BdF NE - Ed. Transposição

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ESPECIAL TRANSPOSIÇÃO

NE

Nordeste

Agosto/setembro de 2019

ano 2

edição 4

distribuição gratuita

divulgacao-MPF

COM OBRAS DA TRANSPOSIÇÃO PARADAS, CIDADES DO SEMIÁRIDO TEMEM COLAPSO


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30 de agosto de 2019| Brasil de Fato NE

Maior obra do Semiárido, Transposição do Rio São Francisco tem abastecimento interrompido Wilton Maia

ÁGUA. Mais de 35 municípios que dependem do abastecimento estão sem água desde fevereiro Vanessa Gonzaga

esmo com iniciatiM vas anteriores para direcionar as águas do Rio

São Francisco para regiões, o projeto mais ousado veio durante o segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O projeto, que iniciou em 2007, foi orçado inicialmente em R$ 4,8 bilhões de reais, sendo a obra mais cara do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A previsão era de beneficiar mais de 12 milhões de pessoas, prevendo a captação de apenas 2% da vazão total do rio. A obra se dividiu em dois eixos: o Eixo Norte, com 400km, tem seu ponto da captação na cidade pernambucana de Cabrobó, no Sertão do estado, com destino aos rios Salgado e Jaguaribe e os reservatórios de Atalho e Castanhão no Ceará; ao Rio Piranhas-Açu, na Paraíba e Rio Grande do Norte, chegando aos reservatórios de Engenheiro Ávidos e São Gonçalo, ambos na Paraíba e Armando Ribeiro Gonçalves, Santa Cruz e Pau dos Ferros, além do Rio Apodi, no Rio Grande do Norte. Já o Eixo Leste sai da Barragem de Itaparica, também no Sertão de

Abastecimento do Eixo Leste está interrompido há 5 meses, deixando cidades como Monteiro (PB)e Campina Grande (PB) sem água.

É uma obra de libertação do povo do semiárido nordestino Pernambuco e percorre 220km, onde alcança o Rio Paraíba, beneficiando os reservatórios do Poço da Cruz, em Pernambuco, e o Epitácio Pessoa (Boqueirão), na Paraíba. Além disso ramificações serão construídas em direção às bacias do rio Pajeú, do rio Moxotó e para a região Agreste de Pernambuco, por uma construção de 70 km que interligará o Eixo Leste à bacia do rio Ipojuca. O Relatório de Impacto Ambiental (RIA), elaborado pelo Ministério da Integração Nacional, levanta impactos positivos e ne-

gativos diante da construção do projeto. Dentre os aspectos positivos, se sobressaem a geração de 5 mil empregos; o aumento da renda e comércio nos municípios abrangidos; melhora a qualidade da água no campo, fixando cerca de 400 mil pessoas em áreas rurais e a redução de doenças e mortes causadas pelo consumo de água contaminada e de baixa qualidade, entre outros benefícios. Em compensação, movimentos populares inicialmente se opuseram, tendo como contraproposta a revitalização do Rio São Francisco. Além disso, os movimentos ressaltavam os impactos negativos levantados pelo próprio RIA, como a desapropriação das terras e o êxodo de comunidades tradicionais das regiões; a inundação de sítios arqueológicos; a redução da biodiversidade de peixes e a entrada de espécies predadoras; o desmatamento de 430 hectares de terra e a perda do emprego da po-

pulação após a conclusão das obras. A obra extrapolou não apenas o prazo para entrega, mas também o orçamento inicial. De acordo com a Controladoria Geral da União, hoje o projeto está orçado em R$ 10,7 bilhões, sendo o custo final estimado da obra de R$ 20 bilhões. Hoje, 96,4% das obras estão concluídas, sendo 94,96% no Eixo Norte e 100% no Eixo Leste, de acordo com o Ministério da Integração. O aumento de preço é justificado com a renegociação de contratos e gastos com novas licitações. Mesmo não concluída, a obra já vinha operando em grande parte das cidades. O problema é que há mais de cinco meses o Eixo Leste deixou de receber água, o que impactou cerca de 35 municípios paraibanos que dependem da água da transposição. “É uma obra de libertação do povo do semiárido nordestino. A obra foi abandonada e é preciso que o povo que é beneficiado,

grite para o Brasil que não vamos permitir que essa obra se torne objeto de disputa política mesquinha por parte de quem nem sabe fazer política. Vamos dizer o Brasil que é preciso respeitar o Nordeste” afirma o ex-governador da Paraíba Ricardo Coutinho (PSB) cobrando um posicionamento do Ministério do Desenvolvimento Regional. Com o lema “SOS Transposição”, parlamentares e movimentos populares estão se organizando para evitar que a obra vire mais um elefante branco e cobrar o retorno do abastecimento e uma posição do governo federal, que ainda não soube explicar a interrupção, apenas relacionando o fim do abastecimento a uma obra na cidade de Custódia (PE). Por isso, no dia 1º de setembro, um grande ato político vem sendo organizado na cidade de Monteiro (PB), além de uma audiência na Câmara de Vereadores da cidade, prevista para às 15h.


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Com obras paradas e ameaças de privatização, Transposição é defendida em manisfestação Ricardo Stuckert

to e da paralisação das obras, que está atingindo em cheio o seu estado. “A Transposição custou R$12 bilhões, para beneficiar 12 milhões de pessoas no semiárido nordestino. Então essa obra custou R$1 mil por cada pessoa beneficiada. E se dividirmos pelos 10 anos que durou a obra, dá menos de R$100 por pessoa - é menos que o Bolsa Família paga no mês”, argu-

menta. “Não se pode dizer que uma obra dessa é cara”, conclui Coutinho. Políticos nordestinos também têm refutado argumento econômico, lembrando que no início de agosto, na votação da Reforma da Previdência em 2º turno, os deputados bolsonaristas aprovaram um desconto de R$84 bilhões em benefício de grandes produtores rurais e exportadores. Reprodução

MOBILIZAÇÃO. O SOS Transposição pede retomada de obras e bombeamento de água Vinícius Sobreira

onteiro (PB), priM meiro município paraibano a receber as

águas da transposição do Velho Chico, foi palco de uma festa popular - não na inauguração oficial, com a presença do presidente não-eleito Michel Temer (MDB) e outras autoridades, mas dias depois, na inauguração popular, com a presença dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff (PT), além de 50 mil nordestinos, em março de 2017. A cidade paraibana, no entanto, teve o bombeamento de água interrompido pelo governo Bolsonaro (PSL) há 6 meses, em fevereiro. O Governo Federal aponta como motivo a necessidade de obras

A Transposição custou R$ 12 bilhões, para beneficiar 12 milhões de pessoas no semiárido de reparo na barragem Cacimba Nova, em São José do Belmonte (PE). Sem uso, acumulando apenas água das chuvas e exposto ao sol, hoje o trecho paraibano se mostra deteriorado. Em junho deste ano o Congresso Nacional aprovou um projeto que autoriza o Executivo federal a obter crédito extra de quase R$250 bilhões, dos quais R$500 milhões seriam destinados a concluir as obras da Transposição. Mas apesar disso, o ministro do Desenvolvimento Regional, Gusta-

vo Canuto, afirmou que não tem como estabelecer prazos para retomar as obras e concluir a transposição. Na mesma audiência, a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), declarou que os reservatórios potiguares estão perto do zero. “Digo isso para ressaltar a importância que essa obra tem para nós, do Nordeste e do nosso estado”, afirmou. Neste mês de agosto o governo Bolsonaro chegou a afirmar que a megaobra de infraestrutura pode ser privatizada ou gerida através de uma Parceria Público-Privada (PPP). Bolsonaro afirma que manter a obra em operação tem um custo elevado. Apesar do custo de operação passar dos R$250 milhões de reais ao ano, a Transposição também tem perspectiva de arrecadar recursos com a venda de energia produzida pelas águas e placas fotovoltaicas ao longo dos canais. O senador e ex-governador paraibano Ricardo Coutinho (PSB) reclama do argumento do cus-

A mobilização “D

esde que Temer assumiu a obra foi praticamente paralisada”, diz Ricardo Coutinho. O cenário posto, de possibilidade de abandono da obra, mesmo com ela tão perto de ser concluída, levou o senador a convocar uma manifestação para este domingo (1º), na cidade de Monteiro (PB), em defesa da retomada das obras da Transposição do São Francisco. Batizado de “SOS Transposção: grito do Nordeste”, no mesmo local da festa de inauguração popular em 2017, a manifestação foi abraçada pelo PT, PCdoB e PSOL, além do partido do senador, o PSB. “O protesto é por esse profundo desprezo com que o presidente vem tratando essa obra estratégi-

ca para o desenvolvimento regional. Causa revolta”, disse Ricardo Coutinho em entrevista ao UOL. “Existe uma má vontade do Governo Federal para com o povo nordestino”, avaliou. Já foram confirmadas as presenças de lideranças nacionais, como Fernando Haddad (PT), Gleisi Hoffman (PT), Guilherme Boulos (PSOL), o governador piauiense Wellington Dias (PT) e o ex-senador Lindbergh Farias (PT). Também são esperados prefeitos e deputados da região, além de movimentos populares. Haverá um palco com apresentações culturais. Chico César e outros artistas já confirmaram participação. Ato está marcado para as 10h da manhã.


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Sem previsão de retorno da água da Transposição, moradores temem colapso

CRISE. População do Semiárido sente os impactos da falta de abastecimento Raissa Rodrigues

região já estão com o volume mínimo, cerca de 5%. Na cidade de Monteiro, a situação chega a ser mais grave, já que o principal açude da cidade, o Poções, teve sua parede rebaixada e consequentemente o volume diminuído para que a vazão da água fosse o suficiente para chegar até a cidade de Campina Grande, que estava entrando em colapso por falta de água, o que diminuiu a capacidade de armazenar água para as duas cidades, que juntas têm cerca de 400 mil habitantes. A estudante Nathanaelly Ferreira relembra dos grandes intervalos de tempo sem água antes da transposição “A si-

tuação dessas pessoas é complicada, porque muitas não tem um reservatório grande. Algumas casas chegavam a ficar dois, três meses sem água na torneira. O abastecimento tinha melhorado essa condição e a paralisação não afeta uma ou duas pessoas, mas toda a cidade”. Além dos impactos na vida da população, a própria obra tem sido danificada por falta de uso. A estrutura dos canais já apresentam fissuras e rachaduras, causadas pela falta de água no Eixo, além de trechos onde há água parada, que compromete a qualidade da água e pode gerar problemas de saúde pública.

Cidades já voltaram a ser abastecidas por carro-pipa, que custa R$ 150,00.

Vanessa Gonzaga

Diálogo

esde fevereiro, o D abastecimento de água no Eixo leste da

Transposição do Rio São Francisco está interrompido. Até agora, tudo que a população sabe através do Governo Federal é que um problema técnico nas obras na barragem de Cacimba Nova, na cidade de Custódia (PE) é apontado como causa da interrupção. Há meses, moradores estão voltando a viver como se a obra da transposição não existisse, como na cidade de Monteiro, no Cariri paraibano, que agora retornou à política de rodízio de água nas torneiras e compra de carro-pipa, que chega a custar cerca de R$ 150,00 , como explica o servidor público Airton Feitosa “Isso acarreta num problema, porque quando as pessoas não tem condições de estocar a água,

Algumas casas chegavam a ficar dois, três meses sem água na torneira tem que recorrer a compra de água, o que aumenta o custo de vida das pessoas. Já tem um aumento desses carros que vendem água na cidade” explica. Além da interrupção do abastecimento, as chuvas desse ano não foram suficientes para encher os açudes, cisternas e outros reservatórios de água. Com o passar de quase seis meses sem água, os reservatórios que abastecem a

D

iante da iminência de uma crise hídrica, movimentos populares, prefeitos, vereadores e políticos da região vem abrindo espaços de diálogo com a sociedade, como afirma Gilmar Felipe, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

(MST), que vem passando pelas cidades afetadas para explicar a interrupção do abastecimento e conscientizar e mobilizar as comunidades a cobrar um posicionamento e uma atitude do Governo Federal para resolver o problema “Já passamos por Sumé, Monteiro, Ca-

malaú, além das comunidades rurais. Temos feito reuniões de mobilização em escolas e nas comunidades e fazendo trabalho de base junto com prefeitos, vereadores e uma Brigada de Agitação e Propaganda composta junto com a Pastoral da Juventude Rural”.


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