PDF edição especial 3 anos de lama e luta

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Larissa Helena / A Sirene

MG

ESPECIAL

LAMA E LUTA 3 ANOS APÓS O CRIME, RIO DOCE FICOU NA MEMÓRIA Minas Gerais

Belo Horizonte, novembro de 2018 • brasildefato.com.br • distribuição gratuita

ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDÃO (Samarco/Vale/BHP Billiton) 3 anos depois: O que querem os atingidos? Mulheres enfrentam duras consequências Reparações são decididas pelas mineradoras

MAB prepara mobilizações em toda a bacia

Nilmar Lage


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ESPECIAL

Belo Horizonte, novembro de 2018 Nilmar Lage

Lentidão e injustiça mantêm abertas feridas após 3 anos do crime À ESPERA Reparações são decididas quase exclusivamente pelas mineradoras responsáveis pelo rompimento Rafaella Dotta

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om a chegada do dia 5 de novembro de 2018, os atingidos pela barragem têm uma triste tarefa: fazer o balanço de tudo o que aconteceu depois do rompimento da barragem de Fundão, de propriedade da Samarco/ Vale/BHP Billiton. E a palavra que mais aparece é “frustração”. Depois das mortes e das perdas em 2015, a vida de milhares de pessoas mudou para pior e, afirmam, as mineradoras pouco fizeram para consertá-las.

Só uma casa construída

As comunidades de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira, em Minas Gerais, foram as que tiveram o maior número de casas atingidas ou destruídas pela lama. O Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) calcula que pelo menos 410 famílias precisarão ser reassentadas, e mais de 300 aguardam a reforma ou reconstrução de suas casas.Apenas uma foi efetivada até o momento, no distrito de Ponte do Gama, zona rural de Mariana. As casas de Bento Rodrigues – o povoado que foi totalmente

destruído - foram prometidas para março de 2018, mas o prazo foi prorrogado para junho de 2019. Outra marca da lentidão é a falta de soluções para o uso da água, a plantação e criação de animais em lugares por onde a lama passou. Letícia Oliveira, integrante do MAB, explica que os moradores pressionaram a Fundação Renova- criada pelas mineradoras para fazer as reparações - para realizar estudos mais aprofundados, mas acabaram retomando as atividades por sua conta e risco. “Mesmo aqui em Mariana, que tem muita contaminação, o pessoal está comendo e criando peixe”, diz Letícia. Os moradores criam peixes em tanques naturais na terra – um buraco escavado e cheio d’água –, que pode ser contaminado através do solo.

O desleixo com a contaminação

Já em Barra Longa, a incerteza deu lugar aos sintomas. O Instituto Saúde e Sustentabilidade, em parceria com o Greenpeace, entrevistou 507 pessoas e 37% delas relatou que sua saúde piorou depois do desastre. Dor de cabeça, tosse

e dor nas pernas são os mais recorrentes e 83% afirmam ter adquirido problemas emocionais ou comportamentais. Dentre as crianças, as doenças respiratórias foram 60% das reclamações. Os mesmo sintomas são sentidos em toda a bacia, da foz ao litoral do ES. A filha de Simone Aparecida, de 4 anos, apresenta dificuldades para respirar, manchas vermelhas e queda de cabelo. “Tem três anos que eu estou denunciando esses problemas de saúde”, lamenta. Uma receita médica aconselha que a família deixe a cidade, para que a criança não fique próxima da lama, porém, a Fundação Renova não fornece nova moradia nem o benefício do cartão mensal, pois não considera que a criança seja atingida.

Indenizações injustas

As reclamações sobre as indenizações também são muitas. Atingidos se dizem indignados com a falta de transparência e a demora dos ressarcimentos. Pessoas com problemas iguais estariam recebendo valores diferentes, famílias que requerem indenização ainda esperam resposta e os valores seriam abaixo do espe-

rado. Para Thiago Alves, do MAB e morador do médio Rio Doce, os casos mostram uma desorganização da Renova. O Movimento de Atingidos por Barragens calcula que quase 2 milhões de pessoas foram atingidas pelo crime da Bacia do Rio Doce. Dessas, 30 mil foram cadastradas, 8.537 foram indenizadas por danos gerais e 254 mil indenizadas por desabastecimento de água, que pagou em média mil reais por pessoa. O programa de auxílio financeiro emergencial assiste atualmente 10 mil famílias, com um salário mínimo por mês, mais 20% por dependente e cesta básica.

Respostas A Fundação Renova declara que contratou 80 profissionais que se integraram aos órgãos do SUS na região e está em andamento a Avaliação de Risco à Saúde Humana, fiscalizada pelo Comitê Interfederativo. Declara ainda melhorias nas Estações de Tratamento de Água em cidades atingidas, e que a água do Rio Doce “pode ser bebida com segurança desde que seja tratada”.

Raio-x da Fundação Renova A Fundação Renova foi criada em 2016 para cuidar das indenizações e outras reparações após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. As mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton não podem “cuidar das vítimas”, já que foram as responsáveis pelo crime. A Fundação Renova seria uma entidade neutra a fim de fazer valer os direitos dos atingidos, porém, os próprios atingidos passaram a se atentar para “quem manda” na fundação. O site da Renova mostra sua organização, com seis órgãos principais e seis órgãos indiretos, sendo que o Conselho Curador é quem bate o martelo do que será feito. Até setembro deste ano, o conselho era composto por: três indicados pela Vale S.A., três indicados pela BHP Billiton e uma pessoa indicada pelo Comitê Interfederativo. Ou seja, 85% do conselho formado pelas empresas responsáveis pelo crime, que com este número conseguiam aprovar ou desaprovar o que fosse do seu interesse.


Belo Horizonte novembro de 2018

O que querem os atingidos? á três anos em luta por seus direitos, os atingidos e atingidas pelo crime da Samarco/Vale/BHP desde a foz do Rio Doce ao litoral no Espírito Santos rea-

lizam reuniões, encontros, debates, manifestações e assembleias para debater e conquistar soluções para seus problemas. Atingidos contam ao Brasil de Fato MG suas principais reivindicações:

Maíra Gomes

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“Já tem gente em Barra Longa que está com exame que mostra a contaminação. Tem que fazer os exames em todo lugar que teve lama e que recebe essa água suja até hoje. A rede de saúde tem que ampliar, porque hoje tem muita gente precisando de assistência e a ReAmelia Beatriz Mendes, nova que deve pagar isso”. atingida do município de Patrícia Ambrósio do Val, Barra Longa do município de Periquito

Sem trabalho estamos todos nós, eu, meu marido e milhares de pessoas depois do crime! Queremos ação da Renova, que a gente tenha onde trabalhar, ganhar o sustento da nossa família, e voltar à vida como era antes da lama”.

“Que sejam contratadas todas as Assessorias Técnicas na Bacia do Rio Doce para que a gente possa dizer dos nossos próprios problemas. Elas nos ajudam a entender o que passamos e quais as melhores formas de resolver. Não é a Renova que tem que vir aqui e dizer isso, somos nós, e a Assessoria Técnica serve pra isso”. Valdirene Alves Naduro, atingida do município de Itueta

“Nossas terras têm que ser reconhecidas pela Renova, pra gente receber os cartões, já que não pode pescar. A Renova está enrolando, porque até o CIF [Conselho Interfederativo] reconheceu que isso tudo aqui foi atingido pela lama e eles nem consideram que a gente existe” João Carlos, da comunidade de de Nazaré, no Espírito Santo

ESPECIAL

Mulheres enfrentam descaso e falta de renda

Rafaella Dotta

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osilene Luíza Bento é de Gesteira e trabalha como agente comunitária de saúde em Barra Longa. Ela foi para o local da lama horas depois do rompimento da barragem e ajudou inúmeras pessoas nos seus primeiros cuidados. “A vida lá está uma bagunça. Tem hora que a gente chega e é a mesma sensação do dia depois da lama”, define. O número de problemas de saúde estourou, segundo relato de Rosilene, e as mulheres passaram a ficar mais sobrecarregadas. “Aumentou o problema de pele, antes eram quatro casos, hoje são mais de 40. Praticamente todo mundo agora tem problema de vista, com a secura e a poeira da lama. O número de problema psiquiátrico também ficou grave”, conta. Uma moradora de Gesteira que já tinha problemas psi-

quiátricos estava há 26 anos sem surto. A tragédia de 2015 a levou novamente a estado grave. Em 11 de outubro, ela quis atravessar o rio para chegar no outro lado, onde antes ficavam as casas que foram destruídas pela lama. “Levei um psiquiatra para conversar e ela contou que estava indo fazer almoço para a mãe”, diz Rosilene.

Difícil até pra dormir Em Paracatu de Cima os casos são parecidos. A atingida Maria do Carmo D’Angelo conta que o número de mulheres deprimidas é muito grande. “Essa lama continua nos matando. Inclusive eu estou com depressão muito forte e com síndrome do pânico. Fiquei muitos dias sem dormir por medo da outra barragem se romper”, lamenta.

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Nilmar Lage

Renda vai para o marido Os problemas financeiros também bateram na porta. Thiago Alves, integrante do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), relata que os cartões de subsistência e as indenizações têm sido entregues pela Fundação Renova, em 90% dos casos, aos homens das famílias. São 70% das mulheres cadastradas sem resposta, ou seja, sem o reconhecimento da Renova. “A Renova prejudica milhares de mulheres na sua condição econômica dentro de casa, submetendo-as ao mando do marido, que agora controla o cartão e a indenização”, analisa. Mulheres que tinham renda com a pesca ou agricultura passaram a depender do cartão que o marido controla, e maridos que usam o dinheiro para outros fins, deixando esposa e filhos à míngua, descreve Thiago.

EXPEDIENTE Esta edição especial é uma produção do Brasil de Fato MG, em parceria com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) CONTATOS: (31) 3309 3314 / 3213 3983 / redacaomg@brasildefato. com.br/ facebook.com/brasildefatomg


ESPORTES

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CPmÌDIAS

3 anos de lama e luta

Protesto vai passar por 14 cidades de MG e ES P essoas que foram atingidas pelo rompimento da barragem organizadas no Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) irão realizar ações ao longo de toda a Ba-

cia do Rio Doce. A intenção é denunciar os problemas pelos quais estão passando nestes três anos depois do crime. Em 4 de novembro, a marcha tem início em Mariana, com o

Encontro das Mulheres e Crianças, que vai discutir as consequências do crime na vida das mães, avós, filhas e dos pequenos. A marcha segue para mais 13 cidades: Ipatin-

ga, Naque, Cachoeira Escura, Governador Valadares, Colatina, Resplendor, Itueta e Regência. Nesses locais estão programados uma série de eventos sobre as questões de cada lo-

cal, como feiras de saúde, caminhadas, atos culturais e missas. As ações duram dez dias e terminam no encontro com o mar capixaba. (Da redação)


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