Edição Especial
Feira de produtos da Reforma Agrária
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Joka Madruga
Pratos típicos de todas as regiões do Brasil, além de centenas de variedades de produtos serão vendidos na feira
| PÁGINA 2 | Minas Gerais
julho de 2016 • edição especial • brasildefato.com.br • distribuição gratuita
Festival ocupa Belo Horizonte com cultura camponesa
Joka Madruga
De 20 a 24 de julho, a Praça da Estação e a Serraria Souza Pinto recebem uma feira com mais de 160 toneladas de produtos como frutas, grãos e verduras, shows, mostra de poesia, música, artes plásticas e fotografias. O Festival Nacional de Arte e Cultura da Reforma Agrária, organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), pretende mostrar a diversidade da vida no campo brasileiro. Entre as atrações confirmadas, estão Chico César (foto), Xangai, Zé Mulato e Cassiano, Aline Calixto, Pereira da Viola e Renegado
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160 toneladas de produtos da reforma agrária serão vendidos em BH FESTIVAL Praça da Estação e Serraria Souza Pinto recebem atividades culturais e feira Arquivo MST
Agatha Azevedo
dutos agroecológicos, orgânicos, artesanatos, agroindustrializados e in natura.
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ntre os dias 20 e 24 de julho, Belo Horizonte receberá iguarias de todos os cantos do país. Caminhões carregados com a cozinha e produtos da reforma agrária, vindos dos mais diversos assentamentos e acampamentos, trarão a produção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) para a capital mineira. A Feira, que acontece na Serraria Souza Pinto, é parte da programação do Festival da Reforma Agrária e trará mais de 160 toneladas de alimentos para comercialização, dentre eles, pro-
Legumes, frutas e grãos produzidos nos assentamentos e acampamentos serão comercializados em BH
Produtos mineiros Uma das atrações principais é o Café Guaií, produzido no Sul de Minas Gerais. O famoso cafezinho mineiro é produzido por 500 famílias – de 3 assentamentos e 11 acampamentos – que vivem e trabalham na terra desde 1996. Do Norte de Minas, virão rapadura, açúcar mascavo, geleia de umbu e doce de castanha de baru, além de mel. Produtores de 16 estados, distribuídos em mais de 100 cooperativas, 96 agroindústrias e 1,9 mil associa-
ções, trarão pratos típicos de cinco regiões do país para a Feira Gastronômica do MST.
Além de venda de produtos, feira vai contar com pratos típicos de todas as regiões do país Quem passar pelo local poderá provar pato no tucupi, churrasco de bode, tapioca, frango com pequi, acarajé, arroz carreteiro, o tropeiro mineiro e outras iguarias dos assentamentos.
Agroecologia como alternativa ao agronegócio CULTIVO CONSCIENTE Técnologia prevê a plantação sem venenos e preservação da natureza Pablo Vergara
Movimento aposta na agroecologia como saída para a crise alimentar mundial
Raíssa Lopes
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limentos saudáveis, livres de agrotóxicos e derivados de uma produção voltada não apenas para a venda, mas para a cons-
ciência dos meios de produção, da situação de pessoas que vivem deles e da utilização consciente da natureza. Essa é a proposta da agroecologia, uma forma de cuidar da terra que é tam-
bém uma ciência, segundo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que a adotou, ainda que muitas vezes em um processo de transição. O conceito de agroecologia é da década de 1930, e caracteriza um tipo de produção que não usa produtos químicos e recicla todos os seus componentes. Bruno Silva Diogo, do setor de produção do MST, explica que ela é a saída sustentável contra o agronegócio, apresentado pela grande mídia como única forma de plantar em larga escala. “Esse modo de produção [agronegócio] é um pacto entre grandes propriedades, empresas, meios de comunicação de massa e o Estado”, pontua. “Mas
ele não se sustenta sem as imensas quantidades de recursos financiados todos os anos. Além disso, gera desigualdades sociais e envenena as águas, solos e os alimentos no campo e na cidade”, critica. Sem crise alimentar Segundo relatório anual publicado em 2015 pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), uma em cada
sete pessoas no mundo passa fome. O MST ressalta que a proposta de agroecologia poderia auxiliar a solucionar a crise alimentar. “Isso nos diferencia do modelo destruidor da exploração de camponeses. Ao recuperar e preservar as matas, por exemplo, os assentados se tornam produtores de água. Por isso defendemos a necessidade de uma Reforma Agrária Popular”, afirma Bruno.
Expediente:
Esta publicação é uma parceria entre o Brasil de Fato Minas Gerais e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
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“Acampamentos não resistiriam se não fossem as músicas” ENTREVISTA Dirigente do MST afirma que movimentos populares precisam incorporar arte e cultura em sua rotina Geanini Hackbardt
Rafaella Dotta
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Festival Nacional de Arte e Cultura da Reforma Agrária chega a Belo Horizonte com toneladas de alimentos, mas também com litros e litros de arte. Segundo Ênio Bohnenberger, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), pelo menos 16 estados estarão representados na mostra de música e poesia.
Ênio: “Enquanto um discurso ou livro podem ser um pouco difíceis de entender, a arte é muito fácil de levar ideias”
ra como sobrevivência política e de um processo que começou oficialmente em 1999, com o primeiro Festival de Música do MST, na cidade de Palmeira das Missões (Rio Grande do Sul).
A gente quer mostrar para a sociedade o que a gente é, o que a gente faz diariamente” Este é o resultado de um movimento que tem a cultu-
Brasil de Fato: Qual a intenção deste festival? Ênio Bohnenberger: O objetivo é utilizar essas atividades culturais para a uni-
dade do movimento semterra. Segundo, é divulgar o que a gente produz no campo. A gente quer mostrar para a sociedade o que a gente já é, o que a gente faz diariamente. Desde a produção de alimentos até a cultura das nossas escolas. O MST não é um movimento por terra? Qual a ligação com a cultura?
Muitos acampamentos nossos não resistiriam se não fossem as músicas, e a cultura muitas vezes religiosa. Muitas vezes, quando a gente rezava, não era uma reza para um deus que ia salvar a gente, mas para buscar força. Assim é quando a gente canta: nos dá um elemento extraordinário para a luta.
O festival faz parte da luta política por democracia” Desde quando existe essa ligação do MST com a arte? A música e a poesia foram as coisas que mais se expressaram no MST des-
de o primeiro momento. Composições cantadas no Sul passaram a ser cantadas também no Pará, o que nos unificou muito em termos nacionais. Enquanto um discurso ou um livro podem ser um pouco difíceis de entender, a música, a poesia, a dança são meios simples de conscientizar e levar ideias. Por que realizar em Belo Horizonte? Escolhemos BH porque é uma das capitais mais importante do país e porque tem uma cultura da periferia se destacando aqui, e está cumprindo um papel fundamental. Basta a gente ver o carnaval de Belo Horizonte. Isso pode nos ajudar a entender como vamos enfrentar o golpe que está acontecendo no país. O festival não é um evento que no dia 24 acaba. Nós queremos transformá-lo em uma luta política por democracia.
Em 32 anos, 350 mil famílias foram assentadas junto ao MST REFORMA AGRÁRIA Movimento mantém entre suas bandeiras a luta por uma sociedade mais justa O que é o MST? O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é um movimento popular fundando em 1984, com o objetivo de lutar pela terra, por reforma agrária e pela transformação social. Atualmente, está presente em 24 estados do Brasil. O MST afirma que 350 mil famílias foram assentadas a partir da ocupação de terras.
Escola itinerante O MST destaca que a “educação é instrumento fundamental para a continuidade da luta”. Assim, montam uma escola em toda ocupação de terras, para atender desde crianças até idosos. Essa ideia da educação que segue a dinâmica da luta social inspira as “escolas itinerantes”, que caminham junto com o movimento.
Acampamento X Assentamento Uma ação muito característica do movimento é a ocupação de terras, para pressionar o Estado a fazer a reforma agrária. Os trabalhadores rurais chamam essa forma de organização de acampamento, onde muitas vezes moram durante anos. Quando o Incra compra a terra improdutiva do proprietário e faz a desapropriação, ela se transforma em assentamento, local de produção, moradia e luta por direitos.
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Festival ocupa latifúndio da arte e cultura no Brasil DIVERSIDADE Mostra de poesia, música, artes plásticas e fotografia fazem parte da programação Arquivo MST
Solange Engelmann
Artistas se somam à festa
A
lém de ocupar latifúndios, prédios públicos e rodovias como forma de pressionar para a conquista de direitos, como o acesso à terra e políticas para o campo, o MST também busca ocupar outros espaços, para reconstruir a cultura popular e camponesa através da luta e da resistência. Segundo Ester Hoffmann, da direção nacional, é por isso que, além de focar na produção de alimentos sem agrotóxicos, a organização inclui outros setores, como a cultura, a comunicação e a educação. “O Festival de Arte e Cultura é uma prova disso. O movimento vai mostrar o que produz não só na terra, mas no campo do pensamento. E também fortalecer os laços de integração com os trabalhadores da cidade”, afirma. Como parte da programação, está prevista uma Mostra de Poesia, que contou com inscrições de diversos poetas do Brasil. “A Mostra de Poesia trará a vida do camponês ao versar sobre seu dia a dia, os desafios da peleia, a história de nossos massacres. Ao poetizar sobre o ataque à democracia que estamos vivendo, trará a justeza da luta da classe trabalhadora ao escrever sobre ela”, conta Luana Oliveira, do setor de cultura. Seminários e debates Paralelo ao festival, serão realizados debates sobre temas importantes no momento histórico do país, como educação, saúde, gênero e comunicação. O principal tema em dis-
Ao longo do festival, vários shows devem embalar as noites na Praça da Estação. Titane, Pereira da Viola e Wilson Dias são alguns dos confirmados, em apresentações gratuitas. Mostra de poesia vai contar com apresentação de diversos poetas do Brasil todo
cussão é o papel da cultura na formação política dos sujeitos Sem Terra e trabalhadores do campo na luta por mudanças sociais, políticas e culturais. “Pretendemos estimular a leitura do conjunto da classe trabalhadora sobre a política e a cultura de resistência. Queremos também construir elementos para reforçar o projeto de Reforma Agrária através da cultura popular, na qual as trabalhadoras e trabalhadores sejam sujeitos”, afirma a integrante do setor de formação do MST, Michelle Neves.
Mostra de Artes Plásticas O festival também conta com a Mostra de Artes Plásticas, que por meio de fotos e pinturas vai expor fatos sobre os 32 anos de história do MST. As obras são de vários fotógrafos e artistas camponeses e apoiadores, que colaboraram no registro da história do MST. “As fotos têm o potencial de denunciar, problematizar e propor alternativas à concentração da terra e a questão agrária no Brasil”, afirma Evelaine Martines, do coletivo nacional de cultura.
Acampamento em miniatura O Festival vai contar também com a montagem de um “Acampamento Sem Terra”, de lona preta, na Praça da Estação. A exposição do acampamento vai reproduzir um conjunto de experiências desenvolvidas pelos trabalhadores do MST nos acampamentos e assentamentos do país, como a organização de uma escola itinerante, espaço de saúde, debates sobre questões de gênero e experiências de produção agroecológica. O visitante terá a oportunidade de manter contato com um barraco– espaço de moradia itinerante e precária até a conquista da terra -, e, através de imagens, vídeos, áudios e conversas, ampliar os conhecimentos sobre a vivência dos trabalhadores do MST no seu processo de luta e organização.
“O festival é uma oportunidade para que a população da cidade se encontre com os assentados, converse a respeito da realidade dentro dos assentamentos, a respeito dessa prática tão importante que é convívio dentro das ocupações. A experiência do MST para nós é fundamental” - Titane Sian Sene
Reprodução
“Para mim está sendo uma grata alegria fazer parte desse momento especial, do Festival Nacional de Arte e Cultura da Reforma Agrária. É um momento em que a gente mostra pra sociedade brasileira a produção que o MST faz, que alimenta a nação brasileira” - Pereira da Viola
“Nada melhor do que a gente utilizar a nossa arte para dar as mãos a esse projeto maior. O MST vem mostrar o que está propondo para a política. Um projeto de transformação, que a gente acredita. A gente quer dar para os nossos filhos alimentos que alimentem de fato e não envenenem. Vamos fazer que nem os passarinhos, cantar em bando porque a arte tem que ocupar esse espaço” - Wilson Dias
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