Nilmar Lage
ESPECIAL
Minas Gerais
MG
Belo Horizonte, novembro de 2019 • brasildefato.com.br • distribuição gratuita
Energia nova no Vale Conta de luz pode ficar mais cara no campo Usina fotovoltaica será pioneira em tecnologia Projeto envolve comunidades do Jequitinhona e do Rio Pardo Depoimentos de quem vive a novidade
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ESPECIAL
Belo Horizonte, 22 a 28 de novembro de 2019
Conta de luz das residências rurais pode aumentar quase R$ 500 nos próximos cinco anos ENERGIA Medida de Temer, mantida por Bolsonaro, acaba progressivamente com os descontos Divulgação/MME
BAIXA RENDA NA MIRA DO GOVERNO
Larissa Costa A conta de luz dos produtores da agricultura familiar pode aumentar quase R$ 500 nos próximos cinco anos, como demonstram estudos realizados pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). No início deste ano, entrou em vigor o decreto 9.642/2018 que acaba progressivamente com o subsídio na energia elétrica das residências rurais. Segundo o movimento, cerca de 4,46 milhões de famílias de agricultores serão prejudicadas e mais de R$ 2 bilhões serão acrescidos aos cofres das empresas do setor elétrico. Aline Ruas, integrante do MAB,
avalia que o fim do subsídio rural pode causar um problema grave, pois pode prejudicar a produção agrícola. “O corte pode levar à saída do povo do campo. Como as famílias vão garantir a produção de alimentos com a energia caríssima?”, questiona. Dados de 2017, da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Sead), apontam que a agricultura familiar é responsável por 70% do que se consome no país. História A estratégia de acabar com os subsídios para a população camponesa iniciou com o impeachment que derrubou a então presiden-
O Brasil de Fato circula semanalmente com edições regionais, em quatro estados. Queremos contribuir no debate de ideias e na análise dos fatos do ponto de vista da necessidade de mudanças sociais em nosso país e no nosso estado. Este especial é uma parceria do Brasil de Fato MG com o Projeto Veredas Sol e Lares.
ta Dilma Rousseff (PT). Após o golpe, para aumentar suas taxas de lucro, os empresários do setor elétrico entregaram uma pauta ao governo Temer cobrando o fim do subsídio rural e da tarifa social, aplicada a famílias de baixa renda. O desconto aos consumidores rurais está garantido por meio do decreto nº 7.891, de 23 de janeiro de 2013. A lei garantia descontos – que são os subsídios – nas tarifas enquadradas como “classe rural”. Essa categoria possui vários grupos de consumidores, que incluem residências rurais, serviço público de irrigação, cooperativa de eletrificação rural e serviço público de água, esgoto e saneamento. Os descontos finais na
conta de luz variavam entre 15% e 40%. A mudança que acaba com os descontos aconteceu por meio do decreto nº 9.642/2018, que foi assinado pelo golpista Michel Temer (PMDB). Logo no começo deste ano, o governo de Jair Bolsonaro (PSL) lançou um novo decreto, de nº 9.744/2019 mantendo a decisão.
Como as famílias vão garantir a produção de alimentos com a energia caríssima?”
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Apesar de não haver nenhuma medida que acabe com a tarifa social, Aline afirma que esse direito também pode ser retirado da população no próximo período. “Existe uma necessidade do campo e da cidade se unirem para garantir e entender que o acesso à energia é um direito, que a tarifa social se constituiu como um direito a partir das lutas do povo, assim como o subsídio rural”, afirma.
O QUE É A TARIFA SOCIAL A tarifa social de energia é um desconto para famílias de baixa renda inscritas no Cadastro Único ou pessoas que recebem o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC) e varia de 10% a 65%.
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“Projeto é uma conquista da luta dos atingidos e atingidas pelas barragens” UNIÃO Universidade, jovens do Vale do Jequitinhonha e movimento popular inovam na construção de desenvolvimento Nilmar Lage
Amélia Gomes
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econhecer o território, a partir do olhar de quem vive na região. Esse é o objetivo do diagnóstico que está sendo desenvolvido em conjunto por moradores/pesquisadores de 77 comunidades das microrregiões de Baixo Jequitinhonha, Araçuaí, Chapada do Norte, Rio Pardo e Grão Mogol e pesquisadores do projeto Veredas Sol e Lares. Nesta entrevista, Aline Weber, Elisiane Jahn e Natália Faria de Moura, da coordenação da pesquisa social, explicam o que já descobriram até aqui e dão detalhes sobre a metodologia. Como a pesquisa tem envolvido as pessoas? Os jovens envolvidos no projeto estão se construindo para se tornarem pesquisadores populares, num bonito e desafiador processo que envolve estudo, qualificação técnica, pesquisa, escrita, análise da realidade e a participação em eventos científicos, com publicação de trabalhos e artigos. Relatos indicam que o principal aprendizado até agora, para os jovens, foi ver a realidade em que estão inseridos com outro olhar e perceber os problemas que vivenciam de outra forma. Qual a realidade encontrada neste um ano de pesquisa? A pesquisa social nesses territórios tem como premissa ser feita de dentro desse contexto, com pesquisadores dos próprios municípios ou comunidades, como protagonistas no processo de estudar e conhecer a realidade
Nilmar Lage
vivida. Em relação aos problemas, identificou-se um agravamento na situação da falta de água, principalmente para consumo humano, em comunidades urbanas e rurais. Outro problema foi a baixa qualidade de energia elétrica, que às vezes é insuficiente para atender à demanda doméstica ou produtiva das unidades consumidoras e outras vezes passa por cobranças indevidas na conta de luz. Estas questões têm relações com o processo histórico de ocupação da região e do papel margi-
Há um agravamento na falta de água, principalmente para consumo humano, em comunidades urbanas e rurais
gligenciadas, e outros. Além da mineração, outros grandes projetos que ameaçam a região são a monocultura de eucalipto e bananal (que secam as nascentes e rios) e as barragens de água e rejeitos (que impactam de forma direta as pessoas que residem próximas das áreas de construção). Outra questão é a limitação das políticas públicas em atender à especificidade da realidade das comunidades.
nal atribuído aos povos e comunidades, muitas delas tradicionais.
Existe algum projeto parecido no Brasil? Por envolver um conjunto de ações e de atores, o projeto pode ser compreendido como uma proposta inovadora de pesquisa e desenvolvimento tecnológico (P&D), no âmbito da produção energética, por meio de uma proposta de trabalho de caráter popular. Ao mesmo tempo, insere-se como perspectiva inédita de cooperação. Essa parceria só foi possível porque o projeto é uma conquista da luta dos atingidos e atingidas pelas barragens de Minas Gerais e vem sendo acompanhada pelo seu principal interlocutor, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
Além da água, o que mais vocês perceberam como problema? Outra realidade grave é a expropriação, com um “encurralamento” das comunidades e famílias em pequenas áreas, para implantação de grandes projetos de mineração. Percebemos o desrespeito às comunidades, aos ritos legais como consultas prévias a comunidades tradicionais, promessas nunca cumpridas, informações ne-
Quais os principais desafios que vocês enxergam neste momento do projeto? O desafio que se coloca, para o próximo período, além da produção de dados e da construção dos modelos de negócios e novos marcos regulatórios, é que além de energia - objeto central da ação -, esse projeto produza água (necessidade concreta da região), organização das famílias e comunidades,
Mineração, barragens, monocultura de eucalipto e de bananal impactam a região
para a resistência e permanência, com reprodução da cultura e valores dos povos camponeses e tradicionais.
O principal aprendizado até agora é perceber que os jovens estão vendo sua realidade com outro olhar
O QUE É O PROJETO
O projeto de pesquisa e desenvolvimento Veredas Sol e Lares tem como objetivo a instalação de uma usina híbrida – que usa duas formas diferentes para gerar energia – em Grão Mogol, no Vale do Jequitinhonha. Na Pequena Central Hidrelétrica (PCH) Santa Marta, será construída uma usina de geração fotovoltaica, conhecida popularmente como placa de energia solar. O Veredas atua em comunidades de 21 municípios do Vale do Jequitinhonha e do Vale do Rio Pardo desde 2018. Até hoje, foram realizadas 184 atividades, com o envolvimento de mais de 2700 pessoas. Pelos próximos dois anos, as ações continuarão mobilizando e buscando a participação popular no debate sobre acesso à energia e desenvolvimento regional.
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Veredas proporciona inovação técnica, social e ambiental na geração e distribuição de energia SEMIÁRIDO Uma das novidades é a instalação de sistema fotovoltaico sobre a água de reservatório Nilmar Lage
ATÉ HOJE, O QUE VOCÊ APRENDEU COM O PROJETO? “A minha comunidade faz parte do projeto Veredas, que vem esclarecendo todas as nossas dúvidas em relação ao direito à energia. Tivemos conhecimento do desconto da tarifa quilombola, que a gente não sabia que existia. A gente vinha pagando um valor exorbitante nas contas de energia elétrica. Hoje, já começamos a ver a diferença a cada mês no valor a ser pago e logo teremos acesso a uma energia bem mais barata, porque energia também é um direito” Rosana Santos,
DA COMUNIDADE QUILOM-
BOLA BAÚ, LOCALIZADA EM ARAÇUAÍ, NO VALE DO JEQUITINHONHA.
Wallace Oliveira
U
m dos principais focos do projeto Veredas é a instalação de um sistema com módulos fotovoltaicos sobre uma estrutura que vai flutuar na água do reservatório da Hidrelétrica de Santa Marta, em Grão Mogol, no Norte de Minas. Nessa estrutura de placas sobre o espelho d’água, a usinar vai gerar energia elétrica a partir de energia solar, conduzir a energia elétrica para uma estrutura de potência em terra firme, transformá-la e conectá-la a uma rede de distribuição da Cemig para atender a 1250 famílias atingidas por barragens, em 21 municípios do semiárido mineiro. O lugar foi escolhido, entre outros motivos, por contar com uma estrutura de baixa potência já construída, com valor depreciado e já amortizado. “A ideia é utilizar a própria estrutu-
ra da Usina de Santa Marta, que está ociosa, reduzindo o custo da energia produzida. Onde já temos 2 mil quilowatts instalados, vamos colocar facilmente, no espelho d’água, mais de 5 mega”, explica Dênio Alves Cassini, mestre em engenharia mecânica com foco em sistemas fotovoltaicos. Luiz Henrique Shikasho, coordenador de projetos da Aedas – Associação Estadual de Defesa Ambiental, também aponta como vantagem o posicionamento favorável do semiárido quanto à irradiação solar. “É uma região inserida de maneira favorável no mapa que mede os pontos para geração de energia solar. Isso pode servir como um indutor de desenvolvimento do Vale do Jequitinhonha”, acrescenta. Inovações O projeto traz algumas inovações tecnológicas e ambientais. O engenhei-
ro Dennio Cassini destaca a criação de um tipo de software exclusivo para gerir e operar uma usina solar fotovoltaica. Outra inovação é o envolvimento dos usuários da energia na gestão eficiente do processo. “Serão capacitados alguns usuários como multiplicadores. Na medida em que se economiza, é possível trazer mais pessoas para o projeto sem ter que alterar a capacidade da usina”, destaca. O engenheiro elétrico Leonardo Perera, gerente da Creral - Cooperativa de Geração de Energia e Desenvolvimento, elenca ganhos do ponto de vista ambiental. “Os módulos fotovoltaicos não utilizam área de solo, que pode servir para lavoura e gado e também eliminam a necessidade de corte de vegetação. Outro beneficio é a redução na evaporação da água de lagos e reservatórios”, pontua.
“Até o momento, o projeto trouxe informações sobre o consumo de energia e como buscar o direito de uma energia mais barata. Nas reuniões, nos ensinam a fazer leitura das tarifas que estamos pagando e orientam sobre como buscar nossos direitos. Com o projeto Veredas concluído, vai ter uma grande mudança na minha vida, com uma energia com menor custo, uma energia limpa. E ajuda também a comunidade, porque está sendo construído com a participação do povo, assim podemos nos sentir donos do projeto. Esse pode ser um modelo para a região” Lucas Alves, MORADOR DA COMUNIDADE TESOURAS, LOCALIZADA EM ARAÇUAÍ
“Sabemos que a energia é fundamental para o nosso desenvolvimento econômico e social. Mas o simples consumo de energia elétrica nos impossibilita de ter essa melhoria pelo alto preço das taxas e a péssima qualidade que chega até nossas casas. O Veredas é um projeto inovador, que nos permite apropriar desse conhecimento com os pesquisadores na nossa comunidade e nos traz uma esperança de energia de qualidade e baixo custo. Nós, atingidos por barragens, vamos ter a oportunidade de nos desenvolver, com o uso da energia para produzir alimentos sem agrotóxicos e sem medo da conta de luz no fim do mês” Andrea Santana,
MORADORA DA COMUNI-
DADE MUSELO, EM INDAIABIRA