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Pessoas que se mudaram para o país em busca de uma vida melhor estão voltando por causa da pandemia Vivian Oswald, de Londres 20/11/2020 - 02:00 / Atualizado em 20/11/2020 - 04:01
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O retorno de brasileiros que não conseguiram se manter na Inglaterra pós-Covid - Época
Foto: Arte de Daniel Vides Veras com imagens de Grant Faint / Getty Images; Rhkamen / Getty Images; e Alexander Spatari / Getty Images
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De malas prontas para voltar de vez para o Brasil, Clélia, de 38 anos — a idade é correta, mas o nome é fictício, para proteger sua identidade — afirma que seu sonho, quando desembarcou com o marido e o restante da família em Londres, há dois anos, era juntar um pouco de dinheiro e dar uma boa educação para os filhos. A caçula já nasceu na capital britânica. O mais velho, de 11 anos, tem necessidades especiais e desenvolveu-se como nunca com o atendimento gratuito que recebe num bairro da periferia da cidade. Carolina, de 28 anos, queria fazer um pé-de-meia de pelo menos R$ 150 mil. Heliane, de 23 anos, também buscava uma poupança, uma vida mais confortável. Já Karina, de 36 anos, que assim como Clélia pediu para usar um nome falso, estava na terceira estada na Inglaterra. “Descobri que este é o país que escolhi para morar”, disse, enquanto arrumava as três peças de bagagem.
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Clélia, Carolina, Heliane, Karina e seus familiares foram atropelados pela pandemia do novo coronavírus. O Reino Unido foi o primeiro país europeu a ultrapassar o limite de 50 mil mortes. Com quase 30 mil novos casos diários de contaminação, a Inglaterra vive agora a segunda onda e está em lockdown até o dia 2 de dezembro. Diante dos números alarmantes de internações, uma prorrogação é dada como quase certa. As quatro brasileiras seguiram um roteiro conhecido. Ficaram meses sem trabalhar, gastaram as economias na esperança de que tudo voltasse logo à normalidade, recorreram a amigos, mas se viram obrigadas a jogar a toalha. Todas recorreram ao programa de retorno voluntário do governo britânico.
Heliane e o marido viveram quase cinco anos em Londres. Com o nascimento da filha e a pandemia, o casal não quis arriscar continuar no país de forma ilegal. Foto: Arquivo pessoal / Divulgação
Sem meios para voltar por conta própria, apresentaram-se às autoridades do Reino Unido. Declararam que viviam no país de maneira irregular — o jargão politicamente correto usado para se referir àqueles que vivem sem documentos no exterior, os ilegais, como eles próprios se denominam — e ganharam os bilhetes aéreos de volta. Antes, assumiram o compromisso de não regressar ao território britânico por pelo menos dois anos. Contabilizando apenas os casos de quem precisou pedir socorro para retornar, 168 brasileiros foram deportados desde abril. Caso o governo brasileiro não tivesse fretado três aviões no começo da pandemia, esse número seria ainda maior. CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
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O recrudescimento das contaminações e a chegada do inverno ao Hemisfério Norte levaram um grande número de brasileiros à Casa do Brasil, instituição de caridade que nada tem a ver com os órgãos oficiais. A entidade faz a intermediação dessas pessoas com as autoridades britânicas. A maioria tem medo de ir sozinha. Temem ser presos. A coordenadora do programa na Casa do Brasil, Fatima Lara, disse a ÉPOCA que a procura cresceu nas últimas semanas. “Sempre temos brasileiros voltando. O número cresceu muito neste ano. Agora, não são indivíduos sozinhos, mas famílias inteiras”, contou Lara.
De acordo com a advogada Vitoria Nabas, que é diretora da Casa do Brasil, estima-se em 250 mil a 300 mil o tamanho da comunidade brasileira em território britânico, a maior de toda a Europa. Dados do Censo britânico de 2011 indicavam a presença de 52 mil brasileiros no país em situação regular. De acordo com o estudo Brasileiros no Reino Unido, 2020, elaborado pela professora Yara Evans, do Imperial College London, a maior parte dos brasileiros se concentra na Inglaterra e no País de Gales. Cerca de três quintos, em Londres. As mulheres seriam maioria: 63%. O estudo ouviu as perspectivas de futuro para os brasileiros a partir de 2.118 questionários feitos pela professora. Enquanto 43% declararam não ter certeza se voltariam para o Brasil, 38% garantiram que não pretendiam voltar. CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
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Carolina queria fazer um pé-de-meia de pelo menos R$ 150 mil quando chegou à Inglaterra. Como outros brasileiros, queimou as economias na expectativa que as coisas voltariam ao normal. Foto: Arquivo pessoal / Divulgação
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O filho de Clélia não queria ir embora. Com seu inglês fluente, virou o tradutor dos pais, que, para poderem pagar as contas no final do mês, precisaram se concentrar no trabalho e adiaram o projeto de aprender o idioma do país onde viviam. Até a chegada da pandemia do novo coronavírus, tudo parecia caminhar conforme o previsto, apesar de todas as dificuldades inerentes à vida de quem está irregular no Reino Unido. Mas a ideia de enfrentar mais um longo período trancado em casa com as crianças e a proximidade do inverno — quando as temperaturas despencam, os dias são mais escuros e as contas de eletricidade e aquecimento disparam — fizeram o casal mudar de ideia.
O desespero de Clélia começou ainda com o primeiro lockdown, iniciado em 23 de março, que durou três meses. A preocupação com o vírus e as regras de distanciamento social fecharam de vez as portas para a brasileira, que vivia de fazer limpeza na casa de particulares. O marido, no entanto, continuou firme. Como boa parte dos brasileiros sem documentos em solo britânico, era motoboy. Nada mais adequado no momento em que todos passaram a comprar pelo telefone ou pela internet. O problema foi que, só com o que ele ganhava por mês, as contas simplesmente não fechavam.
O quarto em que a família de quatro pessoas vivia nos arredores de Londres era alugado de outro brasileiro, para quem pagavam 1.100 libras (quase R$ 8 mil) por mês. “Não tínhamos como apresentar passaporte e outros documentos para alugar um imóvel pelas vias normais. Saía bem mais caro. Sempre que reclamávamos, ele dava a entender que podia nos denunciar”, contou Clélia. Ilegais estão fora da rede de proteção social do governo britânico, que tem arcado com 80% dos salários de quem está afastado do trabalho e desembolsado uma fortuna em seguro-desemprego à fila inédita de 2,9 milhões de pessoas. Tampouco contam com a ajuda do governo para pagamento do aluguel. CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
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O marido de Carolina também é motoboy. Foi parado pela polícia durante o primeiro lockdown. Só não foi preso e deportado naquele momento por causa das restrições sanitárias e da suspensão dos voos para o Brasil. As autoridades deram uma chance para que ele organizasse sua volta sozinho, sem maiores constrangimentos. Mas o casal resolveu arriscar e ficar mais um pouco. “A gente achou que aguentava mais um tempinho”, disse Carolina, que tinha a companhia da irmã e da sogra. A irmã não aguentou e voltou antes. Em seguida, Carolina e a sogra perderam o emprego. O marido foi pego uma segunda vez. A polícia tem feito operações frequentes nas ruas com motoboys, justamente por saber que se trata de um setor complicado, pouco regulado, que contrata mão de obra ilegal. No Brasil, o plano é ele ser Uber e ela trabalhar de manicure, o que já fazia na capital britânica nos fins de semana. “Quero dar uma boa formação a meus filhos. Vamos voltar para a Inglaterra legalmente! Meu marido tem família italiana e vamos atrás dos documentos”, disse.
Heliane foi para o Brasil com o marido e a filha pequena. Ela também perdeu seus empregos como faxineira durante o primeiro confinamento. Suas clientes cancelaram as horas. “Eu trabalhava com pessoas da terceira idade, que são grupo de risco. Uma delas me ajudou durante um tempo”, contou. Mas, com uma criança de pouco mais de 2 anos, tudo ficou ainda mais complicado. Já não tinha como pagar a baby-sitter e tinha medo de sair de casa e ser pega. “Quando são dois adultos, tudo bem, a gente se vira. Mas com uma bebê, não queria correr riscos”, desabafou. O casal ficou na Inglaterra por quase cinco anos. “Eram tantos sonhos… Demos a cara a bater. A gente veio iludido, atrás do que amigos nos disseram. Logo eu engravidei e tudo ficou ainda mais difícil. As dívidas se multiplicaram”, disse. O parto de Heliane foi feito gratuitamente no NHS, o sistema nacional de saúde pública britânico. Em princípio, todos têm direito a usá-lo. Mas, para quem está irregular, as coisas têm ficado cada vez mais difíceis. Os médicos de família — para usar o sistema é preciso estar registrado — passaram a cobrar documentos. O mesmo tem acontecido com as escolas. CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
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Karina também espera voltar um dia. Esse é o projeto. No último dia em Londres, deu uma caminhada pelos lugares favoritos para se despedir e fez um retrospecto desse último período de imigrante. Desempregada há meses, e depois de vários episódios de uma doença autoimune que desenvolveu em função do estresse e algumas semanas com Covid-19, percebeu que estava na hora de voltar. “Eu dividia um apartamento com outras oito pessoas. Não saía de casa para nada com medo do coronavírus. Até porque sou obesa e tenho comorbidades. Mas o pessoal não tinha medo”, contou. A ideia agora é ficar no Brasil, cuidar da mãe, que tem demência, e participar mais da vida da filha, que lhe deu uma neta. “Mas eu volto! Não tenha dúvida, em nome de Jesus”, disse.
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