Lendas Potiguares: estampas inspiradas

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LENDAS

POTIGUARES estampas inspiradas

Brisa Gil | Maíra Araújo | Mariane Santos



LENDAS

POTIGUARES estampas inspiradas Brisa Gil | Maíra Araújo | Mariane Santos


Todas as estampas apresentadas neste catálogo são originais e de composição das autoras

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SARAIVA, Gumercindo. Lendas do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1984. 107 p. MARINHO, Francisco Fernandes. Três lendas norte-rio-grandenses. Revista Norte-Rio-Grandense de Folclore, Vol.1 No. 1. Natal. 1979. SOUTO, Elias. O Sino de Extremoz. O NORTISTA. São José do Mipibu, 26 ago. 1892. LIMA, Diógenes da Cunha. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, No. 70. 1980.

GIL, Brisa; ARAÚJO, Maíra; SANTOS, Mariane Lendas Brasileiras: estampas inspiradas / Brisa Gil, Maíra Araújo e Mariane Santos, 2015 Orientadora: Juliana Donato Catálogo Visual - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Bacharelado em Design, Natal, 2015. 1. Cultura Popular. 2. Catálogo. 3. Estamparia I. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Bacharelado em Design. II. Título

As imagens de referência foram retiradas de bancos de imagens abertos e gratuitos e podem ser encontradas na internet

2015


sumário 5 introdução 6 a anta esfolada 10 o morro dos amores 14 a pedra do moleque 18 o sino de extremoz 22 o papagaio de taipu 27 conclusão



Introdução As lendas brasileiras são uma expressão forte e significativa de nossa cultura popular, e continuamente inspiram a criação de produtos de design. Entretanto, o campo de estudo das lendas norte-rio-grandenses está longe de ter sido desbravado. Este catálogo consiste em um recorte do uso da riqueza de referências visuais presente em nossas estórias e contos populares para a produção de estampas originais. Das cinco lendas potiguares selecionadas (originais de Nova Cruz, Tibau do Sul,Extremoz e Taipu), foram pesquisadas referências imagéticas, a partir das quais foram determinadas as cores e elementos que compõem as padronagens. As imagens de inspiração evocam não somente elementos visuais, como também texturas e sensações não visuais que podem ser traduzidas através do design gráfico. As estampas foram criadas levando em consideração as possíveis aplicações da arte, trazendo o próprio design de superfície como referência e objeto de estudo, paralelamente às lendas. Esses produtos são uma amostra gráfica do potencial visual da cultura popular norterio-grandense. Lendas Potiguares | 05


A lenda da

Anta Esfolada

texto por Diógenes da Cunha Lima

Conta-se, já faz um bocado de tempo, havia um lugar tranquilo, simples e lindo. Ficava perto do encontro das águas dos Rios Bujari e Curimataú. O Bujari era um rio menino, quase riacho, alegre nas correrias, barulhento, sinuoso como uma cobra, arrancando e levando flores e cheiros das suas margens. O Curimataú, um rio sério, mais fundo, as curimatãs subiam nadando nas águas doces. O povo era feliz no verde, onde o gado pastava, a vida era mansa. Se não havia igreja, missas, culto a Deus, também ninguém agradava ao Diabo suas artes. O viver era cuidar do gado, arrancar as urtigas abundantes, plantar e colher, alegrar-se nos banhos de rio e poço. A caça rara, mas de boa qualidade. E nada quebrava a paz do lugar. 06 | Lendas Potiguares


Num mês de junho, encarnado de flores do mulungu, ouvia-se dizer que tinha uma anta enorme que andava no entroncamento dos rios. À boca da noite, saiu um caçador com a sua “lanzarina” carregada de pregos e chumbo à procura da anta. Depois de andar muito, divisou por trás do tronco rugoso de um pé de mulungu o pelo da anta com mais de dois metros de altura. O animal aproximou-se sem medo, balançando levemente a tromba com mostras de alegria pelo encontro. O caçador nem ligou: fez pontaria e fogo. A anta caiu e ainda viva lhe foi tirado o couro. Mesmo esfolada, fugiu sangrando pra dentro do rio. O caçador enterrou o couro na areia do Curimataú. E acabou o sossego do lugar: a anta aparecia nas noites, assombrando os moradores, com as carnes à mostra, gemendo como se fosse gente. O povo morador da margem direita do Rio Curimataú só se acalmava quando havia enchente. A anta ficava do outro lado. E todo o mundo sabe que assombração não atravessa água. Quando as águas baixavam tanto que no leito do rio restava só areia, recomeçavam as aparições. O remédio era ficar nu, porque assombração só aparece a gente vestida. Mas ninguém queria ficar nu o tempo todo. Quem se aventurasse a andar de noite, se não encontrava a anta, ficava marcado, inchado das urtigas. O que fazer? Nisto, vejo um santo missionário pregando ao povo mandando rezar e pedir a Jesus Cristo. O missionário, capuchinho, sabedor do medo da população e o sem remédio da aflição, mandou que se cortasse um grande pé de inharé e se chantasse uma cruz à margem direita do Rio Curimataú, onde todos deveriam vir rezar. A assombração se foi. Mudou-se o nome da povoação. Já não mais Anta Esfolada. Passou a se chamar Nova Cruz. Só que, por mais que se procurasse, ninguém encontrou o couro da anta. E as águas do Curimataú ficaram salobras, até o dia de hoje.

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Estampa

Fantasma D’água

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Módulo 105x95 mm


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A lenda do

Morro dos Amores

texto por Francisco Fernandes Marinho

Ainda não existia a separação dos astros celestes, quando uma das principais estrelas, chamada “Garatuí”, cansada de tanto brilho dos olhos dos seus admiradores sobre o seu lindo corpo, fez a desunião entre o sol e a lua. Por cima de todos os morros da Itacoatiara¹ luziam os astros em direção à jovem estrela. Garatuí, por ser uma jovem rival da matrona lunar, resolveu escondê-la debaixo de um pé de junco arrancado, só para ver que decisão tomaria o rei de todos os astros. O sol, que era o verdadeiro e famoso cavaleiro do mundo celeste, por seu brilho incandescente, no seu reinado, rodeado e circundado pelo brilho opaco de todos os seus amos, espalhou todos os seus vassalos pelo infinito afora em busca de sua eterna amante. O rei ficou muito furioso, e de tanto rodas em torno da terra, girando sem cansar, em poucos anos estava 10 | Lendas Potiguares


quase arredondado; sua companheira, debaixo da palma do pé de junco arrancado, de tanto esforço para ver quando o seu amante passava, ora ficava redonda, ora comprida, e quando o vento soprava forte, a palma quase seca comprimia a pobre rainha, que aos poucos deixava seu reflexo por duas pontas bem delgadas, formando assim as suas crises (fases) lunares. Garatuí, durante todos os dias, na passagem do sol, se deitava em um monte de areia, que ela obrigou os vassalos do rei a peneirarem e a perfumarem com o aroma da Natureza, enquanto outros foram obrigados a cavar um imenso poço, para ela se banhar todas as vezes que o sol aparecesse. Um certo dia, Garatuí tomou de um vassalo do rei e mandou-lhe avisar que procurasse a sua divina rainha nas águas do fundo do mar. O pobre rei mergulhou nas águas do oceano, e, de repente, tudo ficou escuro. Ainda acomodada com o brilho de todos os que a rodeavam, Garatuí mandou-os em busca do querido rei do universo, chamando o vassalo que mais amava e pagodearam durante toda a noite; depois de muito se amarem, mandou que seu amante levasse a lua até à beira do mar, para que ela pudesse tomar um banho dentro do poço. A lua, enraivecida, ergueu a palma do junco, espanou-se dentro das águas e conseguiu fugir para o infinito, à procura do sol. Garatuí abraçou-se com o seu amante e desapareceram na areia macia do Morros dos Amores. O sol acabava de surgir das águas quando a lua, no outro extremo, ia mergulhando à procura do seu amado, e nunca mais se encontraram. Ficou, assim, famosa a criação do dia e da noite, e o amor de Garatuí ainda verte no Morro dos Amores, atraindo os casais de namorados para se deitarem na areia macia, onde ela perdeu a virgindade, ficando a fama de que a moça que for ao Morro dos Amores acompanhada de um rapaz, não volta mais virgem.

¹ Antiga denominação para a Praia da Pipa, localizada no litoral sul do estado do Rio Grande do Norte.

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Estampa

A Separação das Estrelas

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Módulo 45x45 mm


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A lenda da

Pedra do Moleque

texto por Francisco Fernandes Marinho

Dizem que, antigamente, quem subisse ao Morro da Itacotiara avistaria, de bem longe, uma multidão espalhada em volta de uma pequena pedra, arredondada, quase em forma de uma mesa, na beira da praia, que os nativos chamavam de “Ita dos Deuses”. Dependendo da posição da lua, em determinadas épocas, eles colocavam comidas da terra para os seres sobrenaturais na Ita do Deuses e ficavam dançando durante todo o percurso da Lua, carregando, nas mãos, imensas tochas que apagavam quando reviam os primeiros raios do sol. Seus corpos luziam aos reflexos da lua, e eles dançavam, dançavam, dançavam, acompanhados por cantos de louvores, em volta da pedra coberta de comidas da terra. 14 | Lendas Potiguares


Por girarem em volta da Ita, em pouco tempo descobriram que a pedra ia ficando cada vez mais alta e cada vez mais eles apressavam a dança e alteavam o canto, agradecendo aos deuses pela maravilha que tinham diante dos olhos, uma obra de seus deuses. A pedra continuava a subir, subir, subir, até que eles não conseguiram mais colocar o alimento dos Deuses sobre a mesa sagrada. De tanto girarem em volta da pedra, com o decorrer do tempo ficaram cansados e resolveram dormir, deixando um negrinho para despertá-los, assim que os deuses voltassem. Pensavam em pedir aos deuses que voltassem à forma primitiva a mesa sagrada. Dizem que se revoltaram contra os deuses e puseram pedras miúdas em torno da grande, para chegarem mais perto do alimento. Foram castigados pelos deuses, transformando-se em pedras e ainda hoje alguém chega a ver o negrinho pastorando a pedra, que ficou sendo chamada “A Pedra do Moleque”.

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Estampa

Pedra sobre Pedra

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M贸dulo 23x35 mm


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A lenda do

Sino de Extremoz texto por Elias Souto²

A famosa Lagoa de Extremoz era o oásis da imensidade daquelas florestas sombrias, era em suas margens ridentes que se alongavam os covis em que habitavam as lindas potiguarinhas, essas virgens cabeçudas, de olhos negros e rasgados, de cabelos soltos e embaraçados, de peles crestadas e seios buliçosos, e que não fugiam às vistas do branco europeu que a velha metrópole atirava à sanha das feras, para civilizar a brava gente. Estava em construção a igreja da vila, o sino chegara de lisboa e fora para a terra na Aldeia Velha que dava livre desembarque, naquele tempo, às causas mandadas por el-rei. O primeiro carro viera para o serviço da construção, para carregar o material-- telha, ferragem e mais o que somente podia vir da Lusitânia. O carreiro, que era um calceta português dos muitos que para cá vieram expiar seus crimes, dormia na mesa do carro e os bois seguiram na única abertura feita, no coração da mata, e que servia de caminho para a nova vila. 18 | Lendas Potiguares


O carro cantava, ou fazia esse rugido nos gonzos da madeira rija que atira nos ares um som, como que cadenciado e agarrado aos tímpanos, e os selvagens no interior das grutas tiritavam de medo ouvindo aquele bramido que não era do tigre que eles respeitavam, mas não temiam. A noite ia em meio e o brilhantismo do luar se derramava na larga fonte do misantropo carreiro inconsciente das condições que o levavam. Ele dormia a sono solto… Sedentos, porque não tinham feito água, os bois com essa avidez brutal que dá o instinto animal quando fareja o manancial de perto, caminhavam a passos largos ao aproximarem-se da lagoa que era de ondas serenas se espraiando no meio daquelas solidões profundas, despertadas apenas pelos pequenos ecos da mãe da lua, e pelo vento gélido que agitava a folhagem, deusa das medonhas selvas. No mais próximo da lagoa, e já no espaço aberto pelas suas margens, onde se precipita um despenhadeiro enorme, antes da passagem da lagoa, os bois desviaram-se da estrada que conduzia à vila, e avançando sequiosos para as águas límpidas, na ausência do raciocínio, impossível no bruto - (e que tantas vezes abandona o homem) - precipitaram-se, arrastando carro, sino e carreiro no imenso declive, na voragem dos abismos abertos pelo grosso volume das águas, e lá sumiu-se aquele todo que, ao amanhecer, era tão ansiosamente esperado no arraial da nova vila… Não mais se ouviria o cantar do carro, e o estrondo de sua queda, que ecoara alta noite, deixara em cismas os civilizados do lugar, e aterrara os índios. Plácidas, as águas, pela manhã seguinte, lambiam descuidosas os musgos lodosos das encostas aos montes que circundam a imensa bacia da lagoa; e outros vestígios não foram encontrados, a não ser o grande sulco que, no areal do despenhadeiro, deixara o carro que se precipitara no abismo. ² Publicado originalmente no jornal “O Nortista”, editado em São José do Mipibu, no dia 26 de agosto de 1892.

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Estampa

Engolido pela Noite

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M贸dulo 50x50 mm


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A lenda do

Papagaio de Taipu As estórias de papagaios vêm de muitos séculos. Durante as rixas que envolveram os ceará-mirinenses e taipuenses, logo após a inauguração da estação da Estrada de Ferro Central, surgiu a expressão: “Taipu, terra do papagaio”. Logo surgiu um mundo de anedotas acerca dessa ave trepadora da família dos Psitacídeos, que, como todo mundo sabe imita a voz humana. Ficamos sabendo da origem da lenda do papagaio de Taipu. Contam que, depois de uma cheia, quando, rio abaixo, no turbilhão das águas, se viam pedaços de pau, cercas completas, restos de casebres, móveis, animais mortos, cobras, peixes e utensílios dos sertanejos, ao longe foi visto um galho de árvore, e, agarrado a ele um papagaio. O pessoal da vila se reuniu 22 | Lendas Potiguares


e com muito esforço procurou salvá-lo daquele naufrágio. Com muito carinho levaram-no para bem longe do leito do rio. Enxugaram o papagaio, deram-lhe de comer e o bichinho sempre desconfiado. Depois de alguns minutos de repouso, o papagaio levanta a cabeça e pergunta aos presentes: — Que terra é esta? Alguém ali presente, muito pesaroso, querendo agradá-lo, respondeu: — Taipu! Você está em casa, meu bichinho! Foi quando o louro, mais que depressa, bateu asas, deu um forte grito e disse: — Ponham-me novamente na água. Não quero ficar nesta terra atrasada... E voou para a correnteza, que aumentava naquele momento. Despedindo-se, ainda balbuciou: — Antes uma boa morte afogado... Alguém chistosamente afirma que o papagaio ficou morando em Ceará-Mirim, pois as cheias, geralmente, chegam até às comportas dos engenhos de seu vale. Refira-se que, por causa do papagaio de Taipu, têm ocorrido nesta cidade muitas brigas, uma vez que os filhos da terra jamais se conformaram com a pergunta maliciosa: — Cadê o papagaio? É claro que as anedotas do papagaio de Taipu jamais foram bem aceitas pelos filhos da terra dos Miranda...

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Estampa

Jeitinho de Papagaio

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M贸dulo 50x50 mm


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Conclusão As lendas possuem um caráter popular, as quais são contadas e disseminadas pela narrativa oral. Neste catálogo foram abordadas cinco lendas potiguares, que por estarem se dissipando, tornaram necessária uma pesquisa mais profunda e focada. O aprendizado adquirido não se limita apenas ao conhecimento dessas histórias cada vez mais esquecidas, mas também faz parte de uma identificação da cultura local. O catálogo assume a responsabilidade perante a história e cultura do Rio Grande do Norte de passar as lendas adaptadas a uma leitura fácil de entender, mas que também seja fiel ao que é contado pelos narradores. Foi fundamental ainda que a tradução visual fosse criada de uma forma que o leitor consiga interpretar e compreender a relação das cores, formas, texturas e outros elementos da estamparia com as narrativas aqui explanadas. Por fim é importante destacar a transmissão sobre esses contos, pois permite a interpretação, a análise, e o desenvolvimento da leitura; culminando na caracterização visual da cultura potiguar. Tanto as histórias e estampas, como o próprio catálogo foram projetadas para serem atrativas, legíveis, aplicáveis e fáceis de serem compreendidas para que atinjam o alcance máximo do seu almejado público. Lendas Potiguares | 27


Este catálogo foi composto em Ubuntu por Brisa Gil, Maíra Araújo e Mariane Santos e impresso pela Graphicaria em papel offset 75g/m² para a disciplina de Cultura Popular em março de 2015




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