Contra o golpe
9
Propostas de Temer impactarão diretamente o “futuro do país”. Jovens serão retirados de universidades e sofrerão com a restrição do acesso ao SUS. No mercado de trabalho, podem enfrentar eliminação de direitos da carteira assinada e ficar reféns da terceirização
Minas Gerais
Setembro de 2016 • EDIÇÃO ESPECIAL • brasildefato.com.br • facebook.com/brasildefatomg • distribuição gratuita
Reprodução / Levante Popular da Juventude
Juventude quer sacudir o Brasil
Acampamento Nacional do Levante Popular da Juventude acontece entre os dias 5 e 9 de setembro, em Belo Horizonte. Cerca de 7 mil jovens de todos estados do país participam do evento. Com programação extensa, que envolve palestras, rodas de conversa e atividades culturais, movimento tem objetivo de discutir melhorias das condições de vida da juventude brasileira
82
ESPECIAL
Belo Horizonte, setembro de 2016
Menor salário e mais suor para o “futuro do país” EMPREGO Jovens podem enfrentar eliminação de direitos da carteira assinada e tendem a ser os mais prejudicados Rafaella Dotta
V
ocê tem de 15 a 35 anos? E já trabalha? Então prepare-se. O governo não eleito de Michel Temer possui propostas de uma reforma trabalhista, em que passaria a permitir aumento da jornada de trabalho, salários menores que o mínimo e a terceirização sem limites. O Projeto de Lei (PL) 4962, se aprovado, permitirá a negociação da redução dos direitos adquiridos pela CLT. Assim, se patrão e trabalhador aceitarem, pode-se aumentar horas de trabalho, diminuir férias, excluir 13º, diminuir o salário e o horário de almoço.
Fábio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil
A juventude poderia cair em dois grandes problemas: o “risco das super jornadas” ou o “risco McDonalds”, como classifica o economista Frederico Melo, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). As “super jornadas” podem chegar a 12 ou 13 horas por dia. Já o “risco McDonalds” trata-se da remuneração por horas trabalhadas a depender da necessidade do patrão.
Jovens ficarão mais reféns da terceirização
recebendo um salário médio de R$ 460, enquanto o salário mínimo valia R$ 678. “O jovem sem capacitação é tratado de forma degradante pelo mercado de trabalho”, analisa Sabrina Ribeiro, secretária de juventude da Central Única dos Trabalhadores (CUT-MG).
Pior para adolescentes A parcela mais vulnerável da juventude seriam os adolescentes de 15 a 17 anos. O Instituto de Pesquisa e Estatística Aplicada (IPEA) di-
vulga que a taxa de ocupação de 15 a 17 anos caiu de 41%, em 1995, para 19%, em 2013. Porém, cerca de 75% desses adolescentes trabalhavam no mercado informal em 2013,
Na mira da terceirização Tudo isso soma-se ainda ao PL 4330 que, se aprovado, aumenta a terceirização no país. Isso leva os trabalhadores a empresas que têm as piores condições. “Os jovens geralmente são menos qualificados e não possuem experiência. Tendem a ser reféns da terceirização”, diz o economista.
Juventude teme rumos da educação e saúde PEC 241 Se aprovada, medida pode retirar estudantes de universidades e restringir acesso ao SUS Alexandra Martins / UnB Agência
Cristiane Sampaio e Raíssa Lopes onsumado o golpe, a proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241 gera temor no Brasil. Ainda tramitando na Câmara, a legislação prevê a fixação de limites para os investimentos públicos. A medida teria vigência de 20 anos. Se passar, essa PEC deve implicar a redução crescente de investimentos nas áreas sociais, principalmente em saúde e educação. Em um estudo do Ministério da Fazenda, economistas simularam quais teriam sido os gastos federais de 2003 a 2015 caso a PEC tivesse entrado em vigor naquele ano. A pesquisa revelou que os repasses sofreriam, nos setores de educa-
C
ção e cultura, uma diminuição de 62%. Já na saúde, seriam retirados 45%. Saúde precarizada Com a Constituição de hoje, o Governo Federal é obrigado a aplicar o mínimo de 13,2% de sua receita em saúde. Com a PEC, a ga-
rantia não mais existiria e os cortes estimados para o Sistema Único de Saúde (SUS) ficariam entre R$ 44 bilhões e R$ 65 bilhões. De acordo com a estudante de medicina e militante do Levante Popular da Juventude Sofia Alves, o cenário ameaça
os avanços conquistados nos últimos anos. É o caso do Programa Mais Médicos que, segundo o Ministro da Saúde, Ricardo Barros, tem seus dias contados. “A juventude, sobretudo a da periferia, já está exposta a uma série de danos. Com o desmonte do SUS, estamos falando da sobrevivência do nosso povo. Todos os avanços foram enfrentamentos do governo Dilma contra a indústria far-
Haverá um retrocesso de 20 anos”, afirma militante
macêutica, categoria médica e planos privados. O governo Temer representa esses segmentos”, assegura Sofia. “Os pobres serão expulsos das universidades” Desde que Temer assumiu, programas de incentivo à educação e profissionalização já vinham sofrendo cortes preocupantes. Estão na lista o Prouni, Fies, Pronatec e Ciência sem Fronteiras. Além disso, o governo suspendeu o Programa Nacional de Combate ao Analfabetismo. Para Jessy Dayane, da Coordenação Nacional do Levante, o Brasil sempre teve uma educação elitista. “Os pobres serão expulsos das universidades. Haverá um retrocesso de 20 anos”, afirma.
Belo Horizonte, setembro de 2016
ESPECIAL
93
“Jovem brasileiro tem incrível capacidade de enxergar as contradições de tanta desigualdade” LEVANTE Duas integrantes de um dos principais movimentos de juventude do Brasil falam da relação entre os jovens e o momento por que passa o país Amelia Gomes e Fernanda Targa
O
Brasil de Fato MG entrevistou militantes do Levante Popular da Juventude. Julia Louzada é estudante de psicologia em Belo Horizonte e atua na frente estudantil da organização. Em outra frente de atuação, Mara Farias, organiza os jovens de Felipe Camarão, uma comunidade periférica de Natal, no Rio Grande do Norte. As duas compõem o movimento desde seu surgimento, em 2012. Na conversa, Julia e Mara apontam aspectos do perfil da juventude brasileira a partir das experiências com o trabalho de base desenvolvido pelo Levante. Também citam
os principais temas políticos que impactam jovens e apontam elementos para a construção de um Programa Popular para a Juventude Na sua opinião, quais são as peculiaridades do jovem brasileiro? Mara Farias: A juventude brasileira foi protagonista de muitas transformações populares. Os jovens são criativos, alegres, dispostos a lutar e se indignar com os problemas locais. Mas são também mar-
No Brasil vivem 51 milhões de jovens cados pelo desrespeito à sua diversidade, pela dificuldade de acessar as universidades e pela violência direcionada da polícia. Essa realidade gera no jovem brasileiro uma incrível capacidade de enxergar as contradições geradoras de tanta desigualdade.
Júlia Louzada
Qual a importância de um movimento que se dedica
especificamente a pautas da juventude? Júlia Louzada: Hoje no Brasil vivem 51 milhões de jovens e temos demandas muito concretas. A juventude negra está sendo exterminada, estamos vivendo vários retrocessos no campo da educação, não temos um projeto de vida pra juventude no campo e o avanço do conservadorismo tem matado as
Levante quer organizar os jovens que lutam pessoas LGBTs. Entendemos o Levante Popular da Juventude como a ferramenta que quer organizar jovens que se convenceram de que só a luta muda a vida!. O que, na sua opinião, difere o Levante de outros movimentos de juventude? MF: O Levante carrega em seu nascimento e amadurecimento o exemplo de quem nos criou, os movimentos populares do campo. Conseguimos traduzir o método de trabalho dessas experiências para o trabalho de base com a
juventude que não tem perspectivas de vida. Nosso movimento tem dado conta de uma tarefa que não é fácil, construir uma identidade nacional e unitária, mas que evidencia toda a nossa diversidade. O 3º Acampamento Nacional do Levante pretende formular um Programa Popular pra Juventude. Por que optaram por construi-lo neste momento? MF: A juventude organizada está indo às ruas, se posicionando contra os retrocessos, mas só isso não basta, temos que mostrar ao jovem um programa, uma proposta que solucione os problemas que estamos enfrentando. Quais os objetivos desse Programa? E sobre o que ele versa? JL: A experiência apontou saídas e propostas de superação dos problemas da juventude, mesmo que às vezes não tenhamos nos dado conta de que estávamos gestando um programa popular para a vida da juventude brasileira. Chegamos a algumas sínteses, que vamos debater com profundidade nos dias do acampamento
Mara Farias
Quais as perdas para a juventude diante dessa conjuntura de golpe no Brasil? MF: A juventude tem muito a temer com o golpe. Crescemos num um país que conseguiu garantir programas sociais voltados para a juventude, mas com esse cenário já conseguimos sentir os retrocessos e eles estão atacando diretamente os jovens. JL: Sabemos que daqui pra frente as coisas estarão mais difíceis, que a juventude vai sentir na pele toda essa retirada de direitos e a ascensão do conservadorismo. No próximo período, as lutas vão ser mais intensas, precisaremos de força e coragem.
8 4
ESPECIAL
Belo Horizonte, setembro de 2016
Jovens do campo e da cidade definem lutas prioritárias em cenário de golpe ACAMPAMENTO A programação do maior evento organizado pelo Levante Popular da Juventude conta com debates, oficinas e atividades culturais Mídia NINJA
Camila Maciel de São Paulo
Programação
U
ma semana após o Congresso Nacional decidir sobre o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, cerca de 7 mil jovens de todo o país estarão reunidos em Belo Horizonte para definir lutas prioritárias em um cenário político que já aponta perdas para os trabalhadores. O Levante Popular da Juventude promove, entre os dias 5 e 9 de setembro, no estádio Mineirinho, a 3° edição do Acampamento Nacional do movimento.
Levante reúne 7 mil jovens no Mineirinho
Thiago Ferreira, 27 anos, da coordenação nacional do Levante, aponta que o golpe será um tema central no evento e destaca que será um momento oportuno para organizar a juven-
tude. “O combate ao golpe não se encerra com o fechamento do impeachment, pelo contrário, só abre um leque de retrocessos”, avalia.
Debates, oficinas e atividades culturais fazem parte do roteiro do encontro, que terá como objetivo a elaboração de um Programa Popular para a Juventude Brasileira. O documento tem, inicialmente, dez eixos, que incluem temas que afetam diretamente a vida dos jovens, como acesso ao ensino superior, direito à cidade, cultura, democratização da comunicação, entre outros.
Levante
3° Acampa
É um movimento popular que organiza jovens por todo o Brasil pela conquista dos direitos da juventude e pela construção de um projeto popular para o país. Em 2011, o movimento ganhou caráter nacional. A estratégia de mobilização se baseia no tripé organização, formação e luta. Thiago explica que os núcleos de base do movimento estão abertos para acolher novos integrantes que se alinham às propostas do Levante. Para saber mais, acesse: www.levante.org.br
O acampamento ocorre a cada dois anos, sendo a principal instância de decisão do Levante Popular da Juventude. É nesse espaço que são definidas as linhas de atuação e as bandeiras de luta prioritárias do movimento. A atividade vem crescendo a cada edição, tendo reunido mil jovens na cidade Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul; e 3 mil em Cotia, no interior paulista.
Levante nas ruas: relembre três ações do movimento Escracho: é uma estratégia de luta inspirada nos “escraches” feitos em países como Argentina e Uruguai para denunciar a falta de justiça em relação aos torturadores da ditadura militar. No Brasil, a prática se ampliou e vem sendo usada também para dar visibilidade a casos de corrupção, preconceito, além de expor políticos que tem defendido o golpe parlamentar contra Dilma Rousseff. Lula Marques / AGPT
Cunha é alvo de “chuva de dólares”
Alvo de denúncias de corrupção, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), então presidente da Câmara Federal, foi surpreendido, em novembro de 2015, por uma chuva de dólares falsos que estampavam a foto dele.
Reprodução de vídeo
“Banho de glitter” no Bolsonaro
Jair Bolsonaro (PP-RJ), deputado conhecido por posições conservadoras, é alvo de escracho em Porto Alegre, no dia 26 de janeiro de 2016. O ato teve objetivo de denunciar a transfobia, a LGBTfobia, o machismo e o racismo do parlamentar.
Mídia NINJA
Escracho na casa de Michel Temer
Após aprovação do processo de impeachment, jovens do Levante fizeram ato, no dia 21 de abril deste ano, em frente à casa do então vice-presidente, Michel Temer (PMDB-SP). Rasgando a Constituição, os jovens denunciaram o golpe parlamentar em curso.