Edição 197 - Especial

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ESPECIAL

Minas Gerais

MG Belo Horizonte, setembro de 2019 • brasildefatomg.com.br • distribuição gratuita

OS RISCOS POR TRÁS DA PRIVATIZAÇÃO DA REGAP

O que é a Gabriel Passos Cheiro de enxofre e acidentes Grupo Total de olho na refinaria


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Belo Horizonte, 6 a 12 de setembro de 2019

Desfazer da Regap pode levar a aumento do desemprego e do preço do combustível PRIORIDADES Refinaria de Betim está no segundo grupo de lista de “desinvestimento” da Petrobras Tomaz Silva - Agência Brasil

Joana Tavares

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escoberta do pré-sal. Grampos ilegais envolvendo a presidenta do Brasil. Aumento do preço dos combustíveis e do gás de cozinha. São muitos os exemplos e indícios de que a Petrobras está no centro de muitas decisões e operações políticas dos últimos anos. Desde o governo golpista de Michel Temer, as tentativas de vender a empresa estão cada vez mais nítidas. Em abril de 2019, sob governo da extrema direita de Jair Bolsonaro, a empresa lançou comunicado de venda de oito refinarias. “Os desinvestimentos representam, aproximadamente, 50% da capacidade de refino nacional, totalizando 1,1 milhão de barris por dia de petróleo processado”, diz nota oficial da companhia. A primeira fase, que inclui a venda das refinarias Rnest (PE), Rlam (BA), Repar (PR), e Refap (RS), assim como seus ativos logísticos correspondentes, está em an-

damento. A segunda, que inclui as refinarias Regap (MG), Reman (AM), Six (PR) e Lubnor (CE) e ativos logísticos correspondentes, também de acordo com a nota, será divulgada ainda este ano. “Os desinvestimentos em refino estão alinhados à otimização de portfólio e à melhoria de alocação do capital da companhia, visando à maximização de valor para os nossos acionistas”, justifica a companhia. Segundo a Secretaria Municipal de Finanças, Plane-

O que é a Regap Minas Gerais abriga quatro unidades da Petrobras, sendo a maior delas a Refinaria Gabriel Passos (Regap), localizada em Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte. A planta completou 50 anos em 2018 e tem capacidade de processamento de 150 mil barris de petróleo por dia. Entre seus principais produtos estão a gasolina, diesel, combustível

marítimo, querosene de aviação, e outros. “A Regap produz cerca de 60% da capacidade de abastecimento do estado de Minas Gerais”, pontua Cloviomar Cararine, do Dieese. Além do estado, a unidade atende parte do mercado do Espírito Santo. Segundo estimativa do Dieese, a refinaria conta com 760 trabalhadores próprios e cerca de 1100 terceirizados.

jamento, Gestão, Orçamento e Obras Públicas de Betim, a Refinaria Gabriel Passos - Regap passa em média R$ 30 milhões por mês para o município. “Não há nenhum estudo específico sobre o impacto da privatização, mas a atual gestão acredita que, com a privatização, o recebimento de impostos será superior”, diz, em nota, a Prefeitura da cidade.

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Menos produção e menos emprego “O que a empresa, o governo e alguns especialistas de mercado têm comentado é que a privatização da refinaria teoricamente não mudaria nada: ela continuaria produzindo e pagando os impostos que já paga. A questão é que as empresas privadas costumam pedir isenção de impostos”, argumenta Felipe Pinheiro, diretor do Sindicato dos Petroleiros de Minas. Outra possível consequência da privatização levantada pelo dirigente sindical diz respeito à redução das atividades. “Uma empresa privada pode, em um determinado momento do ano, conforme o valor do preço do petróleo, decidir reduzir a produção ou mesmo não operar. Se a empresa for privatizada, a Re-

Vazamento de nafta na Refinaria Gabriel Passos (Regap), em Betim, matou cinco pessoas e deixou várias feridas

Explosão da P-36, maior plataforma de produção de petróleo em alto-mar à época, causando a morte de 11 pessoas na Bacia de Campos, no Rio de Janeiro

gap não tem mais necessariamente o interesse de abastecer o mercado de Minas e região. O interesse é lucro”, destaca. Com a diminuição da produção, os preços dos combustíveis podem aumentar, assim como o desemprego. Cloviomar Cararine, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), acrescenta que a privatização leva a mudanças na arrecação dos royalties, que podem ser até zerados. “O petróleo utilizado na produção da refinaria poderá ser importado e não produzido no Brasil”, exemplifica. A segurança do trabalho é outro fator que pode piorar com a venda da unidade para uma empresa privada. “Eles vão querer que a gente trabalhe com produção acima de tudo, inclusive da segurança, com risco de perder vidas”, diz Érica Nunes, que trabalha como operadora na Regap.

ACIDENTES GRAVES NA PETROBRAS Vazamento de 1,3 milhão de litros de óleo combustível nas águas da Baía de Guanabara (RJ)

Explosão do tanque de águas ácidas seguida de incêndio na Refinaria de Paulínia (Replan), a maior da Petrobras

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Sucatear para privatizar: velha fórmula é aplicada na Gabriel Passos DENÚNCIA Sindicato avalia que Petrobras tem reduzido os investimentos em manutenções, aumentando risco de acidentes Reprodução/Petrobras

Thaís Mota

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ntes mesmo do anúncio oficial da venda da Refinaria Gabriel Passos (Regap), a unidade já tem operado em condições bem abaixo das ideais. A denúncia é feita pelo Sindicato dos Petroleiros de Minas Gerais (Sindipetro/MG), que é taxativo ao afirmar que a unidade tem sido sucateada já com vistas à sua privatização. “Nos últimos anos, a Petrobras tem reduzido muito os investimentos em manutenções preventivas e isso tem levado a acidentes graves, alguns deles com potencial para se tornarem grandes tragédias”, alerta Alexandre Finamori, diretor do Sindipetro/MG e também da Federação Única dos Petroleiros (FUP).

Neste ano, moradores sofreram com forte cheiro de enxofre no entorno da refinaria Um desses casos ocorreu em 12 de junho deste ano, quando dois vazamentos de produtos inflamáveis ocorreram em uma mesma unidade da refinaria. Em um deles, houve um princípio de incêndio que foi rapidamente controlado, porém, ambos tinham grande potencial para provocar incêndios de maiores proporções ou até uma explosão. Também este ano, Finamori explica que o sindicato já denunciou mais de uma vez um vazamento de um

Dois vazamentos de produtos inflamáveis ocorreram em junho, em uma mesma unidade produto chamado dimetil dissulfeto. Esse vazamento estaria ocorrendo por más condições de acondicionamento do produto - que é altamente tóxico e, inclusive, teria provocado licença médica de um trabalhador. Esse mesmo vazamento motivou uma denúncia de moradores do entorno da refinaria, que em julho deste ano registraram cinco boletins de ocorrência em razão do forte odor do produto químico na região. “Era um cheiro tão forte, de enxofre, que provocava náuseas, dor de cabeça, secura na boca, nos olhos. Piorava de madrugada, entre 3h e 4h da manhã e a gente precisava sair de casa”, relata a advogada Verena Maria Marques da Silva, que, junto com um grupo de mais de 200 pessoas de bairros vizinhos à refinaria, buscou diversos órgãos para denunciar a situação, como o Ministério Público estadual e federal, Câmara de Vereadores, Polícia Militar e Ambiental. Segundo a advogada, o cheiro diminuiu após essa pressão, mas eles estudam entrar com outras ações para pedir reparação pelos danos. Perguntada sobre o assunto, a Petrobras não se manifestou.

E se a Petrobras se tornasse uma nova Vale? Reprodução/Sindipetro

Os crimes da Vale em Brumadinho e Mariana, além da ameaça de repetição em outras cidades mineiras, acenderam um alerta na sociedade brasileira sobre os riscos da privatização. Isso porque a iniciativa privada procura a maximização de lucros acima de qualquer coisa, inclusive da segurança de trabalhadores, do meio ambiente e da população. No caso da Regap, um documento ao qual o Brasil de Fato teve acesso traça alguns dos possíveis cenários de acidentes. Um dos piores deles seria a explosão de um tanque de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) - mais conhecido como gás de cozinha - atingindo até 1,5 quilômetro do local do acidente. Outro cenário traçado no documento é o de vazamento de gás combustível e sul-

Explosão na refinaria de Paulínia, em SP, em 2018

feto de hidrogênio (H²S) que levantaria uma nuvem tóxica que pode ser fatal. A contaminação pode chegar a um raio de até 2 quilômetros do local - atingindo comunidades no entorno da refinaria, como é o caso dos bairros Petrovale, Petrolina e Cascata, em Ibirité. Também há um cenário de rompimento de uma barragem de água - conhecida como Lagoa da Petrobrás

- mantida pela Regap para abastecimento da indústria. A represa tem capacidade para armazenar 20 milhões de metros cúbicos de água e, em caso de queda, atingiria os municípios de Betim, Mário Campos, Sarzedo, São Joaquim de Bicas. Em alguns deles, como é o caso de Mário Campos e Sarzedo, a água poderia atingir mais de 500 residências em cada uma das cidades.


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Venda de partes da Petrobras vai na contramão das tendências do mercado INTERESSES Grandes petrolíferas têm atuado em todos os ramos do petróleo, enquanto governo defende “enxugamento” Reprodução

Wallace Oliveira

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o declarar, no mês de julho, o interesse na venda da Regap e de outras refinarias, o presidente da Petrobras, Roberto Castelo Branco, disse haver interessados potenciais na aquisição das unidades. Analistas sugerem que um grande comprador da unidade de Minas Gerais, a Regap, pode ser o grupo Total S.A., presente em 130 países e com sede na França. Os negócios do grupo abrangem toda a cadeia do petróleo: exploração, produção, prospecção, refinamento, distribuição, trading e transporte marítimo. Em novembro de 2018, o grupo Total ingressou na distribuição de combustíveis no sudeste brasileiro, ao adquirir por R$ 500 mi-

lhões a Zema Petróleo, a Zema Diesel e a Zema Importação, pertencentes ao hoje governador de Minas, Romeu Zema (Novo). Em 2014, a Zema, agora propriedade do grupo Total, iniciou operações juntamente com outras três distribuidoras, no Condomínio RBZ, que possui ligação direta com a Regap. Verticalização A presidência da Petrobras alega que, ao vender as refinarias, vai poder se concentrar na exploração e produção de petróleo e gás, abrindo mão de outras áreas, como o refino, transporte e distribuição, tornando a empresa “enxuta”, com menos investimentos e menos trabalhadores empregados. Segundo o economista Rodrigo Leão, diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural

Rede Total, da França, adquiriu no ano passado os postos Zema e é um dos interessados na compra da Regap

e Biocombustíveis (Ineep), essa ideia vai na contramão do que têm feito as grandes petrolíferas em todo o mundo. Elas buscam atuar verticalmente, desde a retirada do petróleo do mar ou terra até a venda de derivados. Em primeiro lugar, as petrolíferas fazem isso para aumentar o potencial de acu-

mulação de capital. “À medida em que avança dentro da cadeia petrolífera, você está agregando valor aos produtos. Gasolina, diesel e outros derivados custam mais caro que o petróleo cru”, explica. Ainda segundo o economista, no setor petroquímico, algumas áreas são mais sensíveis do que outras a flu-

tuações nos preços e demandas. “É preciso atuar em todos os segmentos para ter flexibilidade. Isso pode ajudar a sofrer menos com mudanças no mercado. Hoje, a Petrobras está desconsiderando esses aspectos e fazendo uma aposta de alto risco no preço do petróleo em um patamar x, ficando só na área de extração”, adverte.

Redução da dívida poderia ser feita de outro modo José CruzAgência Brasil

Durante o governo de Dilma Rousseff (PT), a dívida da Petrobras cresceu consideravelmente. Entre os fatores que levaram a um maior endividamento, está o fato de que mais de 80% da dívida está cotada em moeda estrangeira, sobretudo o dólar, que passou de R$ 1,56 em 2011 para R$ 3,97 em 2015. Além disso, houve uma queda razoável no preço do barril. Ademais, a Petrobras também fez grandes investimentos para viabilizar o pré-sal e adotou uma política de preços que gerou certo ônus para a empresa, mas proporcionou combustíveis mais ba-

“Não existe nada inegociável, tudo depende do preço”, disse presidente da Petrobras escolhido por Bolsonaro, Castello Branco

ratos para a população. Desde a gestão de Pedro Parente, no governo Temer (MDB), seguido por Castello Branco, no governo Bolsonaro (PSL), alega-se que a fórmula para diminuir a dívida no curto prazo é vender ativos, entre os quais as refina-

rias. Porém, se com Parente predominou a estratégia de priorizar o lucro dos acionistas da Petrobras - o que envolveu uma política de preços que encareceu o gás, a gasolina e diesel para os brasileiros - atualmente, a estatal é reduzida a mero fundo

financeiro para captar receitas. Para o economista Rodrigo Leão, há sérios equívocos nessa política de redução da dívida no curto prazo. “O processo de redução de dívida pode acontecer de maneira mais suave do que vem ocorrendo.

O problema é que a Petrobras decidiu reduzir essa relação muito rápido, em três anos. Para fazer isso, você tem que vender um volume de ativos para gerar receita”, observa. O governo teria alternativas mais racionais do que abrir mão de segmentos importantes. “Há instrumentos públicos como os bancos para financiamento, sem necessidade de vender ativos”, aponta.

Confira os especiais: Privatização da Petrobras aumenta preço da gasolina e gás de cozinha: -tinyurl.com/y38osrdu Com alta dos combustíveis, preço dos alimentos disparam - tinyurl.com/y572qkjm


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