Edição Especial - Brasil de Fato - 8 de março 2022

Page 1

especial

MG março de 2022

Mulheres contra o machismo, o racismo e a fome

A Polícia Legislativa do Congresso Nacional reprimiu com spray de pimenta, nesta quarta-feira (16), um ato pacífico puxado por cinco manifestantes contrários ao Projeto de Lei 6299/2002. Conhecido como “PL do Veneno”, o texto prevê regras que faciLeia os artigos completos no site brasildefatomg.com.br litam autorização para uso de no Brasil. No Dia Internacional de Luta das Mulheres, celebrado em 8 de março, atos acontecem em várias cidades deagrotóxicos Minas Gerais. Os manifestantes assinaram um termo de comproCom o tema “Pela vida das mulheres, Bolsonaro nunca mais”, ações denunciam a política de morte do governo federal, missoapara os fatostrabalhadoras ao Poder Judiciário e, colocada em prática por Zema no estado. Confira nossas reportagens especiais sobre vidaresponder das mulheres Estes são artigos de opinião. A visão dos autores não expressa em seguida, foram liberados. Foto: Nívia Magno / Mídia NINJA necessariamente a linha editorial do jornal Brasil de Fato


8 2

ESPECIAL

Belo Horizonte, março de 2022

A crise econômica e social pesa mais no bolso das mulheres? DESIGUALDADE Economista afirma que a alta no preço do gás, energia e alimentos impacta mais as brasileiras, sobretudo as negras Tânia Rêgo /Agência Brasil

Amélia Gomes Quando o assunto é economia no Brasil, é assustador como o custo de vida subiu. As tarifas de água, gás e energia aumentaram drasticamente. Sem contar o preço dos alimentos, batendo recordes. O único índice em baixa é o aumento do salário mínimo que, em 2022, foi de 10,2%. Para especialistas do setor, diante da situação do país, esse reajuste é insignificante. “Tá tudo muito caro, cada dia que a gente vai no supermercado é uma surpresa, sacolão outra surpresa, carne nem se fala”, se espanta Luciene Aparecida Rodrigues, trabalhadora informal. Não é para menos, em Belo Horizonte, de acordo com o Mercado Mineiro, os consumidores podem ter que desembolsar até R$9,90 para comprar 1 quilo de tomate e R$19,90 para comprar 1 quilo de jiló. Como trabalha fazendo bolo por encomenda, Luciene compra, em média, dois

Mulheres negras chegam a receber 47% da remuneração paga para um homem branco botijões de gás por mês. E esse foi um dos grandes vilões do orçamento doméstico, com um reajuste anual de 36,99%. Mas o gás não está sozinho, a energia aumentou 21,1%, o transporte 21,03% e a gasolina quase dobrou de preço e aumentou 47,49%. Elas são maioria no mercado informal “Eu não tinha ocupação nenhuma, porque eu era faxineira e como fechou tudo, perdi minha renda. Então, comecei a fazer máscaras. E agora eu faço isso, vendo cosméticos, conserto roupas e faço bolo por encomenda”, conta Luciene. Acompanhando as taxas de reajustes nos preços dos itens básicos de sobrevivên-

cia, o índice de desemprego no país também está nas alturas, atingindo 11,1%. E, para piorar, as mulheres são a maioria entre os brasileiros desempregados ou em empregos informais, precarizados ou sem proteção social. “Além disso, os rendimentos das mulheres são em torno de 75% daquilo que ganha um homem não negro. Já as mulheres negras, chegam a receber 47% da remuneração paga para um homem branco”, explica a economista Isabela Mendes. Isabela ressalta que a instabilidade econômica somada à ausência de políticas sociais, também coloca as mulheres em vulnerabilidade social, com maior chance de vivenciar situações de violência do-

“Não está sendo nada fácil sobreviver nesta pandemia”, diz moradora da periferia de BH

méstica. “A implementação do Bolsa Família, por exemplo, que tinha como prioridade a titularidade das mulheres, teve um grande impacto no número de divórcios no Brasil e, consequentemente, no índice de violência doméstica”, diz. “Ao contrário do Bolsa Família, o Auxílio Brasil não é permanente, acaba em dezembro de 2022 e depois o cenário é de completa instabilidade”, lamenta a especialista. Sem apoio do governo “O auxílio do governo não está sendo suficiente para suprir as necessidades. Tudo aumentou muito. Não está sendo nada fácil sobreviver nesta pandemia. Estou passando por dificuldades para manter nossos filhos”, relata Taciane Cristina. Ela, que é mãe de cinco filhas, critica a falta de apoio do governo para população mais pobre do país. Moradora da Pedreira Prado Lopes, um dos maio-

res aglomerados de Belo Horizonte, cotidianamente presencia o sofrimento que as mulheres da periferia têm enfrentado. “Que as próximas pessoas eleitas cumpram as promessas e de fato olhem para o povo”, anseia a dona de casa. Infelizmente, segundo Isabela Mendes, no curto prazo, as perspectivas não são animadoras. “2022 deve seguir neste mesmo cenário, porque o conjunto de fatores que nos trouxe até aqui se mantém. Reflexo de um governo que abandonou completamente o compromisso com a vida dos brasileiros, sobretudo das mulheres”, aponta. Para a economista, a receita para reverter o atual cenário das brasileiras “obrigatoriamente” tem que ter como ingredientes políticas de geração de empregos de qualidade, soluções coletivas para os cuidados, como o aumento no número de creches, hospitais e escolas, políticas de assistência social e de combate à violência.


Belo Horizonte, março de 2022

ESPECIAL

93

Violência, pobreza e invisibilidade são marcas da política de Zema para as mulheres PREOCUPANTE Lideranças afirmam que o descaso do governador não ficou apenas no discurso, mas reverberou em ações práticas Alba Martinez Ana Carolina Vasconcelos “Isso [opressão contra a mulher] que a gente poderia chamar meio que instinto natural do ser humano”. “Para a mulher que separa, fica sendo uma obsessão da vida dela destruir o ex-cônjuge”. Essas frases foram ditas publicamente pelo governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), em 2020 e 2021, respectivamente. Passados quase quatro anos de gestão, o balanço é preocupante. Às vésperas do Dia Internacional das Mulheres, lideranças afirmam que o descaso de Zema com a pauta não ficou apenas no discurso, mas reverberou em ações práticas. Para a deputada estadual e presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), Ana Paula Siqueira (Rede), uma das medidas do governo que impactam negativamente a vida das mulheres foi a aprovação da reforma da Previdência estadual. “São as mulheres as mais afetadas pelo retrocesso que é a Reforma da Previdência, por exemplo, o aumento do tempo de serviço”, afirma a deputada. Sancionada por Zema em setembro de 2020, a Lei Complementar (LC) 156 estabeleceu novas regras para a Previdência estadual, que inclui também o aumento da idade para aposentadoria. Ainda segundo Ana Paula, o Conselho Estadual da Mulher de Minas Gerais (CEM), cujo objetivo é fomentar políticas públicas a favor das mulheres, ficou paralisado nos últimos anos. “É um grave problema porque o conselho

“As famílias que mais empobreceram em Minas Gerais são chefiadas por mulheres”

Para deputada, a reforma da Previdência estadual impacta negativamente a vida das mulheres é o espaço de fiscalização das políticas públicas e do direcionamento do recurso para essas políticas”, argumenta a deputada. Pobreza Um estudo realizado pelo Observatório das Desigualdades da Fundação João Pinheiro demonstrou que o aumento da pobreza marcou os últimos anos. Em nota técnica, o Observatório divulgou que, em Minas Gerais, a renda domiciliar per capita em 2019 era de R$ 1.330, caindo para

R$1.289 em novembro de 2020. O estudo demonstrou ainda que é sobre as mulheres negras a maior incidência da pobreza. Para a vereadora de Contagem Moara Sabóia (PT), enfrentar esse cenário exige um olhar amplo sobre a política. “Política para as mulheres, não é política para um setor da sociedade. É política para a maioria. As famílias que mais empobreceram em Minas Gerais são chefiadas por mulheres. A maioria, negra”, explica.

“Mulheres podem fazer outras coisas que não seja estar no lugar do cuidado”, diz vereadora

A vereadora acredita que o aumento da pobreza na vida das mulheres tem relação com a política geral aplicada pelo governo estadual no que diz respeito à geração de emprego, saúde e educação. “Você pode chegar em cada uma das cidades afetadas pela política de Zema com a mineração, por exemplo, e você verá que quem está se responsabilizando pela reconstrução da cidade são as mulheres”, completa. Mulheres na política Em muitos casos, são os espaços institucionais que definem as políticas que irão impactar positiva ou negativamente a vida das mulheres. Em toda a história da ALMG, apenas 30 mulheres foram eleitas para o cargo. Após as eleições de 2018, das 77 cadeiras disponíveis na Casa legislativa, apenas

10 foram ocupadas por mulheres. Ana Paula acredita que para mudar esse cenário é preciso incentivo. “Criamos também, recentemente, a bancada feminina que é um instrumento legislativo para dar mais voz às mulheres e, consequentemente, ajudar a gente a interferir mais nos processos políticos, com um olhar para as nossas mulheres”, explica. Sobre a pouca representação das mulheres em espaços de poder, Moara acredita que, além de não promover iniciativas para mudar essa situação, a postura do governador reforça a desigualdade de gênero na política. Ela cita o dia 8 de março de 2021, quando o governo de Minas, em parceria com a Embaixada Americana, lançou o programa TransformAction, iniciativa de capacitação profissional para mulheres. Dentre os cursos disponibilizados, estavam assistência administrativa, culinária, maquiagem e cabelereira. “Novamente, o governo deu o recado de qual é o lugar das mulheres para ele. Tem problema com os cursos? Não. Mas as mulheres podem ter outras profissões. As mulheres podem fazer outras coisas que não seja estar no lugar do cuidado”, argumenta a vereadora.


14 4

ESPECIAL

Belo Horizonte, março de 2022

Em Minas Gerais, 8 de março será marcado por protestos de rua e ações simbólicas FEMINISMO Dia Internacional de Luta das Mulheres reivindica melhores condições de vida. Em BH, ato será na Praça da Liberdade Mídia NINJA Cobertura Mulheres Contra Bolsonaro

Rafaella Dotta As mulheres de Minas Gerais pretendem ocupar as ruas no dia 8 de março, data que marca o Dia Internacional de Luta das Mulheres. Tendo realizado ações simbólicas nos últimos anos, devido à pandemia de covid-19, neste ano, a Frente Brasil Popular Minas Gerais convoca um protesto de rua na capital mineira, na Praça da Liberdade, às 16:30. “Neste ano, nosso ato vai ser nas ruas, com muitas mulheres. Nos últimos meses, já vivenciamos atos de rua, não só em Belo Horizonte como no Brasil todo”, explica Bruna Camilo, uma das organizadoras da manifestação. O motivo para organizar um ato de rua é também, segundo Bruna, a piora da conjuntura geral pela qual o país passa. “As mulheres estão morrendo pela violência de gênero, por conta da fome, do racismo, da LGBTfobia”, lamenta. As organizadoras da manifestação avaliam que essa piora está ligada ao governo federal, de Jair Bolsonaro (sem partido), e ao governo mineiro, administrado por Romeu Zema (Novo). Assim, as principais bandeiras são a denúncia de ambos os governantes, sob o lema “Bolsonaro Nunca Mais”. Atos também acontecem em cidades do interior de Minas. A divulgação está disponível no Instagram @frentebrasilpopularmg.

Depoimentos São as mulheres que protagonizaram as campanhas de solidariedade que acontecem no país desde o início da pandemia e que se apoiaram na campanha #EmCasaSimCaladasNunca. Kívia Costa, 24 anos, estudante de geografia

Cultura presente O 8 de março deste ano, em Belo Horizonte, terá a participação de grupos culturais da cidade, que já vinham integrando manifestações feministas de forma bem forte desde 2018. Em 2019, por exemplo, mais de 30 blocos de carnaval construíram e compareceram ao 8 de março. Para o ato deste ano, já estão confirmadas a dupla Dois Lados, o grupo de samba Batuque Beauvoir, a carnavalesca Carol Nogueira (bloco Abalô-caxi) e as cantoras Amorina, Izza Gabi Salomão (bloco Pisa na Fulô) e Amanda Coimbra (bloco Lavô tá Novo). “O ato será um cortejo de alegria e luta, com muita música, batucada, anunciando que seguimos vivas e firmes”, antecipa Lara Sousa, integrante do grupo de ciclistas Terça das Manas, do bloco Truck do Desejo e aliada da Caminhada das Lésbicas e Bissexuais de BH. “O 8 de março mobiliza mulheres de variadas categorias sociais, culturais e econômicas, porque entendemos que nossos direitos

e conquistas sempre são constantemente ameaçados”, completa Lara. “Em defesa das nossas vidas” A Articulação Nacional de Mulheres Bolsonaro Nunca Mais lançou um manifesto no início de fevereiro concordando com essa avaliação. Diante do atual cenário, a carta conclama que não só mulheres, mas todos os que se preocupam com essa situação atuem para denunciar o governo federal e a figura de Jair Bolsonaro. “Somos milhões e de todos os cantos deste país! Nós nunca saímos das ruas contra Bolsonaro e nelas continuaremos em defesa das nossas vidas”, anuncia. A carta é assinada por mais de 40 movimentos e associações.

EXPEDIENTE O Brasil de Fato circula semanalmente com edições regionais, em sete estados. Queremos contribuir no debate de ideias e na análise dos fatos do ponto de vista da necessidade de mudanças sociais em nosso país e em nosso estado. Tiragem: 20 mil exemplares. www.brasildefatomg.com.br / (31) 9 8468-4731

Iremos às ruas contra a fome e contra o governo Zema, que foi conivente com a política de morte de Bolsonaro, que agride as trabalhadoras cotidianamente. Bernardete Esperança, 44, enfermeira e coordenadora da Marcha Nacional das Mulheres É a hora das mulheres irem às ruas em defesa da vida do povo brasileiro, precisamos lutar pelas vacinas, pelo auxílio às famílias. Chega de fome no nosso país. Nathália Ramos, 33 anos, enfermeira A luta feminista me deu gás para conseguir lutar por tudo que eu sonhei. O feminismo para mim é estender as mãos para aquelas que me cercam. Solange Mara, 53, professora.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.