reportagem
54
AMOR EM TEMPOS DE crise Homens mais velhos, mulheres independentes, jovens casais na internet... Como anda a fidelidade nos tempos da comunicação virtual e dos animadores remédios para o sexo por
cesar lopes
ilustração
luciano scherer
Incomodada ficava a sua avó! A frase de um antigo anúncio publicitário cai como uma luva nos novos comportamentos e conceitos estabelecidos pelos relacionamentos modernos. No tempo delas, nossas avós, a famosa pulada de cerca era uma coisa típica (e quase exclusiva) masculina. O homem escolhia com quem iria se casar, ter filhos e constituir família e com quem iria se divertir. As pobres esposas sofriam com longas esperas, pois eram educadas para aceitar as escapadas do varão e, além de tudo, perdoá-los. Na cultura ocidental, ainda (!?) fortemente baseada num patriarcado machista e conservador, o homem com muitas mulheres é considerado um garanhão, um comedor, enquanto as mulheres que se acham no mesmo direito são chamadas de promíscuas e outros nomes impublicáveis. Historicamente, as moças consideradas direitas pelos padrões estabelecidos ficavam isoladas em casa cuidando dos filhos, o que oferecia poucas oportunidades e situações que pudessem levá-la à traição e a vingar a galhada adquirida. “A mulher, na questão de sexualidade, é muito mais fechada. Uma irmã, uma esposa, uma mãe podem trair durante anos que ninguém ficará sabendo”, analisa Marta Nunes, 45 anos, terapeuta de casais desde 1994. “Também observo muita traição entre amigos, casais com 20, 30 anos de amizade. É comum haver trocas de casais e ninguém ficar sabendo”, complementa ela. O fato é que do tempo de nossas avós para cá, muita água passou por baixo da ponte e essa senhora submissa, que esperava o marido para jantar com as novidades sobre os filhos e os chifres na testa entrou em extinção. No lugar das Amélias surgiu uma dona de si mesma, independente, profissional e, pasmem os otários, infiel. Quando o assunto é relacionamen-
to, as moçoilas estão enfeitando muuuito mais as cabeças masculinas. Pelo menos é o que garantem os pesquisadores da Universidade do Colorado e da Universidade A&M, no Texas. Eles realizaram uma pesquisa em que entrevistaram 4.884 mulheres casadas – pessoalmente e por computador – e constataram que apenas 1% admitiu ter traído o marido no último ano, enquanto no anonimato do meio eletrônico, esse número cresce para 6%. “É quase impossível mensurar o resultado desse tipo de pesquisa, pois a maioria das pessoas mente diante de uma questão tão pessoal, mas observei que nos últimos anos aconteceram muitas mudanças. A mulher de 30, 40 anos aprendeu a distanciar mais amor de sexo. As de 50 talvez um pouco menos. É mais essa faixa etária que ainda vai para a noite”, revela Marta Nunes. Os estudos mais confiáveis sobre traição saíram da Pesquisa Social Geral, que é coordenada pela Universidade de Chicago. Desde 1972, a instituição monitora comportamentos humanos. As pesquisas, cuja última atualização é de 2006, apontam que cerca de 10% das pessoas casadas dizem ter mantido relações sexuais fora do casamento no ano anterior – a média é de 12% para homens e de 7% para mulheres. E as revelações não param. Na Universidade de Washington foi descoberto que a porcentagem de homens com mais de 60 anos que já foram infiéis em algum momento da vida subiu de 20%, em 1991, para 28%, em 2006. Para mulheres na mesma faixa etária o salto foi de 5% para 15%. “Os novos remédios para disfunção erétil, e estrogênio e testosterona para manter a saúde vaginal e a libido da mulher colaboraram para isso. Uma mulher de até 55, 60 anos ainda pode ter uma vida sexual muito boa e atrair homens de diversas idades”, atesta a terapeuta.
56
reportagem
No lugar das Amélias surgiu uma dona de si mesma, independente, profissional e, pasmem os otários, infiel. Quando o assunto é relacionamento, as moçoilas estão enfeitando muuuito mais as cabeças masculinas
Costura para fora As conquistas profissionais da mulher foram fundamentais para que aumentasse o número de cornos pelo mundo. Ao sair de casa para trabalhar, as damas se deparam com as mesmas oportunidades que os homens. Paqueras, flertes, ficadas e transas agora não são mais exclusividades do macho. Então, dá-lhe chifre. Marta conta que antigamente uma mulher não trocaria um marido que a sustentava por um homem que poderia mudar o seu padrão de vida. Atualmente, a mulher trabalha e acaba tendo contatos com homens do mesmo nível, então o marido sempre é comparado com outros, que, às vezes, a compreendem mais e dividem as mesmas tensões encontradas no trabalho. Isso poderia resultar numa infidelidade e se transformar numa outra relação. Débora Gesualdi, 28, gerente de contas de uma produtora, pensa que as oportunidades para trair aumentam para quem tem de batalhar o pão de cada dia. “O fato de as mulheres terem conquistado maior espaço e liberdade contribuiu muito para isso. Antes, a mulher ficava em casa presa, cuidando dos filhos. Hoje ela sai para trabalhar, estudar, e as chances de conhecer alguém, receber convites para festas ou sair para almoçar com um colega são inúmeras. Isso facilita o envolvimento e a atração por outra pessoa e pode resultar em traição”, opina ela. Chifrolândia virtual O mundo virtual também não escapou do radar dos estudiosos e aparece de forma decisiva para as significativas modificações ocorridas. O chifre internético é uma realidade e vem aumentan-
do e ganhando espaço entre as formas de infidelidade. Os que mais utilizam a rede de computadores para escapadelas virtuais costumam ter menos de 30 anos. A crescente disponibilidade de pornografia é apontada pelos pesquisadores como um dos fatores que afetam as atitudes sexuais dessa faixa etária. A garantia do anonimato e as milhares de opções de sites de encontros e relacionamentos acabam incentivando os mais tímidos a se aventurar no mundo da chifrolândia virtual. “Transar pela internet agrada mais aos homens, que se satisfazem com uma punheta. Mulher não se liga tanto na imagem, gosta de outras coisas, como o jeito de o cara falar com ela, fazê-la dar risada... É a pegada [que conta]. Se tem pegada, a mulher transa feliz! Já o homem quer um bundão, um peitão, isso diz muito na hora do prazer deles. Por outro lado, acho que o anonimato é o mais legal para quem quer se divertir livremente, dando até a opção de criar um personagem. Na internet você pode procurar um perfil de um homem do jeito que imaginar, ou até mesmo se passar por uma outra mulher e botar em prática qualquer fetiche secreto”, conta Débora, que já marcou vários encontros pela net. “Principalmente quando comecei a acessar a rede. Ainda usávamos o ICQ [programa de computador para comunicação instantânea], que era uma febre. O ponto de encontro era a sala de bate-papo de um famoso provedor. As mesmas pessoas entravam diariamente, em horários combinados. Acabamos montando um grupo, que depois gerou encontros reais, a princípio em shopping centers, depois em barzinhos, baladas e viagens. Uma vez me apaixonei virtualmente por um
amigo desse grupo, mesmo só o conhecendo pelo chat. Depois começamos a conversar pelo telefone. Não consegui segurar o relacionamento principalmente por insegurança, pois comecei a encanar que o cara tinha contado mil coisas legais, que poderiam ser invenções dele, só para me comer!” A experiência no atendimento de casais que Marta adquiriu ao longo dos anos a ensinou que o virtual, às vezes, não é tão virtual assim. “É um novo mundo que se apresenta. Você pode ligar a internet agora e agendar uma transa para às 5 da tarde, tanto virtualmente como pessoalmente. Fácil assim.” Já Simone não vê com bons olhos a entrada da internet em relações interpessoais. Para ela a rede passou a ser uma ferramenta para encontrar a pessoa que você sonha ou a pessoa que você quer conhecer para novas experiências. Ou para namorar, casar, falar de trabalho, ou sair e tomar uma cerveja. “Falta pouco para o big brother (aquele do George Orwell). Isso não me agrada. Acho perigoso supervalorizarmos a internet em qualquer assunto. No campo sentimental acho mais perigoso ainda.” A cantora e atriz Simone Mazzer, 40, pensa que o anonimato pode proporcionar qualquer coisa na rede. “Você pode tudo no computador, ou quase tudo, mas num relacionamento desse tipo você pode ser o que a outra pessoa quer que você seja. E já que ninguém está vendo...”, constata. Gayflex Os tipos de traições que surgiram com o avanço de nossa sociedade são muito variados e já não se limitam à simples receita homem x mulher. A mulher descobriu a mulher. Para Marta
Nunes, houve um considerável crescimento do lesbianismo. “Hoje existem inúmeros casos e também em faixas etárias mais altas. A mulher de 30, 35 anos mantém uma relação com outra mulher, muitas vezes como modo de trair seu marido. Tem seu casamento estável e se relaciona com uma amiga ou com uma pessoa que conheceu na internet. Entre os homens surge a figura do gayflex, que é aquele que cai na noite atrás de mulher e, se não rolar, sai com alguém do mesmo sexo mesmo”, explica. O limite que cada pessoa deve ter depende do tipo de acordo que firmou com o parceiro. Para Débora depende do conceito de traição para cada um. “Paquerar, conhecer gente nova, receber elogios etc. massageia o ego e não considero traição.” Mazzer diz que se sentiria traída ou traindo quando mesmo estando amando alguém, ou sendo amada, esse sentimento não fosse respeitado. “A gente sabe quando trai alguém e quando é traída.” Marta acredita muito em contrato nas relações. “Tudo depende do acordo. Se para cada casal o conceito de fidelidade é uma coisa, para cada pessoa também é. Tem gente que quando a relação começa a esfriar diz estar preocupada, pois passou a olhar as mulheres na rua. Só a intenção da busca já é um sinalizador para ele de que o casamento está mal. Acho que o que mais vale numa relação é aquele olhar em que se acredita que nunca aquela pessoa faria nada para te magoar. Se a relação é montada em padrões de fidelidade tradicionais, a traição quebra não só a relação amorosa, mas a fé. A fé no humano, a fé na pessoa, a fé em si mesmo.” E haja terapia para exorcizar tudo isso.