![](https://stories.isu.pub/67171568/images/3_original_file_I1.jpg?width=720&quality=85%2C50)
3 minute read
Pagina 3
Quando a política vira Carnaval, o Carnaval vira política
Advertisement
É bom já ir se preparando. A folia vai pegar pesado com o governo Bolsonaro, suas trapalhadas e esquisitices, talkey? Acontece que a política tomou conta do Carnaval. Cavou seus espaços em grandes escolas de samba ou blocos modestos.
AYRTON CENTENO
PORTO ALEGRE
o Rio de Janeiro, por exemplo, duas escolas de samba do primeiro grupo, Mangueira e Paraíso do Tuiuti, tratarão do assunto. A primeira homenageando a vereadora Marielle Franco, assassinada há quase um ano, crime político ainda sem solução. A segunda fazendo referências cifradas a Lula no seu samba-enredo O Salvador da Pátria.
Em 2018, a Paraíso do Tuiuti irritou o Palácio do Planalto ao exibir Michel Temer como um vampiro estilizado. E ainda zombou dos ingênuos que saíram à rua contra a corrupção, chamando-os de manifestoches. Agora, mais sutilmente, vai contar a saga do bode Ioiô, um nordestino baixinho e de barbicha que se elegeu e conquistou o país. E vai irritar de novo os poderosos de Brasília.
O prefeito que vai virar diabo
“Quem foi de aço nos anos de chumbo/ Brasil chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles e Malês/ Mangueira, tira a poeira dos porões/ Ô, abre alas/ Pros seus heróis de barracões”, vai cantar a Mangueira na Marquês de Sapucaí. É um trecho do samba-enredo Canção para Ninar Gente Grande, que resgata personagens esquecidos pela história oficial do Brasil.
Também no Rio, a Acadêmicos do Sossego, do segundo grupo, vai pegar no pé de Marcelo Crivella, que reduziu os recursos para o Carnaval. Segundo promete a escola, o prefeito surgirá com feições de diabo
na passarela. Não se Meta com Minha Fé, Acredito em Quem Quiser” é o samba-enredo que questiona o prefeito, pastor da Igreja Universal do Reino de Deus e apoiador de Bolsonaro.
Glória a Deus, chegou a Ursal!
Em Porto Alegre, surgiu o bloco Ai que Saudade do Meu Ex, referência a Lula. “Ai que saudade do meu ex/ Que lutou pra nos libertar/ O povo tá de olho em vocês/ O que o nosso Lula fez/ Vocês não vão apagar”, adverte a canção-tema do bloco. Também da capital gaúcha é a Nau da Liberdade que defende uma sociedade sem manicômios. “Hospício guarda/ Hospício caixa!/ Eu, não me encaixo!” diz
um trecho da sua marcha. A proposta da Nau é “festejar a nossa resistência que se alinha às lutas contra as opressões dos machismos, racismos e lgbtfobias”.
“Daciolo anunciou/ Pra este Carnaval/ Glória a Deus/ Chegou a Ursal”... É assim que começa o Samba da Ursal, do bloco de mesmo nome que vai desfilar em Pelotas. Outro Bloco da Ursal desfila em São Paulo. Se o Sul vem com a Ursal, Olinda vem com a Ursene – União das Repúblicas Socialistas dos Estados do Nordeste, deboche com direito a camiseta vermelha com foice e martelo...
Eu Avisei virou nome de bloco em São Paulo e em Belo Horizonte. É troça na cabeça dos eleitores
que viajaram na maionese na hora do voto. Seus foliões envergarão um abadá laranja... O paulistano Acadêmicos do Baixo Augusta, que desfilará com o tema Que País é Esse?, igualmente vem disposto a cutucar.
“Traz a mamadeira de piroca”
Mas Bolsonaro e sua turma já estão penando mesmo é com as implacáveis marchinhas. Ele, sua família, seus ministros e suas confusões com laranjas. Ironicamente, quem mais abastece de sarcasmo a folia é uma família de Curitiba, sede da Operação lava-Jato.
“Mamãe não deu pra comprar arma/ Me dá o liquidificador/ Traz a mamadeira de piroca/ Goiaba, açaí e a laranja, por favor/ Traz a mamadeira de piroca/ Vou preparar um suco violento e opressor”. É um trecho da Marcha do Pobre de Direita que Marilda, Ligia, Nilson e Isis Passos cantam em vídeos no You Tube com milhares de visualizações. Mas é apenas um dos hits da Família Passos, aplaudida também por A Culpa é do PT, Marchinha da Barbie, Nossa Bandeira Jamais Será Vermelha, Marchinha do Foro Privilegiado, entre muitas. Confira – e ria -- nas páginas seguintes.
No estado, crise é o pretexto para cortar verba
Até o fechamento desta reportagem, o Brasil de Fato confirmou quase 20 cidades gaúchas sem folia financiada pelas prefeituras em 2019.
MAIARA MARINHO E EDUARDA SCHEIN
PORTO ALEGRE
m Porto Alegre, pela primeira vez, o Carnaval de rua será realizado sob licitação. A empresa Impacto Vento Norte Produções Técnicas foi a vencedora da disputa do Pregão Eletrônico 01/2019. Diante destas circunstâncias, que atingem também as escolas de samba com
corte de verbas, há mobilização a fim de manter sólidas as entidades carnavalescas.
A prefeitura da capital alega não dispor de verbas - razão alegada por todos os municípios que cancelaram o Carnaval. Com dificuldades, para fechar parcerias privadas, escolas de samba buscam o autofinanciamento.
Se a crise econômica serve de justificativa para as prefeituras suspenderem ou cortarem os recursos, há uma linha bastante tênue no seu discurso que pode ser interpretada até como manifestação elitista e racista. É o que suspeita Thiago Pirajira, integrante do Bloco da Laje. “A intelectual
e educadora Sueli Carneiro fala a partir do conceito de epistemicídio justamente dessa operação do racismo em silenciar, apagar os saberes, as epistemes do conhecimento produzido pela população negra no Brasil”,
comenta.
É histórica a prática de sucatear áreas populares (escolas, universidades e hospitais públicos, por exemplo) para, posteriormente, privatizar. Com o carnaval não é diferente.
“Eu tenho plena convicção de que é um dever do Estado ter políticas eficientes que subsidiem o carnaval, mas eu tenho críticas de como Porto Alegre tem feito a sua gerência sobre as manifestações de carnaval na cidade, afirma Pirajira.
O carnaval é comovente, é instigante, é o prazer da alegria que não pede moeda de troca para ser apreciado. É a história do povo negro sendo contada ao som de tambores. Anuncia nos sorrisos, nos molejos, na entrega do corpo que flutua nas linhas que contam uma verdade que este país negro e indígena, hegemonizado por uma minoria branca, insiste em negar. O carnaval é resistência.