Entrevista com o escritor Fernando Morais para a revista ELEELA

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com a palavra

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Fernando Morais

O CONTADOR DE HISTÓRIAS

Em 2002, ele disputou uma cadeira na Academia Brasileira de Letras com o ex-vicepresidente da república Marco Maciel. Os acadêmicos escolheram Maciel. Azar da Academia. o escritor que transforma vidas em literatura, fala sobre Paulo Coelho, política, Cuba e diz que acha que a tv, da maneira que conhecemos, vai acabar por

cesar lopes

retrato

Lucas lima

O estilo apurado que Fernando Morais utiliza em seus livros foi lapidado em anos de redação e pesquisas jornalísticas. As paredes de seu escritório em São Paulo são decoradas com fotos do autor acompanhado de grandes figuras da humanidade do século 20. Iasser Arafat, Gabriel Garcia Marques, Fidel Castro, entre outros, dão a dimensão exata da postura política que permeia sua vida. Seu faro o levou a transformar em livros as trajetórias de personagens fundamentais para a história recente do Brasil como Olga Benário, Assis Chateaubriand e, agora, Paulo Coelho. No mesmo dia em que seu último biografado estava em Frankfurt recebendo de seus editores uma condecoração pela venda de 100 milhões de livros em todo o mundo, Morais conversou com ELEELA. ELEELA Por que a escolha de Paulo Coelho como personagem? FERNANDO MORAIS Você sabe que as minhas escolhas costumam

espantar as pessoas, inclusive dentro de meu círculo. Lembro que quando saiu nos jornais que eu queria fazer a biografia de Antonio Carlos Magalhães, muita gente disse: “Porra, você fez A Ilha, fez Olga, agora vai fazer ACM que é um coronel, PFL...”. Isso se repetiu agora com o Paulo. A escolha encontra explicação na minha origem. Sou jornalista e também fui repórter praticamente minha vida inteira. E o repórter é movido, inicialmente, antes de qualquer outra característica, pela curiosidade. Isso você acaba desenvolvendo cada dia mais com o cotidiano. Toda profissão cria uma natureza adicional para o

profissional e a do repórter é a curiosidade. Antonio Carlos Magalhães foi o único brasileiro vivo que tinha convivido com o poder durante 50 anos, com um pequeno hiato no governo Itamar Franco. De Juscelino até o Lula, Antonio Carlos conviveu com o poder o tempo todo. Ou como testemunha ou como protagonista. O jornalista que não se interessar por isso está na profissão errada. O mesmo vale para Paulo Coelho, um brasileiro nascido no bairro de Botafogo e que hoje é mais traduzido do que Shakespeare. Neste momento em que estamos aqui, ele está em Frankfurt recebendo um troféu do Guiness por ser o autor vivo mais traduzido do planeta. Independentemente da vida que ele teve, que foi tumultuada, uma sucessão de tragédias e tal, só esses dados de vendagens, na minha opinião, já justificam uma curiosidade elementar que é a seguinte: quem será o sujeito que vive embaixo da pele desse personagem?. Toda essa explicação é para responder que a escolha foi feita basicamente por curiosidade. Para minha sorte, descobri um personagem riquíssimo. EE Você era leitor dele antes do livro? FM Antes de fazer a biografia tinha lido os dois primeiros livros dele, O Alquimista e O Diário de um Mago, por uma curiosidade básica: eu era editor de cultura da Veja e, de repente, aparece um cara que escreveu dois livros que estavam a seis semanas nas cabeças das listas de livros mais vendidos. Gostei, mas não virei “coelhista”.


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Ligações sul-americanas: Quércia, Carlos Menen e José Sarney, à frente, e Fernando, ao fundo A França recebe a visita do Na campanha de FHC, em

escritor e sua filha Rita

1978. Fernando é o de barba Acima, o bebê Morais. Nesta foto, na Transamazonica, sem a famosa barba

Fumando as inseperáveis cigarrilhas em seu escritório

No enterro de Santos Dias da Silva, operário morto pelos militares em 1979

EE A possibilidade de uma boa vendagem o atraiu? FM É evidente que quando escolho um tema ou um personagem,

penso na possibilidade de ser alguém ou algo do interesse do leitor e, portanto, algo que leve as pessoas a comprar o livro. Vivo disso. Não gosto de personagens insossos, sem sal nem açúcar. Escolho personagens polêmicos, contraditórios. Confesso que não esperava o sucesso que o livro está fazendo. Dou sorte na escolha dos meus temas. Penso que tem muito a ver com essa natureza adicional que adquiri nos dez anos de Jornal da Tarde, três anos de Veja, enfim, ao longo de minha trajetória profissional. EE Foi mais fácil que suas outras biografias pelo fato do protagonista estar vivo? FM É muito mais difícil biografar quem está vivo, mas tem uma grande vantagem em relação aos mortos. Se eu tivesse tido a oportunidade de conviver um dia que fosse com Chatô ou com a Olga, qualquer um desses livros seria infinitamente mais rico. Tive a oportunidade de passar três anos com o Paulo. Teve período que fiquei seis semanas indo para a casa dele, às oito horas da manhã, tomava café com ele e só voltava para o hotel depois que ele ia dormir. Nada substitui essa riqueza. No livro Olga tudo que eu descrevo dela é de segunda mão, pois perguntei para pessoas como ela era, como ela falava etc. Com o Paulo não precisei perguntar para ninguém e isso é insubstituível. Ao mesmo tempo, me trouxe alguns conflitos éticos. Me perguntava até que ponto tenho direito de tornar público intimidades de um cara que me recebeu na casa dele e abriu as

coisas dele para mim. Isso me fez muito mal. Até que pensei que não tinha direito de transferir para meus leitores uma censura que o próprio Paulo não me pediu. Mas foi muito custoso. Não quero mais biografar personagens vivos, agora quero só mortos e de preferência mortos remotos. Do século 18 para trás. EE Foi muito criticado pela escolha? FM Até hoje as pessoas se espantam com a escolha antes de

ler o livro. Mas o que estou vendo é diferente do que pensava que seria. Pela primeira vez abri um site (www.fernandomorais. com.br/omago) para um livro e pelas mensagens que recebo consegui identificar dois tipos de leitores. O primeiro são os leitores do Paulo Coelho que nunca tinham ouvido falar em mim e que tinham comprado o Olga, porque viram na orelha do livro do Paulo e associaram ao filme. O segundo são leitores meus que torceram o nariz quando viram o livro e que depois de conhecerem ficaram com a intenção de ler Paulo Coelho. Agora, no meio jornalístico, a patrulha é grande e é movida pelo mesmo preconceito que esquarteja os livros do Paulo no Brasil há 20 anos. EE Em entrevista recente, ele disse que a biografia é

perfeita, mas peca por se deter muito ao lado materialista, creditando isso ao seu ateísmo. FM Ele disse que o meu olhar materialista não conseguiu enxergar determinadas partes obscuras da religiosidade dele e da sua espiritualidade. Eu acho que para o leitor – e eu penso sempre

no leitor – é melhor que o Paulo Coelho tenha sido biografado por um materialista do que por um crente. Crente no sentido amplo da palavra, porque hoje virou sinônimo de evangélico. Por quê? Porque toda vez que ele invocava a espiritualidade para se referir a algum fenômeno acontecido com ele eu questionava. Então, ele dizia: “Estou no interior da França sozinho no carro, quando percebo que um anjo estava comigo e começava a falar”. Eu questionava se era um anjo material, com dimensão física, um vulto, uma luz... Esse anjo falava e em que língua? Em francês ou português? Por que isso tudo? Porque eu não acredito em anjo. Existe a possibilidade do livro virar filme? FM Tenho duas experiências opostas com adaptação de meus livros para cinema. Uma do mais absoluto sucesso que é Olga. Eu gostei muito. Quem não gostou foi a crítica. O povo adorou, deu quase quatro milhões de espectadores, recebeu prêmios fora do Brasil, foi indicado para o Oscar e popularizou um tema que era privilégio dos lidos. A outra é o Chatô que está pronto. Segundo o Guilherme (Fontes, diretor do filme) com quem continuo tendo relações fraternas, o filme está precisando de muito pouco para ser finalizado, mas não consegue dinheiro para terminar. O Corações Sujos está em pré-produção e será dirigido pelo Vicente Amorin, que foi quem dirigiu O Caminhos das Nuvens, com o Wagner Moura. Os direitos do livro Montenegro está vendido para o João Batista de Andrade e O Mago já está em negociação.

EE Coelho disse também que o livro é mais materialista, por-

que você acredita em Fidel Castro. Ainda acredita em Fidel? FM Claro. Não mudou nada. Dizer por que eu continuo solidário

à revolução cubana levaria umas dez horas. Mas como acho que há determinados símbolos que justificam aquela frase que uma imagem vale mais que mil palavras, quero falar de um outdoor que existe em Cuba, no aeroporto de Havana, que foi colocado quando o Papa visitou o país, que diz o seguinte: “Esta noite em todo o mundo, 200 milhões de crianças vão dormir na rua. Nenhuma delas é cubana”. Que país pode dizer isso? Estados Unidos? Vá ver as ruas de Nova York. França? Morei dois anos em Paris e da janela da minha casa dava para ver famílias, num inverno de dez graus negativos, dormindo embaixo das pontes do centro. Fui ao Japão algumas vezes divulgar o livro Corações Sujos e nas ruas de Tóquio você via homeless, velhos e crianças dormindo em casinhas de papelão. Agora, você conseguir uma coisa dessas num país que tem o PIB da Daslu e que sofre uma ameaça de agressão permanente... As pessoas dizem que é paranóia de comunista achar que os Estados Unidos vão invadir Cuba. Pô, invadiram o Iraque que é do outro lado do planeta. De Cuba a Miami a distância é a mesma que de São Paulo a Piracicaba. Não precisa de mísseis intercontinentais, são 160 quilômetros. É o paraíso, o lugar ideal? Lógico que não. EE E como você vê o momento político da América Latina? FM Estou com Cuba, assim como estou com o Chávez [Hugo Chávez, presidente da Venezuela], que está fazendo uma revolução.


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Em reunião de pauta com Clarice Lispector e Caio Fernando Abreu

Compenetrado, ao lado de Iasser Arafat. Abaixo, troca autógrafos A primeira entrevista com Fidel a gente nunca esquece

com o fotógrafo Alberto Korda

O ateu, atrás A ABL preferiu Maciel

Com Ulisses Guimarães

É o fenômeno político latino-americano mais importante desde a revolução cubana, por uma série de razões. Em primeiro lugar fez uma revolução pacífica. Não tem um preso político na Venezuela, nenhum. Não tem censura. Se você entrar nas páginas dos principais jornais do país na internet verá insultos ao Chávez na primeira página. EE Em Cuba isso não existe... FM Não. Em Cuba não tem liberdade de expressão, porque está em guerra com os Estados Unidos. Se deixar abrir canal comercial de televisão, no dia seguinte os Estados Unidos montam um e levam o melhor equipamento gráfico do planeta para poder dinamitar a revolução. Acabem com o bloqueio. É o primeiro pré-requisito para se pensar em algum tipo de avanço em Cuba nesse sentido. EE Você afirmou em entrevista que Lula era a última esperança

para sua geração. Suas expectativas se confirmaram? FM Não é o governo dos meus sonhos. Mas é seguramente o melhor governo que o país já teve. Tirar dez milhões de pessoas do estado de miséria é uma revolução. Tem uma política externa exemplar, como há muito tempo não se via. O Lula está se qualificando – e se as coisas continuarem andando direito até 2010 – para entrar na história pela porta da frente ao lado de gente do tamanho de Getúlio Vargas. Mas ele podia ter feito mais. Primeiro: reforma agrária. Ele poderia ter assentado todos os sem-terra. É possível fazer isso. Nesse ponto não avançou. Na educação, tanto ele quanto Fernando Henrique, por razões opostas, tinham que ter compromissos

de Dom Paulo

Encontro em Macondo:

Evaristo Arns

Gabriel Garcia Marques

infinitamente mais profundos. O Fernando porque viveu de livros. Criou a família com dinheiro vindo dos livros, pois é um intelectual. O Lula pelo oposto. Um sujeito que chega à presidência da República tendo apenas o curso primário tem obrigação de dedicar energias adicionais a uma revolução na educação para evitar que outros brasileiros passem pelo que ele passou. Você vai encontrar coisas pontuais boas, tanto no governo do Fernando quanto no do Lula. O Lula está dizendo um negócio agora que está me enchendo de esperança que é a utilização do dinheiro da extração do petróleo pré-sal para fazer uma revolução na educação no Brasil. É disso que estamos precisando. EE Você também já se envolveu com política (Fernando foi

deputado estadual por dois mandatos e secretário da cultura e da educação do Estado de São Paulo). FM A política é uma doença. Algumas pessoas já nascem com ela. Achava que não iria me envolver mais até que em 2002 o PMDB me chamou para ser candidato a governador de São Paulo. Topei. A gente tinha sete minutos de tempo na televisão e esse tempo era uma eternidade. Os melhores anúncios da história da publicidade são de 15, 30 segundos. Durante 53 dias, sem fins de semana ou feriados, visitei quase todas as cidades do estado. Quando faltavam quatro dias para começar o horário eleitoral, que era meu único instrumento para sair do traço nas pesquisas, o marqueteiro me informa que meu tempo seria utilizado pelo Orestes Quércia, candidato a senador, que já tinha o tempo dele garantido por lei. Fui conversar

com o Quércia que disse que a prioridade era do partido. Respondi que ele deveria ter me avisado isso no dia que tinha me convidado para ser candidato e que não aceitaria que utilizassem meu nome para se usar o tempo na TV. Fiz uma carta para o TRE dizendo que estavam tentando se apropriar do meu tempo e que como não tinha poderes para reverter isso retiraria minha candidatura. Larguei tudo e fui fazer campanha para o Lula. EE Você acha possível o surgimento de um novo Assis Chate-

aubriand? Dá para comparar com Roberto Marinho? FM Não. Não há termos de comparação entre Chatô e Roberto

Marinho. Além do poder de Chateaubriand ter sido maior, a forma de exercer era diferente. Roberto Marinho era um homem dos bastidores. Chateaubriand resolvia no revólver. Roberto quis desmoralizar o Brizola [Leonel Brizola, ex-governador do Rio de Janeiro], o que ele fez? Botou a Globo para dizer que o Rio era a cidade mais insegura e violenta do mundo, e que o responsável por isso era o Brizola. Se fosse o Chateaubriand ele ia lá e daria uma surra de rabo de tatu no Brizola. A forma de exercer o poder de Chatô era de uma violência que não encontrava paralelo naquele lord inglês que era o Roberto Marinho. A história da Rede Globo é a história do adesismo. Chato, não. A trajetória dele com o poder é completamente diferente. EE E como enxerga os novos meios de comunicação atuais? FM Estou convencido de que a televisão como a gente conhece hoje acabou. Vai virar subnitrato de pó de traque. O que é que vai

Em campanha, na Praça da Sé

ser a televisão agora? Internet. A partir de agora você vai ser seu próprio Roberto Marinho. Se você pegar uma câmera que pode ser do próprio celular e abrir um sinal na internet – pode ser blog, site – qualquer pessoa no planeta que linkar ali sabe que pode te encontrar ao vivo e, se você tiver seguidores, terá audiência e, se tiver audiência, terá anúncio. Então, acabou a televisão. Por quê? Porque para montar uma estação de televisão você precisa de uma concessão que ou o governo te dá ou compra de alguém que já tenha por preços extorsivos, e depois precisa montar uma megaestrutura de equipamentos e serviços de pessoal que custam uma fortuna. Acabou isso. Não precisa mais de concessão de ninguém para ir para o ar. A televisão acabou. EE A Academia Brasileira de Letras ainda interessa? FM Interessa. Poderia estar me vangloriando de minha derro-

ta para o Marco Maciel dizendo que já vendi não sei quantos milhões de livros e ele não publicou nenhum, mas a academia, historicamente, não recebe só autores. Recebe personalidades. Getúlio Vargas era membro da Academia e nunca produziu nada além de decretos. Então, o fato de ter perdido para Marco Maciel não diminui a vitória dele. Se tiver uma nova oportunidade eu concorro novamente, mas acho difícil isso acontecer, pelo menos por hora, porque a biografia do Paulo acabou produzindo uma polêmica com os acadêmicos, porque o processo eleitoral dele na ABL foi complicado e eu conto no livro. Isso deixou uma ferida lá. Se uma cadeira vagar, ainda não será a minha vez.


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