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MG Julho 2022
Gás, diesel e gasolina podem ficar ainda mais caros em Minas Gerais
A Refinaria Gabriel Passos (Regap) da Petrobrás, localizada em Betim, está à venda. Petroleiros, economistas e pesquisadores afirmam que, caso a privatização aconteça, os preços dos derivados de petróleo podem subir ainda mais. Se tivesse interesse, Bolsonaro poderia mudar a política de preços da empresa e resolver esse problema que acomete, principalmente, as famílias mais pobres. Sobre esses assuntos, confira nossas reportagens especiais
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Belo Horizonte, julho de 2022
“A solução para o problema dos combustíveis é mudar a política de preços da Petrobrás”, diz petroleiro ENTREVISTA Regap, em Betim, pode ser privatizada pelo governo Bolsonaro e população mineira pagará a conta Nádia Nicolau / Mídia NINJA
Debora Junqueira A Refinaria Gabriel Passos (Regap), localizada em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, está à venda. A privatização, segundo Alexandre Finamori, coordenador geral do Sindicato dos Petroleiros de Minas Gerais (Sindipetro-MG), pode trazer inúmeros prejuízos para a população mineira, mas o principal é que os preços da gasolina e do gás de cozinha podem aumentar ainda mais. Confira a entrevista: Brasil de Fato MG – A Regap está à venda. Quais as consequências disso para os mineiros?
Alexandre Finamori – A venda da Regap é um exemplo do esquartejamento da empresa e do desmonte para a privatização. Quem vai pagar a conta é a população, com combustíveis mais caros. Se a venda da Regap se concretizar, será criado um monopólio privado. Quem mora em Belo Horizonte não compra gasolina em outro estado. Então, a empresa que comprar a Regap poderá colocar o valor que ela quiser. Além disso, a Regap pode se tornar uma bomba-relógio para toda a região do entorno. O risco ambiental é enorme. Na lógica privada de ter apenas o lucro como objetivo, as empresas abrem mão de manutenção, de mão-de-obra capacitada e qualificada. É esperado que
trabalhadores sejam demitidos e que aumente a precarização. Essa lógica me faz lembrar dos crimes da Vale que ocorreram após a privatização. O que tem sido feito para tentar barrar a privatização da Regap e da Petrobrás?
O Sindipetro e o movimento sindical dos petroleiros estão na luta contra a venda da Regap e da Petrobrás em todas as frentes possíveis. O sindicato também denuncia a falta de transparência sobre o processo. Nem os trabalhadores, nem os municípios são
A empresa que comprar a Regap poderá colocar o valor que ela quiser
consultados ou têm acesso às informações. Há várias irregularidades e ilegalidades nessa venda e vários questionamentos judiciais foram feitos. O terreno da Regap, por exemplo, foi doado pela União e não pode ser vendido, já que a doação foi para uma empresa estatal que cumpre sua função social. A diretoria do Sindipetro também tem conversado com parlamentares de vários partidos, porque mesmo alguns que defendem privatizações são contrários à venda da Regap, por entenderem as consequências negativas que isso traz. Que interesses estão por trás da entrega da Petrobrás, que é tão estratégica para o país?
Por trás das tentativas de privatização da Petrobrás estão grandes corporações, como a Shell e a Chevron. Há muitas empresas estrangeiras com interesses em se
apropriar do petróleo brasileiro. Na verdade, Bolsonaro se sente acuado por sua base eleitoral. E os preços dos combustíveis impactam diretamente a inflação, encarecem o preço dos alimentos e aprofundam a crise. Por outro lado, o presidente é pressionado, porque, para se eleger, fez promessas ao mercado de acionistas e se comprometeu com a manutenção da política de preço abusiva, conhecida como Preço de Paridade de Importação (PPI), praticada pela Petrobrás desde o governo Temer. Afinal, Bolsonaro pode resolver o problema dos preços da gasolina e do gás de cozinha?
Com a elevação do preço do barril de petróleo no mercado internacional e o aumento do dólar, o PPI aprofundou o impacto nos preços dos combustíveis, como se vê nos aumentos sucessivos desde 2017. Bolsonaro pode resolver esse problema, o PPI não é uma lei. Como a Petrobrás é estatal, a União é a acionista majoritária e é o presidente quem indica os conselheiros que administram a companhia. Ele tem nas mãos a
Há muitas empresas estrangeiras com interesses no petróleo brasileiro
Bolsonaro tira de si a responsabilidade sobre os aumentos dos combustíveis capacidade de promover as condições necessárias para as mudanças das políticas internas da Petrobrás. No entanto, ele não faz isso por estar preso aos interesses do mercado financeiro. A solução em que Bolsonaro aposta, para se defender, é a privatização da Petrobrás, tirando de si o peso da responsabilidade sobre os aumentos abusivos dos combustíveis. Nós sabemos qual é a solução para o problema dos combustíveis, que é mudar a política de preços da empresa. Se Bolsonaro quer resolver, que ele saia da cadeira para que outro assuma o lugar. Como você vê a proposta do governo de criar uma CPI da Petrobrás?
As articulações de Bolsonaro com o presidente da Câmara, Arthur Lira, para privatizar a Petrobrás é estratégia eleitoreira. O objetivo deles é que a população não enxergue quem é o verdadeiro culpado dos altos preços dos combustíveis. Se tiver uma CPI da Petrobrás, a discussão tem que ser sobre a venda de refinarias pela metade do preço, para investigar quem ganha com isso.
EXPEDIENTE O Brasil de Fato circula semanalmente com edições regionais, em sete estados. Queremos contribuir no debate de ideias e na análise dos fatos do ponto de vista da necessidade de mudanças sociais em nosso país e em nosso estado. Esta edição especial é uma parceria do Brasil de Fato MG com o Sindicato dos Petroleiros de Minas Gerais (Sindipetro-MG). Tiragem: 40 mil exemplares. www.brasildefatomg.com.br / (31) 9 8468-4731
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Gasolina mais cara do Brasil: Governo Bolsonaro já entenda os impactos da venda vendeu 60 ativos da Petrobrás da refinaria na Bahia Andre Valentim / Agência Petrobras
PODE ACONTECER EM MG Vendida pela metade do preço, RLAM até hoje não investiu no setor e futuro dos petroleiros é incerto Ana Carolina Vasconcelos Após a venda da Refinaria Landulpho Alves (RLAM), localizada em São Francisco do Conde, na Bahia, o preço da gasolina no estado bateu recorde e se tornou o mais caro do Brasil. Na ocasião da negociação, em novembro do ano passado, o então presidente da Petrobrás, Joaquim Silva e Luna, afirmou que a privatização da RLAM iria reduzir os valores dos combustíveis, trazer mais investimentos, fortalecer a economia e “gerar benefícios para a sociedade”. “Isso é uma falácia sem tamanho. Quando uma empresa compra, ela não vai aumentar o investimento. Ela vai primeiro ter lucro para pagar o dinheiro investido”, comenta Eduardo Costa Pinto, pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Segundo estimativa do (Ineep), o valor justo de venda da refinaria seria de mais de US$ 3 bilhões. Ainda assim, a direção da Petrobrás, nomeada por Jair Bolsonaro, entregou a RLAM ao grupo Mubadala Capital por apenas US$ 1,8 bilhão.
Ana Carolina Vasconcelos
Futuro incerto para trabalhadores
População sente no bolso
Dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) demonstram que, no início de junho deste ano, a população baiana pagava em média R$ 7,972 pelo litro do combustível, enquanto a média nacional de preço era de R$7,247. Em Teixeira de Freitas, município localizado no Extremo-Sul da Bahia, na segunda semana de junho, o preço da gasolina chegou a R$ 8,59. A ANP ainda aponta que, entre as 20 cidades do país que cobram mais caro pelo litro do combustível, nove são baianas.
No plano de transição operacional da Petrobrás com a Mubadala, os gestores da estatal têm a perspectiva de concluir o processo de transferência de pessoal até fevereiro do ano que vem. Porém, em reunião realizada em fevereiro deste ano entre o Sindicato dos Petroleiros da Bahia (Sindipetro-BA) e as gerências de recursos humanos e de relações sindicais da Petrobrás, os dirigentes sindicais ressaltaram que as mudanças têm causado insegurança aos trabalhadores. “Quando os trabalhadores serão realocados? Quais as condições deste realocamento? Para quais unidades da Petrobrás cada trabalhador será transferido?”, questionou o sindicato.
Um levantamento realizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) demonstrou que, entre janeiro de 2019 e fevereiro de 2022, o governo Bolsonaro vendeu mais de 60 ativos da Petrobrás. Além das refinarias, as vendas incluem outras subsidiárias consideradas estratégicas como usinas eólicas, gasodutos, ações da BR Distribuidora, terminais, termelétricas e campos de petróleo. Na última segunda-feira (27), a estatal anunciou que irá reiniciar a venda de mais três refinarias: a Abreu e Lima (RNEST), em Pernambuco, a Presidente Getúlio Vargas (Repar), no Paraná, e a Alberto Pasqualini (Refap), no Rio Grande do Sul. Além dessas, o plano de desinvestimento da Petrobrás inclui a privatização de mais quatro refinarias: a Gabriel Passos (Regap), em Minas Gerais, a Unidade de Industrialização do Xisto (SIX), no Paraná, Refinaria Isaac Sabbá (Reman), no Amazonas, e a Lubrificantes e Derivados de Petróleo do Nordeste (Lubnor), no Ceará. Dessas, a empresa afirma que as três últimas já possuem contratos de compra e venda fechados. Para Juliane Furno, economista-chefe do Instituto para Reforma das Rela-
ções entre Estado e Empresa (IREE) e militante do Movimento Brasil Popular, a venda das subsidiárias e das refinarias representa o “apequenamento” da estatal. “Vai se reduzindo, se transformando praticamente num escritório que atua só na exploração e produção do petróleo. Isso deixa a empresa muito mais vulnerável, porque ela fica refém das taxas de câmbio e do preço internacional, variáveis que a Petrobrás não controla”, explica.
Troca-troca de presidentes
Desde o início do mandato de Jair Bolsonaro, a Petrobrás já teve cinco presidentes: Roberto Castello Branco, Joaquim Silva e Luna, José Mauro Coelho, Fernando Borges e, recentemente aprovado pelo conselho de administração da empresa, Caio Paes de Andrade. Borges foi presidente interino da estatal após a saída de Coelho, que foi culpabilizado pelo presidente da República pela alta nos preços dos combustíveis. “Um caso inédito na história do direito: o presidente da República quer uma CPI para investigar a Petrobrás, que integra o governo que ele chefia. E, por conseguinte, investigar os presidentes da Petrobrás que ele mesmo nomeou”. Afirmou Flávio Dino, ex-governador do estado do Maranhão.
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Belo Horizonte, julho de 2022
Com privatização da Regap, preços do gás, da gasolina e do diesel podem subir ainda mais em Minas ABSURDO Política de preços da Petrobrás, que tem gerado aumentos nos derivados de petróleo, foi adotada para garantir a privatização Nadia Nicolau
Wallace Oliveira “De uns anos para cá, os preços sobem quase toda semana. Antes, aumentava de vez em quando, mas dava para pagar. Se continuar encarecendo desse jeito, eu não sei o que nós aqui em casa vamos fazer”. É assim que Maria da Conceição Gomes descreve a dificuldade para comprar gás de cozinha e gasolina. Ela trabalha como cozinheira e o marido como motorista de transporte escolar. Perguntada sobre a venda da Refinaria Gabriel Passos (Regap), pertencente à Petrobrás, Maria da Conceição não acredita no discurso do governo federal, que diz que a privatização vai reduzir os preços. “Se com a Petrobrás na mão, ele não barateou, por que vai baratear entregando para o estrangeiro?”, questiona.
Embora o petróleo seja extraído e refinado no Brasil, as refinarias cobram dos brasileiros em dólar O economista Cloviomar Cararine, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), explica que os sucessivos aumentos dos últimos anos resultam de uma decisão política dos governos Temer (MDB) e Bolsonaro (PL), conhecida como Preço de Paridade de Importação (PPI). “Um dos objetivos do PPI era facilitar a venda das refinarias. Ora, não havia e não
Em caso de venda da Regap, haverá um monopólio privado na região res para os brasileiros, já que o petróleo é extraído e refinado no Brasil. Quando era candidato, Bolsonaro prometeu baratear os derivados do petróleo, mas, eleito presidente, manteve a política de Temer.
Preço médio do litro de gasolina comum no Brasil
Monopólio privado e aumento dos preços O ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, prega que, com a privatização de refinarias, haveria concorrência no país, barateando o gás, a gasolina e o
privatizações levarão à formação de monopólios regionais. O relatório do TCU, “Riscos e Oportunidades da Transição para o Novo Mercado de Refino”, conclui que há riscos de desabastecimento e os preços vão aumentar. “O nosso parque de refino foi construído e distribuído de forma regional. Então, as refinarias estão próximas ao litoral, próximas aos centros urbanos e com um tamanho e uma produção para atender às regiões onde elas estão. Então, vender uma refinaria em Minas não significa que ela vai concorrer com outra do Rio. Elas produzem, de certa maneira, coisas diferentes e têm seu mercado consumidor próprio”, acrescenta o economista Cloviomar Cararine.
A empresa compradora vai adquirir, além da refinaria, os dutos, até os terminais na Bahia DADOS DA ANP
há interesse de entes privados em comprar refinaria no Brasil, ter que concorrer com a Petrobrás e reduzir o preço. Então, era fundamental para eles que a Petrobrás, enquanto não vendesse as refinarias, praticasse a paridade”, afirma o economista. Essa paridade praticada pelo governo consiste no fato de que, embora o petróleo seja extraído e refinado no Brasil, as refinarias cobram aos brasileiros o preço da importação dos derivados, que varia conforme a cotação internacional do
barril de petróleo e do dólar. Gás e gasolina estão caros por causa do PPI Em 2016, logo após o golpe contra Dilma Rousseff, Michel Temer (MDB) implantou na Petrobrás a política do Preço de Paridade de Importação (PPI). Pela nova política, o preço cobrado na refinaria pelos derivados do petróleo, como gás, gasolina e diesel, acompanha a cotação do dólar e o preço do barril no mercado internacional. A política anterior, pelo contrário, garantia preços meno-
diesel. Não é isso, porém, o que mostram os estudos sobre o assunto. Um trabalho desenvolvido por pesquisadores do Departamento de Engenharia Industrial da PUC do Rio de Janeiro indica que, em caso de privatização da Regap, em Betim, haverá um monopólio privado na região. A empresa compradora vai adquirir, além da refinaria, os dutos, até os terminais de Jequié e Itabuna (BA), e o acesso ao escoamento ferroviário de produtos. Outra análise, produzida pelo Tribunal de Contas da União (TCU), aponta que as
“Antes, aumentava de vez em quando, mas dava para pagar. Se continuar encarecendo desse jeito, eu não sei o que nós aqui em casa vamos fazer” Maria da Conceição Gomes, sobre o preço do gás de cozinha e da gasolina. Ela trabalha como cozinheira e seu marido como motorista de transporte escolar.