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Isis Medeiros
Minas Gerais
edição especial • novembro de 2016 • brasildefato.com.br • facebook.com/brasildefatomg • distribuição gratuita
365 dias de impunidade
Leandro Taques
Prestes a completar um ano, maior crime socioambiental da história do Brasil continua impune. Enquanto processos seguem sem continuidade na Justiça, moradores das comunidades atingidas vivem em péssimas condições e enfrentam descaso da Samarco (Vale/BHP). Empresa pretende, ainda, construir dique que pode enterrar de vez o distrito de Bento Rodrigues. Na próxima semana, atingidos e movimentos populares realizam grande marcha contra crime da Samarco. Ação começa no Espírito Santo e termina em Mariana, com ato no dia 5
ESPECIAL
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Belo Horizonte, novembro de 2016
Um ano de lama, um ano de luta NÃO FOI ACIDENTE Maior crime socioambiental da história do Brasil continua atingindo comunidades e segue impune Isis Medeiros
Eloá Magalhães O rompimento da barragem de rejeitos Fundão, da Samarco (de propriedade da Vale/BHP Billiton, as maiores mineradoras do mundo) no dia 5 de novembro de 2015, escancarou para o mundo a ferida aberta pela mineração em Minas Gerais. Foi o atual modelo minerador agressivo que provocou a maior tragédia socioambiental do Brasil, destruindo comunidades, matando pessoas e contaminando mais de 640 km de cursos d’água. Após um ano do crime, os responsáveis pela tragédia ainda estão impunes. Movimentos populares que atuam na região denunciam que uma série de direitos seguem sen-
Comunidades da Bacia sofrem até hoje com água contaminada
do violados. As comunidades atingidas de toda a Bacia do Rio Doce sofrem com a água contaminada, com as perdas de postos de trabalho, com a carência de informações e de indenizações. Isso sem falar na saudade, especialmente de quem morava no entorno da barragem e perdeu tudo. Justiça lenta Diversos processos foram movidos pelos atingidos, mas poucos foram para frente. Em agosto, a Justiça anulou um “acordão” entre os governos federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo com as mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton, em que elas pagariam apenas R$ 20 bilhões para a reparação social e ambiental da bacia. Além de sugerir um valor bem maior – R$ 155 bi – o Ministério Público Federal critica a ausência de participação dos atingidos na formulação do acordo. “Apesar da anulação, as empresas ignoram as decisões judiciais e seguem as
medidas propostas pelo acordo”, denuncia Maria do Carmo Silva Dangelo, atingida de Paracatu de Baixo e militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). A Funda-
“Acordão” previa apenas R$ 20 bilhões para reparação ção Renova, criada pela Samarco para tratar das reparações, tem escritórios em Mariana, Governador Valadares e Linhares, onde estariam sendo oferecidas “indenizações voluntárias” aos atingidos. Segundo Maria, o valor é estipulado por critérios da empresa e, se os atingidos não os aceitarem, são orientados a levar o processo à Justiça. “Isso exclui possibilidades de negociações coletivas, que em geral garantem mais direitos”, avalia.
Mineradoras impunes O Ministério Público Federal denunciou 22 pessoas e 4 empresas como responsáveis pelo crime, por terem conhecimento prévio dos riscos de rompimento da barragem. A Polícia Federal indiciou 8, mas ninguém foi julgado até hoje. As empresas “refutam” as acusações Por outro lado, atingidos sofrem perseguição judicial e policial por parte das mineradoras. Alguns militantes que participaram de mobilizações em defesa de seus direitos sofrem, inclusive, processos por parte da Vale S.A. Em Belo Oriente, por exemplo, alguns bairros chegavam a passar cinco dias por semana sem água. “Fizemos várias reuniões, mas a Samarco e a Vale não solucionavam o problema. Os atingidos ocuparam a ferrovia como último recurso de pressão”, explica Guilherme Camponêz, um dos processados. “Mas não podemos ter medo, porque só com muita mobilização e união entre os atingidos vamos conseguir um pouco de justiça por tudo que sofremos”, reforça.
Denunciados pelo MPF 22 pessoas e 4 empresas Responsáveis presos:
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(Fonte: MPF)
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Belo Horizonte, novembro de 2016
Tragédia em números • 40 milhões de m³ de rejeitos • 19 mortos / 1 aborto forçado • Mais de 1.600 desabrigados • 643 km de rios e 200 km de litoral contaminados • 14 toneladas de peixes mortos • 41 municípios atingidos
1 milhão de atingidos • Dificuldade de acesso à agua • Perda de postos de trabalho • Destruição de áreas agrícolas e pastos • Queda no turismo • Perdas culturais e espirituais • 9 aldeias indígenas impactadas
ESPECIAL
Marcha e ato político marcam um ano de mobilização
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ntre 31 de outubro e 5 de novembro, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) organiza uma grande marcha, que sairá de Regência, distrito de Linhares (ES), até chegar a Mariana (MG), para denunciar o descaso da mineradora com os pescadores, ribeirinhos, agricultores, mulheres e todos os atingidos dessas regiões. A marcha passará por Colatina e Mascarenhas, no Espírito Santo; Governador Valadares, Cachoeira Escura, Ipatinga, Rio Doce e Barra Longa, em Minas. No dia 2, será realizada uma missa de finados em homenagem aos 19 mortos da tragédia.
Encontro em Mariana Nos dias 3 e 4, o encontro em Mariana recebe atingidos da Bacia do Rio Doce e de diversas outras regiões do Brasil, entidades internacionais e lideranças religiosas para grandes plenárias e debates sobre as consequências do crime da Samarco (Vale/BHP) e os desafios organizativos e da luta na garantia por direitos.
Ato político No dia 5, quando se completa um ano da grande explosão de lama, será realizado um ato político em Mariana. Está prevista uma visita até Bento Rodrigues, primeiro lugar a ser devastado. No local, será realizado um Culto Ecumênico e Um Minuto de Sirene. Encerrando as atividades, haverá uma missa na cidade de Mariana.
Saúde em risco • Doenças respiratórias, de pele e contaminação por metais pesados • Estresse acumulado e sofrimento mental • Elevação nos níveis toleráveis de vários metais analisados, como arsênio, bário, chumbo, cobre, mercúrio, níquel e outros (Fontes: MPF, Ibama, Saúde Popular, MAB e Samarco)
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Apoio As atividades estão sendo organizadas pelos movimentos e atingidos, que abriram uma conta para quem quiser apoiar a iniciativa. Quem quiser apoiar, basta fazer um depósito em nome da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social.
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Belo Horizonte, novembro de 2016
“Somente com organização será possível reconstruir a vida de forma justa e duradoura” ATINGIDOS Militante do MAB fala sobre atuação das mineradoras, dos governos e das comunidades Isisi Medeiros
Joana Tavares
A nossa experiência de 25 anos prova isto.
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hiago Alves é militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), uma das organizações populares que atua junto aos atingidos desde o dia do rompimento da barragem. Nesta entrevista, ele conta sobre os impactos na lama na vida das pessoas e critica a exclusão dos atingidos nos processos de acordos entre governos e mineradoras. Brasil de Fato - Você mora em Barra Longa, um dos locais atingidos pelo rompimento da barragem. Qual foi o impacto disso na vida da cidade, das pessoas, na sua vida? Thiago Alves - Moramos atualmente dentro de um canteiro de obras, que chegou a abrigar mais de 650 trabalhadores para uma cidade de menos de 6 mil habitantes. Convivemos com a poeira, com o barulho e a sujeira de caminhões e máquinas que trabalham 24 horas por dia. Não temos nossos espaços coletivos de lazer e esporte. E perdemos a riqueza que era o rio Gualaxo e o rio Carmo limpos em meio a montanhas esverdeadas. Esses impactos trazem tristeza e causam doenças, deixando problemas sérios e de longo prazo para todos nós. Passado um ano, qual balanço o Movimento faz da atuação das mineradoras e do Estado de forma geral? A Vale e BHP Billiton, donas da Samarco, são as duas maiores mineradoras do mundo e demostram a cada dia o seu poder político e sua influência profunda no
Desde o dia da tragédia, mobilizações populares pressionam as mineradoras e os governos para respeitarem os direitos dos atingidos
“Os governantes são totalmente submissos às mineradoras” Estado brasileiro. O “acordão” que está sendo imposto aos atingidos é uma prova desta submissão dos governantes, que ignoram a vontade das famílias, inteiramente excluídas de todos os espaços de debate e decisão sobre como as criminosas vão reparar os danos que provocaram. Estamos vivendo um momento de retrocessos políticos e sociais no país. Como isso se relaciona com o crime da Samarco e com a situação dos atingidos? O golpe de Estado que estamos vivendo no Brasil representa para os atingidos um imenso retrocesso. Todas as leis ambientais que garantiam o mínimo de precaução em relação aos impactos ambientais e permitiam algum espaço de
debate público estão sendo enfraquecidas ou anuladas. A privatização crescente do setor elétrico, sobretudo das distribuidoras de energia, e a recusa de se criar uma política nacional que garanta os direitos dos atingidos vão aprofundar a violação de direitos e piorar a condição do acesso à energia elétrica no campo e na cidade. Toda a população do Brasil também é atingida duramente por este modelo e por este golpe. Muitas pessoas atingidas pelo rompimento da barragem tiveram seus direitos negados. Qual a importância de se atuar de forma coletiva e organizada? Como não existe legislação federal que garanta os direitos, somente se as famílias se organizarem , desde a base, e construírem o protagonismo popular, em especial das mulheres, será possível garantir indenização justa, reassentamentos e a reconstrução das condições de vida de forma digna, sustentável e duradoura. Não há outra saída.
Novo dique pode soterrar Bento Rodrigues Rafaella Dotta A área a ser alagada para a construção de um novo dique da Samarco – o dique S4 - corresponde a 55 propriedades e atinge patrimônios culturais como a Estrada Real, os vestígios de um muro arqueológico, um muro colonial e a Capela de São Bento, do século XVIII. Além disso, o dique impossibilita que se chegue ao distrito pela estrada convencional, que se tornou um “museu da tragédia”. “Permitir a construção do dique S4 é compactuar com esse crime contra uma comunidade que merece ter sua memória viva”, declara Lucimar Muniz , ex-moradora de Bento Rodrigues. Letícia Oliveira, integrante da coordenação do MAB, lembra que o dique S3 passou por alteamento – aumento do muro para aumentar a capacidade – e que o dique S4 corre perigo de sofrer o mesmo processo. “Se altear o dique S4, o que não é difícil, todo o Bento Rodrigues vai ficar embaixo d’água”, alerta.
EXPEDIENTE Esta edição especial é uma parceria do Brasil de Fato MG e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Contatos: (31) 3309 3314 / 3213 3983 / redacaomg@brasildefato.com.br secretariamabmg@gmail.com www.brasildefato.com.br // www.tragediaanunciada.com.br http://tragedianunciada.mabnacional.org.br