artes gr谩ficas | escola de belas artes | ufmg
ISSN 2176-9958
revista em formato laborat贸rio
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A NATUREZA DO GRÁFICO Que o gráfico está presente nas ruas, nas esquinas, e nos espaços públicos em geral é algo que sabemos, de antemão. O que talvez não nos atentamos imediatamente é que as cidades são espaços onde esta ocupação gráfica é também simbólica, e aí reside a maior potência desta aproximação. Trata-se da constituição de um imaginário gráfico e comunicacional, que se nutre de um amplo espectro de possibilidades expressivas, não apenas os cartazes, faixas, panfletos e sinalizações, mas também a própria arquitetura que projeta sombras geométricas e recorta o céu -,
os fios da rede elétrica - que tecem tramas embaralhadas no espaço - as tampas de bueiro – identidades gráficas incrustadas em ferro, que se escondem de nós e que escondem cidades subterrâneas… - e tudo mais que contribui para a complexidade do universo urbano, em sua dimensão formal e sígnica. A Refil – Revista em Formato Laboratório – chega ao seu terceiro número novamente com a tarefa de experimentar novos formatos para as publicações em arte, buscando desviar-se dos formatos tradicionais e expressar criativamente idéias sobre Artes Gráficas. Neste número, além da costumeira reflexão sobre as Artes Gráficas em seu sentido expandido,investigamos a potência política do “gráfico”, ao ocupar o imaginário simbólico das cidades. É sempre bom lembrar que estamos sempre guiados pelo desejo de contribuir para as pesquisas e a reflexão crítica realizadas na habilitação de Artes Gráficas, no curso de Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFMG. Uma habilitação que tem tentado construir um Atelier onde, entre outras frentes, o aluno é estimulado a pensar na natureza espacial do gráfico e a colocar seus trabalhos em contato (e por que não dizer, em um enfrentamento estético) com o universo urbano.
Para contribuir com essa leitura, convidamos pesquisadores que possuem intimidade com o assunto a escrever sobre as potencialidades e possibilidades expressivas da prática artística junto ao espaço urbano. São eles Maria Ivone doa Santos, André Mesquita e Priscila Lolata, todos interessados nas relações entre Arte, Artes Gráficas e ativismo. Aproveitamos ainda para revelar e divulgar a produção discente, através de alguns trabalhos produzidos na disciplina Atelier 2 de Artes Gráficas (que possui um módulo dedicado às intervenções urbanas) e de uma pesquisa sobre o grapixo em Belo Horizonte, realizada e relatada por Bruno Rios, aluno da habilitação. Contamos ainda com uma entrevista concedida pelo coletivo argentino Iconoclasistas, que, de maneira instigante, nos estimula a embaralhar ainda mais os (des)limites entre arte, design, ativismo e comunicação. O projeto gráfico, realizado em parceria com os alunos da habilitação Bruno Rios e Matheus Ferreira, e foi pensado para trazer à tona a superfície poético-gráfica das cidades, criando uma espécie de publicação-objeto, cidademaquete sobre a qual é possível se lançar uma visão panorâmica desta revista-lugar.
É a partir dessa revista-lugar que desejamos a todos um bom passeio e uma ótima leitura, e agradecemos mais uma vez à Pós graduação da Escola de Belas Artes da UFMG, sem a qual não seria possível a realização desta publicação. Brígida Campbell e Fernanda Goulart – editoras da Refil
Olhar a cidade hoje requer destreza. A superposição de informações dos meios de comunicação, principalmente da publicidade, proporcionam ao nosso olhar um emaranhado de formas e escritas que buscam injetar diretamente no nosso subconsciente valores primaz da sociedade capitalista: consumo, velocidade, insatisfação com o velho, dentre tantos outros.
Algumas percepções
de gráficos na cidade Priscila Lolata
Porém, há formas de desvios dessa imposição que controla a sociedade. São os dispositivos que emergem de uma estética urbana e que podem ser considerados micro-resistências ao poder instaurado. Algumas intervenções artísticas na cidade têm evidenciado uma confluência de percepções que, muitas vezes com poética, humor e ironia, dialogam com questões urgentes da cidade contemporânea e com a maneira com que as pessoas se relacionam com ela. Nessas ações artísticas, elementos gráficos aparecem com força. O gráfico na cidade, em geral, pode ser expresso por inúmeras formas, panfletos, adesivos, cartazes, faixas, etc. Normalmente, essas linguagens estão vinculadas a informações de estímulo ao consumo, comunicados de serviços ou propaganda política. Mas uma quebra na condição desses suportes gráficos pode gerar uma pausa no condicionamento do dia-adia. São o caso de intervenções urbanas propostas por artistas/designers que se apropriam desses meios e fragmentam o cotidiano do citadino com inserções poéticas.
Andando pela rua, com pressa você recebe um panfleto com instruções, não crê muito no que vê, mas para e conferi. São instrução de como você pode usar o saquinho de pipoca na divulgação de suas idéias. Num procedimento semelhante ao que Cildo Meireles propôs na década de 1970, inserir frases ideológicas nas garrafas de Coca-Cola, porém com um suporte mais simples e popular. O panfletinho ensina, passo a passo, com ilustração, como difundir mensagens através de carimbos em saquinho de pipocas, que devem ser en aos entregues aos pipoqueiros. Detalhe: tem a recomendação de que sua idéia seja positiva e super criativa. Finalizando o conteúdo do papelzinho se lê, em grandes letras, a mensagem Acredite nas suas ações, com a logo do coletivo de arte GIA – Grupo de Interferência Ambiental. Conteúdos mais sutis, com graus de subjetivações altos, também podem ser encontrados pelas cidades. Em Belo Horizonte, quadradinhos coloridos são fixados em ambientes cinzentos da cidade. Palavras como cor e imagem são gravadas nesses suspiros poéticos do espaço urbano. A força da coloração e a sutileza de uma mensagem escrita, com uma única palavra, provocam um impacto que descortina um lugar homogêneo, sem vibração, sem afeto. É na delicadeza do Poro que esse trabalho tem contundência. Sobre um banco de praça vazio, uma frase compõe a paisagem e forma uma imagem a partir de sua afirmação: “nós somos o sítio que nos faz falta”. A ilustração, um pequeno coração vermelho. É desconcertante estar andando e enxergar provocação com tamanha sensibilidade. A mensagem, como um desabafo, é deixada ali, anonimamente, numa parede de Lisboa afirmando nossa composição e nossa falta.
Anônimo, Nós somos o sítio que nos faz falta. Foto: Priscila Lolata
Assim, a cidade vai sendo reconfigurada. Ao observarmos ela, na medida do corpo, tem-se muito mais para ver. Detalhes desapercebidos revelam condições e poéticas de um espaço que se movimenta e superpõe informações. Mas há de se ser safo, deslumbrar as sutilezas e absorver as poéticas urbanas. Shelley Miller, s/ título (detalhe). Foto: Shelley Miller
Karina Rabinovitz, Um contratempo da poesia. Foto: Silvana Rezende
Com a mesma doçura, mas com um simbolismo que revive nossa história, a artista canadense Shelley Miller insere nos muros da cidade painéis feitos de glacê. Dos grafites de Montreal à azulejaria de Salvador, as capas açucaradas dos bolos comemorativos se tornam revestimento de um espaço público horizontal. Aqui no Brasil, após montar seu doce painel, pinta com tinta azul um belo navio, como aqueles que transportavam os negros para trabalharem nas nossas lavouras de cana de açúcar. Há um misto de afeto e dor histórica. O painel fica ao tempo e com o passar dos dias a pseudo azulejaria segue derretendo e a tinta azul, anilina comestível, vai escorrendo como se chorasse. Uma poesia plástica embrenhada de simbolismo e beleza. Não há como negar, é lindo.
GIA, Acredite nas suas ações. Foto: GIA
Do lado de cá do Atlântico, em Salvador, num ponto de ônibus a frase “Meu endereço é em mim” está ali serena. A poesia, ou como a autora Karina Rabinovitz coloca, “um contratempo da poesia”, é alojada num lugar de espera. Espera essa, pausada pela sutileza da forma, uma caixinha de acrílico com papeizinhos dentro. Nesses bilhetinhos, um despertar do eu em profundidade.
Priscila Lolata é curadora e crítica de arte. Mestre em história da arte, desenvolve atualmente no doutorado, em urbanismo contemporâneo - UFBA, pesquisa sobre intervenção artística na cidade contemporânea.
André Mesquita
1 Estas inscrições estão nos pôsteres do Atelier Populaire espalhados durante o Maio de 68 francês, na “arte revolucionária” produzida pelo “ministro da cultura” dos Black Panthers, Emory Douglas, com suas ilustrações coladas nos muros e nas casas dos guetos, estabelecendo uma comunicação direta entre a militância negra e o público, o uso de cartazes políticos durante a mobilização da Guerra Civil no Líbano, entre os anos de 1970 e 1990, e a produção de imagens pelo Taller Popular de Serigrafia após a revolta popular na Argentina, ocorrida em dezembro de 2001.
O desdobramento de uma “linguagem da utopia” nos espaços urbanos, como recorda Michel de Certeau, só faz algum sentido quando ela passa “dos cartazes publicitários às inscrições contestatórias”1 , ou “quando passa da solicitação para o protesto.” Qual o impacto provocado por essa passagem através de pequenas ações? Bem, quando os ativistas do Earth First! decidiram chamar atenção para a extração ilegal de madeira em áreas rurais dos Estados Unidos, alguns deles começaram a espalhar centenas de pequenos adesivos, basicamente uma imagem com o logo do Earth First!, nos banheiros das comunidades das empresas de extração. A presença desses “agitadores silenciosos” nesses lugares permitiu que as corporações soubessem que o
Quando nos deparamos com um dos títulos dos comunicados produzidos durante o levante popular que ocupou as ruas, as universidades e a mídia em dezembro de 2008 na Grécia, “A realidade é uma ilusão. A normalidade está além de nós”, percebemos que a espontaneidade destruidora que emergiu naquele pais atingiu tal ponto que a sua revolta tornou-se uma resposta legítima e imprescindível à violência de um Estado corrupto e de um sistema econômico em crise. Uma manifestação que reconhece um poder vindo de baixo, redefinindo a esfera pública e suas estruturas, não pode terminar em si mesma ou acabar nas ruas. No imaginário da cidade, uma infinidade de ações e operações discursivas transfiguram utopias em necessidades. Isso não significa que as utopias políticas devem ser derrubadas, mas elas não devem ser restritivas a ponto de excluírem o outro, porque a cooperação e a escuta são fatores significantes. Como diz o teórico Christoph Spehr, “é preciso trazer a utopia de volta à cozinha. Tem que funcionar lá”, na base, na reinvenção coletiva.
Sejam as invenções dos construtivistas/ produtivistas russos nos anos de 1920, o viver-criar comunitário lançado pelo conceito de crelazer de Hélio Oiticica, a arquitetura nômade do grupo Archigram, as cidades livres dos Diggers, a Nova Babilônia de Constant, a reivindicação de um modelo urbano de sustentabilidade por Buckminster Fuller ou um grande organismo social de pessoas vivendo juntas em redes autônomas superando o sistema capitalista (como propõe a ideia de bolo’bolo), as utopias criativas desses projetos jogaram a todo o tempo com as exigências e os impulsos coletivos por novas condições de existência – muito embora ainda permanecerem apenas como modelo/programa ou falhassem como execução concreta. No entanto, ao tratar da reconfiguração social e política dos espaços, alguns artistas chegam até a descartar quaisquer fantasias, como mostra esta declaração de um dos integrantes do coletivo norte-americano Temporary Services: “Podemos usar a nossa criatividade para a mudança prática e real do mundo. Deixar-se levar pelo pensamento utópico é uma distração e um escapismo que precisam ser recusados.”
Utopias estão cercadas por possibilidades impossíveis e impossibilidades possíveis. Algumas podem aparecer ao lado das hierarquias e das disputas pelo poder. Mas, com efeito, utopias também podem significar momentos de suspensão ou distanciamento de um determinado estado político e de suas instituições, no sentido pensado por Fredric Jameson de “reimaginar a reestruturação do presente.” A noção de uma “utopia real” cria uma tensão necessária entre sonho e prática, na qual a arte e o ativismo aparecem recapturando no tempo as possibilidades de transformação social.
Desconstruindo as utopias
(...) saltar no fim da linha, andar sem medo no centro da cidade proibida, em meio à multidão que nem notava que eu não lhe pertencia - e de repente, anônimo entre anônimos, notar eufórico que sim, que pertencia a ela, e ela a mim - , entrar em becos, travessas, avenidas, galerias, cinemas, livrarias (...) lugares que antes eu nem conhecia abriam-se em esquinas infinitas de ruas doravante prolongáveis. antonio cídero
estava observando suas atividades nas sombras, e que havia uma mobilização política real contra a exploração de recursos. Muito antes disso e num outro contexto, em plena ditadura militar no Chile, em 1979, Lotty Rosenfeld começou a
2 A convocatória, baseada no texto de Eduardo Grüner, pode ser lida no endereço http://todosomosnegros.blogspot.com.Earth First!
dos bicentenários de independência americanas de 1810, a devida atenção pública à história silenciada da revolução negra ocorrida no Haiti em 18042. Cartazes, adesivos, panfletos, grafite ou qualquer meio podem levar essa campanha anônima e coletiva por toda América Latina e para outros países. Ao nos posicionamos e nos colocamos em ação, a arte parece recuperar menos o sentido de utopia, mas de reinstalar com ela novos modos de subversão ligando a nós mesmos às potencialidades do mundon
Recentemente, o artista argentino Juan Carlos Romero começou a realizar uma intervenção urbana que consiste em colar pela cidade um cartaz com a frase “Agora Todos Somos Negros”. Trata-se de apenas uma entre as várias ações que estão acontecendo neste momento, geradas a partir de uma convocatória para dar, frente às homenagens dos festejos
Artistas-ativistas também podem fazer um “barulho grande” com práticas que ganham nas ruas uma dimensão e uma apropriação imprevisíveis. As milhares de siluetas desenhadas em tamanho natural em papéis, e depois coladas nos muros de Buenos Aires para reclamar a “aparição com vida” dos 30 mil desaparecidos políticos durante o período de “guerra suja” (1976-1983) da ditadura militar na Argentina, é um dos exemplos mais importantes dessas iniciativas. Assim como a iconografia ativista projetada pelo coletivo Gran Fury e posta em circulação em anúncios, cartazes, camisetas e faixas acompanhando protestos. Nos anos oitenta e noventa, suas performances e instalações começaram a dar visibilidade ao preconceito e ao descaso dos governos Reagan e Bush perante a crise da AIDS nos Estados Unidos, buscando agir diretamente sobre esta conjuntura.
Earth First! estava observando suas atividades nas sombras, e que havia uma mobilização política real contra a exploração de recursos. Muito antes disso e num outro contexto, em plena ditadura militar no Chile, em 1979, Lotty Rosenfeld começou a intervir precisamente nas faixas de trânsito que regulam o tráfico das avenidas, transformando-as em cruzes brancas sobre o pavimento. Ao manipular um pequeno signo público, a artista o converteu em arma política interferindo na normalidade.
André Mesquita é pesquisador das relações entre arte, política e ativismo. Mestre pelo departamento de História Social da USP e atualmente doutorando no mesmo departamento com um estudo sobre “mapas e diagramas dissidentes”.
Tempo e espaço reciprocamente se substituem, numa total integração.
Um “Laboratório de Comunicação e Recursos Contra Hegemônicos de Livre Circulação”, assim se denomina o coletivo argentino Iconoclasistas, que - através de recursos (palavra potente, mas pouco usada em nosso vocabulário artístico) de investigação e de Design Gráfico - tentam romper com as estratégias de comunicação capitalista, ativando e reinventando o imaginário político e (geo)gráfico das cidades. Com trabalhos que incentivam práticas colaborativas e de resistência, os artistas (palavra estrategicamente não utilizada por eles, como veremos) argentinos efetivamente contribuem para o entendimento do potencial crítico, estético e político das Artes Gráficas e das Artes Visuais, em seu campo expandido. Sem perder a ternura.
Nesse sentido, a arte é uma forma a mais de criação, que faz parte de um reservatório de recursos dos quais nos apropriamos com liberdade para empreender modalidades comunicacionais que, por sua vez, liberamos para que outros(as) as retomem e as adicionem em seus próprios discursos, espaços e práticas.
uma reação posterior. Ainda que em termos comunicacionais se trabalhe com essa tensão, gostamos mais de pensar sobre nossas criações como modalidades abertas, como panoramas amplos onde as diversidades subjetivas podem ser ancoradas e retomadas de diferentes maneiras, não com um sentido único, e sim através de muitos sentidos ampliados, que despertem, inclusive, provocações que sequer entrevíamos.
i_Não gostamos de pensar em termos de “funções” ou “papéis”, pois isso implica conferir eficácia a uma ferramenta, antevendo
r_Para vocês qual seria o papel da arte? E como vocês relacionam comunicação e arte?
iconoclasistas_Pensamos nossa prática a partir da idéia de um laboratório, o que nos abre um horizonte de ferramentas que nos nutrem para gestar recursos (artísticos, comunicacionais, políticos etc) e liberá-los para o uso comum. Focamos na idéia de comunicação - que é comum a todas essas ferramentas - pois é o que buscamos: gerar dispositivos contra-hegemônicos de livre circulação para a prática política em um amplo espectro de propostas. Em vez de arte (palavra que tem um sentido muito forte e que imediatamente remete - preconceituosamente, claro - a um universo “elevado”, a uma dimensão prática “descontaminada” e a produtores “iluminados”) preferimos pensar em ferramentas e práticas artísticas onde o que se busca principalmente é interpelar a um(a) e a outro(a), provocar-lhes uma comoção que de alguma maneira os faça se posicionarem e, no melhor dos casos, impulsione uma prática transformadora.
refill_No texto de apresentação do site dos Iconoclasistas, vocês falam em: comunicação, informação, imagem, representações gráficas, o visual, a criatividade, o imaginativo, a estética... e vocês não usam a palavra Arte. Porque? Como vocês vêm os seus trabalhos dentro do universo da Arte?
ENTREVISTA_ICONOCLASISTAS
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Walter Benjamin
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”Organizar el pesimismo no es otra cosa que transportar fuera de la política a la metáfora moral y descubrir en el ámbito de la acción política el ámbito de las imágenes.”
investigações acadêmicas. Neste caso claramente realizamos uma mistura de informações, e em geral procuramos nos guiar assim, mas depende sempre do tipo de informação disponível com relação a uma temática (por exemplo com relação aos episódios de assassinatos de jóvens pobres pelas forças policiais - que aqui é chamado “gatillo fácil” - só existe uma coordenadora que se dá ao trabalho de reunir e sistematizar esses casos, e todos os anos apresenta um informe disponibilizado livremente)n
Buscamos diferentes fontes de informação (oficiais e alternativas) e contrastamos os dados para ter um panorama da situação, então selecionamos as fontes de acordo com o tipo de material que se pretende elaborar. Recorremos à internet, aos livros e às histórias orais dos protagonistas. Por exemplo: na realização dos mapas de saques dos bens comuns (Atlas Colectivo) fizemos oficinas de mapeamento pela províncias da Argentina, com movimentos sociais organizados, para resistir à depredação de seus territórios. A informação que saiu desses processos de intercâmbio e socialização coletiva se completou com
i_É importante esclarecer que nossos trabalhos não pretendem ser “acadêmicos”, mas tentam oferecer um panorama da situação a partir de ferramentar gráficas e comunicacionais que sirvam como introdução ao tema, como uma base para trabalhos posteriores (de ativismo, de organização, de oficinas etc).
r_Para a produção do material vocês tem acesso a uma série de informações estratégicas. Onde vocês conseguem essas informações e como se dá o seu processamento?
internet (muitos são também impressos e distribuídos de mão em mão) e é impossível conhecermos a deriva desses materiais. Às vezes tomamos conhecimento porque nos escrevem, nos contam, nos mandam fotos ou crônicas. Outras vezes cruzamos com processos reproduzidos em obras derivadas, na rua, em publicações ou na internet mesmo. Mas o interessante é a liberdade com a qual eles se movem, o caminho próprio que tomam a partir das reapropriações e inquietações de outros, esse é um dos grandes potenciais da livre criação que nos deixa muito felizes.
i_Muitas vezes desconhecemos os desdobramentos dos trabalhos. Geramos processos livres que ficam à disposição na
r_Vocês desenvolvem uma série de oficinas e trabalhos colaborativos em parcerias com os movimentos sociais. Gostaríamos de saber quais são os desdobramentos deste trabalho. Quais são as respostas e os resultados que vocês conseguem mensuram?
i_Não podemos pensar abstratamente sobre isso, e sim em cada momento histórico em que vivemos. E não pensaríamos sobre isso sozinhos, mas em articulação ativa e participando da rede de solidariedades e afetos ligados aos movimentos sociais e agrupamentos em todo país. Lo que temos clareza é que é preciso evitar a paralisia, a alienação e a indiferença em qualquer destes extremos. Queremos encontrar, juntar, mesclar e ativar coletivamente.
r_Como equilibrar a leveza do otimismo e explosividade do pensamento crítico?
mão de ferramentas artísticas, criativas, comunicacionais (stencil, flyers, cartazes, intervenções urbanas, mostras itinerantes, videos, publicações, posteres etc), também tentamos retomar diversos estados de ânimo no momento de comunicar (alegria, apoderamento, fúria, resistência, humor... isso sim; nós evitamos o drama ou a miséria porque não queremos paralisar, mas sim lutar com alegria rebelde, apesar de tudo) e construir recursos retomando diversas formas comunicativas (de cunho mais jornalístico ou mais literário e poético, ainda que desejássemos aprofundar um pouco mais neste último, ou seja, está tudo na mão! É só uma questão de imaginar, experimentar e criar sem limites!
i_Pode e deve. Seguindo esta idéia de lançar
r_No vídeo “Corazones” há uma forte carga de afeto e humor. Aproveitando a frase de Benjamin* que está em “Receta para una pieza de agitación”, o pessimismo também pode ser organizado com afeto, poesia e humor?
i_Sim, enquanto implica uma tomada de posição - ativa, crítica, indolente, cínica etc frente às condições sócio históricas, através das quais é gerada a prática do criador. Vale dizer, de que maneira o mundo em que vivemos nos atravessa de cabo a rabo e como nos damos conta dessa situação, pensando-a em diferentes níveis da vida, que vão dos mais cotidianos e gerais às instâncias do pensamento interior e às inquietações sobre a vida.
r_Para vocês toda arte é politica?
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EXERCÍCIO DE AUTO-ANÁLISE Maria Ivone dos Santos
Pergunto-me o que de fato sou e o que faço. Lanceime no espaço urbano e desenhei linhas de fuga para praticar a arte. Trabalho atualmente em duas Frações localizadas, Dilúvio e Camelódromo,1 que delimitei como lugares de estudo, ambas em Porto Alegre. A primeira é extensa (16 km de um arroio retificado que atravessa a cidade) e a segunda é intensa e condensada (atividade que se iniciou como comércio informal na praça XV e que hoje se encontra fixada num lugar a ela destinado).
1 Informações, acesso a documentação e aos textos da pesquisa As extensões da memória: a experiência artística e outros espaços: http://www6.ufrgs.br/escultura/pesquisa/index.htm
Mantenho-me numa linha de tensão. O que eu faço nestas duas frações é arte! O que eu faço nestas duas Frações será arte? Três questões centrais e suas ramificações me impulsionam e as pratico, seja em exposições ou ações públicas: O que foi pensado? O que construído? O que resiste ao tempo?
Repito mentalmente quando estou diante do espelho todos os dias, ao escovar os dentes: “Eu sou uma artista”. Escrevo esta frase na minha agenda, em intervalos aleatórios e nos apontamentos da pesquisa, para que eu a encontre ao longo do ano. Não se trata somente de lembrar-me que tenho duas Frações de trabalho na cidade de Porto Alegre, mas, sobretudo de lembrar-me que as observarei pelo prisma da arte, dada minha circunstância primeira.
Procuro, neste exercício de auto-análise, observar quando o urbano passou a me afetar, ou melhor, quando estas questões passaram a me trabalhar. Talvez eu deva relatar uma ferida que se abriu no dia em que percebi que a minha cidade, Vacaria, chegou às bordas dos campos de cima da serra.
... “assim que no caminho me deparavam lugares conhecidos, depois novos, desconhecidos, ou outros que eu só conseguia lembrar-me inexatamente, a cidade tornou-se em minhas mãos um livro, no qual eu lançava ainda rapidamente alguns olhares, antes que ele me desaparecesse no baú do depósito por quem sabe quanto tempo.” walter benjamin
Lembro-me das conversas nervosas em família e dos nossos medos de perder o torrão natal para abrigar a expansão da área industrial. Aflora a memória os ruídos de moto-serra e as nuvens de serragem que passamos a respirar na granja Monte Claro, quando tivemos a frente desapropriada. Lembro da barreira de árvores que foi plantada na área em frente da casa e do galpão, para isolar a cidade que avançava a passos largos em direção a terras, arroios e matos. Lembro do fogo das queimadas dos vizinhos que matizavam nossa colina. Lembro da pedreira de basalto, linda imponente, aos poucos sendo comida por uma concessão dada à prefeitura. O que dela resta hoje me pertence e tenho a minha prospecção própria enquanto eu viver e irei lutar para estancar esta ferida. Por quanto tempo?
Eu também vi se degradar o córrego que atravessava a minha cidade natal e no qual era depositado o lixo. Sapatos desparceirados boiavam seguidos de sacos e outros objetos não identificados. Cachorros esquálidos lambiam os pés de mendigos e bêbados e a vegetação das bordas segurava tudo o que vinha pela corrente, criando volumes multicoloridos e heterogêneos ao longo das margens.
Quando percorro a Fração Localizada: Dilúvio, em Porto Alegre sinto-me em zona de negociação política e escuto Perec e Lefebvre. Ali não sou a proprietária, mas pratico o espaço e o observo, a sós ou em grupo, sem ser geógrafa e tampouco historiadora. Ajo enquanto artista e encosto-me, acaricio, ausculto as vozes e tempos de lugares urbanos, nutrindo-me dos saberes daqueles que deles se ocupam. Cotejo a realidade movida pelas três perguntas centrais: O que foi sonhado? O que foi construído? O que resiste ao tempo? Caminho e desenvolvo táticas, métodos e narrativas ancoradas no real.
Dei-me conta, porém, que ajo em dois planos. Tenho as ações rasteiras, dans le temps, sendo animadas pela minha biografia, enquanto trabalha em mim outro plano mais afastado, que me fez incursionar por zonas de sentimentos hors le temps. Estes dois planos formalmente não se tocam, mas se alimentam mutuamente. Se as três questões e as práticas de reconhecimento territorial in loco, me permitem ancorar pontos de dúvida no espaço urbano, de forma a nele agir enquanto sujeito histórico, nas Cartografias de um contato eu rastreio o desejo que as move e as destaco. Tenho na cabeça sentimentos que me trabalham, mas meu coração em carne viva dói em mim enquanto rastejo. Eu sou uma artista e estou no mundo. Eu sou uma artista e dele me afasto. Porto Alegre, 6 de setembro de 2010 Maria Ivone dos Santos - Artista plástica, professora no Instituto de Artes da UFRGS e coordenadora do Programa Formas de Pensar a Escultura
A paisagem é apenas uma abstração
# Renato Almeida
Trabalhos realizados por alunos do atelie 2 de artes grĂĄficas
Daniela Moreira
Clarice Lacerda
JĂşnia Fatorelli e Renato Gaia
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Henrique Teixeira
Trabalho Coletivo
Rita Viana
Plínio Alcântra
DiogoDroschi e DanielHazan
Rafael Camargos
O grapixo, como o próprio nome indica, guarda relações diretas entre o grafite e a pixação, principalmente a pixação paulista, carregando consigo as características de verticalidade e tratamento nos traços encontrados em São Paulo.
O GRAPIXO Bruno Rios
A pixação carrega desde o seu nascimento uma carga de subversão, encontrada na maneira como ela se insere, nas formas e nos lugares da paisagem urbana. Sendo por vezes apontada com aversão pela sociedade, onde parâmetros de belo/feio, público/ privado podem ser relativizados.
O grafite (graffiti) passa pelo mesmo repúdio em seu aparecimento nas grandes capitais, no entanto sendo absorvido e aceito pela massa de maneira mais rápida. Encontra-se hoje numa posição de aceitação que o permite transitar entre as artes plásticas, o design, a publicidade, chegando ao desenvolvimento de projetos onde toma para si o papel de antídoto da pichação, lembrando aqui que ambos surgiram como métodos subversivos. O grapixo se torna potente à medida que usufrui da estrutura da tipografia e do grafismo da pixação, inserindo-os na aceitação pública através de um tratamento cromático advindo do grafite. Encontra-se aí seu potencial discursivo, metalingüístico e estético.
Contato: contatorefil@gmail.com REALIZAÇÃO: Núcleo de Produção em Artes Gráficas da Escola de Belas UFMG APOIO: Gramma (ateliê, reflexão e memória das artes gráficas), Pós Graduação EBA-UFMG e Gráfica O Lutador EDITORAS: Brígida Campbell e Fernanda Goulart
Expediente:
A versão eletrônica pode ser baixada em: http://www.revistarefil.wordpress.com/ A montagem desta revista foi feita manualmente. Desculpem as imperfeições. Pode ser reproduzida deste que citada a fonte
PROJETO GRÁFICO: Brígida Campbell, Bruno Rios e Matheus Ferreira
FOTOS: Brígida Campbell, Bruno Rios, Dereco, Lorena Borges e Matheus Ferreira
ARTIGOS: Priscila Lolata, Maria Ivone dos Santos, André Mesquita e Bruno Rios TRADUÇÃO ENTREVISTA: Fernanda Goulart e Sara Stradioto.
Agradecimentos: Fernando Mencarelli, Pós Graduação EBA/UFMG, Zina, alunos que participaram do mutirão, Sara Stradioto e gráfica O Lutador. BH - outubro de 2010
Cada lugar ĂŠ a sua maneira o mundo