Rede de Bancos Populares de Alimentos fornece alimentação saudável e organiza luta popular em Pernambuco
Arquivo pessoal
“Edição Especial Alimentação Saudável” ENTREVISTA | 6 Régis Xavier: Secretário Geral do SOLIDARIEDADE | 4
Consea em Pernambuco analisa o retorno do Brasil ao Mapa da Fome e aponta desafios na manutenção de política sociais
PE UMA VISÂO POPULAR DO BRASIL E DO MUNDO Pernambuco
Recife, outubro de 2020
ano 4
edição Especial 2
distribuição gratuita
Brasil com Fome Alta no preço dos alimentos, pandemia e cortes nas políticas voltadas à agricultura familiar alastram fome no país
Mãos Solidárias Recife
2 | “Edição Especial Alimentação Saudável” Editorial
Recife, outubro de 2020
Brasil de Fato PE
Panelas vazias, a fome voltou! Leonardo de França
DESIGUALDADE.
Por dia, mais de 37 mil pessoas no mundo podem perder a vida por falta de comida
E
m 18 de março de 1953 aconteceu na cidade de São Paulo a passeata das “Panelas Vazias”, marco central para a “greve dos 300.000”, organizada pelo Partido Comunista do Brasil durante o governo do Getúlio Vargas. A greve teve conquistas, como aumento de 32% dos salários. O que esse movimento desvelava era a fome em larga escala presente no Brasil e que persiste por décadas. Mesmo diante das imensas riquezas e terras no território nacional, sabemos que estas sempre estiveram concentradas nas mãos de pouco da elite, tornando o povo brasileiro submisso e dependente de políticas de Estado para não passar fome. Com o surgimento e reflexos da covid-19 sobre as atividades econômicas e sociais no mundo, a Oxfam estima que mais 12 mil pessoas por dia pos-
sam perder a vida por falta de comida. Se somadas às 25 mil que já morrem pelo mesmo motivo, de acordo com levantamento da Organização das Nações Unidas (ONU), este número chega a 37 mil óbitos por dia, em todo o planeta, um aumento de 48% só neste ano. A realidade brasileira, neste sentido, também é dramática. O levantamento mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que 10,3 milhões pessoas passam fome no país, com um desemprego que atinge cerca de dos 13 milhões de pessoas, além do elevado índice de informalidade no trabalho. Fica clara a necessidade de uma teia social estatal seja para manutenção ou criação de uma renda básica para cada brasilei-
Só o povo cuidando do povo, experimentando novas relações humanas, tem condições de construir uma saída popular para o Brasil
ro, seja para o incentivo à agricultura familiar, o que resolveria parte dos problemas. Num passado recente, de 2002 a 2013, o Brasil diminuiu a fome em mais de 80%, o que foi fruto da conjugação de medidas econômicas e sociais que foram interrompidas com o golpe de 2016. Em 2020, mesmo com a pandemia em curso, o governo Bolsonaro vetou integralmente Projetos de Lei de incentivo à agricultura familiar, ao mesmo tempo em que aprovou a “Lei do Agro”, criando facilidades de acesso a créditos e financiamento de dívidas de grandes produtores rurais. Resultado: tanto os pequenos agricultores, como a população urbana desempregada ficam desamparadas, quando sabemos que é a agricultura familiar que traz alimento para a mesa dos brasileiros e não o agronegócio de exportação. Em contraponto ao governo, a saída tem sido a solidariedade! Seja com arrecadação de cestas básicas na cidade, doação de produtos vindos de fa-
mílias camponesas, desenvolvimento de hortas comunitárias, seja com projetos de cozinhas solidárias, temos aqui um grande aprendizado: só o povo cuidando do povo, experimentando novas relações humanas, tem condições de construir uma saída popular para o Brasil.onocultura agroexportadora e a utilização do trabalho escravizado. Um dos maiores problemas enfrentado em Pernambuco, foi e continua sendo a violência no campo. A violência é inerente ao latifúndio, faz parte des-
Fica clara a necessidade de uma teia social estatal seja para manutenção ou a criação de uma renda básica
sa estrutura injusta e violenta e o MST enfrentou isso de frente, na zona da mata os grupos armados paramilitares contratados pelos usineiros e senhores de engenho e no agreste e sertão a pistolagem paga pelos coronéis e fazendeiros contra aqueles que foram excluídos do processo e vivem em situação de total pobreza e miséria. Foram muitos presos, feridos, humilhados, torturados e assassinados como o massacre de Camarazal que até hoje, nunca foi investigado e ninguém punido. Hoje o MST é uma referência para muitas outras organizações e militantes do campo e da cidade, pela sua forma de organização, de formação política e técnica, pela luta pelo direito a educação do campo, em especial porque nesses 30 anos o MST conquistou 226 assentamentos e tem mais de 14 mil famílias assentadas e ainda resistem no campo 163 acampamentos onde vivem mais de 16 mil famílias que vivem sonhando e lutando pela reforma agraria.
Expediente: Textos: Julia Vasconcelos e Lucila Bezerra Edição: Monyse Ravena e Vanessa Gonzaga Diagramação: Diva Braga Tiragem: 5mil “Esta publicação foi realizada com o apoio da Fundação Rosa Luxemburgo e fundos do Ministério Federal para a Cooperação Econômica e de Desenvolvimento da Alemanha (BMZ). O conteúdo da publicação é responsabilidade exclusiva dos autores e não representa necessariamente a posição da FRL”
Recife, outubro de 2020
Brasil de Fato PE
“Edição Especial Alimentação Saudável” | 3
Quais alimentos tiveram alta no preço?
Marcelo-Casal-Jr-Agencia-Brasil
Parâmetro: Janeiro a Setembro de 2020 Título do Gráfico
Porque os preços aumentaram?
60,00%
50,40% 50,00%
T
32,60%
20%
0,00%
9,48%
4,84%
Leite
3,33%
Carne
Cesta Básica
10,00%
17,30% 12,98%
Óleo
Arroz
20,00%
Tomate
Feijão
Abobrinha
30,00%
Cebola
40,00%
46,80%
1 Cebola
Abobrinha
Feijão
Arroz
Tomate
Óleo de soja
Leite
Carne
Cesta Básica
Dados: Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
rês principais fatores aumentaram os preços dos alimentos no Brasil, de acordo com o IPCA. O primeiro é a entressafra de alguns alimentos. O segundo é que durante os primeiros meses da pandemia, o isolamento social aumentou a demanda do consumo de alimentos, mas também de produtos de higiene pessoal e produtos para a casa, o que puxou os preços pra cima. O segundo é a alta do dólar, já que só em 2020, a moeda saltou de R$ 4,02 para R$ 5,59, acumulando um aumento de 36,58%, o que torna mais lucrativo exportar matérias primas como o arroz, feijão e soja, que tiveram um aumento significativo nos preços para garantir o lucro do agronegócio nas vendas pelo comércio interno.
Como o aumento no preço dos alimentos afeta a sua vida? Todo dia você vai no mercado e o preço muda, não é mais por mês. É muita coisa, pagar aluguel, água, luz, fazer feira e estamos dando um jeito de economizar no que dá pra gastar no mercado.
Marluce Pereira, diarista.
A alta dos preços tem afetado a vida de todo mundo, num sentido mais comunitário. Comprar um quilo de arroz por mais de cinco reais é complicado, porque o salário mínimo não sofreu reajuste. Isso nos remete a um passado recente onde a inflação era muito alta e descontrolada.
Cícero do Carmo, comunicador popular.
“Edição Especial Alimentação Saudável”
Brasil de Fato PE
“Edição Especial Alimentação Saudável”
Recife, outubro de 2020
Rede de Bancos Populares de Alimentos fornece alimentos saudáveis e organizam luta popular em Pernambuco SOLIDARIEDADE. Mais de 15 bancos atuam a partir da organização dos movimentos populares e das comunidades, pautando o combate á fome e o direito à alimentação saudável. Darliton Silva/ Centro Sabiá
O Banco Mãe, no Recife, foi criado com o apoio de universidades, movimentos sociais, sindicatos e da Arquidiocese de Olinda e Recife Lucila Bezerra
S
egundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase dois milhões de pessoas passaram fome em Pernambuco entre 2017 e 2018. E com o aumento do desemprego e do preço dos alimentos, essa situação tem se agravado. Com isso, foi criada uma iniciativa para suprir essa necessidade imediata da população pernambu-
cana através da Rede de Bancos de Alimentos da campanha Mãos Solidárias. A ação teve início no Armazém do Campo, localizado no bairro de Santo Antônio, na área central do Recife, com o projeto Marmita Solidária que entregava diariamente cerca de duas mil marmitas para população em situação de rua no início da pandemia de covid-19. Passando a entender que esta era uma necessidade mais am-
pla, a campanha passou a ter diversas outras vertentes, como a campanha de confecção e doação de máscaras solidárias, a formação de Agentes Populares de Saúde, as hortas comunitárias e a criação dos bancos de alimentos nas periferias para garantir a alimentação de pessoas em situação de vulnerabilidade e fortalecer a organização comunitária, garantindo o protagonismo dos moradores nas ações de solidariedade.
REGIÃO METRO POLITANA DO RECIFE Mãos Solidárias Recife
CARUARU
PETROLINA Mãos Solídárias -Petrolina
Mãos Solidárias Caruaru
N
a Região Metropolitana do Recife, existem 17 bancos de alimentos em diversas comunidades periféricas, como em Brasília Teimosa e Peixinhos, na cidade de Olinda. Eles estão ligaOs bancos territoriais tem distribuído alimentos para pesdos ao Banco soas em situação de vulnerabilidade na RMR, em Caruaru e em Petrolina Mãe, localizado no bairro de Armazém do Campo Recife, que é o ponto de arrecadação onde pessoas físicas e jurídicas podem realizar doações. Os alimentos e materiais de limpeza arrecadados são redistribuídos para os bancos territoriais nas comunidades, que entregam para famílias em situação de vulnerabilidade de toda a Região Metropolitana do Recife (RMR). “A gente está em um momento em que está acontecendo uma redução nas doações para o Banco Mãe, aí estamos fazendo um movimento para conseguir mais doações e reanimar o banco, mas estamos com 16 bancos ativos nas comunidades, na periferia da Região Metropolitana”, afirmou Alexandre Pires, Coordenador da Rede de Bancos de Alimentos Populares, Coordenador do Instituto Sabiá e Coordenador Executivo da Articulação Semiárido em Pernambuco (ASA-PE). Apesar disso, as doações entre os próprios moradores continuam em um ritmo intenso, a partir da organização das comunidades. “O processo organizativo das próprias comunidades para fazer com que elas se articulem em torno dos seus processos de organização sempre foi o nosso objetivo central. O Banco Mãe veio muito mais como um suporte à rede de bancos, porque o mais importante para gente é que os bancos comunitários tenham vida, se mobilizem, se articulem e consigam organizar a comunidade em torno dessa necessidade emergencial”, disse Alexandre. Os alimentos e materiais de limpeza arrecadados são redistribuídos para os bancos territoriais nas comunidades para se somarem aos que os Agentes Populares de Saúde arrecadam nessas regiões. “Os agentes tem fortalecido toda uma rede de proteção e de cuidados com as pessoas das comunidades e isso articulado com a Rede de Bancos Populares de Alimentos nos ajuda a fazer com que os alimentos cheguem às pessoas que mais precisam”, concluiu o coordenador da Rede.
Em Caruaru, a iniciativa já beneficiou cerca de 500 famílias cadastradas com a distribuição de alimentos e materiais de limpeza
J
á na Região Agreste, no município de Caruaru foram beneficiadas cerca de 500 pessoas com cestas básicas compostas por alimentos não-perecíveis e por alimentos produzidos pela agricultura familiar oriundos dos assentamentos da reforma agrária e materiais de limpeza. A partir da formação de Agentes Populares de Saúde, as 13 mulheres que concluíram a formação realizaram o cadastro das famílias para atuar de forma mais organizada no bairro José Carlos de Oliveira, onde a campanha concentrou suas ações. “A experiência da construção dos bancos populares de alimentos em Caruaru tem sido de fortalecimento do diálogo com a comunidade onde estamos construindo. Diálogo pautado nas experiências já desenvolvidas no território sempre na intencionalidade de fortalecimento de ações que a comunidade já experiência”, acredita Cícera Maria, militante da Consulta Popular e membro da coordenação da campanha Mãos Solidárias em Caruaru.
Como doar
Em Petrolina, a articulação para a construção do Banco Popular de Alimentos iniciou com a distribuição de marmitas na zona periférica da cidade
J
á em Petrolina, cidade localizada no Sertão do São Francisco, a campanha que começou com a distribuição de marmitas se converteu no Banco Popular de Alimentos, devido à flexibilização do isolamento social, que fez com que as pessoas não pudessem mais se deslocar até o local para receber as marmitas por estarem retornando às suas atividades profissionais. As doações tem sido feitas para os moradores da região do João de Deus, Coati, Cacheado e arredores. Até o momento todas as doações já foram revertidas em alimentos doados para as cerca de 170 famílias cadastradas. “Toda semana fazemos uma cuidadosa conversa para entender se as condições que fizeram com que as pessoas se tornassem beneficiárias se mantém e como é que a gente consegue encontrar outras saídas, como através das atividades dos Agentes Populares de Saúde e das hortas comunitárias e, mesmo com esses critérios, a necessidade é muito maior do que a gente dá conta”, afirmou Herlon Bezerra, que faz parte da coordenação da Campanha Mãos Solidárias em Petrolina. “O que move a gente aqui em Petrolina a fazer o banco é que a gente entende que essas ações tem duas dimensões de importância: de aplacar a fome negada pelos meios de comunicação comercial, pelo Governo Federal e a por alguns governos federais e municipais, mas também de solidariedade de classe com pessoas da classe trabalhadora empobrecidas por esse sistema capitalista”, conclui.
Os bancos das três cidades recebem doações de alimentos, que podem ser entregues nas sedes físicas do banco, mas também é possível contribuir finan- Caruaru ceiramente com qualquer valor. Saiba como: Endereço: Secretaria estadual do MST, Região Metropolitana do Recife Rua Jader Figueiredo de Andrade e Silva, 155, Vasoural. Endereço: Banco Mãe, Rua 1º de Março, n 34 (entrada pela rua do Imperador Dom Pedro II, Doações: ao lado do Armazém do Campo Recife) Associação de Cooperação Agrícola do Doações: Nordeste – ACANOR Associação da Juventude Camponesa Nordestina – Banco do Brasil: Agência 0159-7 Terra livre Conta Corrente: 62053-x Banco do Brasil: Agência 0697-1 | CNPJ 16.937.263/0001-61 Conta Corrente 58892-0 Enviar o comprovante para (81) 99569-7581 CNPJ 09.423.270/0001-80
Petrolina Endereço: Rua 01, nº 900, João de Deus.
Doações:
Associação Anglicana do Nordeste Banco Bradesco Agência 1058 Conta Corrente 8026-8 CNPJ 10.542.814/0001-01 Enviar comprovante para (85)99694-5090
6 | “Edição Especial Alimentação Saudável”
Recife, outubro de 2020
Brasil de Fato PE
“A volta da fome está condenando o país e as próximas gerações” Débora Britto/ MZ Conteúdo
FOME.
Secretário Geral do Consea em Pernambuco analisa o retorno do Brasil ao Mapa da Fome e aponta desafios na manutenção de política sociais Brasil tem passado no que se refere à segurança alimentar?
Julia Vasconcelos
E
m 2018 o Brasil voltou ao Mapa da Fome apenas 4 anos após ter deixado de integrar o indicador social. O retorno pode ser entendido a partir de ações como a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) em nível nacional e o sucateamento de políticas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Para explicar as causas e consequência do retorno da fome no país, o Brasil de Fato Pernambuco conversou com Régis Xavier, Secretário Geral do Consea em Pernambuco. Confira: BdF PE: Quais são as maiores ameaças atualmente ao direito humano à alimentação no Brasil? Régis Xavier: Desde o golpe de 2016, com o governo Temer, a gente vem sendo ameaçado com relação ao direito à alimentação e isso se agravou agora com o atual governo. O acesso a alimentação através de vários pro-
A segurança alimentar é uma política articulada com todas as outras, ela não caminha sozinha gramas foi brutalmente ameaçado, como o próprio Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que é um programa histórico. Não podemos dizer que falta alimento, é o modelo de desenvolvimento que não está preocupado que a população seja privada do seu direito básico. Nesse modelo, o compromisso do mandatário do Governo Federal e todas as pessoas que fazem parte da sua equipe não têm a vida como eixo principal. A situação é muito grave e infelizmente o cenário não é muito animador daqui pra frente. BdF PE: Por quais políticas de desmonte o
RX: A questão do PAA e do PNAE são as que vem causando maiores mobilizações da sociedade civil. A questão do PAA, o Programa 1 Milhão de Cisternas foi totalmente destruído, a nível de Brasil. Hoje cada município se vira como pode. A própria extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) é uma estratégia do governo para desarticular e tirar de cena a sociedade civil, que é quem vinha acompanhando e monitorando esses programas. BdF PE: Explica pra gente um pouco em que consistia a atuação do Consea e como você avalia a extinção dele a nível nacional. Como está atualmente a situação do Conselho? RX: Não é a primeira vez que o Consea é extinto. Mas quando agora o atual presidente extingue o Consea, ele só tirou da lei justamente a parte que trata do controle social. Essa participação da sociedade civil é quem dava legitimidade às decisões
governamentais. O governo não compreende a alimentação como uma política estratégica, e isso tem várias consequências. O se que tirou foi esse diálogo entre sociedade civil no nível municipal e estadual com o Consea nacional. Essa relação foi quebrada. Mas por exemplo, hoje existe a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan) que faz essa ponte com o município. BdF PE: Como você avalia o retorno do Brasil ao Mapa da Fome? RX: Primeiro, é muito doloroso isso. A gente vinha em um processo de luta no Brasil e de repente você percebe um processo, talvez bem articulado, a nível desse modelo excludente, que faz com que a gente volte para o Mapa da Fome. Tivemos todo um processo de avanço durante o governo Lula, que assumiu o compromisso de erradicar a fome no Brasil e agora temos todo esse retrocesso. A questão da fome, aumenta a possibilidade real da violência nos grandes centros urbanos, aumenta no interior do estado a fragilidade da produção agrícola, porque não há investimento para isso. A volta da fome está condenando o país e as próximas gerações a uma situação deplorável. Tem várias coisas que podem ser feitas para enfrentar essa situação, mas não podem ser ações individuais. A segurança alimentar é uma política articulada com todas as outras políticas, ela não caminha sozinha.
A situação é muito grave e infelizmente o cenário não é muito animador BdF PE: No contexto que estamos hoje, qual é o caminho que o Brasil precisa trilhar se quiser reverter a situação da fome no país? RX: Inverter a pauta política. É claro que pra você sair desse modelo de desenvolvimento que vivemos hoje é um longo caminho, mas podemos criar alternativas, podemos, por exemplo, fortalecer a agricultura familiar. É preciso fazer com que esse alimento que é produzido, chegue nos espaços públicos, nas escolas. Bastava, por exemplo, que nos municípios os gestores comprassem os 30% da agricultura familiar, porque no estado de Pernambuco, por exemplo, a maioria não faz isso, e quando faz de forma muito tímida. Precisa ter uma vontade política também, e não fazer ações de segurança alimentar pontuais de forma desarticulada.Os sindicatos, os trabalhadores rurais, você tem vários atores sociais no estado fazendo essa discussão. O momento não é de fazer ações isoladas, é de se conectar e fazer ações articuladas e coletivas. É o único caminho que a gente tem pra enfrentar essa situação.
Brasil de Fato PE
Recife, outubro de 2020
“Edição Especial Alimentação Saudável” | 7
Entenda impactos negativos dos produtos ultraprocessados na saúde HelenaPontes/IGBE
Consumo de ultraprocessados está relacionados a doenças como hipertensão, câncer de mama, doenças intestinais crônicas e depressã
ALIMENTAÇÃO.
Especialistas apontam que é fundamental repensar o sistema alimentar brasileiro e fortalecer iniciativas da Agroecologia celebrado no dia 16 É de outubro o Dia Mundial da Alimentação
Saudável. Em todo o país, sociedade civil e organizações se mobilizam para informar a população e indicar caminhos para que as pessoas possam viver uma vida mais equilibrada no que tange à alimentação. Especialistas explicam que esse processo passa também pela preocupação da preservação ambiental e do fortalecimento da agricultura familiar. Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada este ano, é possível perceber
X
rem chamados de ‘produtos’ e não de alimentos”. Ela explica que esses produtos apresentam em sua Os ultraprocessados constituição comendeveriam participar pteso ncomo de outra classificação, c o n s e r serem chamados de ve da nu ltceos -, rantes ou produtos e não de intensifialimentos cadores de cor. “As pesquisas mosque os ultraprocessados tram que o consumo desestão ganhando espaço ses produtos estão semna mesa dos brasileiros e pre relacionados a doenchegaram a 18,4% das ca- ças que acometem muito lorias totais da aquisição a população atualmente, de alimentos. No ano de como obesidade, hiper2002, a porcentagem era tensão, câncer de mama, de 12,6%. São exemplos doenças intestinais crônide alimentos ultraproces- cas e depressão”, adiciona sados os embutidos, bis- a nutricionista. coitos, sorvetes, molhos, Atualmente, o Brasil salgadinhos, refrigeran- conta com o Guia Alimentes e produtos congela- tar para a População Brados e prontos para aque- sileira como instrumencimento. to para orientar a popuPara Sonia Lucena de lação a ter uma alimenAndrade, nutricionista e tação saudável. O médiprofessora aposentada co Flávio Valente, médico, da Universidade Federal mestre em Saúde Pública de Pernambuco (UFPE), (Harvard School of Public alimentos ultraprocessa- Health) e pesquisador no dos apresentam um gran- Departamento de Nutride risco à população. “Os ção da UFPE explica que alimentos ultraprocessa- o guia é um dos melhores dos deveriam participar do mundo no momento e de outra classificação, se- serve como modelo para
Jô Ribeiro
Alimentos beneficiados pela agricultura familiar, sem agrotóxicos e aditivos químicos precisam de apoio para expandir a produção
maior parte dos países. Ainda assim, o Ministério da Agricultura pediu a revisão do guia. “Fica claro quem tem interesse em fazer isso. Primeiro, a indústria alimentícia, uma das indústrias mais poderosas do mundo e também uma das principais responsáveis pelo caos alimentar que estamos vivendo no país. E ao mesmo tempo, o agronegócio, que produz alimento para essa indústria”, afirma. Uma saída possível é consumir produtos com o mínimo de conservantes e feitos com matérias primas de qualidade. É por isso que Jô Ribeiro, técnica em agropecuária e proprietária do Armazém da Jô, decidiu vender produtos orgânicos através das redes sociais. “Eu defendo a agricultura familiar, a linha de orgânicos e alimentação saudável. Um produto sem conservantes, sem transgenia, sem agrotóxico, agroecológica, saudável, e além de tudo isso, eu tô ajudando a fortalecer grupos que estão numa luta constante para ganhar espaço”. Ela afirma, porém, que
Essa é uma solução que resolve não só o problema da alimentação, como também o problema ambiental um dos desafios é o apoio e incentivo para que seja possível baixar os preços dos produtos, e assim, mais pessoas possam ter acesso a alimentos oriundos da agricultura familiar e com o mínimo de processamento. Num olhar mais amplo, a solução, segundo Flávio, é a mudança do modelo alimentar, o fim do agronegócio como se conhece hoje e a volta da produção diversificada, de pequena escala e seguindo os princípios da agroecologia. “Essa é uma solução que resolve não só o problema da alimentação, como também o problema ambiental”.
GENTE É PRA BRILHAR Arquivo pesoal
NÃO PRA MORRER DE FOME 16|OUT
DIA MUNDIAL DA ALIMENTAÇÃO