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MG novembro de 2021
CEMIG Governo Zema ameaça patrimônio dos mineiros e população paga a conta CPI da Cemig, na Assembleia de Minas, aponta irregularidades da gestão pró privatização indicada pelo governo Zema I pág. 2 Eletricitários denunciam que governador deprecia empresa, gera prejuízos aos consumidores e beneficia diretoria e acionistas I pág. 3 Caso Cemig seja vendida, conta de luz pode aumentar, serviço pode ficar pior e áreas rurais podem ficar sem energia I pág. 4
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Belo Horizonte, novembro de 2021
Cemig pagou mais caro por contratos sem licitação, aponta CPI ANTECIPAÇÃO Sindicato denuncia que corrupção está sendo usada como instrumento para privatizar a companhia Luiz Santana
Outras irregularidades
Sem licitação, companhia pagou mais caro
Wallace Oliveira Favorecimento de aliados políticos e integrantes do partido do governador; contratações sem licitação; subcontratação, por valor mais caro, de empresa que perdeu licitação, ao invés de empresa que venceu o proces-
so; e espionagens. Essas têm sido as principais conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, instaurada em julho deste ano para investigar irregularidades na gestão da Cemig durante o mandato de Romeu Zema (Novo).
Triangulação com IBM e AeC O caso mais emblemático envolve a AeC, empresa fundada pelo ex-secretário de Desenvolvimento Econômico de Zema. A AeC, que havia prestado serviços de teleatendimento à Cemig por 12 anos, passou por uma concorrência no início de 2020 e perdeu a licitação para outra empresa da área, a Audac, que ofertaria um serviço mais barato. Porém, meses após a Audac ter vencido a seleção, a Cemig suspendeu o contrato e, em fevereiro de 2021, contratou, sem licitação e sem concorrência, a transnacional IBM, que não é do ramo de call center, pelo valor de R$ 1,1 bilhão e um prazo de dez anos. A IBM, por sua vez, subcontratou a AeC, que havia perdido a licitação para a Audac. “Parece óbvio que nunca houve por parte da Cemig a intenção de respeitar o processo licitatório. Por alguma razão, a Cemig queria manter a AeC prestando esse serviço”, comentou o relator da CPI, o deputado Sávio Souza Cruz.
Em sessão realizada na segunda (8), a CPI apontou que a subcontratação da AeC custou mais caro para a Cemig do que se tivesse sido respeitada a licitação com a Audac. Os valores foram informados pelo empresário Antônio Noronha, sócio do ex-secretário de Zema, mas só depois que ele foi pressionado pela CPI. Inicialmente, ele disse que não sabia. “Presidente, eu gostaria que vossa excelência avaliasse suspender os trabalhos por alguns minutos para termos a informação do contrato por posição de atendimento por hora”, solicitou a deputada Beatriz Cerqueira (PT), integrante do bloco Democracia e Luta. Após a suspensão, Noronha disse que, por hora logada em cada um dos 482 pontos de atendimento, a AeC recebe R$ 24,64. Já a Audac, que havia vencido a licitação, cobraria R$ 23,58, de modo que a triangulação entre IBM e AeC gera uma despesa adicional de R$ 140 mil por mês para a estatal.
A CPI também mostrou que a seleção do atual presidente da Cemig, Reynaldo Passanezi Filho, em janeiro de 2020, foi efetuada pela Exec, empresa que tem como sócios os empresários Rodrigo Foz Forte e Carlos Eduardo Altona, que são filiados ao partido de Zema, o Novo. A Exec também foi contratada sem licitação e sem passar pelo Conselho de Administração. Outra irregularidade identificada, segundo a CPI, é a espionagem de funcionários de carreira, com o aval de diretores, pela Kroll Associates Brasil Ltda. Essa empresa de investigações foi a mesma que, há uma década e meia, esteve envolvida na Operação Chacal, da Polícia Federal, por espionar a Telecom Itália e o governo brasileiro com grampos ilegais, a pedido do banqueiro Daniel Dantas, do Grupo Opportunity. O Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores da Indústria Energética de Minas Gerais (Sindieletro-MG) denuncia outras práticas, como o que tem chamado de “contratações pueris”, de serviços que não atendem aos fins da empresa, mas a privilégios particulares.
Sindicato quer afastamento de Passanezi No dia 15 de setembro, o Sindieletro apresentou à direção da companhia uma pauta de reivindicações. No documento, o sindicato pede que, por questão de isonomia, todos os ocupantes de cargos de gestão, em qualquer nível de hierarquia, recebam o mesmo tratamento que os demais empregados, incluindo o afastamento do cargo nas apurações administrativas internas e externas por irregularidades. “Quando um trabalhador é denunciado, ele é imediatamente afastado de seu posto de trabalho para que a investigação prossiga sem interferência do denunciado. E, caso as denúncias sejam comprovadas, pediremos a demissão”, afirma Jefferson Leandro, secretário de comunicação do sindicato.
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Zema poderia melhorar a Cemig, mas prefere destruir o patrimônio do povo mineiro, afirmam especialistas DESMONTE Com o objetivo de estimular o desenvolvimento de Minas a empresa foi criada em 1952, por Juscelino Kubistchek Gil Leonardi / Imprensa MG
Cemig, empresa pública para desenvolver Minas
Privilégio para presidente e diretores
Governador tenta manchar a imagem da empresa que é patrimônio dos mineiros
Mariângela Castro Desde o início de seu mandato, em 2019, o governador Romeu Zema tem promovido o desmonte da Cemig com a clara tentativa de antecipar a privatização da empresa. É o que defende o Sindieletro, sindicato que representa os trabalhadores da estatal. Entidade apresentou diversas denúncias, advindas da categoria, para a Assembleia Legislativa de Minas, o que resultou na abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). A CPI está investigando os atos ilícitos da gestão do governador Romeu Zema. Para o Sindieletro, a estratégia é velha, consiste em piorar os serviços aos consumidores na tentativa de mudar a opinião dos mineiros sobre a privatização. As investigações em curso na CPI têm confirmado as denúncias levadas pelo sindicato à ALMG. São elas:
O coordenador-geral do Sindieletro, Emerson Andrada, classifica como desmonte o que tem ocorrido na empresa. “Temos a Cemig como maior empresa do Estado e uma das maiores do Brasil e do mundo, mas o governador trata com desdém. O desmonte passa pela questão trabalhista de retirada de direitos e pela gestão da Cemig voltada só para o mercado. O governador diz publicamente que a Cemig é uma tragédia para o mercado”, aponta. “É o primeiro governador que tenta manchar a imagem da empresa. Como pode ser ineficiente uma empresa que atende a todas as metas dos indicadores exigidos pelo marco regulatório do setor elétrico e gera lucros bilionários? Somente no segundo trimestre de 2021, a empresa teve lucro de R$ 1,94 bilhão, 80% maior que em 2021”, critica o secretário-geral do Sindieletro, Jefferson Silva.
Gestão Zema gera prejuízos aos consumidores Em 2019, a gestão Zema na Cemig fechou cerca de 50 bases operacionais em todas as regiões do Estado, transferindo eletricistas para cidades polos. Essa medida distancia os trabalhadores dos consumidores para atendimento a serviços comerciais e de emergência, aumentando o tempo de deslocamento para atendimento à população. Já os trabalhadores são cobrados pela mesma produtividade com tempo maior de deslocamento e risco de acidente. Ainda em 2019, foi desativada uma importante usina termoelétrica (Igarapé) no município de Francelino, região metropolitana de BH, fragilizando a geração de energia elétrica, sobretudo em períodos de secas, quando as barragens das usinas hidrelétricas não têm água suficiente para geração de energia elétrica.
A gestão também é de privilégios para a diretoria e acionistas. O salário do presidente é de R$ 85 mil, mais remuneração variável. O salário dos diretores, de R$ 67 mil, enquanto o salário inicial de carreira de um eletricista é de R$ 1.900,00. Os diretores também recebem remuneração variável. Segundo o economista Carlos Machado, do Dieese, com base em dados da própria Cemig, em 2019, primeiro ano do governo Zema, houve uma mudança na composição da remuneração da diretoria. Antes, 4% da remuneração global da diretoria era variável, mas a partir da gestão Zema essa remuneração (em forma de bônus) passou para 33% da remuneração global. “A remuneração variável não é atrelada a resultados produtivos, mas de alinhamento entre interesses da diretoria e acionistas, em detrimento do interesse público”, aponta o economista. Jefferson Silva afirma que a previsão é de que, em 2021, cada diretor receba, em média, R$ 500 mil de remuneração variável.
Criada em 1952, por Juscelino Kubistchek, com o objetivo de estimular o desenvolvimento de Minas e do Brasil, numa época que os apagões eram comuns, a holding Cemig é o segundo grupo de transmissão do país. Opera uma rede de quase 10 mil quilômetros. A Cemig é uma empresa pública, de economia mista e controlada pelo governo do estado. Com o seu lucro, a Cemig garante repasse de bilhões de reais para o estado de Minas, na distribuição de dividendos. Em 2020, o lucro foi R$ 2,9 bilhões. No quarto trimestre de 2021, o lucro foi de R$ 1,332 bilhão, maior em 136% do que o do mesmo período, em 2020.
Posição da Cemig e do governo A reportagem procurou a Cemig e o governo do Estado para responder às denúncias e questionamentos do Sindieletro. A Cemig não respondeu e a Assessoria de Comunicação do governo retornou sem respostas aos questionamentos e denúncias. Segundo o governo de Estado, estudos estão sendo feitos para a venda de mais ativos da empresa, com o principal objetivo de ter foco total nos investimentos dos próximos anos.
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Belo Horizonte, novembro de 2021
Saiba quais os principais impactos na vida dos mineiros caso a Cemig seja vendida CONTA MAIS CARA Para especialistas, tarifa de energia pode aumentar e serviço prestado pode piorar ainda mais Divulgação/Cemig
na compra da empresa. E por isso, ele pretende recuperar esse dinheiro da forma mais rápida possível, aumentando a conta de luz e precarizando o serviço, para que a lucratividade da empresa aumente”, avalia Emerson.
Ana Carolina Vasconcelos “Se a conta de luz aumen tar novamente, eu não sei como vou conseguir me sustentar”. É assim que Maria Paula, moradora de Belo Horizonte, descreve a preocupação com a possibilidade de a tarifa de energia sofrer um novo aumento. Infelizmente, para Maria e tantos outros mineiros, essa realidade pode estar próxima. Desde o ano de 2019, eletricitários denunciam que governo de Minas Gerais tem preparado o caminho para privatizar a Companhia Energética de Mi-
nas Gerais (Cemig). Segundo Emerson Andrada Leite, coordenador geral do Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais (Sin-
dieletro-MG), se a Cemig for privatizada, provavelmente a conta de luz aumentará ainda mais. “O comprador acaba investindo muito dinheiro
Para sindicalista, se a Cemig for privatizada, a conta de luz aumentará ainda mais
Ainda que não exista uma garantia formal de que, caso a Cemig seja privatizada, a conta de luz irá aumentar, Emerson resgata um exemplo recente e enfatiza que, na prática, é isso o que acontece. “Um exemplo disso se refere à privatização da usina de São Simão, que pertencia à Cemig e foi privatizada pelo governo Michel Temer. A usina vendia a energia a cerca de R$ 40 por megawatt/hora. Após a privatização, o custo subiu imediatamente para cerca de R$ 150”, relata o sindicalista.
Famílias mais pobres podem perder Tarifa Social de Energia Elétrica Júlia Nascimento
A lei nº 10.438, criada em 2002, implementou a Tarifa Social de Energia Elétrica que concede descontos na conta de luz para consumidores de baixa renda do Brasil. Em Minas Gerais, são mais de 800 mil beneficiados. Caso a Cemig seja privatizada, segundo Emerson, parte dessas famílias podem deixar de receber o benefício. A privatização também traria impactos negativos às famílias das comunidades rurais. Para a coordenadora do Movimento dos Atingidos por barragens (MAB) Soniamara Maranho, a privatização da Cemig dificultaria a eletrificação ru-
Para integrante do MAB, governo trata energia como mercadoria e não como um direito essencial ral. “Quando se privatiza, o lucro da empresa não é investido a partir dos interesses dos que usufruem do serviço. Então, com certeza, se a Cemig for privatizada, vai haver impacto na eletrificação rural, porque o investimento na manutenção não vai ser da mesma forma”, declarou.
Para Soniamara, a tentativa de privatizar a Cemig está relacionada à ideia do governo de que energia é uma mercadoria e não um direito da população. “A energia é um bem essencial de desenvolvimento humano. A gente precisa da energia para organizar o nosso trabalho e a nos-
sa vida. Por isso, precisamos defender a Cemig como uma empresa pública, que beneficie o povo mineiro e trate a energia como um direito essencial”, aponta. O que diz o governo Em nota, o governo estadual informou que estão sendo “realizados estudos para
analisar a melhor forma de venda de determinados ativos da Cemig”. Além disso, afirma que “esse processo realizado com estudos técnicos eficientes é defendido pelo governador Romeu Zema como forma de melhorar a qualidade do fornecimento de energia para todos os mineiros, incluindo esforços para a manutenção de uma tarifa justa. Importante reforçar que a política tarifária é de responsabilidade da Cemig”. A Cemig foi procurada pela reportagem, mas não respondeu até o fechamento desta edição.
EXPEDIENTE O Brasil de Fato circula semanalmente com edições regionais, em sete estados. Queremos contribuir no debate de ideias e na análise dos fatos do ponto de vista da necessidade de mudanças sociais em nosso país e em nosso estado. Este especial é uma parceria do Brasil de Fato MG com o Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores da Indústria Energética de Minas Gerais (Sindieletro-MG) . Tiragem: 50 mil exemplares. www.brasildefatomg.com.br / (31) 9 8468-4731