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Minas Gerais
abril de 2017 • edição especial • brasildefato.com.br • facebook.com/brasildefatomg • distribuição gratuita
A Previdência não está quebrada Governo não eleito de Temer (PMDB) quer aprovar, até maio, a proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287, maior golpe contra o sistema da Seguridade Social em toda a história do Brasil. Trabalhadoras e trabalhadores, no campo e na cidade, serão os mais prejudicados. Entre as mudanças, a medida aumenta a idade e o tempo mínimo de contribuição, com a justificativa de déficit nas contas. Mas não é isso o que os números dizem: eles apontam uma diferença entre arrecadação e despesa que beirava os R$ 20 bilhões em 2015. Contra a farsa, manifestações reúnem milhões de pessoas em todos os estados do país.
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ESPECIAL
Belo Horizonte, abril de 2017
Mulheres serão mais prejudicadas com a reforma da Previdência DESIGUALDADE Ao igualar o tempo de contribuição, medida ignora que mulheres trabalham 6 horas a mais por semana que os homens Sumaia Villela / Agência Brasil
Da redação
O
desmonte da Previdência, previsto caso haja a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287, é ainda mais perverso quando se trata das trabalhadoras urbanas, rurais, professoras, negras e idosas. Essa avaliação é realizada por especialistas que afirmam que a medida despreza as desigualdades de gênero, raça e regionais, ao elevar a idade de aposentadoria de 60 para 65 anos, igualando aos homens. “Todos os trabalhadores sairão perdendo com essa reforma, mas nós mulheres, vamos perder ainda mais, porque querem anular o diferencial de tempo de contribuição entre homens e mulheres. Isso significa ignorar toda a luta em torno
do reconhecimento da dupla e até mesmo tripla jornada de trabalho das mulheres, no trabalho doméstico e de cuidados”, afirma Bernadete Monteiro, da Marcha Mundial das Mulheres. Marilane Oliveira Teixeira, assessora sindical e pesquisadora na área de relações de trabalho e gênero da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que aumentar o tempo de trabalho e contribuição é “absurdo”. “As mulheres continuam trabalhando o dobro na comparação com os homens. As mulheres trabalham em média 21 horas por semana e os homens 10h. E somando com o tra-
balho remunerado, as mulheres trabalham 58 horas por semana e os homens 52, ou seja, as mulheres continuam trabalhando seis horas a mais que os homens por semana”, explica Marilane. Falsos argumentos Entre os argumentos utilizados pelo governo não eleito de Michel Temer para a
aprovação da reforma da Previdência, estão o aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho e a redução da diferença salarial entre homens e mulheres. Marilane aponta que a realidade é outra. “Não cresceu tanto assim a participação das mulheres no mercado de trabalho – praticamente estacionou em torno de 42%. A diferença salarial reduziu muito pouco no último período e, em relação aos salários maiores, essa diferença aumentou. A diferença se deu principalmente pela valorização do salário mínimo, mas agora, com ele parando de valorizar, começa a aumentar o fosso entre as mulheres e homens de rendimentos menores”, destaca a pesquisadora.
Debaixo de sol e chuva até os 65
RURAL Temer quer forçar a equiparação entre campo e cidade
Reprodução
Wallace Oliveira
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a regra atual, as trabalhadoras do campo podem se aposentar, recebendo o benefício integral, aos 55 anos, enquanto os trabalhadores se aposentam aos 60. Isso acontece porque, em geral, essas pessoas começam a trabalhar ainda na infância. Além disso, o trabalho no campo exige mais esforço físico e exposição ao sol, chuva, mudanças de temperatura e outras intempéries. Por essa razão, é considerado um dos mais degradantes.
Porém, se a reforma do governo não eleito de Temer (PMDB) passar, trabalhadores rurais só se aposentarão após 65 anos de idade
e 25 anos de contribuição. Para receberem o valor integral do benefício, terão que contribuir por 49 anos. “É uma besteira comparar todo
mundo daqui para frente, tanto na cidade quanto no campo. Isso exigiria que as pessoas trabalhassem 50 anos na agricultura, o que é uma vergonha”, critica o dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, João Pedro Stédile. Outro ponto problemático são as regras para recolhimento da contribuição ao INSS. Atualmente, agricultores/as pagam ao INSS uma percentagem sobre a produção, mas, com a reforma, passariam a contribuir todo mês, de forma individual, com uma alíquota sobre o limite mínimo da
base de cálculo para o recebimento do benefício. Acontece que, no regime de safra da agricultura familiar, a renda do trabalhador é algo irregular, que não permite que ele tenha dinheiro todo mês. “Não pode ser assim. O trabalhador urbano tem salário, mas a renda do trabalhador rural depende da produção. Olhe para o Nordeste, que enfrenta uma seca há seis anos. Como é que pagaremos ao INSS todo mês?”, questiona o presidente da Federação dos Trabalhadores em Agricultura do Estado de Pernambuco (FETAPE), Doriel de Barros. Anúncio
Belo Horizonte, abril , 2017
Papel de Temer é colocar retirada de direitos em prática, diz sindicalista GOLPE Proposta de reforma da Previdência é parte de um programa não eleito Beto Barata / PR
Luiz Felipe Albuquerque
P
ara a coordenadora-geral do Sind-UTE/MG e presidenta da CUT/MG, Beatriz Cerqueira, o processo jurídico para a deposição da ex -presidenta Dilma Rousseff em 2016 serviu apenas como um pretexto para viabilizar um programa de governo que havia sido derrotado nas eleições presidenciais de 2014. Para ela, a aliança do governo não eleito de Michel Temer, junto ao Congresso Nacional e ao sistema financeiro, busca construir “um Estado menor do que aquele conquistado com a Constituição de 1988. Na visão da elite brasileira, a Constituição garantiu direitos demais, o Estado ficou ‘grande demais’”, avalia. “Pelas urnas, nenhum proje-
to de corte de direitos sairia vitorioso. O golpe parlamentar foi essencial para que esta retirada de direitos fosse colocada em prática”, pontua. As políticas econômicas e sociais que estão sendo implementadas pelo governo, segundo Beatriz, como as mudanças na Previdência e na legislação trabalhista, o
corte de investimentos nas esferas municipal, estadual e nacional e a diminuição de investimentos obrigatórios em Saúde e Educação comprovam essa avaliação. Política ultraneoliberal Na mesma linha, o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães avalia que o “os gol-
pistas que destituíram Dilma Rousseff tinham uma agenda já preparada” para implementar uma política “ultraneoliberal”, a partir de uma “visão equivocada da sociedade e da economia, para impedir o desenvolvimento da sociedade brasileira e a construção de uma sociedade moderna, democrática e inclusiva, menos desigual e mais harmônica”. Beatriz acredita que a população já começou “a perceber que tem algo errado”, e que “a tomada das ruas no último dia 15 demonstrou isso. Precisamos rapidamente construir mais dias ‘15’. Temos a obrigação de tentar entregar este mundo melhor do que aquele que recebemos”.
Quem recebe pensão e benefício também vai perder
ESPECIAL
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Empresas devem mais de 426 bilhões à Previdência Empresas públicas, privadas, fundações e entes da federação devem ao Regime Geral da Previdência Social mais de R$ 426 bilhões, segundo informações da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Entre os maiores devedores estão empresas já fechadas, como a TV Manchete e as antigas companhias aéreas Varig e Vasp. Somente essas devem mais de R$ 7 bilhões. A lista conta também com bancos privados e públicos, como Bradesco, Itaú, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, todos com dívidas milionárias. A empresa JBS, da Friboi, é a segunda maior devedora com quase R$ 2 bilhões e 400 milhões. A mineradora, Vale também é devedora e as cifras chegam a quase R$ 600 milhões. A PGFN tenta recuperar esse valor na Justiça.
RETROCESSO Desmonte proposto pela PEC 287 atinge também quem já se aposentou Wallace Oliveira
Fernanda Castro / GEPR
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proposta da reforma da Previdência não atinge apenas quem quer se aposentar um dia, mas também pensionistas, aposentados e famílias que dependem de outras políticas da Seguridade. Por exemplo, o idoso que não acumulou os requisitos para se aposentar só terá direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) aos 65 anos, se aprovada a nova regra. A
idade mínima aumentaria um ano a cada biênio, até atingir o limite etário de 70 anos para acessar o BPC. Além disso, a reforma pretende desvincular benefícios e pensões do salário mínimo. Nos governos Lula e Dilma, o salário mínimo praticamente triplicou, e o menor valor a ser recebido por um/a aposentado/a ou pensionista cresceu nessa mesma proporção. Com a PEC, o piso pode ser menor que o mínimo.
O jornal Brasil de Fato circula semanalmente com edições regionais, em Minas Gerais, no Rio de Janeiro, no Paraná e em Pernambuco. Queremos contribuir no debate de ideias e na análise dos fatos do ponto de vista da necessidade de mudanças sociais em nosso país e no nosso estado.
A PEC 287 também proíbe que uma mesma pessoa acumule aposentadoria e pensão por morte ou duas aposentadorias de um mesmo regime.
Quem depende de outras políticas de Seguridade terá corte de direitos
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ESPECIAL
Belo Horizonte, abril de 2017
Quem ganha com o desmonte da Previdência
Credores da dívida pública
Bancos e seguradoras
Políticos golpistas
O Brasil tem os juros mais altos do mundo e a dívida pública consome boa parte do orçamento da União. Em 2015, foram gastos 42,43% com juros e amortizações da dívida; com a Previdência Social, foram 22,69%. O pagamento da dívida beneficia um pequeno número de especuladores. A Previdência atende diretamente mais de 100 milhões de pessoas. “Ao retroceder em direitos e rebaixar o gasto social, o governo abre espaço no orçamento para a gestão da dívida pública”, afirma o economista Eduardo Fagnani.
Entre julho e dezembro de 2016, o secretário da Previdência Social, Marcelo Caetano, encontrou-se com bancos, seguradoras e fundos de pensão e investimento. Entre os bancos, estavam o Bradesco, Santander e Itaú. Caetano também é conselheiro de uma das maiores empresas de previdência privada do país, a BrasilPrev. O pânico causado pelo desmonte da Previdência fez várias pessoas correrem atrás de um plano privado. O problema é que a previdência privada não oferece as mesmas garantias da pública, e a maior parte da população não tem condições de pagar.
O presidente não eleito, Michel Temer (PMDB), aposentou-se aos 55 anos e recebe um benefício mensal de mais de R$ 30 mil. O relator da PEC 287, deputado Arthur Maia (PPS), é dono de uma empresa que deve R$ 150 mil ao INSS. E os políticos que vão votar a proposta já querem driblar as novas regras. O deputado Carlos Eduardo Cadoca (PDT) apresentou uma emenda à PEC 287, prevendo regras especiais para deputados e senadores. Para Cadoca, parlamentares com mais de 54 anos e um mandato cumprido não devem ser afetados pela reforma.
Mais de um milhão de pessoas já foram às ruas contra reformas MOBILIZAÇÃO Novos atos e greves estão sendo convocados para expressar indignação popular Maxwell Vilela
lhadores Rurais Sem Terra (MST), é manter o clima de luta para pressionar a classe política. “Temer não recua e o Congresso não é de confiança. O dia 15 mostrou que temos unidade no campo popular e que existe uma reclamação coletiva dos trabalhadores”, analisa.
Larissa Costa
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iante dos ataques aos direitos sociais, como as reformas da Previdência e trabalhista, movimentos populares e sindicatos se unificam e organizam lutas contra as propostas do governo Temer. No 8 de março, Dia Internacional de Luta das Mulheres, pelo menos 150 mil mulheres foram às ruas em cidades de todo Brasil. No dia 15 de março, protestos organizados pelas Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo mobilizaram mais de 1 milhão de pessoas. Para o dia 28 de abril está marcada uma greve geral, que pro-
mete a adesão de diversas categorias no país. A avaliação de Ricardo Gebrim, da Consulta Popular, é que essas manifestações mostram a força do povo, única capaz de derrubar as reformas. “Conseguimos reorganizar todo um
campo popular democrático e conquistamos o apoio e simpatia popular. É um ato expressivo que vai fazer a gente entrar em um novo patamar de luta”, afirma. O desafio, na opinião de João Paulo Rodrigues, do Movimento dos Traba-
Indignação Diversos artistas se posicionaram em suas redes so-
Frentes unitárias reúnem diversos movimentos e organizações
ciais contrários às reformas de Temer. O ator e diretor Wagner Moura afirmou que “o governo quer votar logo a reforma [da Previdência], acalmar os credores, passar a conta para o trabalhador e partir para a reforma trabalhista antes que o povo se dê conta”. Camila Pitanga, em vídeo, afirma que “o que os autores da reforma querem é retirar direitos dos trabalhadores, apenas, nada de empregos a mais. E a reforma trabalhista ainda vai piorar a qualidade dos empregos, ampliando a contratação de temporários. Esse tipo de contrato não dá nenhuma garantia ao trabalhador”, defende.