Edição Especial - Brasil de Fato MG - A luta pelos rumos do metrô

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especial

MG abril de 2022

Pablo Henrique / Sindimetro / MG

A luta pelos rumos do metrô

Para a grande maioria dos moradores debrasildefatomg.com.br Belo Horizonte e Região Metropolitana, o transporte público é essencial para Leia os artigos completos no site se deslocar ao local de trabalho e para acessar equipamentos de saúde, de cultura e de educação. Mas o metrô de BH sofre com a falta de investimentos. Especialistas e metroviários criticam a privatização do metrô, colocada em curso pelo governo federal. E afirmam que, privatizar, vai aumentar a tarifa ainda mais. Entenda a importância das mobilizações dos Estes são artigos de opinião. A visão dosse autores não expressa metroviários de Belo Horizonte (MG) necessariamente a linha editorial do jornal Brasil de Fato


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ESPECIAL

Belo Horizonte, abril de 2022

Entenda a importância das mobilizações dos metroviários de Belo Horizonte (MG)

LUTA Categoria critica privatização do metrô, colocada em curso pelo governo federal, e luta pela garantia dos empregos Sindimetro - MG

Ana Carolina Vasconcelos Em assembleia geral, na quinta (31), os metroviários decidiram manter a greve por tempo indeterminado. “A luta continua e estamos convictos de que podemos vencer. A empresa entrou com ações para determinar que o trabalho volte ao normal, mas nem mesmo a Justiça vem dando razão ao governo”, afirmou o Sindimetro, em nota. Os trens, portanto, continuam funcionando em horário reduzido, das 10h às 17h.

Ao serem privatizadas, as empresas tendem a demitir os concursados e admitir trabalhadores com salários mais baixos Risco de perder o emprego

Apoio à greve

Marcos Felipe Fonseca é um jovem de 22 anos, morador da cidade de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Todos os dias, Marcos pega um ônibus até a estação Eldorado, onde toma o trem até a estação Minas Shopping, próxima ao seu local de trabalho. Com a paralisação dos trens, a rotina de Marcos precisou ser alterada. No dia 21 de março, metroviários e metroviárias de BH iniciaram um movimento de greve, com cerca de 95% de adesão dos trabalhadores. Inicialmente, o jovem relata que ficou incomodado, pois a impossibilidade de acessar o metrô o fez gastar mais tempo de deslocamento até o trabalho. Porém, ao conhecer alguns motivos da greve, Marcos passou a apoiar o movimento. “Uma amiga me dis-

se que a greve era para melhorar o metrô. Se for para melhorar, eu apoio. Acho que o preço da passagem está muito alto. Depois que aumentou o preço, não melhorou a qualidade do serviço”, declarou ao Brasil de Fato MG. Entre março de 2019 e março de 2021, a população da capital mineira viu a tarifa do metrô aumentar de R$ 1,80 para R$ 4,50. Diretora do Sindicato dos Empregados em Transportes Metroviários e Conexos de Minas Gerais (Sindimetro), Alda Lúcia Fernandes dos Santos se solidariza com a população, mas explica que a situação é extrema. “Sabemos o quanto é difícil para os usuários, mas pedimos que eles nos entendam, porque estamos lutando pelos nossos empregos”, afirma.

Reivindicações da categoria

Uma das pautas reivindicadas pela categoria é o fim do processo de privatização do metrô. O Sindimetro avalia que, além de impactar diretamente no bolso dos usuários, a venda do metrô vai piorar as condições do serviço e deixar os trabalhadores da empresa ao léu. Em novembro de 2021, o governo federal criou a Superintendência de Trens Urbanos de Belo Horizonte (STUBH), que deixou de integrar a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) e se transformou em um “Veículo de Desestatização MG Investimentos S.A. – VDMG”. A empresa foi criada com objetivo de vender o metrô de BH para a iniciativa privada. O governo tem a expectativa de que a venda seja realizada em julho deste ano.

Uma das denúncias feitas pelo Sindimetro é a falta de garantia de estabilidade do emprego dos metroviários. A categoria reivindica que os trabalhadores sejam realocados para outros estados ou para outras unidades da CBTU. “Temos 12 meses de estabilidade. E depois, o que será feito dos empregados? Todos fizeram concurso público e não entraram por acaso. São funcionários do governo federal”, enfatiza Alda Lúcia, diretora do Sindimetro. Além da falta de garantias por parte do governo, os trabalhadores se preocupam, pois, como alerta o sindicato, em nota, ao serem privatizadas, as empresas tendem a demitir os concursados e admitir trabalhadores com salários mais baixos e menos formação na área de atuação.

Direito à cidade Para muitos moradores de Belo Horizonte e da Região Metropolitana, o transporte público é essencial para se deslocar ao local de trabalho e para acessar equipamentos de saúde, de cultura e de educação. No entanto, infelizmente, a realidade das grandes cidades é de exclusão das populações que vivem nas periferias. Marcelo Leão, mestrando em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade, na Universidade Federal de Santa Catarina, enfatiza que o direito ao transporte é fundamental para a construção de cidades mais justas e democráticas. “O direito à cidade é, em resumo, um direito que cabe a todos e a todas de participar de processos de produção e de fruição do espaço urbano. Ninguém pode ser excluído”, afirma. De acordo com o Estatuto da Cidade, instituído pela Lei Federal 10.257/2001, o direito à cidade, como explica Marcelo, está relacionado ao “direito à terra urbana, moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte, aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer para as presentes e futuras gerações”.

EXPEDIENTE O Brasil de Fato circula semanalmente com edições regionais, em sete estados. Queremos contribuir no debate de ideias e na análise dos fatos do ponto de vista da necessidade de mudanças sociais em nosso país e em nosso estado. Essa edição especial é uma parceria do Brasil de Fato MG, do Sindicato dos Metroviários de MG (Sindimetro) e o mandato da vereadora de BH Iza Lourença (PSOL). Tiragem: 15 mil exemplares. www.brasildefatomg.com.br / (31) 9 8468-4731


Belo Horizonte, abril de 2022

ESPECIAL

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Passagens mais caras, serviços piores e transferência de recursos públicos: o que está em jogo na privatização do Metrô de BH MERCADO Governo Bolsonaro aumentou tarifa seis vezes, passando de R$1,80 para R$4,50 Rovena Rosa /Agência Brasil

Wallace Oliveira O governo Bolsonaro pretende lançar, ainda no primeiro semestre, o edital de privatização do metrô de Belo Horizonte. Atualmente, o serviço é de responsabilidade da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), empresa pública federal que também administra os metrôs de João Pessoa, Maceió, Natal e Recife. Se for concretizada, a privatização trará aumento nas tarifas, perda de qualidade e transferência de recursos públicos para o setor privado, conforme apontam trabalhadores e estudiosos do assunto.

Tarifa mais cara

Ao contrário do que pregam os defensores da privatização, a entrega para o setor privado não reduz o preço da passagem. Um exemplo é o Rio de Janeiro, onde o serviço era ofertado pela CBTU até 1997, quando foi privatizado. Atualmente, as linhas de trens urbanos e o metrô são administradas por dois consórcios: a Supervia, pertencente ao grupo japonês Mitsui, que cobra R$ 5 por uma viagem de trem; o MetrôRio, controlado pela Invepar S/A, que, a partir de sábado (2), cobrará R$ 6,80 por bilhete unitário.

No Rio, tarifa sempre foi mais barata que a do ônibus. Privatizada, ficou mais cara

“No Rio, quando era da CBTU, a tarifa sempre foi mais barata que a do ônibus. Privatizada, ficou mais cara”, afirma o diretor de comunicação do Sindimetro-MG, Pablo Henrique Ramos. Ele também lembra o caso de São Paulo, quando a Linha 4-Amarela foi entregue à iniciativa privada. “Na linha privada, além dos R$ 4,40 que o usuário paga, o governo repassa mais R$ 1,90 por passageiro. Então, a população paga indiretamente também, no imposto”. No caso da CBTU, antes mesmo que se efetue a privatização, as cinco cidades têm passado por aumentos na tarifa. Em BH, só no governo Bolsonaro, o valor pago por uma viagem cresceu 150%, desde 2019. Se nos 12 anos anteriores o usuário pagou R$1,80, desde 2019, o valor foi reajustado seis vezes, até chegar aos atuais R$ 4,50. Isso porque durante os governos Lula e Dilma, entre 2006 e 2018, houve uma política de subsídios ao preço da passagem. No governo Bolsonaro, essa política foi revista.

Sinal para o mercado

Além disso, o aumento da tarifa pode acabar funcionando como um sinal para o mercado, abrindo caminho para a privatização, ao indicar que o investimento pode ser rentável. Foi o que defendeu, inclusive, o senador Carlos Viana (MDB), em maio do 2021. “Quanto mais obras exigirmos, dependendo do prazo, mais tem que se aumentar a tarifa”, disse.

Investimento público, lucro privado

De acordo com o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), para efetuar a privatização, cerca de R$ 3,2 bilhões deverão ser investidos, em recursos públicos federais e estaduais. O consórcio que adquirir o serviço terá o direito de explorar a concessão por 30 anos. Segundo o PPI, o valor mínimo de outorga no leilão será de R$ 83,4 milhões, com exigência de investimentos de R$ 703 milhões.

“Quem comprar vai ter na ‘sua conta’ 35 trens, estações, todo o maquinário e o investimento de R$ 3,2 bi! Em qual investimento você põe R$ 83 milhões e logo depois recebe R$ 3,2 bi?”, questiona Pablo Henrique Ramos, do Sindimetro-MG.

Entre 2000 e 2017, pelo menos 884 serviços foram reestatizados no mundo

Privatização não é sinônimo de expansão

Em outubro, após encontro com Bolsonaro em BH, Romeu Zema (Novo) alegou que uma eventual privatização permitiria expandir o metrô, criando novas linhas. O economista André Veloso adverte: “Mesmo que a operadora invista na

expansão para ganhar mais dinheiro, depois, ela receberia recursos do estado. É praticamente impossível fazer um sistema metroviário que se pague só com a tarifa”. No contexto das obras para a Copa do Mundo 2014 e as Olimpíadas de 2016, o Brasil expandiu sua rede de transportes sobre trilhos em 11%, isto é, 113 km. Essa expansão não teria ocorrido sem aporte de investimentos públicos.

Serviço fica pior

No dia 28 de março, passageiros da Supervia, privatizada em 1997, no Rio de Janeiro, protestaram com barricadas e fogo nas estações de Deodoro, Santa Cruz, Paracambi e Japeri. Segundo os moradores, o serviço apresentava atrasos frequentes ou até interrupções inesperadas, prejudicando quem contava com o trem para trabalhar.

No mundo, privatizações foram revertidas

Recente estudo do Public Service Europe Union, sindicato que representa 8 milhões de servidores na Europa, analisou os desempenhos dos setores público e privado. A conclusão foi que a eficiência do setor público é maior. Outra pesquisa, realizada pelo Transnational Institute, mostrou que, entre 2000 e 2017, pelo menos 884 serviços foram reestatizados no mundo.


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ESPECIAL

Belo Horizonte, abril de 2022

Melhorias no metrô de BH não dependem de privatização; entenda por que INVESTIMENTO Da verba para ampliação, apenas 11% virão da iniciativa privada, o restante é dinheiro público

Pablo Henrique /Sindimetro MG

Rafaella Dotta Em Belo Horizonte, a população espera melhorias no metrô há décadas, principalmente a ampliação das linhas. Entre os argumentos do governo federal, a privatização do metrô traria recursos para isso. No entanto, para o especialista Rafael Calabria, coordenador de mobilidade urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a venda não vai trazer investimentos. “A privatização é outra forma de gestão. Ao invés de ser pública, vai ser privada, mas os investimentos têm que vir da mesma forma e, normalmente, continuam vindo do poder público”, aponta. Os últimos anúncios sobre investimentos comprovam a avaliação de Rafael. Em setembro de 2021, o governo federal sancionou um aporte de R$ 2,8 bilhões para melhorias no metrô de BH, com o acréscimo de R$ 428 milhões do governo de Minas Gerais. Em contrapartida, a empresa que vencer a privatização deverá entrar com R$ 400 milhões, apenas 11% do investimento. Romeu Machado, metroviário há mais de 20 anos e presidente do Sindicato dos Empregados em Transportes Metroviários e Conexos de Minas Gerais (Sindimetro), destaca que, apesar de parecer um valor robusto, o recurso ainda é insuficiente para a ampliação do metrô. “A verba hoje destinada pelo governo, cerca de R$ 3,2 bilhões, não dá para

Depoimentos “Não adianta dizer que o metrô está ruim e não apoiar que ele paralise para tentar melhorar. Quando paralisa atrapalha a gente que pega todo dia, mas é por um bem maior” Jessica Silva, atendente de telemarketing

“Tudo que privatizou no Brasil piorou, pode reparar. Se privatizar o metrô, vai ser a mesma coisa, a gente vai pagar caro, às vezes até mais caro do que já paga, para deixar empresários mais ricos.

fazer a ampliação e a modernização. E não vai haver aporte suficiente da iniciativa privada para isso”, reforça. Ele ainda destaca que os R$ 400 milhões a serem investidos pela iniciativa privada serão emprestados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “Ou seja, todo o dinheiro vem do governo”, enfatiza. A opinião do sindicalista é de que as melhorias já poderiam ter sido feitas, pois todo o dinheiro envolvido é público. Ampliação das linhas Inicialmente, é cogitada a ampliação do metrô para a região do Barreiro, que será a linha 2. O projeto está em andamento, com verba do governo federal, sendo que as desapropriações para a faixa de domínio já estão sendo negociadas. Segundo Romeu, essa seria a obra mais rápida e com custo moderado. O problema central é a modernização de toda a linha 1, necessária para que a linha 2 seja acoplada e funcione. Modernização de equipamentos e trens Cerca de dez novos trens foram comprados em 2014. Agora, são necessárias a troca de

mais 25 composições, a troca das sinalizações, a ampliação e modernização das estruturas das estações. Isso tudo pensando no melhor funcionamento da linha 1 e no início da linha 2. Baixar preço da passagem Em menos de dois anos, a passagem do metrô de BH subiu de R$ 1,80 para R$ 4,50. Reduzir esse valor é uma das principais melhorias a serem feitas. Uma tarifa mais barata depende de quanto e como o governo federal decide investir, subsidiando ou não o preço. Integração do sistema de ônibus com o metrô Mais uma melhoria necessária é promover a integração do sistema de ônibus de Belo Horizonte e da Região Metropolitana com o metrô. Isso pode significar ter bilhetes de uso comum nos dois tipos de transporte, ter descontos para os passageiros que usam ambos e ter estações conjuntas. A intenção seria estimular o uso do transporte público de forma mais rápida e integrada, incentivando também o aumento do número de passageiros.

Stéfany Caroline, vendedora e estudante

“O metrô é fundamental para o povo de Belo horizonte, se for privatizando os trabalhadores não terão condições de pagar passagem” Rogério Corrêa, deputado federal

“O Estado tem o dever de oferecer o serviço de transporte público com qualidade e segurança para o povo, sem perder de vista a qualidade de vida dos trabalhadores do setor” Pedro Moretzsohn Bones, vendedor

“Temos um presidente que não dialoga e que está passando a privatização como um rolo compressor em cima dos metroviários dos usuários do transporte em BH” Iza Lourença, vereadora de BH

“Em Minas, Zema tenta desviar os recursos do acordo que ele fez com a Vale, que deveriam ser destinados à melhoria do metrô. Esse desvio será para a privatização” Beatriz Cerqueira, deputada federal


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