ESPECIAL
MG DEZEMBRO 2020
Acordo sem os atingidos não vale ZEM
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. Atingidos e assessorias técnicas de toda a Bacia do Paraopeba se unem por participação… pág. 2 . Ministérios Público Estadual e Federal querem participação dos atingidos em audiência dia 9… pág. 3 . Leia trechos de manifesto dos atingidos e assessorias que será entregue ao TJMG… pág. 4
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Belo Horizonte, dezembro de 2020
Atingidos e assessorias cobram participação no acordo entre a Vale e o governo de Minas BARRAGEM DE CÓRREGO DO FEIJÃO Entidades de toda a bacia do Paraopeba reivindicam presença de pessoas atingidas na elaboração das propostas de reparação Mídia NINJA
Raíssa Lopes
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tingidos e atingidas de toda a bacia do Rio Paraopeba se unem para cobrar participação no procedimento de reparação pelo crime da mineradora Vale na cidade de Brumadinho, Região Metropolitana de Belo Horizonte, em janeiro de 2019. Os moradores e trabalhadores da bacia afirmam que o direito de tomarem decisões está sendo negado durante as negociações, entre empresa e o governo de Minas, para a formulação de acordo judicial que trata sobre ressarcimento dos prejuízos causados. “Nossos direitos estão sendo violados pela Vale. Agora, vem o governo querendo fazer acordo a portas fechadas. Isso é golpe, porque acordo que não tem participação dos atingidos não é válido. E o nosso futuro, dos nossos filhos, a nossa saúde, como que vai ser?”, desabafa a atingida Damiana Aparecida Lima . Exausta da batalha contínua por direitos, ela declara que a expectativa para o acordo “é muito pouca”, “mas a fé é muito grande”, e que os atingidos vão lutar até o fim para honrar a vida dos que se foram com a lama. “Eu tenho muita fé em Deus que o sangue derramado deles não foi em vão”, reforça.
Unidade de atingidos e de assessorias técnicas Para estruturar o processo de reparação, a calha do Paraopeba foi dividida em cinco regiões, que são assistidas por Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) diferentes. As regiões um (Brumadinho) e dois (Betim, Mário Campos, Juatuba, São Joaquim de Bicas e Igarapé) ficam a cargo da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas). Na região três (Esmeraldas, Florestal, Pará de Minas, Fortuna de Minas, São José
Nossas reivindicações não estão sendo ouvidas pela Vale
A não informação sobre termos de um possível acordo impede uma participação efetiva da Varginha, Pequi, Maravilhas, Papagaios, Caetanópolis e Paraopeba), o órgão que atua é o Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (Nacab). Já as regiões quatro (Pompéu e Curvelo) e cinco (São Gonçalo do Abaeté, Felixlândia, Morada Nova de Minas, Biquinhas, Paineiras, Martinho Campos, Abaeté e Três Marias) são atendidas pelo Instituto Guaicuy. As três assessorias estão trabalhando em conjunto para que os direitos das comuni-
dades sejam preservados. De acordo com Flávio Bastos, coordenador no Nacab, a mobilização das cinco regiões é fundamental neste momento. “Temos buscado, junto às comissões e com a colaboração do MAB [Movimento dos Atingidos por Barragens], realizar um intenso cronograma de mobilizações, estudos e debates coletivos, envolvendo todas as comunidades. Um bom exemplo foi na audiência judicial [17 de novembro]. A pressão feita pelos atingidos em ato na porta do Tribunal de Justiça foi decisiva para que o acordo não fosse fechado naquela data”, relata. Flávio conta sobre outra ação coletiva que pode trazer novos impactos positivos. “Foram formados grupos de trabalho com pessoas atingidas das cinco regiões e assessores técnicos das três ATIs. A partir deles, criamos um manifesto com as posições das comunidades”. [Leia na página 3]. Participação informada Luiz Otávio Ribas, da coordenação da Aedas, afirma que a elaboração da reparação sem a presença das pessoas atingidas fere, inclusive, os tratados internacionais de direitos humanos. E que “o gover-
no de Minas precisa respeitar as leis”, ou seja, garantir a plena ciência das cláusulas e consequências do acordo por reparação. “A não informação sobre termos de um possível acordo impede uma participação efetiva, violando esse direito humano. Esse princípio já foi reconhecido dentro das ações coletivas movidas contra a Vale nesse processo de reparação”, reforça.
Reivindicações dos atingidos “Eles querem antes de mais nada a recuperação do rio, sua fonte de sustento. Querem receber o passivo do emergencial e querem a ampliação para aqueles que não receberam e que tiveram seu meio de vida afetados; querem que priorizem as questões locais; que os valores desse acordo sejam mantidos como nos pedidos realizados pelas instituições da Justiça”, diz a coordenadora do Instituto Guaicuy, Carla Wstane, sobre o que exigem os pescadores, ribeirinhos, comerciantes, sitiantes, moradores e outros grupos que viviam de alguma forma do rio Paraopeba.
O acordo definido pelo Ministério Público e Defensoria Pública proposto à Vale foi de R$ 54,6 bilhões. Desse valor, R$ 26,6 bilhões é o montante calculado pela Fundação João Pinheiro para inde-
EXPEDIENTE AEDAS - Coordenação Estadual - Cauê Melo, Heiza Maria Dias, Jéssica
nização ao governo de Minas para cobrir danos econômi-
O Brasil de Fato circula semanalmente com edições regionais, em sete estados.
Barbosa e Luis Shikasho. Comunicação: Carmen Kemoly, Fabiana Benedi-
Queremos contribuir no debate de ideias e na análise dos fatos do ponto de vista
to, Joana Tavares, Lucas Jerônimo, Marcos Barbosa, Rurian Valentino, Val-
cos; já as instituições de Jus-
da necessidade de mudanças sociais em nosso país e no nosso estado. Este es-
mir Macedo, Vivian Virissimo. Este material foi elaborado com contribui-
tiça, calcularam em R$ 28 bi-
pecial é uma parceria do Brasil de Fato MG com a Associação Estadual de Defe-
ções dos integrantes da equipe técnica multidisciplinar nas Regiões 01 e 02
lhões a reparação aos atingi-
sa Ambiental e Social (AEDAS). www.brasildefatomg.com.br / 31 9 8468-4731
de atuação da Aedas. CNPJ 03.597.850/0001-07 / www.aedasmg.org/pa-
dos, por danos morais e so-
raopeba / (31) 9 9840 1487
ciais coletivos.
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MP federal e estadual defendem participação dos atingidos e acesso à informação REPARAÇÃO Audiência, dia 9, pode definir rumos do acordo entre Vale e governo estadual sem as comunidades Robert Leal / TJMG
Reprodução / MAB
Wallace Oliveira
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stá sendo travada no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) uma negociação entre a Vale S.A., o governo de Minas Gerais e as instituições de Justiça que pode definir o destino da população da Bacia do Rio Paraopeba, atingida pelo rompimento da barragem da mineradora em Brumadinho, em janeiro do ano passado. Segundo especialistas do direito, a forma como esse processo ocorre está em desacordo com a própria lei brasileira.
rante que todos os atos da administração pública sejam divulgados, com base no princípio da publicida-
Constituição Federal garante que “todos os julgamentos do Poder Judiciário serão públicos”
de. Em outro trecho (inciso 9 do artigo 93), está escrito que “todos os julgamentos do Poder Judiciário serão públicos” e a presença das partes ou de seus advogados só pode ser limitada Vice-presidente quando “a preservação do direito à intimidade do indo TJMG impôs cláusula de con- teressado no sigilo não prejudique o interesse público fidencialidade à informação”. Além disso, a Na Constituição Fede- legislação internacional soral, o artigo 37, caput, ga- bre direitos humanos e re-
paração de desastres garantem a centralidade das pessoas atingidas e seu direito de participarem em todas as etapas do processo. Porém, não é o que tem acontecido na negociação da qual participa a Vale. Por determinação do próprio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, os atingidos e suas assessorias técnicas não podem acessar e debater amplamente as propostas e documentos de negociação do acordo, tampouco foram autorizados a ter acesso às audiências de discussão, apresentar suas opiniões e decidir sobre os termos do acordo. As autoridades que presidem a Defensoria Pública de Minas Gerais, o Ministério Público de Minas Gerais e o Ministério Público Federal - instituições que cumprem papéis de representação dos atingidos - têm acesso aos deba-
tes, mas também não podem divulgar os documentos, por força de uma cláusula de confidencialidade, estabelecida pelo vice-presidente do TJMG, desembargador Newton Teixeira Carvalho. Isso tem suscitado críticas dos ministérios públicos, para os quais está sendo desrespeitado o direito que as vítimas têm de serem ouvidas, participarem das decisões como protagonistas e estarem cientes de todas as informações importantes. Internamente, fala-se que a negociação não é transparente e que a empresa responsável pelo crime é que está conduzindo o processo. Além da suspensão da
Destinação das verbas O acordo define projetos, obras e programas, sem a publicidade adequada dessas medidas ou consultas e debates prévios com as comunidades. Para as instituições de Justiça, essa falta de transparência e participação pode comprometer a reparação, destinando grandes recursos a medidas desconhecidas e desvinculadas das necessidades reais das pessoas. Aponta-se que a Vale, nesse sentido, estaria mais interessada na divulgação dos valores gastos na mídia do que no atendimento real às pessoas atingidas.
Aplicação em obras da Grande BH
Procuradores querem suspensão da confidencialidade e presença dos atingidos em audiência de conciliação dia 9 de dezembro confidencialidade, procuradores também querem que a próxima audiência de conciliação, marcada para o dia 09 de dezembro, conte com a presença dos atingidos e das assessorias técnicas. Eles cobram do Judiciário que a reunião também sirva para estabelecer um cronograma detalhado das medidas de reparação às comunidades.
O pedido de reparação acordada, feito conjuntamente pelo governo de Minas e instituições de Justiça, sem os atingidos, está apreciado em R$ 54,6 bilhões. O governo afirma que “os recursos serão destinados a contas específicas para aplicação em projetos que priorizam a região diretamente atingida” e acrescenta que a contraproposta apresentada pela Vale é insatisfatória. A imprensa comercial tem divulgado que o governo pretende reverter parte do recurso para obras de infraestrutura na Região Metropolitana de BH. Os procuradores entendem que o Estado de Minas Gerais não tem autonomia para definir o destino dos recursos.
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Belo Horizonte, dezembro de 2020
Conheça trechos do manifesto em elaboração pelos atingidos e entidades que será protocolado no Tribunal de Justiça Redação As Comissões de Atingidos da Bacia do Paraopeba elaboram, desde o dia 24 de novembro, um manifesto dos atingidos sobre o acordo em curso entre a Vale e o governo estadual. O ma-
nifesto é realizado pelas pessoas atingidas de toda a bacia, equipes das assessorias técnicas Aedas, Nacab e Guaicuy e pelos integrantes da Coordenação Metodológica e Finalística da PUC Minas que participam de cinco grupos de trabalhos temáticos.
Publicamos abaixo parte do manifesto que será submetido à apreciação dos atingidos em reunião das Comissões de Atingidos e Atingidas da Bacia do Paraopeba, no sábado (5). Segundo os responsáveis pela redação, “a decisão por divulgar o manifes-
to ainda inconcluso visa dar maior transparência e publicidade ao trabalho acumulado, bem como permitir acesso à informação, contribuir para o diálogo e a democratização das decisões, limitadas pelo contexto da pandemia”, afirmam em nota.
Uma vez aprovado o manifesto será divulgado amplamente, encaminhado às partes do processo negocial, e protocolado no processo judicial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Confira os principais trechos:
Manifesto pela participação das pessoas atingidas na discussão do acordo judicial entre Vale, Estado de MG e instituições de Justiça Nós, pessoas da Bacia do Paraopeba atingidas pelo rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, após reunião em quatro plenárias de porta-vozes de todas as comissões reconhecidas pelas comunidades e pelas Instituições de Justiça, das cinco regiões atingidas, sobre a proposta de acordo que o Estado, Instituições de Justiça - IJs (Ministério Público Federal, Estadual e Defensoria Pública) e Vale S.A pretendem celebrar, vêm a público manifestar a sua atual discordância da aprovação de um acordo discutido e elaborado sem a devida participação informada - conforme conceituado no processo judicial - das pessoas e comunidades atingidas, pelos motivos que seguem abaixo. Não há oposição à possibilidade de um acordo no processo, desde que justo, transparente, participativo, condizente com o interesse público e os direitos da população atingida. PARTICIPAÇÃO COMO PRIMEIRA CONDIÇÃO. O acordo deve ser elaborado por meio de um amplo e transparente processo de participa-
ção dos atingidos de toda a calha do Paraopeba, inclusive aqueles ainda não reconhecidos pela Vale e os povos tradicionais e demais comunidades, nos termos da Convenção OIT 169; TRANSPARÊNCIA COMO PRESSUPOSTO. As propostas e documentos apresentados devem ser disponibilizados aos atingidos, com a revogação de sua confidencialidade e acesso irrestrito à informação; VALORES: NADA MENOS QUE O NECESSÁRIO E JUSTO. O teto do valor do acordo deve ser suficiente para que a reparação seja integral e justa e deve abarcar danos de valor ainda incalculáveis, danos em progressão e novos danos. Com base no lucro anual (2019) da Vale S.A foi solicitado R$ 26 bilhões para danos sofridos pelo Estado de MG e outros R$ 28 bilhões para danos morais coletivos. O acordo poderia chegar a valores superiores apenas com a atualização do cálculo baseado no lucro da Vale S.A. no último trimestre; O RECURSO É NOSSO. O acordo deve garantir uma distribuição proporcional e justa de valores para diferentes danos e
vítimas. Os projetos socioeconômicos para reparação de danos morais coletivos sofridos pela população devem receber, ao menos, metade do valor total do acordo. Metade dos valores geridos pelo Estado de Minas Gerais deve ser investido nas regiões atingidas;
sim como na definição de critérios ou execução de medidas reparatórias. Deve ser descartado o atual papel da empresa na definição de critérios para a reparação socioambiental, que deverá ser realizado pela legislação ambiental (SISEMA) e Ministério Público;
DIREITO À PARTICIPAÇÃO INFORMADA. O acordo deve garantir a atuação das assessorias técnicas em todas as fases da reparação, com recursos suficientes, não limitados previamente e distintos dos indenizatórios;
FISCALIZAÇÃO E PUNIÇÃO Apesar de suas propagandas enganosas, a Vale S.A está constantemente descumprindo os acordos já firmados, sem qualquer punição, conforme denúncias das IJs e Comissões. Devem ser garantidas formas de fiscalização e severas multas aos descumprimentos da Vale;
PARTICIPAÇÃO: NADA MENOS QUE A PARIDADE. Levantamento de dados, elaboração, planejamento, gestão, fiscalização e decisão da reparação acordada devem ser feitas a partir de estruturas com a presença dos atingidos, em igual participação e poder de decisão das instituições de Estado; GOVERNANÇA: FORA VALE!!! O papel da Vale na reparação deve estar restrito apenas ao pagamento das medidas. Deve ser vetada sua participação nas estruturas de gestão e implementação do acordo, as-
REPARAÇÃO INTEGRAL! Devem ser excluídas do acordo a reparação dos danos individuais e danos individuais homogêneos. É preciso garantir o processo de identificação completa dos danos e decisão participativa sobre a reparação; EMERGENCIAL: RESOLVER O PASSIVO E AVANÇAR NA REPARAÇÃO. Deve haver imediata resolução das questões emergenciais acumuladas (passivos) da população atingida, como renda, atendimen-
to de saúde, distribuição de água às pessoas e animais, ração, e silagem, conforme critérios em construção pelos atingidos e ATIs, com aplicação de multa pelos descumprimentos da Vale S.A; ATÉ A INDENIZAÇÃO, RENDA NA MÃO! Deverá ser implementada política de reparação econômica coletiva, nos moldes do Programa de Direito de Renda, cujos critérios deverão ser detalhados, pelos atingidos e ATIs, no mesmo prazo concedido aos demais anexos do acordo, período em que o atual auxílio provisório deverá ser mantido. CRONOGRAMA DE PARTICIPAÇÃO: um cronograma mínimo de discussão e participação informada deve ocorrer, pelo menos, até o dia 25/01/21, com a construção de uma posição consolidada das pessoas atingidas sobre suas propostas e termos. Confira a versão final do manifesto na página das Assessorias Técnicas Aedas, Guaicuy e Nacab.