Edição 320 - Especial 30 dias de Greve da Educação

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MG Minas Gerais

Belo Horizonte, março • edição especial • brasildefatomg.com.br • distribuição gratuita Isis Medeiros / SINDE-UTE / MG

30 DIAS DE GREVE DA EDUCAÇÃO ENTENDENDO A LEI

ZEMA EXCLUI SERVIDORES

SEM SALÁRIO

FORA DA ESCOLA

Deputada afirma que haverá pressão para derrubada do veto do governador à emenda

Grevistas cobram extensão do reajuste a todas as categorias e pedem pagamento do Piso

Professores da ativa e aposentados até hoje com 13º e pagamento parcelados

Mudanças na matrícula deixam crianças sem vaga; famílias defendem paralisação


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ESPECIAL

Belo Horizonte, março de 2020

Em greve, professores convocam categoria para pressionar deputados a derrubar vetos de Zema POLÍTICA Governador vetou artigos da Lei 24.553 e deixou 80% dos servidores estaduais sem reajustes Comunicação /Sind-UTE / MG

Rafaella Dotta

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a noite de quarta-feira (11), o governador Romeu Zema (Novo) divulgou que sua decisão sobre a Lei 24.553, do reajuste dos servidores, foi a sanção do reajuste de 13% apenas para a segurança pública. Inicialmente, o projeto falava em 41,7% até 2022. “Todos os demais foram vetados, incluindo a emenda que estende o reajuste a outras categorias”, confirma a nota do governo. Romeu Zema justifica que a emenda número 2, que estendia o reajuste às outras 15 categorias do funcionalismo estadual, foi ve-

tada pelo “impacto financeiro que não condiz com a crise econômica enfrentada pelo Estado”. Ainda afirma que a proposta é inconstitucional. Crise política A decisão do governador gerou problemas até mesmo dentro de seu círculo mais próximo. No mesmo dia, o vice-governador, Paulo Brant, declarou sua saída do Partido Novo, afirmando que a sigla “tem escolhido manter-se à margem das coalizões, com o intuito principal de zelar pelo seu programa partidário”. Para Brant, isso tem atrapalha-

O jornal Brasil de Fato circula semanalmente. Queremos contribuir no debate de ideias e na análise dos fatos do ponto de vista da necessidade de mudanças sociais em nosso país e no nosso estado. Editora: Joana Tavares (Mtb 10140/MG). Diagramação: Tiago de Macedo Rodrigues. Tiragem: 40 mil exemplares.

do as ações do governo estadual. Quase no mesmo momento, o Secretário de Governo, Bilac Pinto (PL), saiu do cargo alegando que entende as razões do governador para o veto, mas “isto me tirou as condições de continuar a conduzir as negociações com o parlamento estadual”. Em seu lugar entra o empresário Igor Eto, empresário de 27 anos, que é alvo de inquérito do Ministério Público de MG e ocupava a Secretaria Geral de Estado. Professores continuam a pressionar Com os vetos de Zema, a Lei 24.553 volta à Assem-

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bleia Legislativa, onde os deputados estaduais podem decidir por manter os vetos ou derrubá-los. No caso de serem derrubados, a lei é enviada ao governador apenas para ser promulgada, ou seja, ele não terá o direito de mudá-la. Se o governador se recusar a promulgar a lei, o presidente da Assembleia Legislativa pode promulgá-la em seu lugar. O Sindicato Único dos Trabalhadores da Educação (Sind-UTE/MG) realizou uma assembleia na quinta (12), em Belo Horizonte, em que as professoras e professores mantiveram a greve por tempo indeterminado. Eles estão parados desde 11 de fevereiro. Diante do novo cenário, realizarão ainda uma série de ações para pressionar os deputados a derrubarem os vetos de Zema.

MANIFESTAÇÕES EM MG Ao longo da semana, professores e professoras da rede estadual, em greve desde o dia 11 de fevereiro, realizaram protestos em todas as regiões do estado cobrando o cumprimento da lei do Piso Salarial e a solução para os os problemas das matrículas. Foram realizadas diversas audiências públicas sobre o tema na ALMG e em cidades do interior.

PAGAMENTO PARCELADO Raíssa Lopes “Tive que cancelar até um reparo na minha casa, que depois da chuva deu infiltração”, conta o professor Adilson José de Oliveira, que trabalha há 26 anos na rede estadual de ensino. Até este momento, março de 2020, ele é um dos muitos trabalhadores da educação que ainda não viram a cor do dinheiro. De acordo com o SindUTE-MG, cerca de 22% dos servidores estão na mesma situação.

Bola de neve de dívidas

Imagine ter uma conta que vence no dia 10 e receber a primeira parcela do pagamento no dia 11. Imagine não saber ao certo o dia que irá receber a segunda parcela, que usará para liquidar os próximos boletos. E os juros só aumentam. Isso acontece todo mês com servidores como a professora aposentada Ana Lúcia Moreira, de 75 anos. Ela trabalhou em dois cargos por 30 anos e se aposentou há 27. “Tenho que continuar fazendo outras coisas pra complementar a renda. Na idade em que eu estou, ainda tenho que passar por isso”, critica. Na quinta, Zema anunciou o pagamento do 13º para quem recebe entre R$2.500 e R$ 3.000. O pagamento deve ser feito até o dia 16 de março.


Belo Horizonte, março de 2020

ESPECIAL

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Como você avalia Milhares de estudantes dificuldades para ainda não conseguiram se as matricular seus filhos? matricular na rede estadual Pais e mães comentam situação da rede MUNICIPALIZAÇÃO Governo de Minas criou novo sistema de matrículas, que não garantiu vagas para todos no início do ano

Henrique Chendes

Isabela Rodrigues é uma das crianças que estava sem vaga. Ela compareceu à audiência sobre o tema na ALMG

Wallace Oliveira O ano letivo na rede estadual de ensino de Minas Gerais já começou há mais de um mês. No fim de fevereiro, 120.864 alunos não tinham conseguido se matricular, segundo a promotora de Justiça de Defesa da Educação, Carla Maria de Carvalho. O Ministério Público ajuizou uma ação civil cobrando solução. De acordo com a própria Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais (SEE-MG), há estudantes sem vaga em 26 cidades mineiras. As prefeituras têm até o dia 16 de março para informar ao governo de Minas os problemas com matrículas. No mês passado, a Prefeitura de Belo Horizonte apresentou uma lista com 2.715 nomes de alunos sem vagas no sistema, só na capital. De acordo com a gestora Patrícia de Sá Freitas, assessora da SEE, 217 nomes dessa lista eram duplicados e 369 já haviam conseguido matrícula, mas 2.129 ainda demandam solução. Ela disse que a secretaria estadual tem até sexta-feira (13) para apresentar uma saída para o problema na capital.

Com sistema novo, ficou pior Nos anos anteriores a Zema, os estudantes eram matriculados de forma automática, enquanto os novos alunos, que vinham de outra escola ou que ingressavam na rede, eram inscritos na própria escola. Em novembro de 2019, por meio da resolução 4.231/2019, o governo criou um sistema que requer pré-matrícula pela internet, com indicação de três unidades de sua prefe-

De acordo com a própria Secretaria de Educação, há estudantes sem vaga em 26 cidades mineiras rência. Depois, seria preciso confirmar a vaga e concluir o processo de matrícula entre 6 e 20 de janeiro de 2020, na própria escola. Para o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG), o processo de matrículas piorou porque o novo sistema tira a autonomia das escolas, que es-

tão mais próximas da realidade das comunidades, e centraliza em um sistema informatizado. “O governo tem dificuldades de reconhecer que deu errado. Existem crianças fora da escola e, até agora, a Secretaria não deu demonstrações de que vai solucionar o problema. As escolas precisam ter autonomia para matricular e de maneira presencial. As comunidades sabem aonde ir e o procedimento a ser tomado. Por isso, não tínhamos esses problemas nos anos anteriores”, avalia a professora Denise Romano, coordenadora-geral do Sind-UTE. Para a deputada Beatriz Cerqueira (PT), a mudança no sistema está a serviço de um projeto do governo de Minas, de retirada da rede estadual, responsável pela maioria das matrículas do ensino fundamental, com a total municipalização desse nível. “Por que teve o problema em Belo Horizonte? Porque estado e município não conversaram. A porta fechada aconteceu no ano passado, no plano de atendimento”, critica.

estadual de educação e o que acham da greve Aníbal Gonçalves Auxiliar de limpeza “Eu estou desesperado porque já estamos no mês de março e até agora nada. Eu não sei mais o que fazer porque ele [meu filho] não pode ficar sem escola” O filho mais velho de Aníbal foi uma das milhares de crianças que ficaram fora da escola por causa do novo sistema de matrículas. Por ter dificuldade de usar a internet, o auxiliar de limpeza não conseguiu realizar a pré-matrícula do filho, em 2019. Quando saíram as vagas remanescentes, Aníbal procurou as duas escolas próximas de casa. E a resposta foi a pior de todas: não temos vagas. Ir às escolas para verificar se houve alguma desistência de aluno é rotina na vida do pai desde então.

Camilla Müller

Assessora jurídica “Educação é poder e é isso que eles querem tirar de nós. Querem tirar a oportunidade de todos terem um ensino de qualidade. E a única possibilidade de mudança é com a luta dos trabalhadores” Para conseguir matricular a filha no primeiro ano do ensino médio, a assessora jurídica teve que fazer praticamente uma via sacra pela capital. As duas escolas marcadas como preferenciais para a filha não foram levadas em conta na hora de designar a vaga da estudante. Após percorrer diversas instituições, Camilla conseguiu uma vaga na Escola Estadual Caetano Azeredo, no Barro Preto. A mãe denuncia que a instituição está em situação de calamidade. A sala está interditada porque o teto desabou e os alunos estão tendo aula no auditório. Também faltam itens básicos, como papel higiênico. Sheila Monteiro Gerente administrativa “Nós, enquanto pais, deveríamos estar junto dos professores, porque nós queremos os nossos filhos nas escolas, mas queremos um ensino com dignidade para todos” Para garantir vaga para os dois filhos, Sheila e o marido percorreram diversas escolas. Nas passagens, presenciaram situações em que pais e mães dormiam na fila para tentar garantir uma vaga para os filhos. A cena fez ela se lembrar do tempo em que era criança e que sua avó também dormia na porta das escolas para garantir vaga para ela e seus irmãos.


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Belo Horizonte, março de 2020

“Começaremos a campanha de unidade para derrubar todos os vetos do governador”, diz deputada ISONOMIA Beatriz Cerqueira (PT), uma das autoras da emenda que pedia reajuste para todo o funcionalismo, fala sobre a relação com o governo estadual Clarissa Barçante

Rafaella Dotta

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ano dos deputados estaduais de Minas Gerais começou quente. O governador Romeu Zema (Novo) enviou para a casa o Projeto de Lei 1.451, que previa reajuste salarial a apenas uma categoria dos servidores públicos, os trabalhadores da segurança, com reajuste previsto de 41%. Uma emenda aprovada por 47 deputados mudou o cenário, e a lei passou a prever o reajuste de todos os funcionários públicos ligados ao estado. Houve muita pressão para que o governador sancionasse o novo texto, mas, na quarta (11) ele vetou a extensão do reajuste para outras categorias e diminuiu o aumento da segurança, prevendo o reajuste de 13%. Agora, entidades sindicais pressionam os deputados para que mudem a lei que exclui a grande maioria dos servidores públicos do estado. Brasil de Fato – Como era a emenda ao Projeto de Lei 1.451? O que ela previa? Beatriz Cerqueira Importante lembrar que a emenda não alterava em nada a negociação que o governador já tinha feito com a segurança públi-

O governador Zema não conversa

O governador excluiu da sua proposta de política remuneratória mais de 80% do funcionalismo público estadual estaduais] e derrubar todos os vetos do governador em relação à política remuneratória: a parte que ele trouxe a essa casa e não manteve sua palavra [reajuste da segurança pública], e a parte que nós trabalhamos e incluímos. Não é a Assembleia Legislativa que irá excluir aqueles com quem o governador não teve condições políticas de conduzir uma boa negociação.

Agenda do governo para o ano é de retirada de diretos ca. Tentaram jogar servidor contra servidor ou servidor contra a assembleia, mas são questões que não procedem. Todo o assunto da segurança pública foi preservado na emenda, tal como o governo enviou para a Assembleia Legislativa, mas não seria correto não termos sido portavoz da maioria do funcionalismo que o governador excluiu.

Quem são os excluídos do projeto de lei de Romeu Zema? O governador excluiu da sua proposta de política remuneratória mais de 80% do funcionalismo público estadual. Todos os servidores públicos têm perda inflacionária nos seus salários. Algumas carreiras têm vencimento básico inferior ao salário mínimo, outras têm políticas específicas como o Piso Salarial da Educação, que não está sendo cumprido. As carreiras do ensino superior e do meio ambiente têm acordos judiciais homologados, e que o governo não está cumprindo.

Essas categorias conseguiram negociar com o governo? As entidades sindicais procuraram o governo desde o ano passado para a negociação de suas pautas e o governo não avançou no diálogo. O governador Zema não conversa. Ele poderia ter dialogado com a casa, dialogado com as entidades que representam cada um desses setores do funcionalismo, mas optou por um processo estranhíssimo de omissão. Com o veto de Zema, quais são os próximos passos? Nós começaremos a campanha para ter a unidade necessária [entre os deputados

Entendendo a lei O Projeto de Lei 1.451 se transformou na Lei 24.553, depois de aprovada pelos deputados estaduais, e foi entregue em 20 de fevereiro a Romeu Zema. Em 11 de março, o governador sancionou apenas o artigo que concede 13% de reajuste à segurança pública, diminuindo o aumento inicialmente acordado e deixando os demais servidores de fora.


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