i ESPECIAL SEMIARIDO CONTRA A FOME
Pernambuco
Recife, julho de 2018 ano 2 distribuição gratuita
Brasil:
12 milhões já passam fome
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ESPECIAL SEMIARIDO CONTRA A FOME
Fome volta a crescer no Brasil e ameaça o Nordeste Ivan Cruz Jacaré/ASA
RETROCESSO. População do semiárido volta a sentir a ausência de políticas estruturais para a região
Avanços foram interrompidos com a derrubada da presidenta eleita Dilma Rousseff
Vinícius Sobreira
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entro de algumas semanas será divulgado o Mapa da Fome no Mundo. O relatório anual é produzido pela Organização da Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), uma agência da ONU para acabar com a fome e a má nutrição no planeta. O “mapa” destaca os países em que 5% da população ou mais não conseguem consumir diariamente a quantidade mínima de calorias para ter uma alimentação considerada saudável.
Povo brasileiro tem se mobilizado contra os desmontes das políticas públicas
foi retirado do Mapa da Fome. A tendência de queda foi interrompida em 2017, quando a fome no Brasil voltou a crescer, mas ainda não ultrapassara os 3%. Os que estudam e trabalham com alimento e
O Mapa da Fome deste ano tende a apontar uma piora no cenário brasileiro E o Brasil tem reduzido esse triste número ano após ano desde o fim da década de 1990, conseguindo em 2014 chegar a menos de 5% da população na situação de subnutrição e, por isso,
com a população de regiões mais vulneráveis dizem que o Mapa da Fome deste ano tende a apontar uma piora no cenário brasileiro. E talvez a região mais vulnerável seja o semiárido. Cristina Nascimento
integra a coordenação da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) no estado do Ceará. Ela conta que o cenário de fome na região passa muito mais pela presença e responsabilidade do poder público do que pela estiagem ou seca. “A seca é um fenômeno natural que ninguém pode combater, mas temos que aprender a conviver com ela. Já a fome é um fenômeno social que tem como centro a política, pois a falta de compromisso do Estado brasileiro com essas famílias é que provoca a miséria”, reclama. Ela lembra que por décadas os governos fizeram ações que não solucionavam a situação. Mas a mudança começou através da mobilização popular para lutar e construir soluções, inclusive através da pró-
pria ASA, que reúne organizações da sociedade civil que atuam por todo o semiárido. E encontrou no Planalto um grande aliado a partir de 2003, com a eleição de Lula. “A partir do governo dele conseguimos introduzir a pauta da água como direito e alimento. Lula trouxe o tema para a centralidade política, inverteu a lógica e passou a construir políticas públicas para a região pensando em ajudar as famílias a construírem suas próprias soluções”.
Ela também coloca como fundamentais outras políticas públicas que fortaleceram a região, como o Bolsa Família, a aposentadoria rural, a valorização do salário mínimo, o acesso a creche, às sementes e à água, além do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Os avanços, todavia, foram interrompidos com a derrubada da presidenta eleita Dilma Rousseff, em 2016. “O golpe chegou reduzindo o tamanho do Estado e cortando os gastos com as pessoas pobres, mas não cortaram os gastos com bancos e grandes empresas”, reivindica.
Reflexos na saúde Atuando na zona rural de Petrolina, o médico da família Aristóteles Cardona conta que a piora na qualidade de vida da população é perceptível. “As pessoas voltaram a cozinhar com forno a lenha, algo que não se via muito. Outra coisa que percebi é que nessas casas aumentou o consumo de alimentos processados, menos saudáveis, porque são os mais baratos”.
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ESPECIAL SEMIARIDO CONTRA A FOME
Por que denunciamos a volta da fome? stamos numa escaE lada muito forte contra os direitos
adquiridos desde o processo da Constituinte de 1988. No nosso sistema, os direitos dos pequenos estão sendo tolhidos e as poucas conquistas estão sendo retiradas”.
Dom Enemésio Ângelo Lazzaris, bispo de Balsas (MA), em matéria veiculada pela CNBB.
esse momento, acho que nós temos que nos levantar como país contra a fome. Nós não podemos aceitar que essa realidade se instaure novamente”.
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Maria Emília Pacheco, ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) e assessora da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE).
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alimentação é um direito constitucional do povo brasileiro. O corte dos programas sociais, das políticas sociais, o desemprego, a diminuição do salário mínimo, todo o processo de retirar o pobre do orçamento da União é uma violência a esse direito fundamental da população brasileira. E isso nós precisamos denunciar”. Naidison Baptista, integrante da coordenação executiva da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA).
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Programa de Aquisição de Alimentos da agricultura familiar foi reduzido em 99%. Mudanças drásticas como esta reverterão o progresso social que, em duas décadas, tirou 28 milhões da pobreza extrema e elevou 36 milhões à classe média”. Dilma Rousseff, ex-presidenta do Brasil, no Twitter.
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burguesia brasileira deu um golpe político e tomou de assalto a presidência da república para aplicar uma política econômica que jogasse o peso da saída da crise nas costas da classe trabalhadora. Eu ando o Brasil inteiro e é impressionante a quantidade de moradores rua em tudo em que é cidade”. João Pedro Stédile, integrante da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
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omos contra todo tipo de retrocesso e violência. E a volta da fome é uma violência a quem mais precisa, porque quem morre de fome são as pessoas mais pobres. Nós temos que fazer nosso papel de denúncia desse situação e de conscientização da população”. Cícera Nunes, integrante da diretoria da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (FETAPE).
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ESPECIAL SEMIARIDO CONTRA A FOME EDITORIAL
Semiárido denuncia volta da fome
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Edição: Catarina de Angola (DRT/PE 4477) Diagramação: Diva Braga Artes: Diva Braga, Fernando Bertolo e Ricardo Wagner Jornalista responsável: Monyse Ravenna (DRT/CE 1032) | Tiragem: 60 mil exemplares.
Brasil é um dos maiores produtores e exportadores de alimentos do mundo e, ainda assim, está longe de garantir o acesso de toda população a uma alimentação segura e saudável. Se os números de 2014 representavam a diminuição de 28,8% da população com privação de alimentos, nos últimos três anos esta tendência se reverteu. Relatório do IBGE de dezembro de 2017 demonstrou crescimento da miséria, fome e desigualdade no nosso país. Josué de Castro não nos deixou dúvidas de que a manutenção da fome como problema é uma criação do ser humano, e que sua resolução se dá não pela ampliação da produção, mas por uma justa distribuição dos alimentos, dos recursos e da terra. Desta forma, a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e outras organizações da Frente Brasil Popular estão organizando uma caravana por todo o país para denunciarem os frutos do golpe de 2016. Afirmam que o elevado aumento da fome e da pobreza são consequências de desemprego, da precarização do trabalho, de cortes nos programas sociais, de congelamento de gastos públicos e da retomada de políticas neoliberais nos últimos anos. Começando 27 de julho, em Caetés (PE), serão percorridos mais de 4.300 quilômetros durante 14 dias. Serão feitas paradas estratégicas em Feira de Santana (BA), Belo Horizonte (MG), Guararema (SP), Curitiba (PR) até o destino final Brasília (DF), no dia 05 de agosto, onde pretendem denunciar ao Supremo Tribunal Federal (STF) a situação de fome que atinge o país. Os objetivos foram claramente delimitados para esse importante processo de mobilização social que serão construídos por todos esses territórios de passagem e de resistência popular: debater a situação política do Brasil; fazer uma denúncia muito clara sobre o tema da fome, e, por fim, a defesa da democracia.