B R A S I L O B S E R V E R LONDON EDITION
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ISSN 2055-4826
FEBRUARY/2015
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BRUNO DIAS / ESTÚDIO RUFUS (WWW.RUFUS.ART.BR)
O Ã Ç I ELE L A R GE E O VOTO BRASILEIRO NO REINO UNIDO
ARTE DE PERNAMBUCO Embaixada do Brasil em Londres apresenta nova exposição DIVULGAÇÃO
SAUDADES DO VERÃO Um tour pela praia de Jericoacoara para esquecer o frio DIVULGAÇÃO
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SUMÁRIO 4 6 8 10 12 14 18 21 24 26 30
EM FOCO Seleção Brasileira volta a Londres
LONDON EDITION É uma publicação mensal da ANAGU UK UN LIMITED fundada por:
COLUNISTA CONVIDADO Alexandre de Freitas Barbosa sobre a China e a América Latina PERFIL Valnei Nunes: lentes em zona de guerra
ANA TOLEDO Diretora de Operações ana@brasilobserver.co.uk
BRASIL GLOBAL Brasileiros se preparam para votar na eleição geral britânica
GUILHERME REIS Diretor de Redação guilherme@brasilobserver.co.uk
CONEXÃO BR-UK Embaixador do Reino Unido no Brasil fala sobre os Jogos Olímpicos
ROBERTA SCHWAMBACH Diretora Financeira roberta@brasilobserver.co.uk
BRASILIANCE A hora do ajuste fiscal na economia | O desafio a ser superado pela Petrobras CONECTANDO De Cuba, uma visão sobre a reaproximação com os EUA
EDITORES EM INGLÊS Kate Rintoul Kate@brasilobserver.co.uk Shaun Cumming shaun@investwrite.co.uk
GUIA Arte de Pernambuco invade a Sala Brasil
DESIGN E DIAGRAMAÇÃO Jean Peixe peixe@brasilobserver.co.uk
DICAS CULTURAIS COLUNISTAS
COLABORADORES Alec Herron, Alexandre de Freitas Barbosa, Bianca Brunow, Christian Taylor, Franko Figueiredo, Gabriela Lobianco, Juan Gabriel Gordín, Leticia Faddul, Marielle Machado, Michael Landon, Nathália Braga, Ricardo Somera, Rômulo Seitenfus, Rosa Bittencourt, Wagner de Alcântara Aragão
VIAGEM
IMPRESSÃO St Clements press (1988 ) Ltd, Stratford, London mohammed.faqir@stclementspress.com 10.000 cópias DISTRIBUIÇÃO Emblem Group Ltd.
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PARA ANUNCIAR comercial@brasilobserver.co.uk 020 3015 5043 PARA ASSINAR contato@brasiloberver.co.uk PARA SUGERIR PAUTA E COLABORAR editor@brasilobserver.co.uk ONLINE brasilobserver.co.uk issuu.com/brasilobserver
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EM FOCO
SELEÇÃO BRASILEIRA VOLTA A LONDRES A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) confirmou em janeiro que a Seleção Brasileira irá enfrentar o Chile em jogo amistoso a ser realizado no dia 29 de março, no Emirates Stadium, em Londres. Essa será a segunda partida da seleção na temporada, logo após o confronto contra a França, no dia 26 de março, no Stade de France. Com capacidade para 60 mil pessoas, o Emirates Stadium sediou cinco jogos da Seleção Brasileira na primeira passagem do técnico Dunga, entre 2006 e 2010. Além disso, o time canarinho enfrentou a Escócia no local em 2011 (comandada por Mano Menezes, a equipe sul-americana venceu aquele amistoso por 2 a 0). A última vez em que o Brasil jogou na capital britânica foi em 2013, contra a Rússia, no Stamford Bridge – aquele jogo terminou empatado em 1 a 1. Na nova gestão de Dunga, esse será o segundo confronto com um rival sul-americano em campo neutro. Antes de encarar o Chile em Londres, o Brasil venceu a Argentina em Pequim pelo placar de 2 a 0. O jogo contra o Chile será realizado às 15h. Brasil e Chile não se encontram desde as oitavas de final da Copa do Mundo de 2014, quando o time canarinho precisou das penalidades para avançar. Integrantes dos programas de fidelidade da equipe do Arsenal têm prioridade na compra dos ingressos. As vendas começaram no dia 6 de fevereiro – valores dos ingressos variam entre £15 e £30.
NA AGENDA g
20|21 de Fevereiro Sétima conferência da ABEP (Associação de Brasileiros Estudantes de Pós-Graduação e Pesquisadores no Reino Unido) tem como tema central a internacionalização da ciência brasileira e os caminhos para o desenvolvimento econômico. Evento acontece no Imperial College London – ingressos entre £15 e £35.
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23 de Fevereiro Professor Jaime Ginzburg, novo titular da Rio Branco Chair do King’s Brazil Institute, lidera debate sobre cultura e violência, analisando o cinema contemporâneo do Brasil e do Reino Unido. Evento na Somerset House é gratuito, mas exige registro.
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24 de Fevereiro Peter Birle, diretor do Instituto Ibero-Americano de Berlim apresenta seminário sobre o papel do Brasil na integração e cooperação Latino-Americana. Evento no Strand Building do King’s College é gratuito e não há necessidade de se registrar previamente.
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26 de Fevereiro Conferência do Instituto de Estudos Latino Americanos da Escola de Estudos Avançados da Universidade de Londres vai analisar os dez anos da Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA). Entrada custa £15, £10 para estudantes.
Sempre achei o Brasil um país fabuloso [...] Uma das coisas que achei mais surpreendente foi o Candomblé, que conheci em Salvador, uma cidade que é muito reveladora sobre o que é o Brasil Michael Palin, sobre o período em que esteve no Brasil para gravar uma série apresentada pela BBC, durante o evento Brazilian Diaries, organizado pelo Instituto de Estudos Latino Americanos da Escola de Estudos Avançados da Universidade de Londres (ILAS, em inglês)
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The Latin America Business Forum is a platform that aims to strengthen the ties between the UK and Latin America by fostering the debate of key topics that make a difference in innovation, business, economics, government and society. The Forum brings together key players and influencers, thinkers and doers that contribute to preparing Latin America to take the leap to a developed economy. Five keynote speakers and twelve panelists will share with us their vision about the future of Latin America.
Latin America Business Forum at London Business School Economic Development in Latin America: Challenges for the Next Decade •
A Tale of Two Latin Americas: Finding the right balance to achieve equitable growth
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Entrepreneurship: How can it play a larger role in Latin America’s development
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Competitiveness in Latin America: How to close the gap with the developed world
Friday, 27 February 2015 at the Royal College of Obstetricians and Gynaecologists, next to London Business School
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COLUNISTA CONVIDADO
CHINA E AMÉRICA LATINA: PARCERIA SUL-SUL? Pequim tem política definida para o continente, mas os países latinos reagem de maneira fragmentada e pouco propositiva Por Alexandre de Freitas Barbosa g
Alexandre de Freitas Barbosa é professor de História Econômica e de Economia Brasileira do Instituto de Estudos Brasileiros da USP e integrante do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais g
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A realização do Fórum China-Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e do Caribe) recebeu as reportagens de praxe da grande imprensa brasileira. Foi a primeira viagem exterior do novo chanceler brasileiro, Mauro Vieira. Equador e Venezuela enviaram os seus presidentes “de pires na mão”, num contexto de queda dos preços do petróleo. A China, ao ocupar o “quintal” dos Estados Unidos, explica a reaproximação de Barack Obama com Cuba. E assim por diante. Mas o encontro, na primeira semana de janeiro, é apenas uma foto na parede. Precisamos seguir o longa-metragem que desemboca nas cenas do presidente Xi Jinping abrindo o Fórum e do primeiro-ministro Li Kegiang recebendo os hermanos latino-americanos. O ano de 1994 funciona como uma espécie de ponto de partida. São criados o China Development Bank (CDB) e o China Ex-Im Bank. Em 1998, inicia-se a política chinesa do Going Global, de estímulo à internacionalização das empresas estatais, agindo em consonância com os bancos de desenvolvimento e apoio ao comércio exterior. Em 2000, é lançado o Fórum China-África, quando no Grande Salão do Povo se estende o tapete vermelho para uma procissão de líderes africanos (48 ao total). Em 2004, Hu Jintao faz o seu périplo sul-americano, enquanto os países da região disputam entre si os polpudos investimentos chineses. Em 2008, o governo chinês divulga “A Política da China para a América Latina e o Caribe” na onda do boom das commodities e da ampliação do comércio entre as regiões. Em 2012, Wen Jiabao, então primeiro-ministro chinês, faz um discurso histórico na Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe). Depois de mencionar a “civilização latino-americana, fruto do desenvolvimento histórico e do intercâmbio com as diversas civilizações do mundo”, ele tece as linhas da diplomacia da ascensão pacífica chinesa: parceria econômica, tecnológica e cultural com “outras” regiões em desenvolvimento; e ação integrada com o objetivo de criação de uma “ordem multipolar” no âmbito geopolítico. De concreto, oferece um Fundo de Cooperação China-ALC e disponibiliza créditos especiais do seu Banco de Desenvolvimento. Agora é a vez do presidente Xi Jinping dar continuidade à agenda estruturada pela potência chinesa – um dos centros da nova economia-mundo capitalista – há pelo menos vinte anos. Aqui, política econômica e política externa se combinam numa estratégia geopolítica para atuar em vários espaços do tabuleiro mundial. Na reunião dos dias 8 e 9 de janeiro de 2015, foi definido o Plano de Cooperação entre a China e a Celac para o
período 2015-2019 e assinada a Declaração de Pequim. Para além das previsões alvissareiras de crescimento do comércio e dos investimentos chineses na América Latina, o governo de Pequim ofereceu 6 mil bolsas de estudos para os membros da Celac, convidou mil líderes partidários para visitar a China e se comprometeu a organizar cursos de mandarim nas escolas fundamentais e de ensino médio da região. No quesito investimentos, o foco foi infraestrutura, onde a China tem desenvolvido “grande capacidade nas áreas de produção, tecnologia e equipamentos”. O objetivo é contribuir para o desenvolvimento da América Latina, “em vez de apenas promover fluxos comerciais de recursos naturais e de energia de um país para o outro”. E o que dizer dos países latino-americanos? A impressão é a de que atuam como figurantes rendidos de um roteiro definido no outro lado do Pacífico. A Celac, inaugurada na Venezuela, em 2011, foi rapidamente reconhecida pelo governo chinês. No discurso na Cepal, em 2012, foi a única entidade da região mencionada. Três anos depois, o fórum China-Celac – que congrega todos os países latino-americanos, inclusive Cuba, e serve de contraponto à OEA (Organização dos Estados Americanos) – está criado. Cumpre o papel de estabelecer uma “parceria” com a América Latina, cujos detalhes são definidos no âmbito bilateral, ou seja, entre cada país individualmente e a China. É, assim, uma “cooperação pragmática”. Em vez de assumir uma visão precipitada de que presenciamos uma nova forma de imperialismo, vale lembrar que – ao contrário dos Estados Unidos – a China não oferece um pacote fechado à América Latina. Assina tratado de livre-comércio com quem quer, como no caso de Chile, Peru e Costa Rica. Na Venezuela e no Equador, predomina a cooperação via “loans-for-oil” (empréstimos em troca de petróleo). No Brasil, a cooperação bilateral se desenvolve no âmbito da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Cooperação e Concertação (Cosban), havendo também os acordos firmados nos Fóruns dos Brics. No México, a relação é tensa, em virtude das medidas anti-dumping impostas pelo país às importações chinesas. Seria o caso de perguntar se esta fragmentação deve-se ao desejo da China de “dividir para reinar”, ou se não é o próprio espelho da integração latino-americana, onde os países têm diversos padrões de inserção externa sem uma efetiva perspectiva integracionista? Alguns dados sobre as relações econômicas entre a China e América Latina são reveladores. Entre 2001 e 2013, o comércio bilateral multiplicou-se 22 vezes. Quando se observam os saldos
comerciais por tipo de produto, ao longo do período, o resultado não dá margem para dúvidas: o saldo positivo latino-americano em commodities saltou de 2,3 bilhões de dólares para 62,6 bilhões de dólares, ao passo que o déficit com a China em bens industrializados alcançou 130,7 bilhões de dólares em 2013, contra 7,5 bilhões de dólares em 2001. Em termos de investimentos externos diretos chineses, estes ainda são de pequena monta (porque os dados estão subestimados), mas vêm crescendo rapidamente, depois de 2010, nos setores de petróleo, energia, mineração, infraestrutura e, inclusive, na indústria de transformação. O mais marcante, contudo, é o dado referente a empréstimos para o ano de 2010: os créditos chineses à região mostram-se superiores ao total das carteiras do Banco Mundial, BID e Eximbank dos Estados Unidos para os países latino-americanos. Em síntese, a China já tem a sua política para a região e sabe muito bem o que quer e o que pode oferecer para a América Latina. Do outro lado, resta saber se a América Latina existe em termos geopolíticos e econômicos, ao ponto de saber o que quer e como negociar com a China. Isto porque tem respondido aos movimentos da diplomacia chinesa de maneira fragmentada – cada país possui (quando muito) uma agenda própria – e pouco propositiva. Do ponto de vista brasileiro, a agenda com a China, além da dimensão multilateral – o país foi elevado à condição de “parceiro estratégico global” pela potência asiática em 2012 – possui duas outras dimensões: a regional e a doméstica. Apesar do superávit comercial com a China, o Brasil tem sido deslocado nos mercados dos parceiros latino-americanos pelos produtos industrializados chineses, e vê suas cadeias produtivas encolhidas no mercado interno. Tal como os chineses, precisamos combinar a política econômica com a política externa. Assinar acordos de livre-comércio com os países desenvolvidos – hoje na pauta inclusive do governo, por meio do novo ministério da Fazenda, Joaquim Levy, dentre outros – é dar um tiro no pé. Significa asfixiar ainda mais o mercado interno e perder o papel de potencial dínamo da integração latino-americana. A política externa brasileira – estruturada pelo Itamaraty em diálogo com outros segmentos do governo e da sociedade civil –, se não estiver subordinada à lógica da integração passiva, deve ser capaz de pensar na China como parceiro relevante nos fóruns multilaterais. Isso sem descuidar dos desafios que a economia, assim como o padrão de inserção externa, representa para nações com parque produtivo diversificado e tradição de protagonismo regional e global.
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PERFIL
VALNEI NUNES LENTES EM ZONA DE GUERRA
Cinegrafista brasileiro relembra os dias em que esteve na fronteira da Síria com a Turquia cobrindo os conflitos armados da região e revela: “o envolvimento é inevitável” Por Rômulo Seitenfus
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Parte da maior crise humanitária de nossa era se desenrola entre as cidades de Kobane e Suruç. A primeira, localizada no norte da Síria, na fronteira com a Turquia, tornou-se em setembro do ano passado alvo estratégico do grupo jihadista Estado Islâmico – o que agravou ainda mais a situação na região que já sofria com a guerra civil entre rebeldes e soldados do presidente sírio Bashar Al-Assad, iniciada em 2011. A segunda, do lado turco, é o destino de milhares de refugiados sírios, principalmente curdos – etinia com mais de 30 milhões de pessoas sem Estado próprio que se espalham principalmente por países como Irã, Turquia, Iraque, Síria e Armênia. Foi naquela zona de guerra que o cinegrafista e fotógrafo brasileiro Valnei Nunes passou cerca de um mês entre setembro e outubro do ano passado, testemunhando a ofensiva do Estado Islâmico, a resistência por parte dos curdos e do exército estadunidense e o consequente deslocamento de milhares de cidadãos em busca de paz. Junto com o repórter Sergio Utsch, produziu uma série de reportagens para SBT, e alguns desses registros – fotografias e filmagens – foram apresentadas na exposição “Displaced”, que abriu no dia 27 de janeiro na galeria The Defector’s Weld, em Londres. A mostra retrata o drama dos refugiados sírios. Segundo a Agência da Onu para Refugiados (Acnur), quase a metade da população da Síria teve que abandonar suas casas por causa da violência e há mais de 3 milhões de pessoas refugiadas em outros países. “O envolvimento é inevitável”, confessou Valnei Nunes em entrevista exclusiva ao Brasil Observer. No momento em que este texto era escrito, as notícias davam conta de que combatentes curdos haviam expulsado os jihadistas da cidade de Kobane. E a exposição, agora, segue para Frankfurt, na Alemanha, com o objetivo de atingir o maior número de pessoas e arrecadar doações para as vítimas da guerra. Parte da única equipe brasileira de reportagem na região de Kobane, Nunes é formado em Cinema e Vídeo, trabalhou em diversas funções da área, mas esteve sempre ligado aos direitos humanos – retratando questões indígenas e denunciando o tratamento do serviço público de saúde mental, por exemplo. Nesta entrevista, ele conta como foi a cobertura do conflito na fronteira entre Síria e Turquia.
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Em que momento você se deu conta do tamanho do conflito?
viu envolvido emocionalmente com os refugiados?
Já tinha realizado coberturas internacionais bem difíceis, mas não esperava tamanha gravidade. No quinto dia de cobertura o deslocamento já era considerado a maior tragédia humanitária da história da Acnur (Agência da ONU para Refugiados). A situação só piorava e a jornada estava apenas começando. Só depois fiquei sabendo que fomos os únicos brasileiros nessa zona de guerra.
Teve uma criança em especial, de aproximadamente quatro anos, que estava morando dentro de uma das lojas que foram desativadas para abrigar os refugiados. Lembro que tinha uma tangerina no bolso e entreguei ao garoto, que mordia o meu braço enquanto eu descascava a tangerina; ele estava faminto. Passei a apanhar comida do hotel onde eu estava hospedado para levar para as crianças dessa loja. Lembro dos refugiados estarem famintos. A imagem dos refugiados chegando na fronteira era de proporções bíblicas: milhares de pessoas famintas, empoeiradas e desidratadas. Numa das mesquitas que serviam de alojamento para os refugiados, uma adolescente, Muna, que tinha 15 anos, estava com o corpo todo queimado e aguardava a chegada dos remédios havia dez dias.
Houve algum impasse durante a cobertura?
VALNEI NUNES
Ocorreram muitos impasses. Em volta da cidade de Suruç, os encontros entre a milícia curda e o exército turco eram cada vez mais tensos. Em um dos protestos, estávamos a dois metros da polícia quando, de súbito, o exército turco iniciou um ataque contra todos que estavam em volta. Jornalistas, fotógrafos e a milícia curda se dispersaram pelo efeito do gás lacrimogêneo. Entramos no carro e iniciamos um retorno imediato em direção a Suruç. Durante o percurso a estrada estava bloqueada por tanques e militantes, não podíamos avançar e resolvemos esperar no meio da estrada, num local distante dos conflitos. Tentava filmar de longe um homem rezando no meio dos ataques quando, de repente, ouvi um vácuo e uma explosão atrás de mim; era um morteiro caído há menos de 200 metros do nosso carro – éramos o alvo. Tudo indica ter sido o exército turco, mas a cidade de Kobane e o Estado Islâmico estavam logo ali, todos contra todos, e a ameaça vinha de todos os lados. Os curdos acusam o Estado turco de financiarem o Estado Islâmico. A Turquia, além de manter preso há mais de 15 anos Abdullah Ocalan, o líder curdo do Partido do Trabalhadores (PKK), considera os curdos uma ameaça territorial. No caminho de volta do primeiro protesto, senti uma dor progressiva no ombro esquerdo. Na manhã seguinte mal segurava a tampa da lente da câmera. Em meu diagnóstico tive ombro esquerdo deslocado. Eu tinha mais oito dias de cobertura, não havia tempo de ir ao hospital. No dia seguinte, fui em um daqueles oráculos milagrosos do Oriente Médio. Era uma velhinha curda que enquanto retorcia o meu corpo, me rezava e beijava; depois colou dois adesivos no meu ombro que ardiam como queimadura na pele. Com o bem sucedido tratamento, melhorei em dois dias. Mesmo com o braço deslocado continuava a filmar e fotografar. Foi bem difícil. Vocês contaram com algum tipo de proteção? De fato, não. Toda a imprensa internacional que estava lá se sentiu ameaçada, não havia como saber de onde viria o ataque. Me recordo que até o carro de reportagem da BBC, com uma equipe grande, foi atacado violentamente pelo exército turco. Era uma situação caótica. Como foi lidar com a situação de guerra? Em algum momento você se
Mesmo em situações tristes, pode haver beleza nas imagens. Quais são suas lembranças fotográficas mais marcantes? Teve uma ocasião em que fui a uma praça onde o caminhão da Acnur costumava distribuir a única refeição do dia para as famílias. Uma multidão de crianças se espremiam na fila. Entrei no caminhão e, da janela, perto de uma enorme panela de carne, via uma aglomeracão de crianças de todas as idades se empurrando com baldes vazios nas mãos para pegar um lugar melhor na fila. Muitas daquelas crianças precisavam alimentar entre 15 a 20 pessoas por dia. Naquela praça que intitulei de “Jardim dos Refugiados”, por mostrar dezenas de tecidos coloridos de mulheres curdas espalhados entre arbustos, vi uma beleza inesquecível, apesar de toda aquela situação triste. O que o levou a realizar a exposição? Dois motivos. Primeiro a necessidade de que pessoas de outros lugares conheçam a história do povo mais afetado pela guerra: os curdos. Maior etnia do planeta sem um Estado reconhecido, eles vivem em diferentes regiões do Oriente Médio e, apesar de serem muçulmanos, a mulher é respeitada, o uso do véu não é obrigatório, defendem a democracia e tanto o homem quanto a mulher tem os mesmos direitos. O outro é a necessidade de doações para as famílias que estão em situação de abandono. Lembro que não tinha barraca para todos que chegavam; famílias inteiras dormiam encostadas nos muros dos acampamentos aguardando alojamento. Na exposição, 20% das vendas das obras vão para as famílias dos refugiados. Você pretende continuar cobrindo zonas de conflitos? Acho que faço um bom trabalho em situações extremas. Enquanto houver conflitos acontecendo, a responsabilidade de um comunicador sempre será a força de expressão necessária para noticiar a realidade compondo uma olhar crítico e despretensioso. Devo voltar aos campos ainda este ano com outro projeto que está em andamento.
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BRASIL GLOBAL DIVULGAÇÃO
À moda antiga: nada de urna eletrônica
ÀS URNAS DO REINO UNIDO Brasileiros com cidadania britânica se preparam para exercer direito ao voto na eleição geral de maio; acirramento do debate sobre imigração afeta pouco a comunidade brasileira
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O ano de 2015 começou em clima de campanha eleitoral no Reino Unido. A eleição geral do dia 7 de maio significa que um novo Parlamento será eleito e, a partir dele, se formará um novo governo, que vai indicar quem será o primeiro-ministro britânico até 2020. Diante das discussões sobre como será esse novo governo – provavelmente formado por uma coalizão, já que nenhum dos dois maiores partidos (Conservador e Trabalhista) parece capaz de conquistar a maioria absoluta dos 650 assentos da Câmara dos Comuns – a grande maioria dos brasileiros que vivem no Reino Unido
Por Guilherme Reis
acompanha o desenrolar dos debates sem poder de interferência direta. Mas existem aqueles que poderão exercer seu direito ao voto. Podem votar na eleição geral maiores de 18 anos que nasceram em um país da Commonwealth ou na República da Irlanda e que hoje tem residência no Reino Unido. Cidadãos da União Europeia e de outros territórios só estão qualificados se tiverem cidadania britânica. Não se sabe ao certo quantos brasileiros naturalizados comparecerão às urnas em maio, pois o voto no Reino Unido não é obrigatório e não há esta-
tísticas sobre o total de pessoas que se encaixam nesse perfil. Mas, segundo informações conseguidas pelo Brasil Observer junto ao Home Office, entre 1990 e 2013 cerca de 10,5 mil brasileiros foram naturalizados ou registrados como cidadãos britânicos. Isso não quer dizer que todos têm direito ao voto, pois muitos podem não viver mais no Reino Unido, mas é o indicador mais relevante disponível. De qualquer maneira, é uma participação pequena se comparada com o tamanho da comunidade brasileira em território britânico. Estimativa feita pela Embaixada do Brasil em Londres
aponta que 137 mil brasileiros vivem no Reino Unido. Para a associação Casa do Brasil, que presta uma série de serviços à comunidade brasileira, o número real pode ser mais que o dobro disso: cerca de 300 mil. Fator determinante para que o número de brasileiros que vivem no país seja subestimado é que muitos possuem dupla nacionalidade e entram no Reino Unido usando passaporte de países europeus. Dessa maneira, não são contabilizados como brasileiros nos registros britânicos. Outro fator que contribui com isso é a própria ilegalidade.
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EXERCÍCIO DO VOTO
IMIGRAÇÃO EM DEBATE Todos os eleitores ouvidos pelo Brasil Observer se mostraram contrários ao discurso anti-imigração que tomou conta do noticiário britânico por conta da ascensão do UKIP, partido de extrema direita que defende, inclusive, a saída do Reino Unido da União Europeia. Esse, aliás, é um debate que os brasileiros, como parte de uma comunidade imigrante, têm de acompanhar mesmo que não tenham direito ao voto. É a opinião do conselheiro de política da Embaixada do Brasil em Londres,
Eleitorado imigrante será crucial, diz pesquisa DIVULGAÇÃO
A reportagem do Brasil Observer conversou com oito brasileiros que, registrados como cidadãos britânicos, se preparam para votar em maio. Em média, esses eleitores têm 48 anos, vivem no Reino Unido há 15 e já votaram pelo menos duas vezes no país – seja em eleição local ou nacional. Quatro deles afirmaram ainda não ter definido em quem votar; dois declararam voto no partido Trabalhista; o Green e o Liberal-Democrata tiveram a preferência de um entrevistado cada. Diferentemente do Brasil, onde há voto direto para presidente, o eleitor britânico vota no candidato à Membro do Parlamento referente à sua região – é o chamado voto distrital. O Reino Unido é divido em 650 distritos eleitorais, e na eleição geral o candidato que conseguir a maioria dos votos em cada um vai para a Câmara dos Comuns. Para formar um governo de maioria, um partido tem de vencer em 326 distritos. Se não houver maioria absoluta, dois ou mais partidos devem se juntar para formar um governo de coalizão, como o atual, entre os partidos Conservador e Liberal-Democrata. Há ainda a possibilidade de formar um governo de minoria, e se não houver acordo entre os partidos o Parlamento é dissolvido para nova eleição. O primeiro-ministro é o líder do partido que obteve maioria, ou o líder do maior partido em uma coalizão. Com base nas pesquisas de intenção de voto, o próximo provavelmente será ou o atual primeiro-ministro David Cameron (Conservador) ou Ed Miliband (Trabalhista). “Tanto no Brasil quanto aqui, tento votar levando em conta o que considero melhor para o país naquele momento em que a eleição acontece, com base nas informações que disponho”, comentou a jornalista Maria Eduarda Lafetá Johnston, que vota no distrito de Sutton and Cheam, hoje representada pelo Liberal-Democrata Paul Burstow. Para Maria Eduarda, “a economia é uma das minhas prioridades, mas também os programas sociais, escolas e hospitais”. Luiz Carlos Chagas, gerente de projetos culturais da Embaixada do Brasil em Londres, vota no distrito de Greenwich and Woolwich, que desde 1997 é representado pelo Trabalhista Nick Raysnford. “Levo em consideração as propostas políticas de relevância direta para a área que vivo em Londres, e os possíveis benefícios para os trabalhadores, sejam eles estrangeiros ou não”, afirmou Luiz Carlos. Já para o casal Ivanclei de Oliveira e Luciane Freitas da Silva Oliveira, que votam em Birmingham Edgbaston, representada pela Trabalhista Gisela Stuart, os valores de vida dos candidatos têm peso determinante, assim como a posição sobre imigração. “O voto do estrangeiro se tornou uma arma e uma boa fatia a ser conquistada pelos políticos. O estrangeiro passa a ter voz”, argumentou Ivanclei.
Jão Marcos Paes Leme, que assegura, porém, que “o debate sobre imigração afeta pouco a comunidade brasileira”. Segundo Paes Leme, não há por parte das autoridades britânicas o objetivo específico de controlar a entrada de brasileiros. “O problema maior para o Reino Unido – se é que isso é um problema – é que como membro da União Europeia deve acolher qualquer cidadão do bloco. Não há nada que impeça um cidadão da União Europeia de se mudar para cá. Isso exerce pressão na infraestrutura do país, nos transportes, nos benefícios sociais, etc. E gera um debate doméstico. Os principais partidos respondem de maneira distinta a essa pressão. Há quem diga claramente, como os liberais, que isso é uma boa coisa para a economia. Mas essa preocupação é, sobretudo, em relação aos cidadãos europeus, tanto que existe o debate de sair da União Europeia. Mas até os mais radicais dizem que mesmo que sair da União Europeia, os que já estão aqui não tem nada a temer”, disse. Opinião semelhante tem a diretora executiva da London Help 4U, Francine Mendonça. “Muitos britânicos se incomodam com o voto e também com o estrangeiro em geral; pessoas mais conservadoras. Mas também tem muitos britânicos que apreciam o voto de estrangeiros, pois são os estrangeiros que estão construindo uma Inglaterra diferente, com mais sabores, culturas e cores. Não acredito que o debate sobre imigração levará o Reino Unido a tomar alguma medida em relação ao visto de entrada para brasileiros”, afirmou. Os fatos comprovam que a grande maioria dos brasileiros chega ao Reino Unido com situação regularizada – com vistos específicos ou documentos e comprovantes necessários para entrar como turista. Entre 2003 e 2013, o número de turistas brasileiros que vieram ao Reino Unido cresceu 360%. Só em 2013, último ano registrado até agora pelo Visit Britain, 257 mil turistas do Brasil visitaram Inglaterra, Escócia e o País de Gales. Esses viajantes deixaram 277 milhões de libras. Em uma lista de 65 países, o Brasil é 23º emissor de turistas e fica em 20º no ranking de visitantes que mais gastam. Segundo dados da Embaixada do Brasil em Londres conseguidos pela reportagem, de julho de 2013 a junho de 2014, houve 932 inadmissões de brasileiros no Reino Unido – quando são impedidos de entrar e mandados de volta ao Brasil. Esse número é menos da metade do registrado em 2010, quando 2.110 foram inadmitidos. Em relação a deportações, houve queda 765 em 2010 para 190 em 2014. Em relação aos vistos britânicos concedidos aos brasileiros, quase 100% é de estudo, de acordo com o Home Office. De outubro de 2013 a setembro de 2014, foram concedidos 2.316 vistos, um aumento de 42% em relação ao ano anterior. Desses, 2.232 foram de estudante, um aumento de 70% em relação ao mesmo período entre 2012 e 2013. Com isso, o Brasil alcançou o segundo lugar no ranking de países para os quais foi concedido o maior número de vistos de estudante pelo Reino Unido. Em primeiro ficou a China, com 2.286. Esse aumentou aconteceu, em grande parte, pelo sucesso do programa do governo federal brasileiro Ciência Sem Fronteiras – o Reino Unido é o segundo destino mais popular, logo atrás dos EUA. Apesar da influência do UKIP no debate eleitoral deste ano, o tema imigração deve perder relevância para outros temas mais pertinentes na vida de quem mora no Reino Unido. Para o diretor do King’s Brazil Institute, Anthony Pereira, “nenhum tema será mais importante do que a economia e o estado do NHS (sistema público de saúde)”.
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Entre os países de origem dos eleitores imigrantes no Reino Unido, os dois primeiros são Índia e Paquistão
Estudo realizado pela Universidade de Manchester e pela Migrants Rights Network aponta que a parte do eleitorado formada por imigrantes será crucial na eleição geral de 2015 no Reino Unido. Um em cada dez eleitores será imigrante, e muitos mais serão filhos de imigrantes, segundo a pesquisa. Além disso, ao menos 70 distritos marginais podem ter um grupo coeso de eleitores que não nasceram em território britânico. Leia a seguir os principais pontos do estudo: g
Aproximadamente 4 milhões de pessoas na Inglaterra e no País de Gales que nasceram em países estrangeiros poderão votar na eleição geral de maio. Em 2010, esse número era de cerca de 3,5 milhões.
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Dois distritos – East Ham e Brent North – devem se tornar os primeiros a terem a maioria do eleitorado nascida em países estrangeiros. Em outros 25 essa quantia deve chegar um terço do eleitorado, e a pelo menos um quarto em outros 50 distritos.
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A maioria desses eleitores mora em Londres e na região de West Midlands, e podem mudar o equilíbrio de poder em áreas marginais.
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Eleitores imigrantes não formam um bloco único, mas padrões de votação apontam que estão mais sujeitos a optarem por partidos que são bem vistos em relação à igualdade racial e questões imigratórias.
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Entre os países de origem dos eleitores imigrantes, os cinco primeiros são Índia (615 mil), Paquistão (431 mil), República da Irlanda (297 mil), Bangladesh (183 mil) e Nigéria (182 mil).
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Para mais informações acesse www.migrantsrights.org.uk.
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CONEXÃO BR-UK
‘O RIO REALIZARÁ OLIMPÍADAS FANTÁSTICAS’, DIZ EMBAIXADOR DO REINO UNIDO NO BRASIL Em entrevista ao portal oficial do Rio 2016, Alex Ellis analisa legado dos Jogos Olímpicos de Londres 2012 e ressalta parcerias criadas pelos governos brasileiro e britânico
Como era a expectativa antes da realização dos Jogos? Quando Londres foi nomeada como cidade-sede, em 2005, muita gente se animou e festejou a notícia. Por outro lado, houve também reações negativas e comparações com outras cidades-sede. Alguns setores da sociedade, principalmente a imprensa britânica, diziam que Londres não poderia superar Pequim, mas no final, provamos que estavam errados nas suas suposições. Inevitavelmente houve muita ansiedade, inclusive sobre transporte, na reta final das preparações, antes da abertura oficial. É normal e compreensível. Essa visão inicial mudou após a realização dos Jogos? Apesar dos nervos antes do evento, o país inteiro viu e participou do sucesso dos Jogos de Londres. É impossível negar que eles foram benéficos para a cidade, a população, o comércio e para o Reino Unido. Os Jogos foram memoráveis e as pessoas reconhecem isso.
Vinicius e Tom são os mascotes do Rio 2016; ingressos para os Jogos já estão à venda em www.rio2016.com
Os Jogos Paraolímpicos contaram com um grande público em todas as provas. Isso surpreendeu a organização do evento? Surpreendeu, pois foram quebrados todos os recordes de bilheteria. Cerca de 2,7 milhões de ingressos foram vendidos, sendo que a maioria dos eventos se esgotou. Quebramos todos os recordes relacionados à transmissão pela televisão e de repercussão em mídias sociais. Porém, o que mais me surpreendeu não foi o sucesso de bilheteria, mas, sim, o impacto que os Jogos Paraolímpicos tiveram na percepção dos britânicos sobre as pessoas com deficiência. Poderia citar um exemplo? Pesquisa da British Paralympic Association (BPA) revelou que os Jogos Paraolímpicos tiveram um efeito profundo nas crianças de todo o Reino Unido: cerca de sete entre dez crianças pesquisadas disseram que os Jogos mudaram a forma como elas enxergavam os deficientes físicos. Essa é uma grande conquista e mostra como um evento esportivo pode ser transformador. Nesse sentido estabelecemos um acordo desde 2011 entre o governo do Reino Unido, o Comitê Paralímpico Brasileiro e o Ministério do Esporte para que nossos jovens atletas paraolímpicos e os brasileiros pudessem competir juntos. Em setembro do ano passado, os atletas brasileiros participaram dos Jogos Escolares de Sainsbury´s, na Inglaterra. Já em novembro, a delegação britânica participou das Paraolimpíadas Escolares do Brasil, sendo a única delegação estrangeira. Quais outros legados foram percebidos na cidade e no país? Temos várias áreas em que o legado
de Londres é explorado, entre elas o crescimento econômico. Os Jogos renderam 14,2 bilhões de libras em investimentos e parcerias comerciais ao Reino Unido e atingiram a sua meta em dois anos, sendo que o objetivo inicial era atingir 11 bilhões de libras em quatro anos. Outro aspecto foi a oportunidade de usar o espírito olímpico e paraolímpico para unir as comunidades na crença de que o esporte pode unir as pessoas para melhorar a sociedade. Pudemos contar com voluntários dentro das arenas, os Game Makers (foto), e também nas ruas auxiliando turistas, os Team London Ambassadors. O trabalho voluntário em geral, que vinha diminuindo desde 2005, cresceu 40% após os Jogos. Como os Jogos influenciaram o turismo? O turismo em Londres, que já era alto, não foi nada subestimado e recebeu uma grande atenção desde o início do planejamento. O resultado foi excelente: em 2013, Londres teve um aumento de 1,3 milhão de turistas internacionais, batendo um recorde histórico e ultrapassando Paris ao se tornar a cidade mais visitada do mundo. Algumas áreas da cidade foram revitalizadas para os jogos. Em que isso alterou a realidade das comunidades locais? Tanto para Glasgow em 2014 (Commonwealth Games) quanto para Londres em 2012, foi elaborado um plano de legado para trabalhar o uso das estruturas olímpicas pela comunidade local, auxiliando no desenvolvimento de novos atletas, estimulando ações profissionalizantes e educativas, e proporcionando mais um espaço de lazer e esportes para a comuni-
DIVULGAÇÃO
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Mesmo com a experiência de já ter sediado duas Olimpíadas, em 1908 e 1948, a cidade de Londres foi alvo de desconfiança ao ser escolhida para receber os Jogos de 2012. Uma das alegações era de que a capital britânica jamais seria capaz de superar a organização dos Jogos de Pequim, realizados em 2008. O desafio foi superado e a cidade tornou-se a primeira do planeta a sediar três vezes o evento. As vantagens conquistadas para a população continuam a ser contabilizadas. Da revitalização de áreas abandonadas até o incremento no turismo – que fez com que, em 2013, Londres ultrapassasse Paris pela primeira vez como a cidade mais visitada do mundo –, diversos foram os legados deixados pelos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos. Para o embaixador do Reino Unido no Brasil, Alex Ellis, algumas das mais importantes conquistas têm a ver com a mentalidade da população: o trabalho voluntário, por exemplo, cresceu 40% após o evento. Além disso, a visão da sociedade em relação aos deficientes físicos também foi positivamente afetada. Em entrevista ao portal oficial do governo brasileiro sobre os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, o representante britânico comenta diversos legados proporcionados pelo maior evento esportivo do mundo. E diz: “O Rio realizará Olimpíadas fantásticas”.
Por Ana Cláudia Felizola
dade local. Especialmente no leste de Londres, onde está o Parque Olímpico, o resultado foi excelente. Para citar algumas das melhorias: 3.000 árvores plantadas, remoção de mais de 15 toneladas de lixo de rios, canais e parques, mais de 7.000 m² de novos jardins e a revitalização de mais de 50 locais abandonados. Essa mudança na qualidade de espaços que, anteriormente, não eram atrativos auxiliou ainda outros setores, como turismo, infraestrutura e saúde. Além disso, os 2.800 apartamentos usados como hospedagem para os atletas nas Olimpíadas foram transformados em apartamentos residenciais. Como o senhor analisa a preparação do Rio de Janeiro? Fiquei extremamente impressionado com o sucesso das organizações da Copa do Mundo. No fim, o Brasil mostrou que realiza com excelência eventos de grande porte. Os Jogos do Rio têm tudo para ser um sucesso absoluto e os atletas britânicos estão muito animados com o que já viram da cidade em visitas até hoje. Estou convencido de que o Rio realizará Olimpíadas fantásticas. As paisagens das áreas olímpicas são de beleza incomparável, nenhuma cidade-sede pode competir com o Rio nesse quesito. Medalhistas das Olimpíadas de Londres, como Pete Reed (remo), Luke Patience (vela) e Tom Daley (saltos ornamentais), já passaram pelo Rio de Janeiro participando de visitas técnicas e todos ficaram maravilhados com a beleza. Que experiências Londres pode transmitir para o Rio? Temos uma parceria ótima com o governo brasileiro, o governo do estado, a prefeitura do Rio e com o Comitê Organizador. Desde 2009, mais de 40 departamentos do governo do Reino Unido e do Brasil têm se engajado em trocas relacionadas às Olimpíadas, contando com ao menos 160 missões internas e externas, workshops, seminários e eventos. Em 2012, o governo brasileiro, em parceria conosco, criou o “Programa de Observadores Governamentais dos Jogos Olímpicos Londres 2012”, em que 300 participantes foram a Londres com objetivo de estudar e analisar todas as ações desenvolvidas. Após os Jogos, passamos o bastão oficialmente para o Brasil e temos realizado diálogos olímpicos e paraolímpicos com regularidade, ocasiões em que os organizadores de Londres compartilham sua experiência e seu legado com os organizadores dos Jogos Rio 2016. Nunca houve uma parceria tão próxima entre governos de dois países e de suas cidades-sede como agora.
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BRASILIANCE
A VEZ DO AJUSTE FISCAL Ignorando o insucesso da austeridade na Europa, Dilma Rousseff resolve seguir a mesma linha e anuncia ‘pacote de maldades’, saciando o mercado financeiro, e desagradando a maioria dos brasileiros que recentemente a reelegeram
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Em seu discurso de posse para o segundo mandato, no dia 1º de janeiro, a presidenta Dilma Rousseff assegurou que “nenhum passo atrás” seria dado em relação às conquistas sociais dos últimos 12 anos – os quatro primeiros dela própria e os oito anteriores de Luís Inácio Lula da Silva. A afirmação estava em sintonia com a promessa de campanha: “nem que a vaca tussa”, dissera sobre a possibilidade de os direitos dos trabalhadores serem afetados em um novo governo. Menos de 20 dias depois de iniciada a nova gestão, Dilma contrariou categoricamente a fala da posse. Se continuar nessa toada, a promessa de campanha também pode ir por água abaixo. No dia 19 de janeiro, o novo Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, anunciou um conjunto de medidas com o objetivo de aumentar a arrecadação e cortar as despesas da União. O tal “ajuste fiscal” já era aguardado desde o final de dezembro, quando – para espanto dos que esperavam um segundo governo de Dilma mais progressista –, a presidenta confirmou o ortodoxo Levy no cargo. O leque de medidas inclui aumento da carga tributária sobre o crédito pessoal e sobre produtos, como combustíveis, cosméticos e importados em geral. Essas medidas se somam a outras tomadas ainda no final de 2014, que tornaram mais rígidas as concessões de benefícios como seguro-desemprego, abono salarial, auxílio-doença, pensão por morte e seguro-defeso pago a pescadores. Também se junta ao pacote uma medida provisória assinada por Dilma que reajusta em apenas 4,5% o teto de isenção do Imposto de Renda – índice inferior à inflação anual de 6,41% registrada em 2014 (o Congresso havia aprovado um reajuste de 6,5%, mas a presidenta vetou). Ainda na semana do anúncio do pacote, o Banco Central colocou a cereja no bolo: elevou a taxa básica de juros para 12,25%, a maior desde julho de 2011. Com as medidas definidas em janeiro, o governo federal espera elevar em R$ 20,6 bilhões a arrecadação de tributos em 2015. Com a restrição aos benefícios anunciada em dezembro, a estimativa é de que R$ 18 bilhões sejam cortados das despesas da União. Como Levy pretende alcançar R$ 60 bilhões, ainda faltam outros R$ 22 bilhões. A julgar pela linha de pensamento do titular da Fazenda, pela sua trajetória e, sobretudo, pelo que tem sinalizado neste início de governo, o aperto nas contas públicas vai se concentrar em medidas que
Por Wagner de Alcântara Aragão
afetam principalmente os assalariados e a renda da classe média. Vai sobrar também para o setor produtivo. As grandes fortunas e os rentistas do mercado financeiro, entretanto, devem ser poupados. Para o mercado financeiro, o pacote é um bom indicativo de que o governo Dilma estará mais comprometido com a responsabilidade fiscal neste segundo mandato. As medidas tomadas até agora visam uma a meta de superávit primário de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2015. Superávit primário é aquilo que o governo economiza para o pagamento de juros da dívida pública – formada, basicamente, pelos títulos públicos vendidos no mercado financeiro.
TAMANHO DO BURACO O setor público consolidado – governos federal, estaduais, municipais e empresas estatais – registrou déficit primário de R$ 32,5 bilhões em 2014. Em 2013, houve superávit de R$ 91,306 bilhões. Foi a primeira vez, desde o início da série histórica do Banco Central, em dezembro de 2001, que o setor público encerrou o ano com déficit. Já o Governo Central – Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central – encerrou 2014 com déficit primário de R$ 17,2 bilhões. Também foi a primeira vez que o resultado primário ficou deficitário desde o início da série histórica atual, que começou em 1997. Com isso, não foi cumprida a meta alterada de superávit primário para 2014, que era R$ 10,1 bilhões. A meta original, de R$ 80,7 bilhões, foi reduzida em razão da queda na arrecadação e aumento de gastos. Os dados referem-se ao déficit primário porque trata da diferença entre receitas e despesas não financeiras, excluindo receitas e gastos com juros. Com o déficit, faltou dinheiro para pagar os juros da dívida, cujos gastos chegaram a R$ 311,4 bilhões em 2014 (6,07% do PIB), contra R$ 248,9 bilhões (5,14% do PIB) em 2013. O déficit nominal, formado pelo resultado primário mais as despesas com juros, alcançou R$ 343,9 bilhões no ano passado (6,7% do PIB). Para o chefe adjunto do Departamento Econômico do Banco Central, Fernando Rocha, a menor atividade econômica do país e a consequente queda na arrecadação tributária contribuíram para os resultados negativos, assim como as desonerações concedidas a setores específicos da economia pela presidenta Dilma Rousseff.
“Em 2013, tivemos variação de 2,5% do PIB. Em 2014, não sabemos ainda, mas o resultado será significativamente inferior. Isto implica menor arrecadação de impostos. Outro fator são as desonerações, que a Receita Federal estima em pouco mais de R$ 100 bilhões. Por fim, o crescimento das despesas em investimentos”, afirmou. Diante disso, quase ninguém discute que o Brasil realmente precisa de um ajuste. O pacote fiscal sozinho, porém, não garante que haverá uma retomada do crescimento da economia. O que o governo espera, agora, é reconquistar a confiança do mercado e despertar o “espírito animal” do empresariado para que o setor privado volte a investir e, consequentemente, aqueça a produção brasileira – já que aumentar o investimento público parece ter sido opção descartada.
CONTRAMÃO Exemplos de fora do Brasil justificam o questionamento da eficácia dessas medidas. O ajuste fiscal que o governo Dilma começa a colocar em prática está na cartilha que é adotada pelos 19 países da Zona do Euro desde 2009, quando os efeitos da crise econômica global eclodida no ano anterior, nos Estados Unidos, espalharam-se e intensificaram-se. De lá para cá, a economia europeia alterna exercícios de recessão e estagnação, com altos índices de desemprego (principalmente entre os jovens) e eclosão de conflitos sociais – acentuados, em alguns países, por atitudes xenófobas de parte da população que culpa os imigrantes pelos desequilíbrios. As consequências da austeridade europeia chegam a tal ponto que autoridades monetárias começam a se inquietar. Dias depois do ajuste anunciado no Brasil, o Banco Central Europeu comunicou medidas de afrouxamento com o intuito de reaquecer a atividade econômica e reverter o processo de deflação em curso no bloco. Dos Estados Unidos veio outra mostra de como a nova equipe econômica de Dilma parece se posicionar na contramão. No tradicional discurso de início de ano ao Congresso e à nação, o presidente Barack Obama defendeu a adoção de medidas governamentais de estímulo à geração de emprego e universalização de direitos, como saúde e seguridade social. Obama falou em baixar os impostos que atingem os trabalhadores e auxiliar as famílias que não têm condições de pa-
gar pelos serviços básicos. Para bancar isso, sinalizou que poderá aumentar os impostos das famílias mais ricas. Nesse sentido, e diante da realidade econômica desigual da sociedade brasileira, apesar dos avanços recentes, o Brasil poderia colocar em prática um imposto sobre grandes fortunas – mecanismo previsto na Constituição de 1988, mas nunca regulamentado pelo Congresso. Segundo o trabalho “Imposto sobre grandes fortunas”, publicado pelo economista Amir Khair em 2003, uma taxa de 1% sobre a riqueza declarada à Receita Federal por pessoas físicas e jurídicas nesse ano teria proporcionado uma receita fiscal de 1,89% do PIB, no mínimo. Outra medida seria corrigir distorções tributárias. Um exemplo é o pagamento de 27,5% de Imposto de Renda tanto por quem recebe um salário mensal de R$ 4,08 mil quanto por aqueles remunerados com R$ 408 mil, segundo tabela de faixas de rendimentos em vigor.
REPERCUSSÃO O plano de ajuste é noticiado na mídia hegemônica num tom de mal necessário. As principais emissoras de televisão e rádio do país e os sites dos maiores jornais comerciais, que costumam ser rigorosos quando se trata de avaliar medidas vistas como populistas, pouparam o governo de críticas por conta dos efeitos colaterais do novo pacote. Na oposição, que tem o PSDB como principal representante, as críticas se focaram mais na ausência de medidas que diminuíssem os gastos da União. Um dos senadores do partido, Álvaro Dias, falou na necessidade de “reforma administrativa”. A oposição à esquerda condenou o sacrifício imposto pelo pacote aos trabalhadores. Candidata a presidente nas eleições passadas pelo Psol, Luciana Genro ressaltou que “até Obama”, perante o Congresso dos EUA, defendeu ampliar os tributos sobre os ricos para aliviar os mais pobres. Já Dilma, escreveu a socialista, “prefere aumentar os impostos para o povo assalariado a taxar um pouco os mais ricos”. As centrais sindicais – quase todas elas apoiaram Dilma nas eleições de 2014 – rechaçaram as medidas e marcaram mobilizações ainda para o final de janeiro e para fevereiro. Em nota, condenaram a restrição de concessão de benefícios previdenciários. “Em nome de ‘corrigir distorções e fraudes’, atacam e reduzem direitos”, afirmam.
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A concepção do ajuste é a mesma na Europa e na América Latina A cara do ajuste. O Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, discursou para chefes de estado e investidores no Fórum Econômico Mundial, em Davos, no mês de janeiro. Na ocasião, a ONG britânica Oxfam alertou: em 2016, a riqueza de 1% da população mundial vai ser maior que a dos 99% restantes. Algo mais a dizer?
Lucros altos para multinacionais e monopólios nacionais; salários baixos e corte de investimento público para as classes médias empobrecidas. Essa é a lógica do ajuste fiscal no Brasil e da austeridade na Europa, na opinião do Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Presidente do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA), Nildo Ouriques. Ao Brasil Observer, o professor afirma que estamos em uma nova fase: “É o fim das ilusões”. g
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Há diferença entre o “Ajuste Fiscal” no Brasil e a “Austeridade” na Europa? O Brasil corre o risco de sofrer as mesmas consequências da austeridade europeia? A concepção do ajuste é a mesma na Europa e na América Latina. Trata-se, basicamente, de uma guerra de classes contra o povo, pois essa política garante super-lucros para as multinacionais e os monopólios nacionais, e salários baixos e cortes de investimentos em saúde e educação para os pobres e as classe médias empobrecidas. Nós latino-americanos temos a vida, a economia e a política cominada pelas finanças desde sempre, razão pela qual a dívida externa – e agora também a interna – é sempre prioridade dos governos (de esquerda ou de direita). A periferia europeia está conhecendo agora uma lei que para nós é quase de bronze: a superexploração dos trabalhadores é fundamento da economia política. Este quadro permitirá que gregos e brasileiros (italianos e espanhóis também) descubram que a luta deve ser internacional.
MORITZ HAGER/ WORLD ECONOMIC FORUM
A política de ajuste fiscal no Brasil era mesmo inevitável? Qual a origem do desequilíbrio e como solucioná-lo? No Brasil, como em toda a América Latina e parte da Europa, os meios de comunicação manufaturaram a opinião pública de acordo com os interesses dos banqueiros. Assim, a maioria aceitou a “teoria” de que estamos diante de uma crise fiscal do Estado. Tal coisa não existe. O que existe é uma crise financeira do Estado que foi propositadamente endividado para depois aplicar o ajuste fiscal. Nos últimos quatro anos a Grécia recebeu aproximadamente 220 bilhões de euros e pagou 330. A dívida, no entanto, não parou de crescer. É o automatismo da dívida. A única saída é realizar uma auditoria tal como o Equador fez e simplesmente anular - pelo caráter ilegal de sua contratação - a maior parte do endividamento público, que beneficiou quase que exclusivamente os banqueiros. A taxa de desemprego diminuiu na Grécia? Não, segue elevando-se. Portanto, não há ajuste fiscal que possa eliminar a crise financeira do Estado. A causa da Grécia é importante pra todos nós na América Latina. No Brasil, a presidente Dil-
ma tinha outras opções. Mas ela promove um pacto de classes que beneficia em primeiro lugar os exportadores, as multinacionais e, especialmente, os banqueiros. No ano passado, 44% do orçamento da União foi destinado ao pagamento de juros da dívida interna e externa. É algo muito semelhante a um país em guerra, quando metade do orçamento é destinada a defesa da pátria. Aqui, ao contrário, quando se tira 7 bilhões de dólares da educação, o governo diz que é para gerar saldos para “honrar” o pagamento da dívida que, não obstante, não diminui, mas cresce. É claro que tinha alternativas: aumento de imposto para os ricos, para os exportadores, etc. Os exportadores de soja são isentos de impostos. Eu pago 27,5% de meu salário de professor e os exportadores de minérios, até 4%. Sem a auditoria da dívida, nenhum governo poderá honrar seu discurso eleitoral. g
Você acredita que a ascensão de movimentos anti-austeridade na Europa, notadamente na Grécia e na Espanha, podem impulsionar movimentos semelhantes no Brasil? Sim, claro. Aqui temos larga tradição de movimentos sociais em luta. Na Europa e nos EUA são mais ou menos recentes porque a maioria da população acreditava nos grandes partidos de massa. Na Espanha, o PSOE; na Grécia, o POSOK; e na Itália, os partidos comunistas e socialistas. Mas a crise consumiu a credibilidade deles, pois a cada nova eleição, após defenderem os trabalhadores e o povo antes da votação, assumiam o programa do FMI no primeiro dia de governo. A credibilidade deles acabou e alguns partidos desapareceram. Foi ótimo. É o fim das ilusões. Agora estamos vivendo uma fase de construção dos novos partidos. No Brasil o PT é muito similar ao PSDB e ao PMDB, ambos partidos tradicionais. O PT foi no passado um partido de luta e de combate, mas é atualmente o principal partido da classe dominante. Neste sentido repetimos a tragédia do PCI na Itália e do PSOE na Espanha. É claro que esta tragédia ocorre entre nós como farsa. Mas o mais importante é que a resposta das pessoas tem sido rápida e vamos esperar para ver se o governo grego mantém sua posição firme diante da Europa dos banqueiros.
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PETROBRAS NA ENCRUZILHADA Assolada pela corrupção, maior empresa do país tem diante de si o desafio de continuar sendo o motor do desenvolvimento
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A Petrobras vive a mais grave crise de sua história. O desenrolar da operação Lava Jato e as denúncias de corrupção no Brasil e no exterior têm atrasado pagamentos a fornecedores, dificultado a assinatura de aditivos contratuais e posto em dúvida metas de produção da maior empresa brasileira, que responde por cerca de 10% do PIB e da taxa de investimentos do país e 5% da arrecadação de impostos. As incertezas se somam à pressão de grupos econômicos para mudar as regras de produção de petróleo no pré-sal – como o regime de partilha e as re-
Por Roberto Rockmann
gras de conteúdo nacional. O impacto da operação da Polícia Federal (PF) e das investigações em curso nos Estados Unidos e na Europa sobre a empresa ainda é incerto, mas, passada a tempestade, a Petrobras continuará sendo a principal empresa brasileira, com uma promissora carteira de projetos, depois de ter realizado uma das maiores descobertas de petróleo no mundo das últimas três décadas no hemisfério ocidental. O peso da estatal na economia é brutal. Em 2000, o setor de petróleo, em que a Petrobras é a principal força com mais de 90% dos negócios na
área, respondia por 3% do PIB. Hoje responde por 13% e poderia atingir 20% em 2020. A empresa gasta cerca de R$ 100 bilhões por ano em aquisição de equipamentos e bens. Segundo dados do Dieese, somente em 2013 a empresa gastou, em média, R$ 383 milhões diários em compras de equipamentos e em obras. Hoje a Petrobras está envolvida em uma série de investigações, no Brasil e no exterior, em razão de suspeitas de desvios de recursos da estatal para partidos políticos e de superfaturamento de contratos e privilégio para construtoras.
A principal autoridade do mercado de capitais dos Estados Unidos está investigando a estatal brasileira, que tem ações na Bolsa de Nova York. A Justiça da Holanda está também de olho em uma denúncia da empresa SBM, que alugava plataformas para a Petrobras. No Brasil, o Ministério Público Federal e a PF têm ouvido ex-diretores da empresa e de empreiteiras com contratos com a estatal para identificar desvios de dinheiro – que alimentavam caixa dois usado por partidos políticos e executivos de empresas privadas
TÂNIA REGO/AGÊNCIA BRASIL
VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL
Crimes investigados pela Lava Jato desviaram ao menos R$ 2,1 bilhões da Petrobras, segundo Ministério Público Federal. Essa é só uma das dificuldades a serem enfrentadas pelo novo presidente da estatal, Aldemir Bendine, anunciado no cargo no início de fevereiro em substituição a Graça Foster, que renunciou.
brasilobserver.co.uk | February 2015
OUTRO PATAMAR Apesar das incertezas, o horizonte de médio e longo prazo é positivo. A descoberta da camada pré-sal, em 2006, mudou o patamar de operação da Petrobras, que prevê chegar à próxima década com uma produção de 4 milhões de barris por dia, o dobro do que extrai hoje – em 2014, a produção total de petróleo e gás no Brasil cresceu 6%. O avanço se dará com o pré-sal, que responde por 22% da produção atual, mas que em 2018 chegará a 52%. Serão 19 novas unidades de produção instaladas na Bacia de Santos até o final daquele ano. A expectativa da Petrobras é de que a produção de petróleo exclusivamente do pré-sal, em 2017, ultrapasse 1 milhão de barris por dia. Entre 2014 e 2018, a estatal prevê investir US$ 220 bilhões, o maior programa de investimento de uma petroleira no mundo. Publicado recentemente, relatório da companhia de petróleo e gás BP aponta crescimento da participação do Brasil no cenário energético mundial até 2035. O pré-sal se converterá em uma das principais províncias petrolíferas do planeta, o que fará o Bra-
sil se tornar um exportador de energia e o maior produtor do setor na América do Sul. Devido a essa riqueza descoberta no Brasil, o governo alterou as regras de exploração e produção de petróleo na camada pré-sal, em 2010, fim do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foi criado o regime de partilha na exploração da camada pré-sal, em que a União tem parte das receitas asseguradas, e a obrigatoriedade de a Petrobras deter ao menos 30% dos campos a serem concedidos na área. Há também regras de conteúdo nacional de compra de equipamentos fabricados no Brasil. Com a crise da Petrobras, parte da mídia e grupos econômicos têm criticado essas ideias, defendendo maior abertura para que outras empresas participem da exploração.
OPORTUNIDADES Um ciclo de investimentos, turbinado pela exploração do pré-sal, poderá ser usado para a economia brasileira evitar a desindustrialização, na avaliação do diretor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Fernando Sarti. Entre 1990 e 2009, os
investimentos responderam por cerca de 20% do PIB nacional, enquanto na China estiveram acima de 40%. “Temos oportunidades e haverá demanda, mas ela ficará com indústrias daqui ou de fora?”, questiona Sarti. “A questão não é apenas de câmbio, e a competição ficará mais acirrada porque a China e países desenvolvidos, como Alemanha e Estados Unidos, buscarão mercados para seus bens. O que precisa ser feito é usar essa demanda de forma estratégica, o que pode contribuir para o adensamento de cadeias produtivas geradoras de mais riqueza aqui”. Para o diretor, criar inovação e riqueza no Brasil depende de um papel mais ativo do Estado. Por meio de política industrial, o governo pode aumentar as oportunidades em setores competitivos com soluções diferenciadas criadas por empresas brasileiras ou multinacionais com negócios no Brasil. “Isso abre perspectiva de capacitação de fornecedores locais e de criação ou maior inserção em cadeias de valor. A empresa líder é a Petrobras, com dimensão de mais longo prazo e condições de participar de uma política industrial mais ativa. A política de conteúdo nacional é um trunfo”.
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Artigo publicado originalmente na Revista do Brasil
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CONECTANDO
Cuba
O DIFÍCIL ENTENDIMENTO DE DUAS NAÇÕES VIZINHAS Reaproximação entre Cuba e Estados Unidos gera euforia na ilha caribenha, mas os cubanos não devem se deixar iludir Por Juan Gabriel Gordín – de Holguín, Cuba g
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Nas páginas da História, o dia 17 de dezembro de 2014 será lembrado como aquele em que a política dos Estados Unidos em relação a Cuba deu um inesperado giro – diante das velhas intenções de derrotar o processo revolucionário cubano. No uso de suas faculdades, o presidente estadunidense Barack Obama mudou a estratégia levada a cabo por mais de 55 anos pelos vizinhos do norte. Nunca um presidente dos Estados Unidos havia reconhecido publica-
mente que a política adotada frente a Cuba era equivocada e que precisava mudar. Nunca um mandatário ianque havia se manifestado contra o bloqueio, considerando-o uma estratégia falida. Carter e Clinton o fizeram, mas só depois de deixar a Casa Branca. Por trás desse movimento aparentemente repentino, porém, existe uma verdade oculta: os estadunidenses mantêm suas intenções de intervir nas decisões cubanas e limitar a soberania do país caribenho.
Como o próprio presidente Obama afirmou em entrevista, “se nos aproximarmos, teremos a possibilidade de influir no curso dos acontecimentos quando houver alguma mudança de comando; creio que devemos aproveitar esse momento e essa é minha intenção”. Ao mesmo tempo, o presidente cubano Raúl Castro advertiu que “não se deve pretender que, para melhorar as relações com os Estados Unidos, Cuba renuncie às ideias pe-
las quais lutou por mais de um século; pelas quais seu povo derramou sangue e correu riscos”. As declarações dos mandatários evidenciam que as bases do conflito bilateral seguem de pé, ainda que ambos tenham aberto a possibilidade de debate em uma mesa de negociação, o que poderia acontecer na próxima Cúpula das Américas, no Panamá, em abril. Com o restabelecimento das relações diplomáticas, Cuba e Estados
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BRUNO GALVÃO
Unidos deram o primeiro passo em um longo caminho até a normalização, e abrem uma brecha no novo mapa político mundial. Apesar disso, seguem pendentes alguns assuntos importantes, como o bloqueio econômico que persiste há cinco décadas sobre a ilha. O presidente Barack Obama não pode mudar as leis do Congresso, mas parece disposto a usar as prerrogativas do Poder Executivo para avançar. O problema é que esse caminho poderá ser interrompido pelo próximo presidente
estadunidense, que será eleito em 2016. Certo é que, enquanto se mantém o embargo, o intercâmbio econômico terá que esperar o aval dos congressistas de Washington. Além de ser o principal obstáculo, o Congresso dos Estados Unidos irá questionar a legalidade de cada ação presidencial em relação a Cuba. Mesmo assim, o otimismo é visível nas ruas cubanas, pois a maioria acredita que o fim do bloqueio é a solução para os principais pro-
blemas econômicos que atualmente atrasam o desenvolvimento da ilha. Para o engenheiro Bernardo Aguilera, que vive em Holguín, “a situação econômica do país hoje é crítica, os salários são muito baixos e as opções de trabalho, escassas”. Ele continuou: “É inconcebível que em uma sociedade moderna a pirâmide esteja tão invertida, que um vendedor de churros ganhe mais que um médico. O roubo de cérebros cresce a cada dia, assim como o número de
graduados universitários que optam por trabalhar por conta própria”. Daí a política marcada dos Estados Unidos de favorecer o setor privado com injeção de dinheiro e recursos. O que a Casa Branca parece não saber, todavia, é que o próprio governo cubano aplaude qualquer política que favoreça o setor não estatal, que em 2014 gerou 86 milhões de dólares em impostos ao estado cubano.
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REPRODUÇÃO
O crescimento dos trabalhadores privados e das cooperativas particulares é uma das prioridades da reforma econômica que vem sendo colocada em prática pelo presidente Raúl Castro desde 2011. Mario Cordero, trabalhador autônomo, enxerga a situação como “a abertura definitiva para os investimentos”. Para ele, é “uma oportunidade para dar oxigênio à economia do país, que se encontra asfixiada e necessitada de transformações em todos os setores”. Com as novas medidas adotadas pelo governo de Barack Obama, o crescimento gradual de visitantes permitirá a Cuba preparar-se melhor para recebê-los. Muitos concordam que a ilha não está preparada para receber a provável avalanche de turistas do país vizinho, que gastam muito e são mais exigentes. Isso faz com que os cubanos se vejam obrigados a melhorar bastante o serviço prestado. Desde janeiro, não há mais limite de gastos para os turistas estadunidenses que visitam a ilha de Cuba; agora eles podem, inclusive, usar cartões de débito e crédito. Além disso, companhias aéreas e agências de viagem dos Estados Unidos já podem organizar pacotes turísticos a Cuba e contratar serviços de empresas de seguro. O limite de envio de remessas a Cuba aumentou de 500 para 2.000 dólares por trimestre. Por um valor que não exceda 400 dólares, os estadunidenses poderão levar produtos ao seu país – para tabaco e rum, o valor limite é de 100 dólares. O setor de telecomunicações poderá investir em infraestrutura e vender para empresas do estado cubano serviços, softwares, dispositivos e equipamentos. Também se permitiu a instituições financeiras abrir contas em bancos cubanos para transações que sejam autorizadas entre ambos os países. Por conta dessas ações, reina entre os residentes da ilha um clima de muita esperança. A aproximação entre Cuba e Estados Unidos é tema recorrente em cada canto do país, o que tem gerado um ambiente de grande expectativa, sobretudo pelo entusiasmo, às vezes ingênuo, que tende a confundir determinados assuntos. Muitas pessoas pensam que essa aproximação é a solução de todos os problemas cubanos. Outros aplaudem a decisão dos dois governos de colocar as diferenças de lado e negociar pelo bem comum das duas nações.
Cuba não vai negociar sua própria soberania
O assunto tem gerado muita ansiedade. Alguns esperam que as mudanças aconteçam da noite para o dia, enquanto a realidade mostra que as negociações devem ser longas. A própria diretora para os Estados Unidos do Ministério de Relações Exteriores de Cuba, Josefina Vidal, afirmou que “nem tudo terá solução em curto prazo”. Um dos temas delicados a Lei de Ajuste Cubano, conhecida como “pés secos, pés molhados”. Vigente desde 1966, essa política estabelece que os cubanos que chegam a solo estadunidense podem ficar, mas os interceptados no mar, mesmo que a poucos metros da margem, são devolvidos ao país de origem. Cuba quer o fim dessa medida – que incentiva a saída ilegal e que já causou a morte de milhares de pessoas –, mas os Estados Unidos parecem relutantes.
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Entre os cubanos, porém, as opiniões estão divididas, pois a lei ampara aqueles que se arriscam em busca do “sonho americano”. Maritza Durán vislumbra a possibilidade de reencontrar sua filha, que é médica e abandonou sua missão na Venezuela para viver nos Estados Unidos. “Há muitos anos tento me reunir com minha filha, mas o governo dos Estados Unidos negou meu visto. Por isso, a única forma de vê-la é aproveitando os benefícios da Lei de Ajuste Cubano, porque em Cuba minha filha não pode entrar mais”, contou Durán. Nas petições do governo cubano se reitera a necessidade de normalização do fluxo migratório entre os dois países, porque não é de interesse que se mantenha um fluxo ilegal por via marítima, nem entrada irre-
Esta matéria foi produzida por Juan Gabriel Gordín, estudante do curso de Comunicação da Universidad de Holguín, em parceria com o Projeto CONECTANDO, desenvolvido pelo Brasil Observer junto a universidades brasileiras, europeias e latino-americanas. Para participar e ter seu texto publicado neste jornal, escreva para conectando@brasilobserver.co.uk
gular ao território dos Estados Unidos por outros países. Mesmo com o restabelecimento das relações, não podemos esperar mudanças nos objetivos que marcaram durante décadas a política entre os dois países. Os principais meios de comunicação do mundo alimentam a confusão de que, como parte desse processo, Cuba colocaria na mesa de negociações questões de ordem interna e que afetariam sua soberania nacional. Isso está claro, não vai acontecer. O ano de 2015 pode ser histórico para Cuba e Estados Unidos pela intenção de normalizar as relações bilaterais. A ilha, porém, deve seguir atenta, consciente de que, à espera do carrossel prometido pela fada madrinha, pode converter-se novamente em Cinderela.
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B R A S I L S E R V E R
EMBAIXADA DO BRASIL EM LONDRES, EM PARCERIA COM A GALERIA RAINHART, APRESENTA ART FROM PERNAMBUCO, QUE REÚNE TRABALHOS DE 17 ARTISTAS PERNAMBUCANOS DE DIFERENTES GERAÇÕES >> PGS. 22 E 23
RODRIGO BRAGA
ARTE DE PERNAMBUCO
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GUIA
EXPERIMENTALISMO À BRASILEIRA Um mundo em que todos nós habitamos é apresentado por artistas de Pernambuco através de narrativas que são tão particulares quanto universais, diz curadora da exposição Por Beth da Matta g
ART FROM PERNAMBUCO Quando: Até 28 de Fevereiro – Terça à Sábado, 11am-6pm Onde: Sala Brasil – 14-16 Cockspur Street (SW1Y 5BL) Entrada: Gratuita Info: www.culturalbrazil.org
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Beth da Matta é curadora da exposição e diretora do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, de Recife
O estado de Pernambuco há muito tempo é reconhecido como um rico território em produção cultural e artística. Nomes emblemáticos estão gravados na memória e fazem parte da história do experimentalismo tanto no fazer da arte quanto no desenvolvimento de trabalhos críticos e literários que refletem o Brasil e o nordeste. Criadores como Ariano Suassuna, Cícero Dias, Vicente do Rego Monteiro, Francisco Brennand, Gilberto Freyre, João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector e Chico Science contribuíram – e ainda contribuem – para a construção de uma fisionomia do nordeste e do sertão, assim como para a cultura e subjetividade de seus habitantes. Diversos artistas visuais de Pernambuco alcançaram proeminência nacional e internacional, revelando em seus trabalhos a herança e a novidade de um Brasil criativamente efervescente e, consequentemente, atraindo a atenção de especialistas e do público em geral para as diversas formas poéticas presentes em suas obras. Em meados da década de 1990, a produção artística pernambucana – principalmente filmes, músicas e artes visuais – se expandiu além dos temas regionais, tomada pela globalização econômica e cultural, influenciada pelo desenvolvimento tecnológico e pela pesquisa. Ao passo em que artistas rompiam as fronteiras de Recife, assim como o foco de seus trabalhos, a capital do estado também dava as boas-vindas para críticos e artistas de outras regiões do Brasil e do mundo. A dinâmica da arte, por óbvio, está sempre mudando. A crescente circulação de produções artísticas por feiras e exposições internacionais tem dado maior visibilidade a algumas áreas da produção artística pernambucana, materializada de diversas formas. Os repertórios, procedimentos e materiais desses artistas agem como um amplificador para a região, que é ao mesmo tempo local e internacional. Descobrimos ramificações, ecos e reverberações de suas produções em outros países, o que contribui para uma reimaginação local e internacional do que o Brasil, o nordeste e o sertão podem ser. A jornada de criação na qual esses artistas pernambucanos embarcaram – e que apresentamos agora nessa exposição Art from Pernambuco – foi e ainda
é um convite atraente à descoberta de uma linha comum de experimentalismo como forma de representar a si mesmo e ao seu mundo. Com audácia e originalidade na escolha e no uso dos materiais, e também do repertório e dos temas abordados, os artistas selecionados revelam criativamente uma atitude experimental em relação à arte e ao meio artístico. A exposição tem o intuito de apresentar importantes artistas visuais e várias formas de artes produzidas em Pernambuco, e ao mesmo tempo iniciar um debate sobre a multiplicidade dessa produção poética e desses artistas.
DIFERENTES GERAÇÕES Cobrindo quatro gerações, a exposição reúne obras de 17 artistas criadas em várias formas diferentes. Daniel Santiago, Eudes Mota e Paulo Bruscky representam o experimentalismo da década de 1970. Sebastião Pedrosa – um professor de teoria da arte na Universidade Federal de Pernambuco, onde ele lecionou por quase três décadas – investiga outros meios de expressão, como pinturas. Gil Vicente e Renato Valle, que eram muito novos nos anos 1970, começaram com pinturas e depois migraram para desenhos e gravuras nas décadas seguintes. Dos anos 1980 em diante, Marcelo Silveira, Márcio Almeida, Oriana Duarte, Paulo Meira e José Paulo, herdeiros da geração conceitual dos 1970, rompem com a tradição ao explorar as fronteiras da linguagem, da gramática e do campo semântico da própria arte. E finalmente descobrimos a linha artística pós-milênio através das ações e atitudes de Lourival Cuquinha; das relações entre corpo e natureza de Rodrigo Braga; da mitologia de Bruno Vilela e Amanda Melo; e da experimentação gráfica de Kilian Glasner e Jeims Duarte. É possível ver – através de observação cuidadosa e atenta – essa hibridez temporal, geográfica e cultural. Falando deles mesmos e de Recife, os artistas simultaneamente comunicam temas globais. Ou seja, um mundo em que todos nós habitamos é apresentado por artistas de Pernambuco através de narrativas que são tão particulares quanto universais. É um mundo de hibridez, de mistura, de fluídos temporais; um mundo que produz diversas práticas culturais.
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DIVULGAÇÃO
Paulo Bruscky vacina pessoas contra o tédio durante a abertura da exposição na Embaixada do Brasil em Londres
‘Cortiço do Recife’, por Jeims Duarte
‘Game Over’, por Kilian Glasner
‘Mealheiro’, por Renato Valle (esq.)
‘Round’, por Amanda Melo
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DICAS CULTURAIS
DIVULGAÇÃO
CARNAVAL
Movimientos
Made in Brasil
Guanabara
No coração de Camden Town, o bar e restaurante Made in Brasil é referência para quem quer provar o sabor brasileiro em Londres. E, no Carnaval, nada mais justo do que uma programação especial. Durante seis dias, de 12 a 17 de fevereiro, o estabelecimento promete “special offers and treats”. Tudo regado a muita música, é claro, com dançarinas de Carnaval, show ao vivo e DJs. Entre as atrações estão a London School of Samba, que vai se apresentar no sábado dia 14, o músico André Luz, que abre as celebrações na quinta 12 e sexta 13, e Mario Bakuna, que toca na segunda 16.
Como sempre faz em época de Carnaval, o bar e restaurante Guanabara, que fica perto da estação de Holborn do metro, no centro de Londres, terá programação especial de 11 a 17 de fevereiro. A primeira noite será dedicada ao circo, com apresentações de artistas brasileiros, latinos e britânicos. No dia 12, é dia desfile do grupo London School of Samba, que sairá de Covent Garden no final da tarde com destino ao Guanabara. Nos dias seguintes, haverá ainda baile de máscaras (14/2), forró com Zeu Azevedo (15/2), micareta da Bahia (16/2) e roda de samba (17/2), entre outras atrações.
Made in Brasil Carnival Quando: 12 a 17 de Fevereiro Onde: 12 Inverness Street (NW1 7HJ) Ingresso: Free Info: www.madeinbrasil.co.uk
Guanabara Carnival Quando: 11 a 17 de Fevereiro Onde: Parker Street (WC2B 5PW) Ingresso: £0 – £12 Info: www.guanabara.co.uk
Mardi Gras Love Carnival Quando: 13 de Fevereiro Onde: 133 Rye Lane (SE15 4UJ) Ingresso: £5 antecipado / £7 na porta Info: www.movimientos.org.uk Karnival Tropical Quando: 14 de Fevereiro Onde: 62 Rivington Street (EC2A 3AY) Ingresso: Free antes das 11pm / £5 depois Info: www.movimientos.org.uk
Uma das organizações mais ativas na produção de eventos culturais latino-americanos no Reino Unido, o grupo Movimientos prepara duas festas para a celebração do Carnaval na capital britânica. Na sexta-feira dia 13 de fevereiro acontece a ‘Mardi Gras Love Carnival’, celebração que promete conectar as cidades de Nova Orleans e Rio de Janeiro – tocam as bandas Voodoo Love Orchestra e 7Suns, além dos DJs Farrapo, Cal Jader, Madmax e Kalinka. Já no sábado 14 é a vez da ‘Karnival Tropical’, festa que terá duas pistas com sons do Caribe, América Latina e África – tocam os Djs Farrapo, Larry SKG, Cal Jader, Rukaiya Russell, Iamrisha e Madera Verde.
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LIVROS Lost Samba: Memories of Brazil, Richard Klein Onde encontrar: http://goo.gl/UWdbjR
Richard Klein nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 1962 – dois anos antes do golpe militar, mas no mesmo ano em que o Brasil ganhou sua segunda Copa do Mundo e os Beatles e os Rolling Stones gravaram suas primeiras músicas. Os pais britânicos de Richard, por serem judeus, se mudaram para a Cidade Maravilhosa no início da Segunda Guerra Mundial, e nunca se adaptaram totalmente ao novo lar. Richard, por sua vez, cresceu amando futebol e rock n’ roll.
A jornada do autor em busca do conhecimento sobre a terra onde nasceu está no centro da narrativa de Lost Samba, assim como as aventuras pelo mundo da cultura rock dos anos 1960, 70 e 80 – tudo sob a sombra sinistra da ditadura militar que mandava no Brasil. Parte memória, parte documento sobre o nascimento do Brasil contemporâneo, o livro conta com a narrativa em primeira pessoa de Richard sobre um momento difícil, porém fascinante do país.
Diário de uma Escrava, Rô Mierling Onde encontrar: http://goo.gl/mHb87g
“Escrevo sobre o dia a dia de uma menina sequestrada para fins sexuais. O livro é ficcional, mas ao mesmo tempo um protesto contra a forma desumana que muitas de nossas meninas são tratadas, reduzidas a pedaços de carne, tendo ferido o ponto mais íntimo de suas almas”, diz a autora de Diário de uma Escrava, Rô Mierling (pseudônimo de Rosana Erbe de Freitas, gaúcha que atua como pesquisadora, escritora e revisora literária há mais de dez anos).
O livro está disponível gratuitamente na internet em português e em inglês. A seguir, o primeiro parágrafo do primeiro capítulo: “Hoje acordei tarde. Sei que é tarde porque acordei com o corpo todo dolorido, e isso só acontece quando durmo demais. Vou tentando me levantar devagar. Doem minhas costas, meu pescoço, minha cabeça. Fico sentada esperando o quarto para de rodar. Uns cinco minutos depois já posso me colocar de pé. Faço meu alongamento esticando braços, pernas, cabeça para um lado e para o outro”.
ÁLBUNS Outsiders Insiders, Emily Saunders
Onde encontrar: www.emilysaunders.co.uk
A cantora e compositora Emily Saunders lançou seu primeiro álbum em 2011, Cotton Skies, revelando sua paixão pelos ritmos brasileiros. Agora, ela apresenta o disco Outsiders Insiders, que traz nove faixas combinando jazz, soul dos anos 60 e batidas de baixo na condução. O toque brasileiro está em duas canções, principalmente na que abre o disco, Residing, um baião com influência da multiculturalidade de Londres que invoca o sol brilhando e apresenta um convite à dança. Feitiço Caboclo, Dona Onete Onde encontrar: www.maisumdiscos.com
Considerada a diva do carimbó chamegado, a paraense Dona Onete, nascida em 1938, traz em seu primeiro disco, Feitiço Cabloco, lançado em 2012, todo o folclore da região Norte do Brasil, misturando carimbó, boi bumba, salsa caribenha, samba e brega. Trazido ao Reino Unido no ano passado pela Mais Um Discos, o álbum de Dona Onete é uma certeira injeção de energia, um chamado aos orixás e uma forma de esquentar a alma no frio europeu.
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COLUNISTAS
FRANKO FIGUEIREDO
TEATRO ALÉM-FRONTEIRAS Quando artistas brasileiros criam seus trabalhos, estes precisam ter a ‘marca Brasil’ para serem considerados brasileiros?
Vimos no ano passado poucas produções teatrais brasileiras nos palcos britânicos. A adaptação que a Companhia Mundana fez da peça Duels, de Anton Tchékhov, e My Uncle’s Shoes, pela Companhia do Meu Tio, encantaram o Festival Fringe de Edimburgo; o Theatre 503 apresentou uma série de peças curtas, incluindo escritores como Newton Moreno e Jô Bilac; StoneCrabs produziu Kitchen, nova peça de Gael Le Cornec; e a Passo Co desenvolveu as peças inspiradas no jogo de capoeira Play Low e Long Haul. Nota-se, de cara, uma variedade de temas, autores e estéticas, mas todas as produções foram feitas por artistas brasileiros – alguns morando no Reino Unido, e outros não. Todas elas foram consideradas, tantos pelos críticos quantos pelos próprios programadores, como peças “brasileiras”. Geralmente sou criticado por não dedicar mais tempo à criação de teatro “brasileiro”, o que me leva a perguntar, afinal, o que caracteriza esse teatro brasileiro? É uma peça escrita por um brasileiro? Ou é uma peça com tema brasileiro? É uma peça sobre brasileiros? Ou todas essas coisas? Eu tenho dirigido peças de autores brasileiros; e também de autores britânicos, mas com temas brasileiros ou sobre brasileiros. Poucas delas, porém, são reconhecidas como brasileiras. O fato de eu ser brasileiro, aliás, não parece ser suficiente para classificar meu trabalho como brasileiro. Como um diretor de teatro nascido no Brasil, não estou, por óbvio, criando peças brasileiras? Devo eu usar referências populares e folclóricas do Brasil, ou colaborar com autores brasileiros, para produzir algo “autenticamente” tupiniquim? Tem havido excelentes discussões sobre meu trabalho e a forma como eu combino técnicas de várias culturas no palco. Usei a técnica Butoh quando dirigi Valsa nº 6, de Nelson Rodrigues, em 2005; e quando dirigi O Beijo no Asfalto, também de Nelson Rodrigues, em 2012, usei o expressionismo germânico. Beijo no Asfalto teve músicas de Caetano Veloso e Nana Caymmi, mas no bate -papo depois da peça fui questionado por qual motivo não havia usado música brasileira... Outra pessoa da plateia me perguntou por que eu insistia em usar um elenco internacional com vários sotaques em minhas produções, e outro definiu meu trabalho como “world performance”. Fiquei lisonjeado pelas diversas expectativas e opiniões de diferentes pessoas da plateia. Conheço outros diretores brasi-
leiros que também usam métodos similares para criar seus trabalhos. O diretor André Pink, por exemplo, é conhecido por utilizar técnicas da Comedia dell’Arte. O Brasil é um país mestiço e, como tal, me dá liberdade para abraçar diferentes heranças e técnicas teatrais. A Bahia, que é minha terra natal, tem uma imensa comunidade de origem africana, que consequentemente influenciou muito aspectos culturais brasileiros. Isso subconscientemente teve influência sobre minhas produções de Queen Pokou, de Dean Atta, e The Burial, da nigeriana Bola Agbaje, em 2013. Também colaborei com uma companhia japonesa quando desenvolvi The Damask Drum, de Mishima; na ocasião, usamos música brasileira e movimentos japoneses, trabalhando com um elenco internacional que contava também com brasileiros. Essas produções, porém, não foram consideradas brasileiras. Entretanto, quando produzi ou dirigi em Londres peças de autores brasileiros – como Nelson Rodrigues, Antonio Bivar, Plinio Marcos, Augusto Boal e Leilah Assunção – foi me dado o carimbo de teatro brasileiro. Não há dúvidas de que o teatro brasileiro é uma forma bastante híbrida, apesar dos vários movimentos culturais que tentam resgatar a “identidade brasileira”, como a Nova Dramaturgia Brasileira. E eu sinto que há muito mais a ganhar do que perder diante desse multiculturalismo encontrado em nossos patrimônios históricos. Ao trabalhar com elencos internacionais, estou tentando quebrar convenções. Ao contar histórias, brasileiras ou não, estamos compartilhando conhecimentos e descobertas. As escolhas que eu faço não nascem da nacionalidade, mas da busca por humanismo. Quero criar teatro que conta histórias, que engaja pessoas em todos os níveis – não apenas em suas mentes, mas em suas emoções, valores e imaginações. Se quisermos ser responsáveis por mudanças reais, temos que aprender a contar – e a ouvir – novas histórias sobre o mundo que queremos criar. Meu trabalho é mestiço. Sou um artista brasileiro que usa estéticas para criar algo visualmente excitante e desafiador. Estou interessado em histórias de diásporas criadas por artistas globais como eu. Como brasileiro vivendo longe do Brasil, eu estou interessado em criar teatro além-fronteiras: teatro global feito localmente. Por acaso isso tira o Brasil do meu trabalho?
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Franko Figueiredo é diretor artístico e produtor associado da Companhia de Teatro StoneCrabs
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COLUNISTAS
KATE RINTOUL
A FEIA REALIDADE DA GENTRIFICAÇÃO Saudamos as mudanças que estavam acontecendo em Brixton, mas não imaginávamos o monstro que se criava na região
Faça uma pesquisa pelas ruas de Londres e você vai constatar que, para a grande maioria das pessoas, o principal motivo para se amar esta cidade é o vibrante multiculturalismo. Por séculos a capital britânica tem recebido estrangeiros, desde os romanos até os afro-caribenhos, passando, é claro, pelos brasileiros, que contribuem igualmente para que este seja um lugar incrível de conhecer e viver. Como na antiga história de Dick Whittington, que chegou a Londres para fazer sua fortuna depois de ter ouvido que as ruas da cidade eram cobertas de ouro, milhares de pessoas, inclusive de outras partes do Reino Unido, ainda chegam para viver e amar na capital. Nossas ruas podem não ser de ouro, mas graças aos estrangeiros estão repletas de centros culturais, restaurantes fantásticos e lojas especializadas que servem suas comunidades e a todos com prazer. No passado, esse rico caldeirão efervesceste de culturas podia ser curtido da melhor forma em Brixton, onde era possível comer frango jamaicano, dançar em clubes de música latino-americana e comprar ótimos produtos importados em um dos diversos mercados da região. Eu tive a sorte de chamar o bairro de Brixton de minha casa por cinco anos, período em que conheci pessoas incríveis de todos os cantos do mundo. Graças ao histórico de revoltas raciais na região e ao suposto alto nível de criminalidade, as autoridades nos deixaram em paz para curtir tudo o que o bairro tem a oferecer, mas isso agora está mudando com um rápido e indesculpável processo de gentrificação. É claro que, no começo, não nos importamos: adorávamos aqueles primeiros dias no Brixton Village, quando podíamos comprar algumas latas de Red Strip e sentar naqueles restaurantes do tipo “bring your own botlle”. Nós inclusive saudamos algumas mudanças, principalmente porque no início elas eram orientadas pelo senso comunitário, eram razoavelmente acessíveis a todos e preservavam o dinamismo da área. Não imaginávamos o monstro que se criava ali. Restaurantes independentes têm sido ofuscados por um crescente número de franquias e vergonhosos serviços exclusivos para consumidores endinheirados. O preço das propriedades e dos alugueis tem crescido astronomicamente; investidores chegam aos montes ao Brixton, comprando, em alguns casos, ruas inteiras, pressionando as comunidades de baixa renda para fora do bairro.
Obviamente, ainda há coisas boas a serem encontradas em Brixton, e o fluxo de pessoas com dinheiro para gastar tem de certa forma ajudado pequenos empreendimentos locais. Uma dessas histórias de sucesso é contada pela A&C Continental Grocers, estabelecimento português que fica na Atlantic Road e que está sob o comando da mesma família há décadas. Foi incrível testemunhar a loja sendo escolhida como a melhor delicatessen da cidade anos atrás e vê-la sempre lotada é bastante comovente. Neste mês de fevereiro, porém, uma notificação acendeu o alarme para a gentrificação em curso. A Network Rail, maior proprietária de terras do Reino Unido, dona da maioria dos arcos e prédios no coração de Brixton, presenteou seus inquilinos, incluindo A&C e O Talho Portuguese Butchers, com uma notificação de despejo. A companhia ordenou para esses empreendimentos que deixem o local em seis meses, oferecendo a eles apenas mil libras para cobrir os custos de realocação. Dessa forma, pretendem “renovar” os arcos e, consequentemente, aumentar os aluguéis, que só poderão ser pagos por grandes franquias e investimentos que seguirão deturpando a cultura local. Empreendimentos como esses dão às pessoas a chance de se reencontrarem com os sabores da terra natal, além de servirem como centros culturais informais onde a comunidade se reúne. Seria realmente triste ver eles se perderem, assim como, para o bairro de Brixton, se transformar em uma “high street” genérica e sem alma. Felizmente, o espírito comunitário e o amor que Brixton parece invocar nas pessoas já estão em ação. A história já foi contada pelo Channel 4 e uma petição está ganhando corpo. Mas, como antiga locatária da Network Rail, eu temo que isso não seja suficiente. Eu costumava trabalhar num café na mesma rua e vi como a organização simplesmente mantinha propriedades vazias à espera do aumento dos preços. Em vez de pensarem no que seria útil para a comunidade, ou para a economia dos pequenos empreendimentos locais, eles só estão interessados no próprio lucro... Velha história. Não acho que haja mais um caminho de volta para Brixton. Podemos, pelo menos, incentivar as pessoas a apreciarem a cultura que fez da região um lugar tão único e maravilhoso da cidade de Londres.
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Para assinar a petição acesse http://bit.ly/notonetworkrail
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RICARDO SOMERA
O CAMAROTE É A RUA Desculpe-me a indelicadeza, mas o papo só pode ser Carnaval
Ricardo Somera é publicitário e você pode encontrá-lo no Twitter @souricardo e Instagram @outrosouricardo
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O verão brasileiro, para variar (só que não!), começou quente nas temperaturas e na questão cultural. O Foo Fighters levou cariocas, paulistas, gaúchos e mineiros ao delírio; Gal Costa estreou seu novo show, “Espelho d’Água” (incrível!), no SESC Pinheiros; e ficamos tristes por, mais uma vez, o Brasil não ter sido indicado ao Oscar (aqui, porém, tenho que dar o braço a torcer e reconhecer: o filme argentino “Relatos Selvagens”, de Damián Szifron, é infinitamente melhor que “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”, de Daniel Ribeiro). Mas não tem jeito. Mesmo com tudo isso em destaque na agenda cultural, desde o dia 2 de janeiro não se fala em outra coisa que não seja o Carnaval. Eu sei que aí em Londres rola uma deprê nessa época (se você gosta da coisa, é claro), mas o que posso fazer? Muita coisa mudou desde a época em que a Confraria do Pasmado (SP), a Orquestra Voa-
dora (RJ) e a Juventude Bronzeada (BH) juntavam 100 amigos cada uma para dançar, pular e beber uma cerveja com boa música nas ruas e praças das grandes capitais durante o verão. Hoje os blocos do Rio de Janeiro, como o Sargento Pimenta, levam 80 mil pessoas ao Aterro do Flamengo durante o Carnaval; o segundo ano do bloco da festa Pilantragi arrastou uma multidão durante 9 horas pelo bairro do Sumaré, em São Paulo, no começo do mês de fevereiro; e por falta de estrutura – e educação de boa parte dos participantes que jogam lixo no chão – alguns blocos de Belo Horizonte tiveram que cancelar seus ensaios na rua, pois estão juntando cinco vezes mais pessoas do que no ano passado. Tradicionalmente, Rio, Salvador e Recife são consideradas as melhores cidades para curtir os dias da carne, mas esse ano São Paulo e Belo Horizonte são os
grandes destaques. O Bloco Tarado Ni Você (com músicas de Caetano Veloso), que levou mais de 6 mil pessoas no último ensaio no Parque Augusta, promete fazer a melhor festa de rua do Carnaval paulista. O Agora Vai, da Barra Funda, está preocupado, pois desfila sobre o Minhocão, uma estrutura de 3,5 km – pode não ter espaço pra todo mundo na terçafeira de Carnaval. Belo Horizonte – é pra lá que eu vou! –, com seus 2,5 milhões de habitantes, espera receber mais de 1,5 milhão de foliões nos quatro dias de festa este ano. Boa parte deles vão ficar na capital mineira devido ao cancelamento de 15 carnavais no interior do Estado, por conta da falta de água. “Baianas Ozadas”, “Então, Brilha”, “Ordinááários” e os mais de 200 blocos que me aguardem. Como diz Chico Buarque: “Tô me guardando pra quando o Carnaval chegar”.
TRICÔ MANUAL RÁPIDO 1 dia £30.00 – todo material incluso 21/02 Sábado 2-6pm 28/02 Sábado 2-6pm Tricô para iniciantes, incluindo crianças 07/03 Sábado 2-6pm
Perto da estação de Queensway do metrô de Londres há um cantinho especialmente brasileiro. Para os “brazucas” que moram a mais tempo na capital britânica, não precisa nem dizer – certamente já passaram por lá ou, no mínimo, já ouviram falar. Para os recém chegados, talvez seja questão de tempo. Fato é que qualquer brasileiro com saudades da terrinha tem ali um ambiente propício para se sentir em casa. E o nome do lugar não poderia ser outro: Casa Brasil, que agora em fevereiro comemora seus 26 anos levando produtos latino americanos a mesa dos ‘brazucas’ que vivem na Europa. E para celebrar o seu aniversário, a Casa Brasil inova com um novo espaço voltado às artes, incentivando a cultura e possibilitando que artistas brasileiros divulguem sua arte. A cada dois meses você poderá ver diferentes trabalhos que vão ocupar o local. Neste mês, até o dia 27 de fevereiro, é a vez de Sandra Rocha Griffiths que está colorindo a loja.
ARTESANATO EM JORNAL 2 dias £50.00 – todo material incluso 10/03 e 17/03 Terça-feira 4-8pm 14/03 e 21/03 Sábado 2-6pm ARTESANATO DE PÁSCOA 1 dia £30.00 – material incluso Caixa de Páscoa 07/03 – 2-6pm FABRIC BUNNY 26/03 – 4-8pm 28/03 – 2-6pm Cesta de Páscoa (para criança) 28/03 – 2-6pm SAPATO PARA BEBÊ 1 dia £30.00 – todo material incluso
Além das exposições, a Casa Brasil anuncia também workshop de artesanato para você mesmo poder desenvolver suas habilidades. Com uma programação continua você poderá aprender a fazer desde um cachecol, sapatos para bebês, até decoração de páscoa, entre tantas “artes”. Acompanhe divulgação de cursos e datas.
Bota (tricô) 14/04 Terça-feira 4-8pm
Para se sentir mais pertinho de casa, faça uma visita à Casa Brasil, no Queensway Market. Aproveite as novidades e o desconto comemorativo de 26% em grande parte dos produtos! Para mais informações acesse www.facebook. com/casabrasillondres e www.casabrasillondres.co.uk
Tênis (Tricô) 21/04 Terça-feira 4 -8 pm
Bota (Crochê) 18/04 Sábado 4-8pm
* Inscrições podem ser feitas por telefone (020 7792 2931) ou diretamente na Casa Brasil, com antecedência de até uma semana para preparação do material. * Pagamento no ato da inscrição para compra de material. * Todos os cursos desenvolvidos podem ter aulas extras individuais por £15.00/hora.
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VIAGEM
JERICOACOARA: ESCONDIDA O SUFICIENTE
Depois de alguns dias neste paraíso do nordeste brasileiro, você vai pensar que a palavra ‘saudade’ foi criada aqui Por Christian Taylor (@xian_taylor)
CLAUDIA REGINA (FLICKR.COM/CLAUDIAREGINA_CC)
Escondida no nordeste brasileiro, mais precisamente no estado do Ceará, a vila de Jericoacoara é um verdadeiro paraíso para os praticantes de kitesurf; um oásis vívido e cosmopolita. Aqui as ruas são de areia e as águas, cristalinas. E o calor? Dura o ano inteiro! Mas não ache que você precisa ser um entusiasta do kitesurfing para aproveitar os fortes ventos da região – uma caminhada até o topo das dunas de areia no final da tarde é uma experiência fantástica para todos que tenham pernas fortes. Daqui você pode sentir o vento contra o rosto, e a areia passando por debaixo dos pés. Essas dunas naturais estão perfeitamente localizadas entre a vila e o mar. Todo dia, centenas de pessoas sobem aqui para assistir ao sol mergulhar no horizonte: um ritual simples que propicia um rico momento de reflexão. Costumes como esse, aliás, ajudam Jericoacoara a preservar sua autenticidade e o senso de comunidade da vila, apesar da crescente popularidade de suas praias como destino turístico. Alguns podem dizer que a localização de Jericoacoara é tanto uma benção quanto uma maldição. Jeri, como é carinhosamente chamada, está a cinco horas de distância de Fortaleza – sendo que a hora final é feita off-road, ou seja, requer um veículo 4x4 ou uma jardineira (espécie de ônibus aberto). Dependendo da época do ano e do tipo de veículo escolhido, pode ser uma viagem barulhenta e molhada, mas ainda assim empolgante. O suspense aumenta ao passo em que você cruza pequenas cidades e vilas até chegar à praia de Preá, onde as ondas do mar quase tocam as rodas do veículo. É o relativo isolamento, afinal, que protege Jeri de ser completamente engolida pelo turismo de massa – de alguma maneira a sensação que fica é que o paraíso de Jericoacoara está suficientemente fora de alcance. Passeios de buggy e quadricículo estão prontamente disponíveis na praça central da vila, de onde você pode sair para jornadas de um dia pelas dunas e lagoas da região. As ruas de areia dispensam tênis e sapatos – um par de chinelos será suficiente. Se tiver chance, experimente o passeio pelas dunas a cavalo – eles são surpreendentemente eficientes na areia e a ausência do barulho de motor fará com que você se sinta literalmente no topo do mundo. Durante o dia, Jeri é movimentada pelas compras, pelos bares descontraídos e, claro, pelos esportes aquáticos. À noite as ruas se transformam e se enchem de pessoas. A ausência de luz dá ainda mais charme à vila – o brilho dos bares, da lua e dos vaga-lumes te guiará pelo caminho. O som de samba e a brisa leve flutuam pelas ruas enquanto locais vendem artesanato, roupas ou churrasquinho. Desfazer a linha entre ambientes fechados e abertos é algo que o Brasil faz bem demais, e em Jeri não poderia ser diferente, pois a temperatura é ideal durante todo o ano. Em muitos bares e restaurantes, você irá se sentar debaixo de árvores ou das estrelas. Às vezes, o próprio chão do estabelecimento é feito de areia, e uma árvore pode estar no meio do salão. Alguns desses lugares são Na Casa Dela, que oferece uma comida deliciosa em um colorido jardim; Sabor da Terra, restaurante que serve porções generosas de refeições saudáveis; Caravana, cuja especialidade são os pratos vegetarianos; e Naturalmente, que serve crepe e açaí na praia. Criatividade, charme e atenção aos detalhes são as palavras de ordem em Jericoacoara, um lugar que deixa muita, muita saudade.
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ONDE FICAR
Vila Kalango tem o natural charme de Jericoacoara, mas com um toque de classe. Diferentemente das concorrentes, a pousada oferece uma experiência cinco ES trelas enquanto mantém a autenticidade. Os bangalôs de madeira e palafitas com telhado de colmo são modestos, mas luxuosos, com pé-direito alto, ar-condicionado e detalhes artesanais. Pedaços de madeira ganham vida nova como prateleiras de banheiro que seguram macias toalhas brancas e sabonetes aromáticos, enquanto lampiões e almofadas completam o ambiente aconchegante. Do lado de fora, redes te esperam na sombra. No total são 24 quartos, construídos em volta de tranquilos jardins. A partir da área de recepção, um deck de madeira serpenteia a grama verde em torno de coqueiros e cajueiros, passando pelas salas de massagem e camas confortáveis até o bar ao ar livre de frente para a praia e a piscina. Daqui você pode aproveitar para relaxar debaixo de uma sombra e aproveitar a vista espetacular do por do sol. O café da manhã é um começo glorioso: suco de frutas frescas, deliciosos bolos e pães, assim como ovos e crepes. O design aberto do restaurante permite que a brisa entre tranquilamente, enquanto você observa o movimento de buggies, cavalos e pranchas na praia.
RANCHO DO PEIXE (ranchodopeixe.com.br) a partir de R$350 (£86) por noite, em quarto duplo com café da manhã e wi-fi inclusos. Localizado na praia de Preá, o Rancho do Peixe oferece uma acomodação mais privada e tranquila, pois não está no meio do vai e vem de Jeri. Com 22 bangalôs – 14 deles de frente por mar –, o complexo compartilha seus donos com a Vila Kalango e um pequeno ônibus percorre o trajeto entre os dois estabelecimentos diversas vezes ao dia. Passar algum tempo nos dois hotéis te dá duas experiências totalmente diferentes e é altamente recomendável. Enquanto a Vila Kalango dá uma sensação mais íntima e aconchegante, o Rancho do Peixe oferece um agradável isolamento. O mar pode ser visto de praticamente qualquer canto do hotel; de um lado ou de outro, a areia e as árvores parecem se estender infinitamente. Os hóspedes podem relaxar no bar ou na piscina, em camas que ficam debaixo de árvores, ou caminhar até a praia. À noite, o bar vira uma pizzaria com preços razoáveis, e você pode ficar deitado nas espreguiçadeiras admirando o céu lindamente estrelado. Os bangalôs em si são charmosos e oferecem bastante privacidade, assim como camas grandes, decoração artesanal e frigobar. Os dois hotéis, de fato, combinam perfeitamente simplicidade e luxo, uma mistura que fará sua experiência por aqui valer cada segundo.
FOTOS: CONCEDIDAS POR EGROUP
VILA KALANGO (vilakalango.com.br) a partir de R$410 (£100) por noite, em quarto duplo com café da manhã e wi-fi inclusos.
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