enquanto me perdia nesses devaneios, um forte cheiro de sal e peixe impregnou em minhas narinas — aquele era um cheiro muito comum naquela época do ano — mas eu não consigo me acostumar a ele e sempre fico enjoada. Pessoas por todos os lados brincam na areia à minha volta. Crianças e adultos pulam no mar e famílias se divertem, dando risadas e brincando embaixo do sol ou de seus guarda-sóis. Duas garotinhas muito bonitas passaram correndo por mim e foram direto da areia quente para o mar gelado, causando um estremecimento em meu corpo ao pensar no choque de temperatura. Essa é uma típica praia no verão após a reinicialização dos humanos. Eu sei que quem me vê nesta cena acredita que sou apenas uma garota normal, como tantas outras que vejo por aqui; vivendo meus dias na praia, correndo para deixar o corpo em forma. Mas essas pessoas não poderiam estar mais erradas. Nenhum deles imagina o que aconteceu na Terra, mas eu sei. Nem mesmo sabem que estou escondida, que sou uma desconhecida pelo sistema, uma criminosa. Ser uma pessoa que está sempre fugindo, se escondendo e que não existe pode acabar com qualquer psicológico. Mas foram nesses momentos de conflito interno que percebi que não importam quais são as nossas perdas, mas sim quais são as nossas escolhas. As minhas foram difíceis, mas tenho a certeza de que foram as certas. Talvez você não saiba o que é uma Guardiã, ou o que aconteceu, mas tudo bem, isso não é problema. As dúvidas fazem parte da natureza humana. Eu, assim como você, continuo precisando de respostas para várias perguntas. É isso o que 6


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nos diferencia dos outros, que diferencia os humanos dos Guardiões, pois por mais que pareça impossível descobrir tais respostas, nós vamos sempre continuar procurando-as. Aprendi, em todos esses anos, que o destino de todos os seres vivos não é ser totalmente livre e sim ficar com quem se ama. Esse é um dos maiores e, talvez, o mais importante ensinamento que eu poderia transmitir para vocês. Sentei na areia, à beira do mar, quando resolvi que abriria para o mundo o meu diário. Agora aqui estou eu, escrevendo o que acredito ser a minha carta de apresentação. Nele vocês encontrarão um registro para todas as gerações, de todo o universo, sobre o que a ganância faz com cada um de nós; até onde ela pode levar e o que um mundo e uma população são capazes de fazer para sobreviver. Enquanto observo o sol se pôr, com sua magnifica cor âmbar espalhando-se pelo céu, os raios laranja dançando sobre o mar, o reflexo oscilando ao ser engolido pela Terra, não consigo deixar de agradecer por tudo o que sobrou desse planeta ainda ser tão belo e perfeito. Ao divulgar esse diário, quero contar a vocês o que aconteceu. Na verdade, ele conta sobre o que passei. Então, preparem-se para a história mais emocionante de suas vidas... Ou não... Isso depende mais do gosto de vocês do que daquilo que realmente vivi ou deixei de viver. Tenho a certeza de que, independente disto, cada um tirará um proveito diferente do que lerá aqui; espero apenas que essa mensagem seja positiva e que os ajude em suas escolhas, que os auxilie a cada dia salvar o mundo de formas diferentes. Antes de começar a ler, lembrem-se da frase que minha mãe sempre proferia para mim quando eu era criança: “Cuidado com o que você deseja, pois isso pode se tornar mais real do que você imagina”. Saiba que um simples desejo pode mudar tudo. Ele pode salvar o mundo, ou acabar com você. Mas é certo de que ele tem o poder de mudar a sua vida, para sempre. Meu nome é Lilian Moore, esse é o meu primeiro diário, o único livro que conta a verdadeira história da humanidade, e eu sou uma Guardiã.

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DATA: 22 / 01 / 12 INÍCIO Não se apavorem com a data, ela não está totalmente errada. E não, não sou imortal, mas por mais que seja confuso, logo vão entender melhor essa parte. Antes, vamos analisar todos os fatos. Tudo começou no belo dia em que eu fiz a maior burrada da minha vida. Eu estava saltitando de felicidade, afinal, eu havia completado dezoito anos e estava livre daquele orfanato onde vivi desde os meus seis anos. Estava pronta para seguir minha vida, entrar na faculdade, ter uma carreira e, quem sabe, uma família. Fazia mil planos enquanto me dirigia para a porta de entrada com as malas em mãos, atravessando os corredores compridos e escuros. Todas as paredes do local eram feitas de pedra, assim como o chão, o que dava um aspecto rústico a ele. Poderia até mesmo ser considerado bonito, mas havia bolor e muita umidade em alguns locais da parede. O orfanato era pequeno se comparado aos outros da região. O teto era abobadado e várias vezes eu me perguntei se aquele lugar já teria sido uma igreja algum dia. O ar lá dentro era úmido e frio, mas de alguma maneira aprendi a achá-lo aconchegante; afinal, havia passado aproximadamente doze anos trancafiada lá. Esse era um sentimento mais do que natural, não? As portas para a liberdade encontravam-se no final do corredor. Eu sabia que cada passo dado era um passo para uma vida nova, mesmo não fazendo ideia do que aquilo realmente queria dizer. Antes de chegar à saída, parei no meio do corredor e retirei do bolso de meu casaco a carta que minha mãe havia me deixado antes de morrer para conferi-la novamente. Quando meus pais morreram, essa foi a única coisa que deixaram diretamente para mim e sempre a guardei com o máximo de cuidado e devoção. Antes de saírem naquela noite chuvosa minha mãe entregou-a e falou para que eu a guardasse até o momento certo. No envelope que a protegia, encontrava-se escrita, 8


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com caneta esferográfica preta e letras perfeitamente desenhadas, as seguintes palavras: “Só abra quando tiver dúvida do que é real”. Eu nunca havia tido dúvidas da realidade, então ainda não havia aberto a carta, e aguardava o momento certo para isso. Não vou mentir, por diversas vezes cheguei a temer que a tal dúvida nunca viesse e desejei ardentemente que eu não terminasse a vida sem ganhar a bênção de poder ler as palavras escritas por ela para mim. Mas também não queria desrespeitar sua “última vontade”, desobedecendo ao seu pedido e abrindo a carta fora de hora. Passei os dedos sobre as letras marcadas no envelope pela enésima vez e o guardei no bolso frontal de minha mala. Quando cheguei à grande porta de madeira da entrada, todas as pessoas que foram importantes para mim me esperavam sob um velho tapete vermelho que se encontrava ali desde que cheguei àquele lugar — por diversas vezes suspeitei de que aquele tapete tivesse uns cem anos, assim como as minhas responsáveis aparentavam ter—. Junto com elas estavam as outras garotas que conviveram comigo no orfanato. Elas eram a única coisa que importava para mim naquele lugar, mas eu sabia que aquele seria o momento em que nossos caminhos se separariam. Então, abracei uma a uma, triste por mais aquela perda, mas feliz por tudo o que viria em seguida. Depois de despedir-me, fui em direção à porta já aberta e com convicção dei o primeiro passo para fora daquele lugar, para “uma vida melhor”. Tive o tal sentimento de independência e de liberdade que tanto ouvi falar; a sensação de “viver” sem pensar nas consequências, sem olhar para trás. E essa foi a maior burrada de minha vida: achar que era possível fugir das consequências de nossos atos, das decisões que tomamos. A dor da saudade que se apodera de mim enquanto escrevo essas palavras aqui, a dúvida de que talvez possa não ter feito a escolha certa, o medo de cair e não ter quem me amparar são imensos e eles são consequências dessa escolha de deixar tudo para trás.  9


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O primeiro lugar a que fui ao colocar os pés para fora do orfanato foi o Restaurante da Dona Molly. Eu queria comer pela última vez a torta maravilhosa que ela fazia antes de seguir para o Rio de Janeiro, para realizar meu sonho de fazer universidade naquele magnífico estado que eu tanto via nas novelas da televisão. Sendo bem sincera, eu só queria mesmo afastar-me daquela cidade que me trazia tantas lembranças sobre meus pais. Eu não precisava ter mudado de estado nem nada, mas na minha cabeça o mundo me esperava e o Rio de Janeiro parecia um ótimo primeiro passo. Curioso... Percebi que temos o triste hábito de dar valor às coisas mais importantes da vida apenas quando vemos que aquela pode ser a última vez que teremos tudo o que achávamos que estaria sempre ali para ser apreciado. Fui caminhando até o restaurante, que era ao final da rua, admirando as enormes árvores que estavam na beira da calçada, as pessoas divertindo-se na praça do outro lado da rua e as magníficas casas do bairro. Não vou negar que se pudesse escolher eu jamais teria entrado naquele orfanato, mas assumo que gostava daquelas pessoas, da cidade e dos meus poucos amigos; foi isso que fez com que todo o tempo que passei lamentando a morte de meus pais fosse ao menos suportável. Enfim, depois de dez minutos de caminhada cheguei à frente do restaurante. Era um local bonito e chamativo, a fachada toda feita de vidro, com as poucas partes de metal pintadas de vermelho. Sobre as portas duplas — também de vidro — havia um letreiro luminoso indicando o nome do restaurante: Dona Molly Restaurante’s. Eu estava tentando gravar cada pedacinho daquele local na minha mente, não queria me esquecer de nada, pois ele foi marcante ao longo do meu crescimento e da minha infância. Sentei-me à mesa mais próxima da porta, para poder ter uma linda visão da rua e das árvores. Olhava atentamente para fora e observava os raios de sol espalhando-se pelo vidro enquanto banhavam meu rosto de um leve tom laranja. Fechei os olhos para apreciar a sensação de calor e quando os abri novamente vi algo extremamente estranho em minha frente: um círculo cinza, partido ao meio por uma listra branca e uns dez milímetros de diâmetro, flutuava em frente aos meus 10


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olhos como uma projeção holográfica. Fechei os olhos achando que era uma alucinação ou que eu estava ficando louca. Talvez fosse apenas o reflexo do sol em algum lugar. Quando abri novamente os olhos, ouvi a garçonete que estava parada ao lado da mesa falar: — Bom dia, Lilian! Só pelo som de sua voz identifiquei quem era. — Bom dia, Lucy! — respondi imediatamente, notando que o círculo que eu havia visto sumiu. Lucy era a garçonete de uns cinquenta e poucos anos que trabalhava lá desde que me entendo por gente. Sempre gostei muito dela, era uma ótima amiga e me dava muitas dicas. Mas ela tinha uma verruga enorme bem no meio da testa, o que a fazia ter uma aparência macabra e engraçada ao mesmo tempo. Assim como eu, Lucy não tinha família. — O que vai querer hoje, querida? Aquela deliciosa torta de chocolate com nozes que você tanto ama? — perguntou. — Você leu minha mente, Lucy — respondi com uma risadinha. — Ah, claro, você come a mesma coisa a dez anos e achou que seria impossível eu descobrir? — falou, fazendo uma espécie de careta que tornava a sua verruga bem mais engraçada do que de costume, o que me fez soltar uma gargalhada alta. — Que felicidade hoje, hein, Lilian!? Já estou indo lá buscar sua torta — avisou, virando rumo ao balcão. Enquanto eu esperava, minha mente começou a vagar e vi que o estranho círculo cinza havia aparecido novamente em minha frente. Só pode que estou ficando louca. Por extinto, tentei tocar no círculo, e quando cheguei com a mão perto o suficiente dele, acabei pensando em algo que durante muitos anos não pensei. O dia da morte dos meus pais. Lembrei-me da última vez que os vi, de como caí em prantos quando o policial bateu à porta de minha casa naquele dia chuvoso e me contou que meus pais haviam falecido em um terrível acidente de carro quando voltavam de um jantar. Recordei-me de como fiquei assustada, pois tinha apenas seis anos e a única pessoa que conhecia era a babá que estava cuidando de mim naquela noite; de 11


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como foi estranho o acidente e a morte deles; de como fiquei nervosa no meu primeiro dia no orfanato, local para o qual tive de ir por não ter nenhum parente vivo. Veio-me à memória o que minha mãe falava quando ia me colocar para dormir. Ela sempre dizia, noite após noite, a mesma frase: “Cuidado com o que você deseja Lily, pois isso pode se tornar mais real do que você imagina e pode mudar toda a sua vida”. Não sei bem por que me lembrei daquelas coisas. Na verdade, não sei nem mesmo por que ela me falava aquilo, aquela frase nunca fez sentido algum, mas lembrar-me dela fez com que meus olhos enchessem de lágrimas. Não se o motivo daquele momento, de ver aquele círculo, me trazer essas memórias. — Aqui está — avisou Lucy, enquanto colocava a torta em cima da mesa, interrompendo meu devaneio. — Muito obrigada — respondi, tentando esconder as lágrimas que começavam a escorrer pelo meu rosto. — O que aconteceu querida? Está tudo bem? — Ela me perguntou, com uma voz de amparo. — Você estava pensando neles, não é? Lilian, eu sei o quanto isso é difícil, também perdi meus pais quando era criança e... — Não é somente isso, Lucy — afirmei, interrompendo-a — Hoje é meu último dia na cidade, daqui a alguns minutos eu vou para o aeroporto pegar um avião e realizar meus sonhos. — falei, enquanto chorava. Lucy tentava conter as lágrimas, com uma feição que eu não conseguia interpretar bem, então eu me levantei e a abracei. — Nunca vou me esquecer de você — garanti. — Nem eu. Eu te amo, Lilian. Você foi a família que eu nunca tive. — E eu também te amo Lucy. Prometo que voltarei para te visitar sempre que for possível, ok?! — Ok. — Ela respondeu, com um sorriso no rosto — Você vai ser bemsucedida em seus sonhos, tenho certeza! E quero que saiba que fico muito feliz com isso.

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Naquele momento, Lucy enxugava os olhos cheios de lágrimas com as costas da mão, e olhava-me com um ar misto de orgulho e tristeza enormes estampados em seu rosto. — Então, pode comer sua torta, sei que você tem um longo caminho para percorrer hoje e não quero te atrasar. — Eu fiz um aceno positivo com a cabeça e comecei a devorar a torta. Levei quase 10 minutos para comer aquela fatia. Após terminá-la, paguei a conta e me despedi novamente de Lucy, que ainda estava com os olhos vermelhos e inchados. Do restaurante eu fui direto para o aeroporto da cidade. Havia comprado uma passagem pagando com o dinheiro que meus pais me deixaram ao morrer. Meu pai era dono de uma pequena empresa que, por decreto do juiz, foi vendida quando ele morreu. Todos os seus bens passariam para meu nome quando eu completasse dezoito anos, com o desconto de alguns impostos que seriam cobrados, é claro. Então, pode-se dizer que eu tinha uma quantidade generosa de dinheiro no banco. Ao chegar ao aeroporto, fiz todos os procedimentos necessários para o embarque e, quando deu a hora — nove horas da manhã — fui para o avião e preparei-me mentalmente para minha primeira viajem para um local tão longe de casa. Sentei-me na poltrona 6A, ao lado de uma mulher loira que já estava cochilando e babando no banco próximo à janela. Ela vestia roupas caras: uma saia preta bem justa e uma blusa amarela. Em questão de minutos, eu também já havia adormecido. Passei praticamente os dois trechos da viagem dormindo, acordando apenas para fazer a baldeação da escala. Eu estava muito feliz, pois finalmente havia chegado ao meu destino de viajem. Rio de Janeiro, a famosa “Cidade Maravilhosa”. Então fui para o ponto de táxi localizado na frente do aeroporto e pedi ao motorista do carro para me levar para o hotel que reservei pela internet. Eu sabia que precisaria arrumar moradia, e logo, porque hotel decente nessa cidade não é barato, mas uma coisa de cada vez. Depois de instalada e de banho tomado pedi dicas na recepção sobre quais os melhores bairros para morar para 13


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alguém que iria estudar na UFRJ1. A recepcionista, muito amável, falou-me desde os mais seguros e caros até os menos absurdamente dispendiosos e que, com sorte, teriam algo que coubesse naquilo que eu estava disposta a pagar; chamou um taxi para mim e pediu que ele me deixasse na imobiliária que alegou ser de confiança e cobrar taxas aceitáveis. Já na imobiliária uma atendente me mostrou, por meio de fotos e pela internet,

vários

apartamentos

mobiliados

para

alugar,

explicou-me

o

funcionamento da empresa, as taxas que cobravam e toda a documentação que precisaria apresentar para poder efetivar qualquer um daqueles aluguéis. Encontrei quatro propostas que me interessaram. Os preços pareciam bons, três delas eram em bairros que a atendente do hotel havia me recomendado, assim, já estava fazendo planos para entrar em contato com os números indicados nos papéis. Naquele dia e na semana que se passou, me dediquei somente a conhecer os mercados, farmácias, pontos de ônibus, hospitais... Em suma, tudo o que eu pudesse aprender sobre a vizinhança de cada uma das áreas em que pretendia passar a residir. Foi uma semana agitada. O Rio de Janeiro é enorme, tudo é longe e o trânsito é caótico e confuso, bastante diferente de onde eu morava. Quando me acostumei à cidade, pensei em procurar um emprego — afinal, o dinheiro que meus pais deixaram não iria durar para sempre, não importa o quão generosa fosse a quantia que eu tinha —, mas tive medo de com o trabalho não conseguisse me dedicar direito aos estudos e resolvi falar com o meu novo gerente do banco para saber como fazer aquilo render sem correr muitos riscos. Acho que fiz um bom negócio! Fiquei satisfeita. Já fazia mais de sete dias que eu estava na cidade e o prazo para a realização das matrículas para aqueles que foram aprovados pelo Sisu2 já estava quase sendo encerrado na Universidade, então resolvi que não deveria adiar mais.

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

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Sistema de Seleção Unificada

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Naquela manhã, pela primeira vez, optei por ir de ônibus ao invés de táxi rumo à UFRJ. Fiquei surpresa novamente ao ver os barracos à margem da pista principal, não sei se algum dia eu me acostumarei com tal vista. A desigualdade social no Brasil é algo sem igual, em alguns lugares as pessoas esbanjam riquezas e em outros, lutam por um simples prato de comida. Quando interrompi meu devaneio,

faltavam poucos metros para a

Universidade, a caminho de realizar o meu maravilhoso sonho, desejando que nada desse errado. Estava tão feliz quando saí da faculdade, após ter realizado minha matrícula! As aulas começariam em março e eu teria praticamente um mês e meio para conhecer o Rio de Janeiro e suas belezas naturais. As coisas estavam saindo exatamente como eu havia desejado Voltei de lá direto para o hotel, com um sorriso estampado no rosto, tão feliz que nem vi o tempo passar. Entrei no quarto e me joguei na cama, eufórica, sem saber ao certo o que fazer. Então me lembrei de Lucy e de algumas das garotas do orfanato e resolvi ligar para elas para contar as novidades. Conversei a noite toda com as meninas no telefone, falando com uma de cada vez, contando cada experiência nova que tive desde que cheguei. A chamada sairia uma fortuna por ser interurbano, mas e daí!? Eu estava sozinha em uma cidade completamente nova para mim e merecia poder oferecer-me esse luxo. Só me senti triste quando tentei ligar para Lucy e a chamada era encaminhada para a caixa de mensagens. Tentei quatro vezes, mas nada. Depois, decidi em qual casa morar: uma em que a locadora não pediu fiador — já que eu não tinha nenhum e não queria me incomodar com isso. Liguei para a imobiliária reservar a casa e no outro dia me mudei para minha primeira casa alugada. Eu iria recomeçar minha e queria registrar cada momento dela. Pessoas normais geralmente fariam isso através de fotos, mas eu sempre preferi fazer isso através das palavras, então, decidi escrever um diário.

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DATA: 10 / 03 / 12 AMIGO Ao chegar à universidade no meu primeiro dia, fui direto para onde seria ministrada minha primeira aula. Ainda bem que tirei a semana anterior para conhecer aquele mundo de prédios ou eu não teria sido capaz de localizar nada em menos de 20 minutos de tão nervosa que eu estava. Quando cheguei ainda não havia ninguém na sala então me sentei na primeira fileira, bem em frente à mesa do professor. Aos poucos, entravam alunos que iam se acomodando nas cadeiras espalhadas por lá. A professora Doroti, cujo nome me fez rir por ser o mesmo da garotinha de O Mágico de Oz, é uma mulher alta, magra, de cabelos ruivos e olhos claros. Ela anunciou que ia começar a aula e saiu disparando informações antes mesmo que eu tivesse aberto o meu caderno. Quase enfartei! Ao final de três horas tivemos nossa primeira pausa para intervalo e eu fiquei lá, sentada, olhando algumas imagens nos livros enquanto vários dos alunos faziam seus grupinhos, conversando e divertindo-se. Impressionei-me com a pequena quantidade de estudantes que estava na sala; realmente astronomia era para poucos, pois não preenchíamos nem a metade do cômodo. Eu não conseguia ser muito sociável em público, então resolvi nem tentar fazer amizades naquele momento. Mas ver a facilidade com que aquelas pessoas se enturmam dava-me um pouco de inveja. Estava cansada de ser o tipo de garota que não se entrosa, que vive sozinha, mas não conseguia ver-me fazendo amigos lá, pois, na verdade, ainda possuía a sensação de que não pertencia aquele local. Eu queria ser como aquelas pessoas, que no seu primeiro dia pareciam fazer amizades eternas. Aproximadamente dois minutos se passaram depois que eu pensei a respeito das amizades e ele sentou na cadeira ao meu lado. Ele era lindo e por alguns minutos fiquei hipnotizada. Pele morena, alto, um rosto tão perfeito que parecia ter sido esculpido pelos deuses; cabelos castanhos, da 16


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mesma cor dos seus olhos. Eu estava encantada com sua aparência! Com certeza era o homem dos sonhos de qualquer garota. De repente, ele virou em minha direção e, para minha surpresa, falou: — Hã, olá, me chamo Douglas Gomes, sou seu colega e... — falou, mas eu não estava realmente ouvindo. Pude ver que ele estava desconfortável, o que ficou ainda mais evidente quando soltou uma risadinha enquanto levava a mão até nuca e coçava a cabeça. Fiquei olhando para ele com uma cara de idiota por uns dois minutos, ou talvez até mais. Talvez eu tenha até babado depois de vê-lo ao mesmo tempo em que tentava entender por que um cara como ele estava falando comigo. — Ei, você está aí garota? — perguntou de um jeito desconfiado — Se você não quiser falar comigo, tudo bem, entendo que às vezes pareço um idiota, mas... — Lilian, meu nome é Lilian Moore — interrompi, com um sorriso no rosto e morrendo de medo de que minha lerdeza o afugentasse. — Desculpe, só estava pensando em outras coisas, distraída, sabe? — emendei, não sabendo exatamente porque escolhi começar logo mentindo. Acho que queria afastar a vergonha por ter ficado tão estupefata no momento anterior. — Tudo bem, às vezes também acontece comigo. Bom, prazer então, Lilian — falou, estendendo-me a mão que apertei em um cumprimento desengonçado. — Posso ficar sentado ao seu lado? Lá atrás está horrível. Ainda mais com aquelas garotas chatas conversando o tempo todo, e já que só tem você aqui, desconfio que seja um local bem calmo. Também reparei que você está sozinha, como eu; então, nunca é tarde para fazer amigos, certo? — Claro, fique à vontade. — respondi imediatamente. Não fazia ideia do porquê de ele vir conversar comigo, afinal, um garoto tão bonito e simpático poderia ter se sentado ou ido conversar com qualquer outra garota. Mas não, ele foi lá, do meu lado. Ele não deveria ter feito aquilo, nunca. (Ok, eu não sei por que pensei ou escrevi essa frase idiota, mas agora já era, afinal, estou escrevendo à caneta e não quero rasurar esse diário. Continuando...)

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Não consegui prestar muita atenção na aula depois que Douglas sentou ao meu lado, pois ficava pensando em toda aquela situação e porque ficava olhando toda a hora para ele. Se eu já fiquei desse jeito no primeiro dia, não quero nem saber como vou estar no restante do curso! Ainda não consigo entender por que eu estava daquele jeito, visto que nós trocamos apenas algumas palavras. Só sei que até agora tenho a sensação de que ele seria capaz de fazer meu mundo virar de cabeça para baixo. Durante meus pensamentos, olhei para a professora Doroti e vi, a poucos centímetros do meu nariz, aquele círculo cinza novamente. Sério, agora sim sei que estou ficando louca de vez. Estreitei os olhos tentando entender melhor que merda poderia ser aquela flutuando quase na minha cara. Fechei os olhos, balancei a cabeça e quando os abri novamente, o círculo havia sumido. Sempre há um pouco de insanidade em cada um de nós, mas essa estava se superando.

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DATA: 11 / 04 / 12 (pelo que me disseram)

DESEJO É, fiquei um tempo sem escrever, mas vamos lá. Um mês se passou desde que as aulas haviam começado e que eu tinha conhecido o Douglas. Tudo estava indo muito bem e eu estava exultante. Douglas e eu nos tornamos melhores amigos, visto que sempre fazíamos trabalhos e estudávamos juntos, também as aulas estavam cada vez melhores e eu amava tudo o que aprendia. Não ocorreu nada realmente fora do comum ao longo daquele mês, tudo se resumia a estudo, deveres, trabalhos e, às vezes, em ir comer alguma coisa com o Douglas enquanto pensávamos e discutíamos sobre assuntos da faculdade. Eu tenho total consciência de que estava completamente caidinha por ele há um tempo. Fazia pouco tempo que eu o conhecia, mas ouso até dizer que já estava apaixonada. Nós iríamos estudar no apartamento de seus pais naquela noite e eu planejava convidá-lo para sair. Sei que isso deveria ser papel do garoto, ou ao menos é o que todos os livros de romance ensinaram para mim, mas ele nunca me convidou e eu já estava cansada de esperar. Não sabia se era porque ele não tinha coragem para isso ou porque queria ser somente meu amigo, mas eu tinha que tentar. Até mesmo um “não” como resposta era melhor do que a agonia da dúvida. — Coragem Lilian — ordenei para mim mesma, encarando o espelho. Eu estava fantástica, com um vestido azul turquesa que se moldava perfeitamente ao meu corpo. O vestido se estendia até acima dos meus joelhos, deixando minhas coxas um pouco amostra devido a uma pequena fenda lateral. Para quem passava a maior parte do tempo de calça comprida, era uma mudança e tanto de visual. — Você consegue e ele vai aceitar — garanti para mim mesma, com um suspiro.

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Saí de casa alguns minutos atrasada, então peguei um táxi. O apartamento dele era na cobertura de um dos condomínios mais chiques que já vi. Apesar de sempre conversarmos muito sobre tudo, Douglas nunca havia mencionado sua condição financeira e eu não imaginava que ele — um garoto de personalidade tão humilde — poderia morar nesse local luxuoso. Ao passar pelas portas duplas de vidro da entrada, percebi o belíssimo lustre de cristais bem no meio do saguão, um lindo balcão em um canto, seguranças, e uma recepcionista. Ao lado oposto à porta, havia dois elevadores. No local não se via muitos móveis, mas sua decoração e o piso de mármore davam uma aparência moderna, aconchegante e bonita. Talvez por ter achado que eu estava perdida, pois fiquei olhando ao redor como uma boba, um segurança enorme andou em minha direção e questionou-me a respeito de onde eu estava indo. Expliquei que iria estudar com Douglas, o rapaz que morava na cobertura, enquanto sentia todo o meu rosto ruborizar. No mesmo instante ele deu um sorriso e me acompanhou até o elevador. — Basta apertar a letra J, moça — falou de um modo muito simpático e eu agradeci ao homem fazendo como o orientado. O elevador era grande e panorâmico, e aproveitei para ficar apreciando a vista já que a noite estava linda e estrelada. À medida que me aproximava da cobertura, calafrios tomaram conta do meu corpo e comecei a ficar subitamente apavorada. O pânico passou logo que as portas do elevador abriram e vi que ele estava esperando por mim ali. — Uau! Se você tivesse me falado que viria tão bonita eu teria me vestido com um pouco mais de decência — falou, aparentando certo desconforto e nervosismo. Ele estava usando chinelo de dedo, uma calça jeans que dava a impressão de ser surrada e nova ao mesmo tempo e uma blusa polo preta com um mini jacaré fofo bordado na lateral esquerda. Seu cabelo estava meio bagunçado, é verdade, mas fora isso e o chinelo ele parecia pronto para sair. — Nem precisa, você está incrível assim Douglas, eu apenas... Quis me arrumar um pouco. Procurei na internet o endereço daqui para não ser enganada 20


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pelo taxista e vi que local era muito bonito para vir vestida de qualquer maneira — respondi, inventando na hora uma desculpa e dando uma risadinha constrangida. — Ah, tá. E eu aqui na inocência achando que você havia se arrumado assim por minha causa. — respondeu, em um tom mais baixo, com decepção estampada em sua voz e em sua expressão. — Foi bobagem minha. Afinal, por que alguém colocaria um vestido como esse apenas para estudar com um colega de classe, não é? — E os seus pais, não vai apresentar? — perguntei, tentando mudar de assunto. Eu ainda não estava preparada para falar o que eu havia planejado e fiquei sem saber o que dizer naquele momento. — Meus pais saíram hoje cedo para uma viajem de negócios. Desculpe por não ter avisado que vamos ficar sozinhos essa noite. Simplesmente não pensei que isso poderia ser um problema, olhei apenas pelo lado de que poderíamos ficar mais à vontade para estudar. — Sem problemas, não me importo de ficar sozinha com você. — respondi, em tom normal. Por mais que minha voz não transparecesse meu verdadeiro estado emocional, eu estava aliviada por dentro e muito feliz por estarmos sozinhos. Assim, eu poderia conversar com ele de uma forma mais íntima, sem ninguém por perto para me envergonhar ou atrapalhar. Entramos no apartamento e meu queixo quase caiu. Eu parecia ter acabado de ser sugada para uma daquelas revistas de decoração. Tudo era lindo e impecavelmente organizado. Ele me levou até a mesa, onde havia uma bandeja com alguns biscoitos em dois pratinhos e dois copos vazios para o suco que vi na jarra ao lado. Sentamos um de frente para o outro, ele me serviu e começava a abrir o material de estudo quando tomei a decisão de que era hora de falar. — Sabe Douglas, eu sei que deveríamos estudar e tal, mas eu estava pensando... Já faz um tempo que quero lhe perguntar uma coisa, mas tem sempre tanta gente por perto e... Sei que vai parecer estranho e espero que nossa amizade não seja estragada por isso, mas... — comecei a embolar.

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— Nada seria capaz de estragar nossa amizade, Lilian — interrompeu-me. — Mas então, se era o fato de estarmos sempre rodeados por outras pessoas que te impedia, agora estamos sozinhos. O que é? — perguntou, visivelmente curioso. — Ok... — concordei. Bebi a metade do copo do suco direto e depois respirei fundo, umas três vezes, o que o fez abrir um sorriso de canto de boca que provavelmente deve ter causado o derretimento de algum dos Polos da Terra. — Lá vai. Eu não pesquisei seu apartamento na internet, na verdade fiquei até bem chocada quando vi o quão elegante ele era. — Mesmo!? Então por que o vestido? — questionou, agora visivelmente se divertindo. — Sério que você vai me fazer falar!? — supliquei em desespero. Pensei que só aquela frase já teria deixado claro o suficiente e estava torcendo para ele pegar a deixa a partir daquele momento. Cheguei a me questionar se ele era lerdo aquele ponto ou se estava só brincando comigo. Independente do que fosse, pelo visto eu teria que ir até o final. — Sabe, já somos amigos há um bom tempo e eu gosto muito de você. Então... Ah, que se exploda! Você aceita jantar comigo? — convidei, já completamente apavorada com o que estava fazendo. — Uau, você me pegou de surpresa e... — Não, não, tudo bem, eu entendo — interrompi, já levantando e pegando minha bolsa para ir embora. — Eu entendo você não querer e tal, mas... — E quem falou que eu não quero? — Ele me interrompeu, um pouco apreensivo. — Eu só não esperava que você fosse me pedir. Na minha cabeça esse pedido era feito por mim, mas eu nunca achava o momento ideal e tudo o mais. Estava pensando em falar contigo hoje. Até havia me arrumado, mas tirei o tênis e coloquei o chinelo de última hora com medo de ficar muito na cara — falou, com uma tristeza bem evidente no rosto — Então... Eu vou fingir que você não falou nada e partir para o ataque. Lilian, aceita sair para jantar comigo essa noite? — perguntou, com um enorme sorriso estampado no rosto. Tive que me controlar para não rir! — Não. — respondi, com uma cara de brava. — Não acredito que você me deixou passar por aquilo tudo à toa! Estou muito decepcionada com você. 22


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— Mas é que... — começou a justificar-se, com um olhar desesperado no rosto. — Claro que sim, seu idiota, eu só estava brincando — respondi, interrompendo-o. — Você realmente achou que depois de todo aquele meu discurso eu iria dizer não!? — Até que você fica bonitinha quando está brava, sabia? E amanhã vamos nos ferrar na prova, mas não faz mal, terá valido a pena. — Isso porque você nunca me viu brava de verdade. Mas, obrigada. E tudo bem, eu troco uma nota boa por passar um tempo com você. Então, qual a programação agora? — perguntei sorrindo. Eu estava tão aliviada por tudo ter dado certo! — Espero que você aceite minha ideia. Gostaria que jantássemos no terraço hoje, observando as estrelas. — Só falta você me dizer que tem uma mesa e o jantar já preparados no terraço — brinquei. — Na verdade, só a mesa. Eu teria preparado aqui, mas... Bem... Se você recusasse, os biscoitinhos seriam uma vergonha menor do que aquela mesa lá de cima. Venha, vou te mostrar — comentou, levando-me até a as escadas. O terraço era lindo, tinha uma jacuzzi enorme em um dos cantos, ao seu lado havia uma mesa circundada por cadeiras e algumas árvores em vasos de granito. — Nossa, é realmente maravilhoso! — afirmei, abismada. O céu estava estrelado e a vista lá de cima era indescritível. Aquela era a paisagem mais bonita que já havia visto. — Espere um segundo que, já que você aceitou o convite, vou pedir o jantar em um restaurante que tem tele entrega e é uma delícia. — falou, enquanto se dirigia até o telefone. Fui caminhando em direção à beirada do terraço para analisar melhor a paisagem da cidade. Era linda, mas a falta de proteção proporcionada por aquela mureta que ia apenas até o nível da minha cintura me assustava, uma pessoa poderia cair com facilidade de lá.

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— Sabe, desde a primeira vez que te vi gostei de você — Ele me contou, enquanto caminhava até o meu lado e me observava de um jeito estranho. Escorando-se no parapeito do terraço. — Eu também. Nunca pensei que conheceria alguém como você. Agora me diga, porque você foi falar comigo naquele dia? — Bom, preciso confessar que notei você assim que entrei na sala, mas deixei passar. Sentei lá atrás e fiquei observando a interação do pessoal. Você não falava com ninguém, nem ao menos tentou se enturmar e isso me deixou curioso. Por este motivo fui até você, para tentar entender porque estava tão isolada. Quando você me olhou com aquela cara... Aquele seu jeito quieto, tímido, me deixou louco. Assim que começamos a nos conhecer melhor, também passei a gostar de você. — Ele respondeu. — Mas ainda tem tantas coisas sobre você que eu não consegui descobrir e gostaria de saber... — Que tal nos conhecermos melhor, então? — sugeri. — Boa ideia — respondeu, rindo. Ficamos mais de meia hora conversando sobre tudo, menos o único assunto que sempre falamos, faculdade. Contei para ele sobre meus pais e ele me contou sobre os dele. Falei sobre toda a minha vida e ele me falou sobre a dele. Fazíamos perguntas idiotas um para o outro, intercalando com algumas mais profundas. Teve um momento em que ficamos tão próximos que tive certeza de que ele me beijaria, mas ele apenas disse, em um sussurro: — Todos já tivemos algum sonho idiota, Lilian. Algo que quisemos fazer, mas sabíamos que era impossível. Tipo, eu sempre quis ser igual ao James Bonde: investigando, usando aqueles negócios legais, andando em carros velozes. Mas claro, era só um sonho. — Ele falou, dando uma risada. Um sorriso se estampou em meu semblante pelo comentário maluco que ele fez. — Mas e você, qual é seu sonho mais bobo? Ser uma cantora ou uma modelo de sucesso? — Na verdade, eu nunca pensei nisso. — E realmente nunca tinha pensado — Não, minto. Meu sonho sempre foi ter uma grande aventura. Acho que foi por isso que escolhi vir para um Estado tão longe de tudo que sempre conheci. Para fugir de tudo e me aventurar pelo mundo. — falei, dando risada. 24


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— Uau, que profundo! Como sempre, você superando e frustrando minhas expectativas ao mesmo tempo — riu. — Como assim? — perguntei. — É que eu achei que você iria dizer que seu sonho bobo era ganhar um beijo meu — respondeu, piscando o olho. — Como disse, nunca pensei direito nisso. E agora que estou aqui refletindo sobre o assunto acho que me lembro de um sonho com algo assim, bem parecido com isso que você falou. — brinquei, envergonhada com as palavras que proferi tão calmamente. — Mesmo!? E que tal eu realizar ao menos esse sonho, então? — Douglas abriu um sorriso ao perguntar, com os olhos brilhando, lindo. — Eu adoraria! — respondi. Ele chegou com o rosto bem perto do meu e foi vagarosamente arrastandome mais para perto do parapeito, em busca de apoio. Quando senti meu quadril tocar a pequena mureta e seu sorriso se alargar fechei os olhos esperando ele me beijar. Douglas havia pensado em tudo, me direcionado para o local onde nosso primeiro beijo teria uma vista daquelas, como as de filmes, como plano de fundo. Seria perfeito... Mas, ao invés de me beijar, ele me agarrou com toda a sua força e me empurrou lá de cima.  — Boa aventura! — gritou enquanto eu caía. Eu iria morrer? Como a minha noite romântica havia se transformado naquilo? Tudo passou tão rápido e ao mesmo tempo parecia estar acontecendo em câmera lenta. Em segundos, centenas de coisas passaram pela minha mente. Por um tempo ainda conseguia enxergar Douglas em cima do terraço, olhando para baixo, mas depois o perdi de vista. 25


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Estava assustada e confusa. Porque ele fez aquilo? O que eu fiz para ele? Achei que éramos amigos e que, naquele momento, estaríamos até mesmo nos tornando namorados; que ele me amava. Agora entendo quando lia frases que afirmavam que nunca conhecemos inteiramente uma pessoa de modo verdadeiro; por mais que passemos nossa vida inteira ao lado dela, compartilhando segredos, nunca saberemos nem metade do que ela é capaz de ser e fazer... Talvez nem ela mesma saiba. Que prepotência a minha acreditar que já conhecia Douglas em tão pouco tempo. Uma onda de sentimentos invadiu meus pensamentos: dúvida, raiva, dor, medo, tristeza, coração partido e mais raiva. Eu não queria morrer. Não, eu não queria, mas eu continuava caindo e o vento continuava batendo contra meu corpo com cada vez mais força. Estava com os olhos fechados e sentia lágrimas saírem voando. Sentia também meus cabelos parecendo que seriam arrancados pelo vento. Será que eu já estava próxima ao chão? Eu não queria morrer, a única coisa que eu desejava naquele momento era estar de volta ao terraço. E não poder fazer isso me causava uma sensação estranhamente desagradável. Um calafrio e uma onda de calma e ansiedade, ao mesmo tempo, tomaram conta de meu corpo. Então o vento cessou. Estranhamente eu não sentia dores físicas, apenas emocionais e calafrios ainda se espalhavam pelo meu corpo. Percebi que meus cabelos não voavam mais e parecia que meus pés tocavam o chão. Ouvi alguns barulhos ao fundo. Ainda sentia lágrimas tocando minha pele, mas nada além disso. Acho que essa é a sensação de morrer, um vazio enorme, um sono profundo. Então, escutei um interfone tocar em algum local. Eu não estava morta. A menos que existissem interfones no céu ou para qualquer lugar que fossemos depois da morte, embora eu realmente não acreditasse nisso.  26


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Quando me dei conta de que realmente estava viva, comecei a abrir receosamente os olhos, sem entender nada do que havia se passado. Douglas estava parado na minha frente com os olhos arregalados, e um calafrio se estendeu novamente pelo meu corpo. A cobertura estava exatamente igual. Meus olhos encheram de lágrimas novamente, sentia gotas de suor brotando em minha testa e encarei Douglas, que estava imóvel, apavorado e boquiaberto, exatamente no mesmo lugar de quando me jogou para baixo. Percebi pelo seu olhar que ele também não entendeu o que havia acontecido. Foi assim que soube que não imaginei nada daquilo, que tinha sido tudo real e que de algum modo eu havia voltado para a cobertura. Viva, intacta, sem nenhum arranhão. Ele desviou o olhar de mim para a dentro da casa quando o interfone tocou novamente. Aproveitei essa oportunidade e saí correndo em direção às escadas. Cheguei até a sala, mas ele avançou para cima de mim. Sem pensar duas vezes, dei um mergulho para o lado, o que fez com que ele perdesse o equilíbrio ao tentar me agarrar, caindo em cima de um dos cantos da mesa de centro, fazendo com que ela tombasse por cima de se seu corpo, derrubando tudo no chão. Ele ficou imóvel por alguns segundos, com a mesa por cima dele. Eu não conseguia ter reação, não conseguia nem mesmo pensar direito. Deveria gritar, aproveitar aquele momento para sair correndo, me defender. No lugar disso tudo, fiquei parada olhando para ele. Eu estava em choque. — Por que você fez aquilo? — perguntei, em um tom rouco e desesperado, com a voz esganiçada, parecendo que um animal havia falado em meu lugar. Um tempo passou, ele se levantou e limpou a boca, de onde escorria um filete de sangue. Havia algo em seu olhar que eu não reconhecia; uma expressão assustadora e surreal. Aquele, com certeza, não era Douglas; pelo menos não o Douglas que eu havia conhecido nesses últimos tempos. Ele me olhava de modo extremamente sério e calmo, encarando-me ao mesmo tempo com avidez e tranquilidade. Eu percebi que algo nele estava mudando, não soube explicar como ou por que tive essa sensação, até que o terror de fato começou. 27


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A esclera e a íris de Douglas ficaram totalmente pretas. Ouvi então estalos que pareciam de ossos voltando para o lugar. O machucado de sua boca desapareceu e então seu olho voltou ao castanho que era. Ele havia se curado!? Aquilo me deixou ainda mais apavorada do que eu já estava. Será que ele era um demônio? Um anjo? Alguma espécie de máquina? Um extraterrestre? Um turbilhão de pensamentos passavam pela minha mente enquanto eu me lembrava de cada um dos filmes e seriados de ficção e de terror que havia visto ou ouvido falar em minha vida. — Fique longe de mim! — gritei com uma voz que nem parecia humana, chorando de um jeito descontrolado. — O que é você? — questionei serrando os olhos para tentar enxergar melhor, ver se eu não estava ficando definitivamente louca. — Você não entenderia, pelo menos não agora. — Ele falou, mas sua voz soava diferente, soava doce como... Como a voz de uma mulher. — Logo suas perguntas serão respondidas e você verá que tudo isso foi necessário. Não se preocupe. — Necessário? Foi necessário me atirar da cobertura de um prédio e depois avançar para cima de mim tentando me matar? — Eu me encolhi em um canto, chorando enquanto falava. — Eu não estava tentando te matar, apenas queria conferir algumas coisinhas — alegou. — Por favor, me deixe ajudar você, fique quieta e farei meu trabalho. Todos nós reagimos desse jeito na primeira vez. Na verdade, o estrago feito por alguns de nós foi bem maior — continuou, ainda com voz de mulher. Seu olhar era frio, mas carinhoso e parecia sentir dó de mim, o que apenas me deixava ainda mais confusa. Sem pensar duas vezes eu me levantei e tentei sair correndo novamente, indo em direção à porta principal. Mas, claro, ela estava trancada. Eu forçava a maçaneta tentando abri-la, mas ela simplesmente não sedia à minha força. Douglas, ou seja lá o que era aquilo, vinha em minha direção de modo bem lento, como um predador que caça a sua presa.

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— Você acha que nós não tomamos precauções, querida? O prédio está cercado. Você está presa aqui. Sou eu quem tem de fazer esse trabalho chato de descobrir vocês, infelizmente. Eu pedi para eles mandarem outra pessoa, mas não, a Patrícia tem sempre que ficar com esse trabalho desagradável. — Ele falou, agora com sua voz normal, de homem. Eu não entendia nada do que estava acontecendo. — Eles sabem que eu não sou a pessoa mais sociável do mundo e que me estresso fácil, mas ainda assim mandam a mim para assumir uma nova personalidade. Eles ainda não viram que odeio isso? — continuou reclamando, colocando ambas as mãos na cintura e fazendo uma pose meio estranha para seu sexo. Se é que aquilo realmente tinha um sexo. — Parece que eles não aprendem! — concluiu, revirando os olhos. Eu estava encurralada entre a parede, a porta e aquilo, não havia lugar para fugir. Aquele ser na minha frente puxou do bolso de sua calça uma seringa com um líquido que não conseguia reconhecer, ele era de uma cor que nunca havia visto, que na verdade nem sabia que existia, por isso, não consigo descrevê-la com perfeição neste diário. Parece uma mistura de violeta, verde e laranja, todos no mesmo tubo sem se misturarem completamente. — Isso não vai doer nada, eu prometo — falou de um modo sarcástico enquanto revirava os olhos. — Pelo menos não em mim — retificou, em um tom um pouco mais baixo, observando enquanto eu me encolhia. — E apenas para você não ficar com a impressão errada a meu respeito, pode ter certeza de que estou gostando disso tudo bem menos do que você — finalizou. Escorreguei as costas parede abaixo até que encontrei o chão, precisava de um apoio para ter certeza de que aquilo era real, de que não estava tendo um pesadelo. Após por uma das mãos em minha cabeça, ele inseriu a seringa no meu braço e logo em seguida empurrou o êmbolo, introduzindo o líquido em meu corpo. A dor foi quase instantânea e absolutamente terrível; parecia que meu cérebro estava sendo arrancado da minha cabeça. Eu queria gritar, só que nem isso eu conseguia.

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Minha visão estava ficando turva e eu já perdia a consciência do que era real e do que não era. Então, vi que ele — ou ela, ou sei lá o que — pegou seu celular, digitou um número e efetuou uma ligação. — Sinal verde. Podem mandar a equipe de extração. A última Guardiã está imobilizada e pronta para transporte. Venham logo, essa garota é... Diferente. — Ele falou com sua voz feminina. Eu lutava com todas as minhas forças para não sucumbir à escuridão que tentava me invadir. Eu precisava saber o que viria depois. Aproximando-se da porta, aquela coisa que se chamava Douglas fez algo incrível, algo que eu nunca pensei que pudesse ocorrer. Minha visão estava embaçada, mas eu sabia o que via. Era horripilante. Douglas, ou seja lá o que ele era, começou a ter sua pele praticamente derretida, como se estivesse sendo arrancada do corpo; o cabelo desapareceu, sendo sugado para dentro de seu crânio, seus olhos ficaram totalmente pretos e ele começou a parecer um feto gigante. De repente, ele deu um grito e, como se todos os seus ossos estivessem sendo encolhidos, a sua altura diminuiu. Fios de cabelo loiro começaram a brotar de sua cabeça até atingirem a altura de seus ombros, os olhos ficaram azuis e sua pele voltou ao estado normal, pouco a pouco, ele foi tomando forma novamente. Uma garota, Douglas virou uma garota bem na minha frente. Ele se metamorfoseou bem ali, naquela sala. O que é que tinha naquela seringa? Drogas? Eu estava alucinando? Eu não conseguia acreditar no que via então, por um momento, me permiti pensar que estava delirando. Vi alguém abrindo a porta e várias pessoas entrarem no apartamento. Seus passos ecoavam pelo chão. Elas estavam junto com um homem de mais idade, vestindo um jaleco branco que parecia chefiá-los. Não conseguia ver o que eles faziam, o que procuravam ou o que observavam. Alguns deles ficaram à minha volta e me levantaram em uma maca que eu nem havia notado ter sido posta em baixo do meu corpo, levando-me para fora do apartamento.

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Eu queria observar melhor a cena, contudo meu olhar estava embaçado e minha cabeça doía tanto que nem conseguia compreender algumas coisas. Eu estava entre o mundo do sonho e o da realidade. Meus olhos pesavam e eu acabei cedendo ao sono, deixando que aqueles estranhos me carregassem seja lá para onde fosse. Deixei que eles me arrastassem para o que poderia ser a minha morte, porque não conseguia fazer nada para impedir. Mas eu não queria morrer. Eu desejava ficar viva, independentemente do que pudesse vir a acontecer. 

Lutei entre a consciência e o sono pelo que me pareceu uma eternidade, abrindo os olhos por poucos segundos e fechando-os logo depois. Tinha lapsos constantes entre a realidade e a escuridão. Minha respiração ficava ofegante toda a vez que realizava tal esforço. Apesar disso continuava o fazendo e nessas poucas vezes percebi que estava sendo transportada de um lugar para o outro. Em uma delas identifiquei que estava sendo levada até um veículo enorme, talvez um caminhão. Tentei observar o lugar em que estava, queria descobrir para onde estavam me levando e quem estava a minha volta para certificar-me de que não ficaria apavorada e perdida caso surgisse a oportunidade de escapar das amarras que me prendiam. Infelizmente, os poucos lampejos de consciência que tive não me permitiram ver, ouvir e nem mesmo sentir muitas coisas. Em algum momento, fui retirada daquele caminhão e colocada em outro veículo. Observei o local novo. Apesar da escuridão que me cercava, a reverberação de um som que acredito ser o de uma turbina fez com que eu acreditasse que o espaço era amplo. Tentei levantar, mas as amarras me impediram. Meu movimento deve ter despertado a atenção de alguém que estava próximo, pois quase que 31


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instantaneamente uma pessoa de jaleco branco surgiu ao meu lado e eu senti outra picada em meu braço. — Ela parece estar criando resistência ao TX. Cada vez é menor o espaço entre uma aplicação e outra. Ela, sozinha, já tomou mais do que os últimos dois! — Ouvi uma voz estranha informar em alguma das vezes em que fui picada naquele local. Acho que notei algumas pessoas me “estudando” e fazendo anotações em pranchetas, mas pode ter sido apenas a minha imaginação. Afinal, estava muito escuro. De repente minha cabeça parou de latejar e eu finalmente pude pensar melhor, embora ainda não conseguisse mover nenhuma parte de meu corpo, nem mesmo abrir minhas pálpebras. Foi diferente das outras vezes, nelas eu tinha mais força muscular do que consciência de verdade, mas nessa... Por mais que eu lutasse, absolutamente nada movia. Eu havia sido sequestrada, isso era um fato. Eles haviam injetado drogas em mim que continham alucinógenos fortes o suficiente para que eu visse o Douglas virar uma loira de olhos azuis. Talvez eu tenha sido dopada antes mesmo, ao beber um gole de refresco daquele copo da mesa, e por isso acreditei ter sido jogada do prédio. Tudo fazia mais sentido agora. Logo afastei os pensamentos a respeito da carta e resolvi tentar ligar os pontos de meu inoportuno sequestro. Procurar descobrir por que, entre milhões de pessoas, eles poderiam querer sequestrar logo a mim, mas não conseguia pensar em nada plausível. Ninguém me conhecia naquela cidade além de Douglas e nem ele sabia do dinheiro dos meus pais até aquela noite. Então... Por quê? Poderiam ter conseguido o dinheiro de milhares de outras formas e me sequestrar não teria valor já que não há para quem solicitar o resgate. Tráfico de pessoas!? Não... Pelo que li eles precisavam que as mulheres embarcassem voluntariamente nos aviões! Mas sempre existiriam os contêineres... Não... Se fosse o estilo de tráfico de contêiner eles não teriam feito nada tão elaborado e eu estaria espremida com várias outras não neste ambiente aparentemente vazio. Eles tinham algo maior em mente, mas o que? 32


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O que foi que aconteceu depois daquele beijo? Eu não poderia ter caído do topo do prédio se fui sequestrada dentro da sacada, certo? Será que foi algum truque ou um tipo de “joguinho” mental estilo hipnose que fizeram comigo? Flashes de Douglas me atacando, seus olhos pretos, sua cura milagrosa e ele se metamorfoseando bem em minha frente inundaram minha mente, como que exigindo que eu acreditasse neles, que parasse de tentar criar explicações lógicas para justificar a irrealidade daquilo que realmente havia acontecido. Mas se eu fosse sucumbir a eles precisaria acreditar que ele devia ser algum tipo de monstro ou de máquina, e era aquilo que eu não conseguia ou não me sentia preparada para entender ou aceitar. E que negócio era aquele de Guardiã!? Guardiã do que? De quem? Ai, caramba! Será que eles me confundiram com outra pessoa!? Estava no meio de um turbilhão de outros pensamentos envolvendo também o grupo que entrou naquele apartamento e o cara de jaleco que teimava em aplicar aquelas injeções em mim quando um solavanco enorme sacodiu o local em que eu estava. Parecia que aquele negócio havia acabado de pousar. Eu estava em um avião. Claro, se fizeram tudo aquilo para me pegar, porque não garantir que eu estaria bem protegida a centenas de quilômetros de altura? Eles sabiam que era praticamente impossível eu fugir da fortaleza voadora deles. Tentei mexer minha mão e dessa vez consegui. Logo depois, eu consegui também abrir os olhos, completamente. O doutor de jaleco branco estava sentado em uma cadeira ao meu lado, anotando algo em uma prancheta. Há quanto tempo ele estava lá? Quando finalmente notou que eu havia aberto os olhos levantou-se rapidamente e ficou ao meu lado, dizendo em um tom calmo e consolador bem próximo ao meu ouvido: — Olá senhorita Moore, o efeito do soro já está passando. Pode ficar tranquila que não pretendo aplica-lo novamente em você. Não irei mentir, foi muito interessante estudar os efeitos dele no seu corpo. Tivemos que dopá-la nove vezes a mais do que a qualquer outro Guardião. Ele foi feito para durar no mínimo uma

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semana, embora na maioria dure de 15 dias a um mês, e não apenas algumas horas como estava ocorrendo com você. Fascinante! — Uma semana? — perguntei, sem ter certeza de ter escutado corretamente. — Sim, é o tempo que precisamos para trazê-la até aqui e rodar todos os exames mais emergenciais. — explicou. Ele estava louco? Uma semana inteira havia passado como se fossem minutos? Impossível! — Por favor, não tenha nenhuma atitude violenta ou precipitada. Vamos responder todas as suas dúvidas. — emendou, falando em tom tão suave que chegava a ser irritante. Atitude violenta? Eu nunca fui violenta. Do que ele estava falando? Então, como se cada membro do meu corpo voltasse a funcionar com vida própria, vi meus braços se estendendo rapidamente e minhas mãos agarrando a gola do jaleco do sujeito. Seus olhos se arregalaram e ele parecia chocado por eu ter conseguido me livras daquelas frágeis amarras nas quais eu estava presa à cama. Sinceramente, chocada estava eu por eles acharem que meras tiras de papel poderiam conter qualquer ser humano! Até os hospitais mais pobres usavam tecido, qual o problema dessa gente!? Ele se debatia tentando escapar, sem sucesso, de minhas mãos. Então, em um tom extremamente rouco e áspero, eu gritei com muita raiva, sentindo dores na minha garganta como se facas afiadas tentassem perfurá-la por causa da sede: — Onde eu estou? O que vocês são e o que querem comigo? — Código vermelho, injeção do sonífero imediatamente. A Guardiã está fora de controle! — Ele gritou para um médico que havia acabado de entrar do outro lado da sala, que correu e apertou um botão vermelho ao lado da minha cama. Algo foi injetado em mim poucos segundos depois. Só depois percebi que eles haviam conectado um aparato enorme de máquinas em meu corpo. Possivelmente o tal TX veio por um daqueles tubos. Meus olhos começaram a pesar e fui ficando exausta rapidamente. Então, caí novamente

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na cama da qual havia acabado de me levantar, não aguentando mais o peso de meu próprio corpo. — Minha nossa Doutor, ela arrebentou as amarras!? — O médico do botão vermelho perguntou. — Impressionante, não é!? Traga algo mais forte para quando ela acordar novamente. Esses panos não serão o suficiente. Panos? Sobressaltei-me um pouco ao ouvir o doutor falar em meu ouvido com o mesmo tom de voz pacífico, confusa com a nova informação: — Querida, não se descontrole, tomamos precauções para que nada, nem mesmo você, saia do controle e se machuque. Agora durma, em breve o efeito do soro passará. Nós responderemos as suas perguntas quando você acordar, contanto que você fique calma. — Ele falava com uma convicção tão grande que me deixava apavorada. — Mas saiba, você é fundamental para tudo o que está para ocorrer. Você é a chave para toda a nossa operação, então agradeceríamos se você colaborasse. — Só me deixe ir para casa, por favor — supliquei, com o fio de voz que ainda me sobrava. — Pois é exatamente isso que estamos tentando fazer, Senhorita Lilian. Levala para o seu verdadeiro lar, para cumprir o seu destino. — Ele respondeu. Fiquei deitada, esperando o soro me nocautear por completo como das últimas vezes, mas isso não aconteceu. Ouvi ambos os médicos saindo do cômodo, mas eu ainda estava ali, consciente, apenas com o corpo pouco responsivo. Logo, fiz mais um esforço. Tentaria escapar! Olhei pela primeira vez para mim mesma e descobri que estava vestindo um enorme avental hospitalar de tecido duro e na cor verde, com apenas um bolso em um dos lados. Onde estavam as minhas roupas? Tentei ficar de pé novamente, mas o esforço era maior do que os meus músculos estavam dispostos a executar, então acabei apenas sentada com as costas escoradas em algum daqueles aparelhos ao lado da minha cama.

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Era óbvio que não conseguiria escapar naquele estado. Então, fiquei apenas encarando o ambiente, tentando assimilar tudo. Até que notei algo. Em cima de uma das máquinas próximas a mim via-se a ponta de um papel! Devia ser algum relatório a meu respeito. Com muito esforço consegui levar meu braço dormente até a ponta da máquina e puxei o papel para mim. Não era um registro do médico, no final das contas. Era o meu diário! Ele estava dentro da minha mochila, na casa de Douglas... Eles devem ter pegado a mochila, para encobrir o meu desaparecimento. Abri-o e vi que, em seu interior, estava guardada a carta da minha mãe. Havia uma caneta em outra máquina e fiz novamente um grande esforço para pegá-la. Deveria ser a caneta do médico. Resolvi aproveitar enquanto estava me recompondo para escrever tudo o que aconteceu, até este exato momento, para ter certeza, futuramente, que não foi apenas mais um delírio. Achava difícil escrever com meu corpo ficando cada vez mais fraco, mas por algum milagre, apesar de com uma letra horrível, eu consegui. 

Eu já estava quase terminando a escrita quando o soro começou a fazer o efeito que esperavam desde o início. Sei disso por causa deste risco enorme no meio da última folha, devido à cochilada que dei enquanto escrevia o parágrafo anterior. 36


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Eu não deveria ceder, deveria tentar escapar. Mas sei que não conseguirei neste estado. Talvez se eu apenas dormisse um pouquinho... Antes, entretanto, vou guardar meu diário no bolso do meu avental antes que acabe deixando-o cair. Se alguém o encontrar, saiba que fui sequestrada. Meu nome é Lilian Moore e a última coisa que fiz hoje foi fechar meus olhos e deixar a escuridão tenebrosa se apossar de mim, levando-me nos braços de Morfeu3 nesta sala gelada, em meio a pessoas estranhas que dizem estar fazendo exames em mim. Por favor, chamem a polícia, prendam o Douglas.

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Morfeu é o deus grego dos sonhos. Ele tem a habilidade de assumir qualquer forma humana e aparecer nos sonhos das pessoas como se fosse a pessoa amada por aquele determinado indivíduo. A droga morfina tem seu nome derivado de Morfeu, visto que ela propicia ao usuário sonolência e efeitos análogos aos sonhos.

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B. R. PERUZZO

DATA: ?? / 04 / 12

SONHO Vi aquele maldito círculo cinza dentro de minha cabeça. Ele estava parado em meio a uma escuridão sem fim, mas dessa vez ele tinha no mínimo 500 milímetros de diâmetro. Tentei alcança-lo, no início sem sucesso, mas depois de um tempo, minha mente se jogou dentro daquele círculo. E de um sonho, meu descanso virou uma lembrança. Tempestade. Raios e trovões ecoavam pelo céu. Estrondos lacerantes eram ouvidos ao longe, como se monstros habitassem aquela terra desolada. Uma chuva tenebrosa caía sobre mim. Eu estava em uma rua escura, no meio do nada. Observei todos os lados procurando por qualquer sinal de vida. Do lado esquerdo só havia a estrada, reta, até perder de vista, à direita se via a primeira curva em quilômetros e o que parecia ser um enorme despenhadeiro que levaria qualquer um que caísse lá direto para a morte. Acompanhando a longa estrada, era possível observar as luzes da cidade mais ao fundo, que se perdiam e se tornavam foscas devido à distância. Eu sabia onde eu estava. Aquele era o local em que meus pais haviam morrido. Um caminhão em alta velocidade estava vindo pela contramão e eu sabia que o motorista do caminhão estava bêbado, não apenas por lembrar-me do relato do policial como também por ver que ele andava ziguezagueando pela pista. Eu tentei gritar com todas as minhas forças para que ele parasse no acostamento, mas era como se eu estivesse muda, nenhum som saia de minha boca. Um carro havia acabado de fazer a curva, o que tornava impossível que o motorista visse o caminhão que ia em direção a ele. Então, como o vento cortando o ar, o caminhão bateu em cheio. O impacto deve ter acordado o motorista bêbado 38


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porque pude ver o caminhão começando a virar — o que os arrastou direto para o despenhadeiro. Gritei com ainda mais aflição, agora por causa das dores trazidas por aquele sonho, mas nada da voz sair novamente. Cacos de vidro voando por todos os lados... O caminhão levando o carro de meus pais de arrasto para o despenhadeiro... Os sons azucrinantes de metal contra metal. Ouvi os gritos de minha mãe. O carro era apenas uma bola de metal quando caiu no penhasco. Consegui ouvir o som do caminhão sendo prensado sobre o carro ao atingir o chão, o cheiro de óleo queimado e gasolina. Tentei correr até lá para fazer alguma coisa, mas não conseguia me mexer. Tudo que eu estava vendo era exatamente o que haviam descrito para mim. Parecia mais que apenas minha imaginação ou um sonho, era como uma lembrança. Depois de poucos minutos decorridos do acidente, chegaram as viaturas policiais e ambulâncias. Infelizmente era tarde demais, até eu sabia disso. As luzes estroboscópicas provenientes das sirenes me cegaram por alguns segundos e os sons deixaram-me tonta. De dentro de uma das viaturas, um policial saiu em disparada em direção ao despenhadeiro; olhou para baixo e voltou correndo para os outros policiais, que estavam esperando do lado de fora das viaturas, todos com capas de chuva e olhares apavorados. Quando chegou mais perto e pude vê-lo de frente percebi que foi ele quem me avisou sobre meus pais! Meu coração doía e eu não aguentava mais chorar. Queria me atirar ao chão e berrar até rasgar meus pulmões, até minhas entranhas saírem de meu corpo. Fechei os olhos e desejei, com todas as forças que encontrei, que aquilo acabasse. Não queria reviver nem mais um minuto daquele momento. Quando voltei a abri-los, estava deitada em uma maca, em alguma enfermaria. Levantei-me apavorada.

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B. R. PERUZZO

A enfermaria era simples e bem pequena. Havia algo em meu braço, injetando o que supus ser um tipo de soro — não mais aquele líquido estranho, mas soro fisiológico mesmo — e imediatamente arranquei-o. Do lado da maca havia enormes bancadas brancas. As paredes, teto e chão do local eram totalmente brancos, parecendo mais um manicômio. O cheiro de produtos de limpeza deixava a situação ainda mais bizarra. Sentei-me na maca, deixando os meus pés balançado rumo ao chão, enquanto esperava que uma tontura momentânea passasse. Ouvi um barulho atrás de mim e me virei rapidamente, esperando encontrar aquele mesmo cara de jaleco branco ao lado da minha cama, fazendo anotações. Mas, sentada em uma cadeira marrom, estava ele, ou melhor, ela. Assim que Douglas se metamorfoseou no apartamento, guardei cada mísero detalhe da garota em que ele havia se transformado. Eu não sabia como reagir, então fiquei encarando-a, com cara de boba. De repente, em um pulo, quando notou que eu havia me movimentado — sim, ela estava cochilando —, pôs-se de pé e veio em minha direção. Estendeu-me a mão e disse: — Bom dia, Senhorita Moore. Meu nome é Patrícia Miller e vim aqui para aguardar até que você acordasse. Estendi minha mão e a cumprimentei, por mais que tudo aquilo me desse arrepios. — Por quanto tempo eu dormi? — perguntei, com voz rouca e em um tom baixo. Provavelmente fazia tempo que não ingeria líquidos pela boca. — Pode me dar um copo de água, por favor? Olhei novamente para minhas roupas hospitalares. Fiquei preocupada em não estar mais com o meu diário e com a carta de minha mãe, e passei, com cuidado para que a garota não notasse, a mão sob o único bolso que tinha na grande camisola verde. Ele ainda estava lá, felizmente. — Bom, que eu saiba, desde que pegamos você no apartamento. Acho que faz aproximadamente quinze dias — a garota falou, enquanto enchia um copo com água na pia da enfermaria. — Estamos com pressa e tivemos de fazê-la acordar 40


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antes. Sabe, esse soro é o único tipo de sonífero que funciona em nosso organismo, mas infelizmente nos faz dormir por um tempão. Quinze dias? Eu me senti impotente e não queria acreditar em nada daquilo. Minha cabeça começou a rodopiar e coloquei-a entre as pernas. Fiquei naquela posição por alguns segundos e comecei a chorar. Algum tempo depois senti alguém tocando em minhas costas. Patrícia — recordei o nome que ela havia dito lá no apartamento — estava com uma das mãos bem no meio das minhas costas, acariciando-as. Então falei, em um tom de voz soluçante enquanto pegava o copo que ela me oferecia: — O que vocês querem comigo? Porque estão fazendo isso? — Lilian, logo o Doutor August vai responder suas perguntas. Foi muito difícil para todos nós quando fomos descobertos também por toda essa questão do sonífero e tal. Infelizmente não posso lhe falar mais nada, então, por favor, deite-se, descanse um pouco e espere enquanto eu vou buscar o doutor, está bem?! — Ela falou em um tom de voz extremamente amigável, como se estivesse com dó de mim. Não adiantava fazer mais perguntas, apenas esperar aquele tal Doutor August e ver o que ele tinha a me dizer, mas minha mente estava ainda mais confusa. Então, sem muitas alternativas, resolvi obedecer às ordens da garota. Quando ela saiu da sala, puxei meu diário do bolso e escrevi o relato, tanto do sonho como do que acabou de acontecer. Não quero esquecer de nenhum detalhe. Se você encontrar esse diário em algum lugar, por favor, me salve.

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B. R. PERUZZO

FIM DAS PRIMEIRAS IMPRESSÕES ^^

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