Camila Moraes
especial
MG outubro de 2021
Como a privatização da Petrobrás pode afetar a sua vida? Aumento do preço dos combustíveis e do gás Desemprego. Só a privatização da Refinaria em Betim levaria a menos 2500 empregos diretos Menos políticas públicas, com menor arrecadação do Estado Monopólio privado do mercado de combustíveis mineiro, com controle sobre os preços Perda de soberania, com entrega de setor estratégico para interesses privados
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Belo Horizonte, outubro de 2021
“Estão fatiando a Petrobrás”: entenda a estratégia do governo para vender a empresa PATRIMÔNIO Pesquisa mostra que 57% da população brasileira é contra a privatização da empresa. Venda está sendo feita “pelas beiradas”, explica petroleiro Gibran Mendes/SindiPetro PR ca que as principais privatizações de 2021 foram a venda de 34% que a Petrobrás ainda detinha da BR Distribuidora, por R$ 11,36 bilhões; a Refinaria Landulpho Alves RLAM, na Bahia, por R$ 9,33 bilhões; a Gaspetro, por R$ 2 bilhões; e a venda do Polo Alagoas por R$ 1,5 bilhão.
Rafaella Dotta
A
segunda maior empresa do país não é propriedade de um empresário, mas sim do Estado e da população brasileira. Com uma renda anual de aproximadamente R$ 50 bilhões, a Petrobrás sempre foi cobiçada por proprietários nacionais e internacionais. Mas sua popularidade entre os brasileiros assegurou que ela continuasse brasileira. Uma pesquisa da Revista Fórum, de julho de 2020, mostrou por exemplo que 57% dos cidadãos brasileiros não querem a sua privatização. Porém, uma estratégia de “vender pelas beiradas”, como afirma o petroleiro Felipe Pinheiro, começou a ganhar corpo há pelo menos seis anos. Fatiamento Para entender o fatiamento, é preciso saber como funciona a cadeia de extração do petróleo e a produção dos seus derivados. Tudo começa na extração do petróleo, que é feita em geral em plataformas de petróleo no mar, segundo informações da Petrobrás. Depois de extraído, o petróleo é envia-
Segunda maior empresa do país pertence ao povo do para as refinarias, onde será destilado, convertido e tratado. São as refinarias que transformam o petróleo bruto em diesel, gasolina, querosene de aviação, gás, lubrificantes e outros produtos. No caso dos combustíveis, eles são agora entregues às distribuidoras, que vão entregá-los aos postos de gasolina. A última fase é a venda ao consumidor final. Até pouco tempo atrás
a Petrobrás possuía toda a cadeia, da extração à venda. Porém, essa grande empresa foi sendo fatiada em: plataformas, refinarias, distribuidora e postos de gasolina, dentre outros ativos como a PBio (produtora de biocombustíveis) e as transportadoras de gás. Assim, a privatização está acontecendo aos poucos, para não criar um grande problema com a opinião da população brasileira. Vendas em números Estima-se que, apenas durante a pandemia, o governo colocou à venda a totalidade ou parte das ações de 53 campos, 39 plataformas, 13 mil quilômetros de gasodutos, 124 postos de gasolina, 12 unidades de geração de eletricidade
Petrobrás possuía toda a cadeia, da extração à venda e oito unidades de processamento de gás natural. O levantamento foi feito pelo Sindicato dos Petroleiros Unificado de SP, reportagem de Guilherme Weimann, com base em teasers divulgados pela empresa no período. A página Observatório Social da Petrobrás, que analisa e divulga as movimentações de venda na empresa, indi-
Postos BR na mão de estrangeiros A venda da BR Distribuidora significou a venda da cadeia de distribuição de combustíveis e de todos os postos de gasolina BR. A Petrobrás detinha 37% das ações, que foram todas vendidas, finalizando sua participação na empesa. Após essa venda, 43% dos donos da BR são de estrangeiros. Segundo o Observatório Social da Petrobrás, em seis anos, de 2015 a julho 2021, a venda de ativos da Petrobrás resultou em R$ 231,5 bilhões. As maiores compradoras dos ativos foram empresas do Canadá, França, Brasil e Noruega. Estados Unidos, Japão e Emirados Árabes também têm tido participação relevante na privatização.
EXPEDIENTE O Brasil de Fato circula semanalmente com edições regionais, em sete estados. Queremos contribuir no debate de ideias e na análise dos fatos do ponto de vista da necessidade de mudanças sociais em nosso país e no nosso estado. Este especial é uma parceria do Brasil de fato MG com o Sindicato dos Petroleiros de Minas Gerais (Sindipetro-MG). Tiragem: 45 mil exemplares. www.brasildefatomg.com.br / 31 9 8468-4731
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Venda da refinaria da Petrobrás em Betim pode subir ainda mais preço dos combustíveis PRIVATIZAÇÃO Importante para a economia de Minas, a Regap emprega 2,5 mil pessoas segundo sindicato Geraldo Falcão / Agência Petrobrás
Larissa Costa
L
ocalizada em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a Refinaria Gabriel Passos (Regap) é considerada a maior unidade da Petrobrás em Minas Gerais. Com 53 anos de atuação, a planta abas-
Se não fosse atual política, valores dos combustíveis estariam 60% mais baratos
Vai haver um “monopólio privado” que almeja o lucro
tece todo o estado, exceto um pedaço do Triângulo Mineiro, e o Distrito Federal com diversos produtos, como gasolina, diesel, gás de cozinha, óleo com-
bustível, coque verde de petróleo, aguarrás e querosene de aviação. A refinaria, que tem capacidade autorizada de refino de 166 mil barris de petróleo por
dia, foi colocada à venda em 2019 pelo governo federal. As consequências da privatização da Regap ainda são incalculáveis, mas, segundo estimativas do Sindicato dos Petroleiros de Minas Gerais (Sindipetro-MG), pode atingir o emprego de 2,5 mil pessoas, número que dobra em época de manutenção do parque industrial.
Outro aspecto que pode ser alterado é a arrecadação de tributos, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), já que é comum empresas privadas contarem com benefícios fiscais e isenções. Um estudo do Dieese de 2020, aponta que a indústria do petróleo, em 2017, foi responsável por 21,92% do ICMS arrecadado pelo estado. Foi a principal fonte de arrecadação, tendo totalizado naquele ano R$ 46,67 bilhões, 85% do total de arrecadação de taxas e tributos. Naquele ano, a REGAP foi a maior recolhedora de ICMS do Estado.
População mineira vai pagar a conta MERCADO Preços dos produtos, como a gasolina e o diesel, podem ficar ainda mais caros Camila Moraes
O
s trabalhadores da Petrobrás têm denunciado que a privatização da Regap, que faz parte da venda de um pacote de oito refinarias no país, é um atentado à soberania nacional e quem vai pagar a conta é a população mineira. Os preços dos produtos, como a gasolina e o diesel, podem ficar ainda mais caros, como explica Anselmo Braga, diretor do Sindipetro-MG e da Federação Única dos Petroleiros (FUP). “A empresa que comprar a Regap vai continuar tendo o mercado mineiro à sua disposição. As empresas não estão comprando as refinarias, mas o mercado. Isso não tem lógica. É como se houvesse apenas uma padaria numa cidade, que vendesse todo o pão que é produzido, e que fosse privatizada. Faz sentido argumentar que o preço do pão vai diminuir se há a garantia de
vender tudo que é produzido?”, questiona. Não existe concorrência nesse mercado, apesar de haver a autorização desde os anos 1990 para empresas privadas atuarem tanto no refino quanto na extração do petróleo. “Ou seja, qualquer empresa que quiser construir uma refinaria no Brasil pode. E ninguém quis construir porque refi-
naria é um investimento que se paga a muito longo prazo e que industriais brasileiros não têm coragem de fazer. Agora querem comprar as refinarias da Petrobrás a preço de banana”, ressalta o sindicalista. Na prática, o que vai acontecer com a venda das refinarias é a substituição de um “monopólio público” por um “monopólio privado”.
“Você não vai trocar de estado da federação para abastecer seu carro. Ou seja, estamos na iminência de formar monopólios regionais”, argumenta a economista Juliane Furno, em artigo publicado no Brasil de Fato. O exemplo da refinaria de Manaus Em Manaus, em agosto deste ano, a Refinaria Isaac Sabbá (Reman), foi vendida por 30% do seu valor para Atem Distribuidora de Petróleo, conforme cálculos realizados pelo Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep). De acordo com o estudo, a refinaria é avaliada com um valor mínimo, pelo câmbio mais elevado deste ano, de US$ 279 milhões, quando o valor negociado pela estatal com o potencial comprador foi de US$ 189 milhões.
Política de preços atrelada a valores internacionais Uma das estratégias usadas pelo governo federal para atrair possíveis compradores foi a implantação do preço de paridade de importação (PPI), uma política de preços que atrela os valores da Petrobrás às oscilações cambiais. Essa mudança aconteceu em 2016, quando a estatal estava sob comando de Pedro Parente, indicado por Michel Temer (MDB). Esse novo modelo de cálculo, que define os preços dos combustíveis vendidos nas refinarias, é responsável pelos diversos reajustes que levaram o botijão de gás a mais de R$ 100 e a gasolina a mais de R$ 7 o litro em muitos estados. Anselmo destaca que, se não fosse o PPI, os valores atuais dos combustíveis estariam aproximadamente 60% mais baratos.
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Belo Horizonte, outubro de 2021
Gás de cozinha e gasolina vão continuar encarecendo, enquanto governo mantiver a atual política de preços PETROBRÁS Governo culpa ICMS, mas participação do imposto caiu e o preço não para de aumentar
“Já não estou sabendo o que fazer com o preço do gás. O que antes eu podia comprar, agora temos que dispensar, pois o preço do gás e dos mantimentos está muito altos” Érika Arruda, moradora da Pedreira Prado Lopes, em BH
Giorgia Prates /Brasil de Fato
“O preço do gás tira a comida do prato do povo. É desesperador ver a comunidade correndo atrás de gravetos para cozinhar”
Wallace Oliveira
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s preços do gás de cozinha e da gasolina não param de subir. De acordo com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o preço médio do botijão de 13 quilos no Brasil está em R$ 98,67. A gasolina já aumentou cerca de 57,3% ao longo de 2021. A escalada dos preços tem impacto direto no bolso da população, especialmente os mais pobres. Ao que tudo indica, essa tendência vai continuar no Brasil, conforme apontam economistas e trabalhadores do setor. A explicação é a política de preços adotada pelo governo federal para a Petrobras, desde 2017, que favorece um seleto grupo de investidores e penaliza milhões de brasileiros.
Preço alto é opção do governo O que o consumidor final paga pela gasolina e o gás de cozinha é a soma de diversos preços: o que é cobrado na refinaria, impostos federais, como o COFINS e o PIS/PASEP, a cobrança de ICMS, um imposto estadual, além do que é cobrado por distribuidores e revendedores. Com a atual política de preços adotada na Petrobrás o valor cobrado nas refinarias varia conforme o preço internacional do barril de petróleo (matéria-prima do gás e da gasolina) e a cotação do dólar, no que ficou conhecido como Pre-
Valéria Borges, educadora
Eu estou quase pagando para trabalhar com a Uber e 99, minha parte vai na gasolina ço de Paridade Internacional (PPI). Nos cinco anos de governos Temer e Bolsonaro, a gasolina aumentou 94%, somando 189 quedas de preço e 208 aumentos. O gás de cozinha subiu 15,5% nos governos Lula e Dilma e 289% nos governos Temer e Bolsonaro. “Nós perdemos o controle do preço dos combustíveis por uma escolha do governo. Nós produzimos o petróleo aqui, ele é processado nas refinarias brasileiras mas, na hora de vender, ele é precificado como se fosse comprado na Europa”, explica Alexandre Finamori, diretor do Sindicato dos Petroleiros de Minas Gerais (Sindipetro-MG). Uma redução nos impostos não vai reverter a tendência de aumento do gás e da gasolina. “Em 2011, os impostos repre-
sentavam 40% do preço do litro de gasolina para o consumidor final. Em 2021, a participação dos impostos caiu para 39%. O que subiu foi a participação da refinaria”, argumenta o economista Cloviomar Cararine, do Dieese.
Perdemos o controle do preço dos combustíveis por 3escolha do governo Mais pobres pagam o preço A inflação acumulada nos últimos 12 meses, de acordo com o IPCA, foi de 10,25%, ao passo que o botijão subiu 34,67% e a gasolina 39,60%. A gasolina cara tem impactos na renda dos motoristas remunerados. “Eu estou quase pagando para trabalhar. Além do dinheiro que fica com a Uber e 99, metade do que fica para mim acaba indo embora no combustível. Não está mais valendo a pena trabalhar em aplicativo”, relata o motorista Rogério Ferreira, de BH.
“Esse aumento contínuo no preço da gasolina reflete diretamente na minha profissão. Tenho sentido muito no meu bolso com esses aumentos” Vinicius Santana Reis, motorista de Uber
“O aumento do gás de cozinha, da energia e gasolina impacta o nosso dia a dia, subindo também o preço dos alimentos. Está difícil sobreviver com salário mínimo de R$1.100” Cristina Alves Ferreira, moradora de Varginha
O que a alta dos preços, em especial o do gás, faz com nós mulheres mães negras e periféricas é de uma crueldade imensa. Temos que resistir e quebrar o sistema por dentro. Cynthia Mara Aduke, matrigestora da Casa da Mulher Dona Ivone Lara