“Essas mineradoras lucram muito e a gente vê que não estão investindo tanto em segurança dos seus empreendimentos. A Samarco já teve o rompimento de um mineroduto, em 2010, o que mostra que existe repetição dessas questões”. Leticia Oliveira, da coordenação estadual do Movimento dos Atingidos por Barragens Minas Gerais
Novembro de 2015 • EDIÇÃO ESPECIAL • brasildefato.com.br/mg • distribuição gratuita
Uma tragédia anunciada Duas barragens romperam na quinta-feira, 5 de novembro, em Bento Rodrigues, distrito de Mariana. Dezenas de pessoas ainda estão desaparecidas, muitos mortos e centenas desabrigadas. Uma terceira barragem corre o risco de romper. Os impactos atingem toda a bacia do Rio Doce. As barragens são de responsabilidade da empresa Samarco, que pertence à Vale e à BHP Billiton. Confira cobertura completa em http://cobertura.brasildefato.com.br
O quE A VALE TEM A VEr COM O dEsAsTrE? A Vale é uma das maiores mineradoras do mundo, acumula lucros exorbitantes e detém 50% das ações da Samarco, junto com a australiana BHP Billiton. A mineradora brasileira foi privatizada em 1997, no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), do PSDB. Movimentos populares questionam, até hoje, todo o processo de privatização. Isto porque a empresa
foi vendida num leilão por R$ 3,3 bilhões, enquanto especialistas estimavam seu preço em, ao menos, R$ 30 bilhões. Desde então, a Vale é o centro de diversos processos na justiça e denúncias sobre as violações de direitos humanos e ambientais no país, como a falta de investimento na segurança dos empreendimentos.
“Não há fatalidade nisso. Não podemos admitir que seja acidente um rompimento de um empreendimento de tamanha magnitude. Por isso, considero que seja uma negligência” Promotor Carlos Eduardo Ferreira Pinto, Coordenador da Promotoria do Meio Ambiente, em entrevista à imprensa Editorial | Minas
Não foi um acidente: é um modelo
Foi tremor de terra que causou a tragédia? O integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) Joceli Andrioli, informou que possui documentos com indícios de vazamentos na barragem da Samarco que se rompeu. O movimento vai contestar a teoria de que um tremor de terra teria provocado a tragédia. “Os documentos, já em mãos do Ministério Público, têm todo o processo de licenciamento ambiental anterior da obra, que já constatava área de risco. Os documentos têm indícios de vazamentos em mais de 100 locais”, disse.
Solidariedade A Arquidiocese de Mariana colocou à disposição uma conta bancária para receber doações em favor dos atingidos. A própria Arquidiocese vai monitorar essa conta. Mais informações no Departamento Arquidiocesano de Comunicação (Dacom) pelo (31) 3557-3167.
Titular: Arquidiocese de Mariana CNPJ: 16.855.611/0001-51 Banco: 104 – Caixa Econômica Federal Agência: 1701 – Mariana Operação: 03 Conta Corrente: 01-7
Quando uma tragédia, como a classificado como um crime de que ocorre na região de Mariana lesa-pátria, já que foi vendida por e toda bacia do Rio Doce, acon- R$ 3 bilhões (quando havia quem tece, somos tomados de muitos a avaliava em mais de R$ 100 bisentimentos: compaixão, raiva, lhões) pelo presidente Fernanindignação, medo. As inúmeras do Henrique Cardoso. O mesmo campanhas de solidariedade às que, pouco antes, aprovou uma vítimas demonstram que somos lei que isenta as mineradoras de afetados diretamente pela dor do pagar tributos pela circulação de outro, ainda que não o conheça- mercadorias e serviços. mos pessoalmente. Diversos movimentos populaEssa reação merece ser incen- res alertam há décadas sobre o tivada. Mas é preciso também risco para o país e sua população pensar e atuar mais a fundo. Este desse modelo predatório, que genão foi um acidente natural. Es- ra destruição ambiental, exploratá demonstrado que a causa do ção do trabalho e mortes. rompimenNão é à to da barratoa que se gem não foi O desastre faz parte de uma lógica c o n f i g u r a um tremor como resude cobiça e exploração de terra. O mo da tragérompimendia a palato dessa barragem não é um fa- vra de ordem “não foi acidente”. to isolado. O desastre faz parte de uma lógiO Brasil, e especialmente Mi- ca, amparada na economia, nas nas Gerais, é rico em minério. leis, na estrutura do governo que Ele foi duramente explorado des- se rende ao mercado, interessado de os tempos de colônia, e segue somente em lucros. Lucros aprocomo um dos motores da econo- priados por muito poucos aciomia. Para garantir a extração des- nistas e empresários. O Estado, se material e, teoricamente, ge- por sua vez, nega seu papel de rar riqueza e desenvolvimento, o agente público ao se posicionar poder público, em todas suas es- ao lado desse modelo. feras, transfere para a iniciativa Somos e seremos solidários. A privada sua exploração, em tro- dor precisa ser nosso motor de ca do pagamento de alguns im- revolta, de questionamento, de postos e “compensações” sociais organização. Essa tragédia explie ambientais. cita que é cada vez mais necessáEssa lógica se aprofundou com ria a denúncia desse modelo prea privatização da então Vale do datório e novas formas de lidar Rio Doce, em 1997, em um pro- com a natureza e com a humanicesso cheio de irregularidades e dade. Expediente Edição: Beatriz Pasqualino, Frederico Santana Rick, Joana Tavares. Redação: Joana Tavares, Larissa Costa, Rafaella Dotta, Vivian Fernandes, Simone Freire, Camila Hoshino, Camila Maciel, Beatriz Pasqualino, Isis Medeiros, Vinícius Vieira. Fotografia: Isis Medeiros, Lucas Bois, Rafael Lage, Douglas Resende, Caio Santos, Vinícius Vieira, Rafaella Dotta. Infográfico: José Bruno Lima, Laura Viana. Charges: Vitor Teixeira. Diagramação: Bruno Dayrell.
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“A opção da Igreja já foi feita. Na luta entre Golias e Davi, nós ficamos ao lado do menino. A posição tem que ser clara e sem ambiguidades: temos que ficar ao lado dos atingidos e não de quem provocou a tragédia” Dom Geraldo Lyrio Rocha, Arcebispo da diocese de Mariana Entrevista
“A responsabilidade é das empresas!” Lucas Bois
Confira a entrevista com Marcio Zonta, dirigente do Movimento dos Atingidos pela Mineração (MAM), sobre o rompimento das barragens em Mariana. Como você avalia a situação? Primeiro, não é uma catástrofe ambiental e, segundo, que não é um acidente. É um acontecimento de total responsabilidade das empresas. A mineração é uma coisa que se expande sobre a natureza e as comunidades, só que não há um planejamento da empresa para que você tenha a possibilidade para prever este tipo de acidente. A Samarco disse que licenças ambientais estavam em dia e que ela faz o monitoramento constante. Qual sua opinião sobre isso?
Este é o problema, a empresa faz a própria vistoria. Não há uma auditoria externa que possa dizer “é necessário isso e aquilo e o gasto será de tanto”. A empresa faz conforme a lucratividade dela não seja abalada. Então, ela faz o próprio planejamento a partir do que pretende gastar. De quem é a culpa dessa tragédia? Metade das ações da Samarco é da Vale. A Vale mais uma vez é a grande responsável por este acontecimento.
Isis Medeiros
“Eu achava que não ia acontecer nunca, mas tinha gente ali que sempre ficava com esse medo sim. Toda reunião que a gente fazia, mesmo que não era nesse assunto, alguém sempre falava que aquilo podia estourar. Eu nem sei o que eu vi. Era um barulho insuportável e eu via árvore, casa, gente… A comunidade agora tem que ser mais unida. Se for pra montar uma associação, vamos montar. Não foi unido que a gente venceu a lama? Um ajudando o outro? Agora tem que ser também!”
Edilaine Marques dos Santos, 26 anos, moradora de Mariana Isis Medeiros
Cerca de 500 pessoas se concentraram na Praça Jardins, em Mariana, na quinta (12) e foram em marcha até a Praça Sé, onde aconteceu um debate com o MAB, a Arquidiocese, sindicatos e ambientalistas. O ato cobra a apuração da responsabilidade dos envolvidos na tragédia e informações sobre a reconstrução da vida dos atingidos e trabalhadores. O ato também teve o objetivo de levantar propostas de organização
Em crítica à Vale, internautas compartilharam vários memes nas redes sociais
“Tem que escolher para quem quer governar e quem quer escutar. As mineradoras já foram escutadas durante as três gerações do choque de gestão em Minas Gerais. Está na hora de escutar o povo.” Beatriz Cerqueira, presidenta da CUT Minas
Movimentos cobram medidas para combater desastre da Samarco/Vale ALErTA Pauta com reivindicações dos atingidos foi entregue a Dilma e Pimentel Roberto Stuckert Filho / PR
Na quinta-feira (12), o Movimento dos Atingidos por Barragens e a Arquidiocese de Mariana encaminharam à presidenta Dilma Rousseff e ao governador Fernando Pimentel um documento com reivindicações das pessoas que foram diretamente prejudicadas pelo desastre ambiental da Samarco/Vale. A catástrofe, que começou há uma semana com o rompimento dos reservatórios de rejeitos de Fundão e de Santarém, devastou o distrito de Bento Rodrigues, matou moradores e funcionários, está contaminando rios e nas-
centes e prejudica o fornecimento de água em diversas cidades. O documento contém seis pontos, que passam pela assistência às comunidades atingidas, recuperação da região da bacia do Rio Doce, formação de mesas de negociação entre governos, entidades da sociedade civil e as empresas responsáveis pelo desastre, uma legislação que “não coloque o interesse pelo lucro acima da vida”. Os propositores do documento também estão preocupados com o risco de que a Barragem de Germano ve-
nha a se romper e aumente os danos à população de Minas Gerais. Por isso, pedem que os governos intervenham imediatamente para garantir a segurança. Pontos principais da pauta “Cobramos que a negociação seja feita de forma coletiva e não individual, para que possamos constuir uma nova Bento Rodrigues”, destaca trecho do oficio entregue pelo MAB e Arquidiocese. São três os pontos principais: - Aluguel de casa para todos os atingidos até que o
Representantes do MAB e Arquidiocese entregam ofício com seis pontos de reinvindicação para Dilma e Pimentel
reassentamento seja efetivado - Pagamento de um salário mensal por pessoa até que sejam restituídas as condições de trabalho
- Reconstrução de todas as comunidades atingidas - Participação plena dos atingidos em todas as etapas do processo de negociação.
O Movimento dos Atingidos por Barragens denunciou que as mineradoras obtêm grandes lucros e não investem na população e no meio ambiente. Confira abaixo os questionamentos feitos pelo movimento:
Qual é o resultado desta
O que sobrou
irresponsabilidade?
para a região?
• Perda de vidas, familiares, amigos
• Contaminação da água
• Perda de casas, escolas, terras, água de qualidade • Perda da produção, do trabalho e da criação de animais • Perda de laços, sonhos, identidade cultural
• Destruição ambiental • Impacto na saúde, devido aos venenos presentes na água: chumbo, mercúrio, arsênio, ferro, etc. • Prejuízo para os cofres públicos que gastaram milhões por causa do rompimento
Você sabia?
Outras tragédias que já ocorreram em Minas Gerais:
2001
Macacos foi atingida e 5 trabalhadores morreram.
2006
30% da população de Miraí ficou desalojada.
2012
O Ministério Público Federal divulgou que 83 barragens no estado não têm estabilidade estrutural.
Fonte: Movimento dos Atingidos por Barragens - www.mabnacional.org.br