Apr e se ntar O COrpO
COrpO-HíbrIDo livro-objeto para extensão e expressão do corpo humano Bruna Almeida de Souza Andrade
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS (UEMG) Escola de Design
CORPO-HÍBRIDO: livro-objeto para extensão e expressão do corpo humano
Bruna Almeida de Souza Andrade
BELO HORIZONTE, 2021 3
Bruna Almeida de Souza Andrade
CORPO-HÍBRIDO: livro-objeto para extensão e expressão do corpo humano
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Design de Produto ofertado pela Escola de Design da Universidade do Estado de Minas Gerais.
Professora Orientadora: Ma. Anna Paula da Silva Stolf
BELO HORIZONTE, 2021 4
Bruna Almeida de Souza Andrade
Corpo-híbrido: livro-objeto para extensão e expressão do corpo humano
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Design de Produto oferecido pela Escola de Design da Universidade do Estado de Minas Gerais. Área de concentração: Ciências sociais aplicadas, Design de Produto Banca examinadora:
Ma. Anna Paula da Silva Stolf Professora Orientadora Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) Mfa. Isabela Sales Prado Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Dra. Tatiana Pontes Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) Me. Wadson Amorim Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG)
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Agradecimentos Agradeço em primeiro lugar à minha família, em especial meus pais que sempre me apoiaram em minhas escolhas de vida. No caminho profissional e acadêmico não poderia ser diferente, onde sempre me fizeram acreditar que a educação é o melhor caminho, mesmo diante de todas as dificuldades. E também minha irmã por todos os conselhos, apoio e carinho, fundamentais para minha trajetória. Agradeço aos professores, por todas as trocas e aprendizados que vão para muito além do programa de aulas, que me mostraram ser possível olhar para os problemas do mundo sob uma ótica mais empática e transformadora. Aproveito para agradecer em especial à Anna, minha orientadora, que nesse último ano me trouxe muitos respiros, orientando não apenas no presente projeto, mas na vida, tornando tudo possível e sendo uma amiga que espero carregar comigo para as próximas décadas. Agradeço também ao professor André que foi uma grande inspiração para chacoalhar minhas percepções de mundo e quem me mostrou que a dança atravessa meu corpo de uma maneira política. Agradeço ao Wadson e à Tatiana pelas maravilhosas contribuições na banca de qualificação, que mais uma vez foram para além dos limites do TCC e me atravessaram pessoalmente. Não poderia deixar de agradecer à professora Isabela por aceitar fazer parte da banca final, junto do Wadson e da Tatiana, contribuindo para o fechamento de um ciclo muito especial em minha vida. Finalmente agradeço a todos os meus amigos que me apoiaram durante minha caminhada e ajudaram a torná-la possível em muitos momentos.
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Resumo O presente trabalho apresenta um projeto interdisciplinar entre o design de livros-objeto e a dança, de forma a conduzir o leitor/usuário a um caminho de autopercepção do seu corpo por meio dos movimentos. A pesquisa tem como fio condutor o estudo do corpo fazendo um paralelo entre o ser humano, chamado aqui de corpo-ser, e os objetos por ele criados, chamados aqui de corpo-objeto. Busca-se discutir dessa forma a relação de dependência que o ser humano estabelece com suas criações. E também a criação de objetos como a materialização da necessidade humana de expressar-se criativamente no mundo com o intuito de promover pertencimento. O ponto de partida da pesquisa é a Filosofia por um recorte acerca da relação entre corpo, mente e mundo, e sucederá na dança como propositora de um processo criativo consciente de modo a instigar outros possíveis caminhos para essa construção de pertencimento. A relação entre o corpo-ser e o corpo-objeto culmina na concepção do corpo-híbrido, livro-objeto fruto da relação de simbiose entre o ser humano e o ambiente por ele criado. A proposta é que essa relação simbiótica possa ser positivamente transformada a partir do momento que o ser humano estabelece conexão íntima com seu próprio corpo. Palavras-chave: design; livro-objeto; corpo; filosofia; dança.
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Sumário
introdução p. 10
justificativa p. 12
objetivos
p. 13
p. 14
metodologia p. 34
p. 20
dança como expressão pessoal
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referências
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1. Introdução O corpo-híbrido é uma crítica à incessante incorporação de objetos em um mundo antes habitado apenas por corpos da natureza. Espera-se levantar apontamentos quanto à responsabilidade que os seres humanos, enquanto sociedade, assumem por aquilo que criam, desejam, consomem, descartam e escolhem. Pois, ao mesmo tempo que a vida é a possibilidade que foi dada a cada pessoa da atual geração para transformar, gerar coisas, propor diálogos e mudanças de paradigmas. Essa mesma oportunidade foi dada a cada geração anterior. Diálogo este, que transita diretamente com o campo de atuação do Designer de Produto. Mas será que todo impacto positivo e negativo gerado dessa atividade humana em cadeia tem sido pensado a longo prazo? Fala-se, aqui, de tudo que foi criado, todo lixo acumulado. E, ainda, questiona-se; será que esta série de intervenções em cadeia jamais poderá ser cessada?
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Por meio deste projeto, portanto, buscou-se como contrapartida conversar com outras áreas do conhecimento com o intuito de encontrar saídas para um modo de viver em sociedade mais consciente dos questionamentos anteriormente levantados. Na medida que o ser humano toma conhecimento de campos de estudo que auxiliam no reconhecimento consciente do corpo, sua capacidade de comunicar-se de maneira política e social se expande, assim como coloca Silva (2017). Sendo a dança um agente de expressão amplamente utilizado para aumentar a gama de possibilidades de comunicação com o mundo através dos movimentos do corpo. Nesse sentido, a proposta do projeto é instigar o imaginário do ser humano, com o suporte da dança, e transportá-lo para uma vivência de autopercepção corporal que permite elevar o corpo ao máximo de sua potência política e social. Ainda em relação à capacidade comunicativa do corpo, Tavares (2013) traz em seu livro “Atlas do corpo e da Imaginação” uma série de recortes de filósofos que tratam da relação entre o corpo e a dança como agente de comunicação.
Platão (apud TAVARES, 2013, p. 268) diz que “a imitação das palavras por gestos deu origem a totalidade da arte da dança”. E Valery (apud TAVARES, 2013) compara a dança com a poesia em uma metáfora de via dupla, em que a dança é comparada com o processo criativo do poeta, e a poesia é comparada a uma dança na qual os dançarinos “indivíduo-língua” estão sempre em busca de novas formas de dançar. Fazendo uma analogia com o design de um livro-objeto, a possibilidade comunicativa do objeto livro se expande na medida que ele passa a ser pensado para além do elemento textual. Conforme cita Derdyk (2018), a concepção de um livro-objeto considera todo o processo produtivo que envolve fazer um livro, considerando-o como um objeto de linguagem. E assim como corpos humanos estão em constante comunicação e interação com o que está a sua volta, os corpos-objetos também comunicam e são a expressão da criação do ser humano e das necessidades por ele criadas, como coloca Flusser em seu livro “O Mundo Codificado” (2017).
As discussões levantadas por Flusser convergem com as colocadas por Cardoso, em seu livro “Design para um Mundo Complexo” (2016), ao passo que ambos tratam da constante manipulação humana no meio ambiente e a enorme quantidade de resíduos gerados a partir dessa interação. Resíduos que se configuram tanto no plano material quanto no campo da imaterialidade e que culminam em consequências que fogem do controle da sociedade. Constituindo-se em um desafio para o designer, dessa forma, entender a lógica de necessidade que envolve a profissão e que demanda um olhar crítico para lidar com os problemas de grande complexidade do mundo contemporâneo. Diante do colocado, de que forma o design de um livro-objeto pode instigar no interlocutor um processo de descoberta dos movimentos corporais como possibilidade de expressão e conhecimento de si e do mundo que habita?
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2. Justificativa O presente trabalho surge na tentativa de levantar possibilidades acerca do que leva o ser humano pela busca incessante de realizar-se como ser criador e transformador do espaço material e imaterial. E, ainda, investigar possíveis formas que o ser humano encontra para expressar-se criativamente no mundo e comunicar-se com ele. Buscou-se propor que através do autoconhecimento, e do entendimento do próprio corpo e do espaço que este corpo ocupa na sociedade, o ser humano, possa se responsabilizar e mensurar os impactos de suas próprias ações e criações. A dança como ação que possibilita o domínio do próprio corpo impele o corposer na busca pela autodescoberta. Acreditase que com isso, abra espaço para que o ser humano seja capaz de se expressar criativamente de maneira a contribuir para a construção de um equilíbrio entre o ambiente pelo ser humano modificado e o ambiente natural. Utilizar a dança como inspiração para o desenvolvimento de um livro-objeto é uma proposição experimental de levar o corpo-ser a olhar para dentro de si e levantar questionamentos em relação a sua forma de atuar e existir no mundo.
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3. Objetivos Objetivo Geral: Desenvolver um livro-objeto que possa interagir com o interlocutor a fim de provocar a autopercepção de seu corpo através da dança.
Objetivos Específicos: A) Estudar o conceito de corpo sob uma perspectiva da Filosofia a fim de caracterizar o corpo-ser; B) Identificar e analisar diferentes relações, sentidos e emoções que a dança pode provocar nas pessoas; C) Estudar a relação entre o corpo e a dança pela perspectiva da Filosofia e de pesquisadores contemporâneos em Dança no Brasil; D) Caracterizar o corpo-objeto como a manipulação humana do ambiente em que está inserido, pela perspectiva da Filosofia e do Design; E) Relacionar o design de produtos com o design de um livro-objeto; F) Descrever o conceito de livro-objeto que se encaixa ao projeto, a partir de estudos sobre livro de artista; G) Listar referências de livros-objeto que possam convergir com o campo do Design de Produto. G) Listar referências de livros-objeto que proponham Performances ao leitor/usuário.
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4. Metodologia Para dar início ao projeto foi desenvolvido um mapa mental com os principais assuntos de interesse dentro da temática escolhida (Figura 01). Figura 01: Mapa mental com os principais assuntos a serem abordados no projeto
corpo-objeto
Danç a
Com un ção ica
Desig n
livroo
eto bj
corpo-ser
Fonte: Elaborado pela autora
Uma das metodologias que serviu de referência para o desenvolvimento da metodologia do projeto é o diagrama visual do “duplo diamante”, do Design Council (2004), que consiste em quatro etapas: descobrir, definir, desenvolver e entregar. 14
O primeiro diamante segundo Echos (2020) consiste na etapa de divergência, destinado para o entendimento do problema. E o segundo diamante consiste na etapa de convergência, destinado para a solução do problema e construção do produto (Figura 02). Figura 02: Diagrama que demonstra a metodologia duplo diamante
Divergir
Convergir
Fonte: Adaptado pela autora
Essa metodologia é interessante ao projeto pois provoca a necessidade de envolver o usuário em todas as etapas de desenvolvimento. A proposta do duplo diamante é que os processos de divergir e convergir aconteçam de maneira iterativa, ou seja, passa-se pelas quatro etapas de maneira dinâmica a fim de envolver e ouvir o usuário durante o decorrer de todo o projeto. Além disso o processo de descoberta instiga a busca por referências diversas, para além do repertório de design, de maneira interdisciplinar. A partir da escolha do tema, foi realizada a primeira etapa da metodologia citada, que consiste em encontrar oportunidades e inspirações por meio da observação. De acordo com IDEO-U (2017) essa etapa possibilita analisar e encontrar as reais necessidades do público através da observação de hábitos e usos, análise do ambiente e coleta de dados para além das respostas dadas em entrevistas. 15
Foi fundamental ao projeto, portanto, que a autora estivesse envolvida no universo proposto, no caso a dança. Essa etapa foi registrada no capítulo “Dança como expressão pessoal”, dividida nas seguintes etapas: • Conversas informais com dançarinos profissionais e não profissionais. • Desenvolvimento de um perfil no Instagram para receber autobiografias a fim de captar diferentes relações com a dança e desenvolvimento de uma primeira pesquisa visual autoral. • Pesquisas na internet de perfis de profissionais que atuam na área da dança para ampliação do repertório e possiblitar a percepção de insights. • Pesquisa visual na internet de movimentos, sejam eles cotidianos, para lazer, ou como parte integrante de performances profissionais. • Análise geral dos apontamentos, relações e sensações que foram captadas pela observação, dividindo os perfis em 5 eixos (5 personas).
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A partir do entendimento do cenário, por meio da pesquisa contextual foi desenvolvida uma metodologia para dar prosseguimento ao projeto de modo a colocar o corpo como tema central de estudo e relaciona-lo com os demais assuntos. Essa metodologia utilizou como referência tanto a metodologia do duplo diamante quanto a de metodologia do duplo diamante e na metodologia de desenvolvimento de produtos definida por Löbach (2001), Cada etapa segue ilustrada na Figura 03 e descrita em detalhes adiante. Figura 03: Diagrama que demonstra a metodologia utilizada no projeto
Corpo-Ser
6 1
2 3
4
7 8 5
9 10
Corpo-Objet o
14
13
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Fonte: Elaborado pela autora
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Etapa 1: Conhecer o corpo Na primeira etapa ocorreu a fundamentação teórica do projeto que se deu em duas partes principais: A) A caracterização do conceito corpo-ser; a fundamentação do corpo-ser como a manifestação humana no mundo sob uma ótica filosófica; e a expressão do corpo-ser por meio da dança. Foi realizada, então, uma pesquisa bibliográfica em livros, artigos, sites e recursos audiovisuais sobre os assuntos, divididos nos seguintes tópicos: I) Estudo dos diferentes signos denotados à palavra corpo e estudos filosóficos acerca do corpo, de forma a contribuir para a caracterização do corpo-ser. II) Estudo do que se tem produzido sobre a temática do corpo humano em movimento e das atividades que se relacionem com os movimentos de expressão corporal relacionados com a Dança no Brasil. B) A fundamentação do corpo-objeto como resultado da manifestação material da criação humana no mundo e a relação do corpo-objeto com o design de livros-objeto. Para fundamentação do corpo-objeto, primeiramente, foi realizada uma pesquisa bibliográfica em livros, artigos e sites que tratam, por sua vez, dos assuntos divididos nos seguintes tópicos: III) Discussão filosófica acerca da necessidade humana de criar coisas novas e modificar a natureza à sua volta, sendo os livros uma importante ferramenta de comunicação e expressão humana, até ao desdobramento no corpo-objeto como livro-objeto. IV) Estudo do design de livros-objeto; e pesquisa de similares, que possam servir de inspiração para a concepção de um livroobjeto propositor de performances.
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Etapa 2: Conceber o corpo Na segunda etapa, partiu-se para a execução do projeto do produto. O ponto de partida projetual foi a definição do briefing de projeto e a elaboração do conceito a partir da relação entre o corpo-ser e o corpo-objeto na construção de um novo corpo: o corpohíbrido. Em seguida, foram construídos painéis visuais com o material recolhido na fundamentação teórica do projeto, obtendo-se uma geração de ideias. Com o conceito definido, e a partir da análise das ideais apresentadas, foram geradas algumas alternativas de construção do livro-objeto que cumprisse o objetivo de motivar a movimentação experimental e pessoal do corpo-leitor-escritor. Então, por meio de modelos e mockups experimentais, as alternativas foram testadas para a definição do protótipo final. A partir dos testes realizados, foram definidos os materiais e processos utilizados para a construção do protótipo final do projeto, que se cosntitui em um produto conceitual.
Etapa 3: Revelar o corpo A terceira etapa do projeto foi destinada para o fechamento e revisão do relatório de projeto, elaboração de ensaio fotográfico para apresentação do produto e apresentação de slides a ser exibida durante a banca final deste trabalho.
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5. A dança como expressão pessoal
A motivação inicial para o tema deste projeto se deu de um questionamento pessoal em relação aos benefícios percebidos associados à prática da dança. Benefícios que vão para além de questões físicas do corpo, mas também, no que tange aspectos emocionais, psicológicos e da melhora no convívio em sociedade. O que poderia trazer resultados muito positivos, se por meio de um projeto de produto, seu acesso fosse ampliado. Buscou-se, então, identificar possibilidades de atuação no campo do Design de Produto dentro dessa temática, com o recorte do corpo feminino, já que a partir de uma percepção pessoal dentro do ambiente da dança a dois, as mulheres no geral sofrem com a objetificação do corpo e com a dificuldade de equidade profissional. Inicialmente, para o melhor entendimento do contexto escolhido, foram realizadas entrevistas e conversas informais com mulheres que realizam atividades relacionadas à dança, em diferentes contextos, seja como uma forma de lazer, seja como atividade profissional. Em seguida, optou-se pelo desenvolvimento de um perfil no Instagram que pudesse contar biografias de mulheres que executam diferentes atividades relacionadas a dança de forma a estabelecer conexão com suas relações pessoais com o movimento. O perfil citado, denominado @meu.corpo.move, ainda está disponível, porém não foram feitas mais publicações no decorrer do projeto. 20
Isto porque, na medida que foram realizadas entrevistas para a construção do perfil, percebeu-se que algumas mulheres se sentiam desconfortáveis com a exibição de suas imagens de forma pública. Mesmo aquelas que gostariam de colaborar de alguma forma com o projeto. No total foram contactadas mais de 30 pessoas, 15 se propuseram a dar depoimentos, dentre elas oito enviaram materiais para exposição no perfil das quais duas voltaram na decisão. Entre as pessoas que deram depoimentos três se autodeclaram negras e quatro se autodescrevem gordas, sendo justamente elas que relataram os maiores problemas de aceitação dos outros em relação aos seus corpos nos ambientes de dança. Diante do percebido, para prosseguimento do trabalho, suas identidades foram preservadas e foram definidos 5 eixos. Esses eixos dividem as principais observações obtidas através das entrevistas em subtemas dentro das inúmeras possibilidades de abordagem presentes no campo da Dança. Para cada eixo foi criada uma persona. As personas foram representadas por ilustrações desenvolvidas para este projeto e, apesar de terem sido construídas a partir de congruências entre falas e relatos dos perfis entrevistados, não constituem em histórias reais.
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Eixo 1: Dança e Empoderamento O primeiro eixo diz respeito à potência da dança enquanto empoderadora do corpo. Vogue, Twerk, Pole dance, são algumas das danças com essa proposta, mas todas as danças no geral são capazes de desenvolver a autonomia e o entendimento por parte do dançante, de seu corpo como uma potência. Entre os perfis entrevistados, metade relatou que a dança proporcionou melhora na timidez e na autoestima, trazendo maior conforto na relação com o seu corpo. Para algumas pessoas, a dança ajuda inclusive, no reconhecimento do corpo como um corpo político, e possibilita a reconexão com sua ancestralidade. No entanto, houve um relato de desconforto em relação à competitividade que há nos espaços de aulas coletivas e na inevitável comparação entre as pessoas em relação a Tempo versus Evolução.
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Abe Silva Dançarina de
Po l e D a n c e e Twe r k
Quem sou? Tenho 34 anos e pratiquei pole dance por 3 anos. Atualmente pratico Twerk há pouco mais de 6 meses e encontrei nele a reconexão com minha identidade.
Qual a minha relação com meu corpo? Meu corpo sempre foi um corpo tido como desengonçado, dos 7 aos 11 anos vivi uma frustante experiência de ser a pior dançarina de balé da minha turma. Alta demais, pouco f lexível, pouco coordenada, quadris e cabeça muito soltos, eram alguns dos adjetivos usados para descrever minha dança. Se não bastasse o histórico de repressão sofrido na infância, entrei para o Pole Dance aos 19 em busca do tão falado empoderamento que a dança proporcionava. Foram 3 anos de comparação que me levavam ao extremo da ansiedade, pouco avanço em relação aos movimentos mais complexos e apesar da tentativa de demonstrarem compaixão com minha “dificuldade” eu não ocnseguia me sentir pertencente naquele espaço. Foi então que eu conheci o Twerk, uma dança que permitiu a liberdade de meu corpo e me desvencilhar de todo meu antigo histórico de repressão, uma dança que me faz conectar comigo e me desafiar todos os dias. 23
Eixo 2: Dança e Performance de Arte Este eixo diz respeito à dança como profissão, tanto em relação a palco, ou qualquer outro tipo de performance, quanto em relação à professores de dança. Dentre as pessoas que se disponibilizaram a participar da entrevista, duas desempenham a atividade profissionalmente. Com relação ao relato dessas duas pessoas, a dança como lugar de arte, ainda deixa a desejar no quesito representatividade. Principalmente no que diz respeito ao estereótipo do corpo que dança, em que foram relatados constantes abusos verbais em relação a qual corpo pode ou não pertencer ao lugar de bailarino. Outro ponto percebido foi que a utilização das redes sociais como ferramenta de trabalho e portfólio profissional, como por exemplo a exposição de fotos e vídeos de performances em perfis de Instagram, causa duas sensações opostas: se por um lado difunde a dança e encoraja algumas pessoas a buscarem o mesmo caminho, pela identificação; por outro, causa em algumas pessoas desconforto e ansiedade, por se sentirem incapazes de alcançar o mesmo patamar, o que as afasta da atividade por uma sensação de não pertencimento. O que inclusive se aplica para o caso das pessoas que não se sentiram à vontade para se expressarem no perfil de maneira pública, mas que concordaram em ceder depoimentos e conversar sobre o assunto.
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Efe Oliveira Dançarina de
Samba de Gaf ieira
Quem sou? Tenho 27 anos e trabalho com dança desde os 17 anos. Leciono aulas de samba de gafieira e participo de concursos anuais de Dança de Salão em todo o mundo.
Qual a minha relação com meu corpo? A dança transformou minha vida e minha relação com meu corpo, sendo um processo longo e árduo de aceitação e de entendimento de meu corpo. O corpo gordo sempre foi associado ao corpo preguiçoso, ao corpo não saudável e muitas vezes tive a qualidade do meu trabalho subjugada pela aparência do meu corpo. Hoje, vejo que meu papel na dança vai para além de lecionar aulas, mas de encorajar corpos a se colocarem em movimento e se sentirem pertencentes aos salões de dança contemporânea.
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Eixo 3: Dança e Ancestralidade Este eixo foi criado pela necessidade relatada de remodelação dos sistemas de ensino em dança para a realidade do Brasil. Percebe-se que a ancestralidade negra e indígena foi historicamente negada e por isso há pouca sistematização e incentivo a práticas orientadas às danças de matrizes africano-brasileiras. Em alguns relatos, inclusive, nota-se a frustração presente em alunos que não se sentem representados nos ambientes acadêmicos. E não se identificam com a padronização tecnicista presente nas danças eurocêntricas, que ainda são a base curricular das graduações em Dança e da maior parte dos espaços de dança de Belo Horizonte. Além disso, apesar de termos tantas danças que fazem parte da nossa identidade cultural, como o samba, o axé, as danças religiosas e folclóricas, essas não possuem o devido reconhecimento como Dança Performance.
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Igi Gomes Dançarina de D a n ç a Fo l c ó r i c a
Quem sou? Tenho 54 anos e danço em uma companhia de Folclore há 2 anos. Sempre me interessei por dança Folclórica e pelas cirandas juninas.
Qual a minha relação com meu corpo? Tive uma infância com grande influência das tradicionais festas juninas na minha cidade natal, Valadares. Meu corpo sempre foi um corpo livre, um corpo que brincava no barro e que dançava moda de viola com as visitas frequentes que meus pais recebiam. Era um corpo que tremia de medo do bicho papão e que acreditava nas histórias que meu pai contava. Quando me mudei para Belo Horizonte, minhas prioridades mudaram e a dança foi deixando de fazer parte da minha vida. Hoje, aposentada, voltei a dançar e faço parte de uma companhia que resgata a herança cultural das cirandas e danças de roda brasileiras, é legal ver a quantidade de jovens que tem se interessado pela Companhia.
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Eixo 4: Dança e Superação Este eixo diz respeito a uma característica muito presente nos espaços de dança. Em que a disciplina e o foco dos alunos no geral é despertada por um interesse de sempre evoluir e se superar. Deve-se considerar, no entanto, que a competição também foi relatada como um ponto negativo, mas neste eixo será tratada a relação pessoal de evolução que a dança proporciona. A dança foi relatada como benéfica para superação dos limites do corpo e como uma atividade física que promove bem-estar e equilíbrio emocional. No qual houve relatos de percepção de melhora na concentração e em relação à capacidade do corpo de se adaptar aos treinos, com ganhos de flexibilidade, força e resistência. Relatou-se ainda que a superação pessoal se mostrou muito eficiente para que a atividade não fosse descontinuada, para essas pessoas, a descontinuidade ocorria com frequência em outros tipo de atividades físicas. E com a superação pessoal, relataram também uma maior consciência corporal, em que a medida que avançavam nos treinos, adquiriram maior autonomia na realização e aprendizagem de novos movimentos.
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Obo Meireles Dançarina de
D a n ç a C o nt e mp o r â n e a
Quem sou? Te n ho 4 2 a no s e d a nç o em compa n h ia s de d a nç a contemporânea profissionalmente desde os 28 anos, mas aos 18 anos fiz minha primeira aula de balé.
Qual a minha relação com meu corpo? Eu sempre quis ser bailarina. Mas nunca tive possibilidades de colocar as aulas de dança na minha rotina, então aos 18 anos, quando comecei a trabalhar eu procurei a minha primeira escola de balé, e depois de vários não’s em relação à minha idade e capacidade técnica de trabalhar profissionalmente como dançarina, aos 28 anos eu passei na audição de uma escola de balé contemporâneo. Desde então, dança para mim sempre foi superação dos meus limites e dos limites que colocaram sobre meu corpo. Dança se tornou me libertar dos rótulos que me impunham e a cada crítica eu me tornava ainda mais resiliente. Atualmente eu sou pesquisadora em Dança e acredito que a dança, para além de atividade profissional, é uma possiblidade de conexão interior, autodisciplina e autoconhecimento. 29
Eixo 5: Dança e Reconexão Interior O último eixo diz respeito às sensações e emoções que a dança desperta. Todas as pessoas entrevistadas relataram que dançar proporcionou uma melhora emocional e permitiu que pudessem expressar sentimentos oprimidos. Seja pela rotina cheia, seja pela pressão externa em relação a quais atividades são pertinentes ou não para o desenvolvimento humano. Já que no cotidiano contemporâneo é frequente a maior valorização da força de trabalho útil em detrimento da satisfação pessoal e da realização de atividades que se relacionam com a intuição.
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Ulu Costa Dançarina de
Fo r r ó Un i ve r s i t á r i o
Quem sou? Tenho 19 anos e danço forró desde os 16. Adoro o ambiente das escolas de forró, mas não frequento os bailes noturnos.
Qual a minha relação com meu corpo? Forró para mim é conexão do meu corpo com outros corpos, é por isso que considero importante lutar contra o machismo, a homofobia e o assédio dentro dos ambientes de forró e dança a dois. Acredito nas propostas contemporâneas de dança de salão em que os corpos que dançam tem a liberdade de fluir entre conduzir e ser conduzido e que os pares não ficam limitados a homem conduzem e mulheres são conduzidas. Dançar me permitiu vencer a timidez e fazer muitas amizades. Além disso dançar me proporciona uma liberdade com relação ao meu corpo, em que tabus acerca da sexualização da dança e da interação entre corpos são vencidos.
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5.1 Apontamentos e Direções Projetuais Os eixos e personas desenvolvidos foram cruciais para a identificação do problema e para a escolha do percurso que o projeto tomaria adiante. A partir da análise das personas, optou-se pela mudança do público, inicialmente direcionado a mulheres. Pois, a partir de uma proposta de provocar no corpo-ser a autopercepção crítica, o trabalho precisava ir para além dos recortes de gênero. O que coloca a busca pelo processo de autopercepção corporal como exercício de viver em sociedade e um processo do qual todos devem participar. Buscou-se então o suporte da filosofia, no que tange os estudos do corpo e da dança direcionados ao nosso próprio entendimento como sociedade. Além disso, buscou-se também o suporte dos estudos relacionados às danças de matrizes africanobrasileiras para que o recorte do trabalho fosse direcionado à corporeidade própria da realidade vivenciada no Brasil. Visto que a dança e os movimentos corporais não podem ser dissociados da ancestralidade cultural de cada região, principalmente ao se tratar da dança como autoconhecimento. A fundamentação teórica segue descrita no caderno conhecer o corpo.
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6. Referências CARDOSO, R. Design para um mundo complexo. São Paulo: Ubu Editora, 2016. 228 p. DERDYK, E. Entre ser um e ser mil – o objeto livro e suas poéticas. IN: RV Cultura e Arte. 2018. Disponível em: <https://youtu.be/ hnVF4uNDpmE> Acesso em: 01 jul. 2020. DESIGN COUNCIL. What is the framework for innovation? Design Council’s evolved Double Diamond. London, 2004. Disponível em: <https://www.designcouncil.org.uk/news-opinion/ what-framework-innovation-design-councils-evolved-doublediamond>. Acesso em 15 ago. 2020. ECHOS, Designing Desirable Futures. Design Thinking Toolkit. São Paulo, 2020.Disponível em: <https://escoladesignthinking. echos.cc/materiais/> . Acesso em 15 ago. 2020. FLUSSER, V. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. Tradução de Rafael Cardoso. São Paulo: Ubu Editora, 2017. 233 p. IDEO U. Hello Design Thinking Toolkit. California, 2017. Disponível em: <https://www.ideou.com/products/hello-design-thinking>. Acesso em 13 jul. 2020 LOBACH, B. Design industrial: Bases para a configuração dos produtos industriais. São Paulo: Blucher, 2001. SILVA, L. R. CORPO EM DIÁSPORA: Colonialidade, pedagogia de dança e técnica Germaine Acogny. 2017. 281 f. Tese (Doutorado em Artes da Cena) - Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2017. TAVARES, G. M. Atlas do Corpo e da Imaginação. 1. ed. Alfragide – Portugal: Caminho SA, 2013. 536 p.
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Conh e ce r O COrpO
COrpO-HíbrIDo livro-objeto para extensão e expressão do corpo humano Bruna Almeida de Souza Andrade
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Sumário o que é o corpo? p. 3
o corpo-ser o corpo-objeto p. 4
corpo-objeto no mundo p. 12
p. 6
corpo-objeto e o design
corpo-ser e a mente
p. 22
p. 18
corpo-ser e a dança
corpo-objeto e a linguagem
p. 30
p. 36
corpo-ser, a dança e a linguagem
p. 40
p. 46
corpo-objeto e o volume no espaço
corpo-objeto e a performance referências p. 52 2
1. O que é o corpo? Uma das possíveis origens etimológicas para a palavra corpo é corpus do latim, que é o vocábulo que designa “um conjunto extenso e ordenado de dados” segundo o dicionário Latim Português: Termos e Expressões (2020, n.p.). A variação corporis, segundo o o mesmo dicionário é a utilizada para designar o corpo como significado de ser vivo, pessoa ou indivíduo. Segundo o dicionário virtual de português Michaelis, corpo tem novamente seu significado associado a conjunto de diferentes modos, como por exemplo, em anatomia, corpo é o “conjunto de elementos físicos que constituem o organismo do homem ou do animal”. Corpo pode ser utilizado também para designar o “conjunto de funcionários de um mesmo ramo de negócio”, como corpo docente, corpo da guarda, corpo de baile, entre muitos outros corpos. Em seu sentido mais amplo, corpo é “tudo o que preenche um espaço” ou ainda, “tudo o que tem existência física”. (MICHAELIS, site)
Em busca de outros significados etimológicos para a palavra corpo, segundo o dicionário virtual Dicio, corpo é um sinônimo para objeto, e se refere a “qualquer substância material, orgânica ou inorgânica”. Este significado se complementa com o sentido figurado de corpo encontrado no Michaelis (site), em que corpo pode ser considerado “a matéria conformada que é parte da individualidade de cada ser humano ou animal”. Segundo Greinner (2006), no entanto, há um outro radical associado a corpo, krp, no dicionário indo-iraquiano que coloca o significado de corpo como tudo aquilo que é solido, sensível, tangível e, portanto, possui uma forma. Sem nenhuma separação, dessa forma, entre o corpo morto e o corpo vivo. Já na origem Grega, o radical soma designa o corpo morto, enquanto demas designa o corpo vivo, separação esta que deu origem a divisão conceitual entre corpo e mente. A partir dessa origem corpus passa a se referir ao corpo como estéril, um cadáver, em oposição a anima que se refere a alma.
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2. O corpo-ser Ao considerar o significado de corpo atrelado à manifestação humana, citado anteriormente, é possível compreendê-lo como a coletânea da vivência própria de cada um como ser vivo, sujeito à temporalidade da vida. Constituindo-se no conjunto dos registros pessoais ao longo de sua existência, em sua interação consigo e com o espaço que o cerca. De agora em diante, parte-se em busca da autodescoberta do corpo, cada um com sua bagagem de experiências. E no decorrer do trabalho poderá ser utilizado o termo corpo-ser ao referir-se ao corpo como indivíduo.
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O corpo-objeto Segundo o significado etimológico da palavra corpo encontrado, essa palavra também pode ser utilizada para atribuir sentido às coisas materiais inventadas pelo ser humano. Cada um desses corpos-objetos toma sentido e espaço na sociedade e, a partir do momento que inaugura sua existência, uma nova mensagem é comunicada. No decorrer do presente trabalho, ao referir-se aos objetos criados pelo ser humano, poderá ser utilizado o termo corpo-objeto, de forma a estabelecer uma associação entre os corpo-seres e os corpo-objetos.
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1- “Meu corpo é portanto, no conjunto do mundo material, uma imagem que atua como as outras imagens, recebendo e devolvendo movimento, com a única diferença, talvez, de que meu corpo parece escolher, em uma certa medida, a maneira de devolver o que recebe”. (BERGSON, 1999, p.17)
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As notas do texto serão indicadas nos paineis laterais, assim como a pesquisa visual de corpos em movimento.
3. O corpo-ser e a mente De acordo com Bergson (1999) o corpo funciona como uma bagagem de experiências. Como coloca em seu livro, Matéria e Memória, o corpo é capaz de levá-lo a perceber as cores, sentir as texturas e interagir com o que está a sua volta de forma a corresponder à lei da física de ação e reação. E que segundo ele, esse processo pode ser comparado à imagem¹ de um espelho, em que “os objetos que cercam meu corpo refletem a ação possível de meu corpo sobre eles” (BERGSON, 1999, p.14). Bergson (1999) coloca ainda que o corpo não depende da mente para existir, já que o corpo e a paisagem que circunda esse corpo permaneceriam os mesmos se a mente fosse momentaneamente desconectada dele. Mas é a relação entre a mente e o corpo que permite que o segundo sinta a sua presença no ambiente, possibilitando inclusive, que por meio dessa interação, ambos possam ser constantemente transformados.
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É a mente, então, que transfere ao corpo a capacidade da ação. Outro filósofo que se dedicou ao estudo do corpo e sua relação com a mente foi Nietzsche (2001). Para ele, não há separação entre mente e corpo, e nem mesmo separação entre o corpo e o que está a sua volta. O corpo é, portanto, um conjunto de vida que pertence a um sistema maior, e o pensamento racional é apenas umas das formas que o corpo encontra para pensar. A filósofa contemporânea Viviane Mosé (2018), coloca em seu livro Nietzsche Hoje, a necessidade de confrontar o desconhecimento do próprio corpo vivenciado pela atual sociedade. Que para ela, relaciona-se com o falso entendimento de que haja uma supervalorização do corpo, devido ao exacerbado culto à beleza. Diretamente atrelado às correntes de poder sociais e que culmina na supervalorização da imagem e não do corpo em essência.
O medo da angústia e do sofrimento e principalmente do não entendimento do corpo é o que faz com que o ser humano reprima seus sentimentos e venha a agir no mundo de forma a se atrelar às próprias correntes de poder que o aprisiona.
Ainda de acordo com Mosé (2018), a busca por compreender os motivos que levam o ser humano a perpetuar uma existência corrupta se tornou fonte de estudos de diversos filósofos desde o século 5 a.C, com Sócrates. E, durante muito tempo, acreditou-se que corpo e espírito eram partes separadas, sendo o corpo a própria prisão da mente e consequentemente do espírito. Assim como Platão considerava que o ser humano deveria tentar se afastar do corpo pois “enquanto tivermos corpo e nossa alma estiver absorvida nessa corrupção, jamais possuiremos o objeto de nossos desejos” (apud BARRENECHEA, 2002, p.177). Barrenechea (2002) utiliza o termo “corpo-inimigo”, para descrever essa linha de pensamento filosófico de Sócrates e Platão, em que a corporeidade tinha como significado a queda, sendo o corpo um obstáculo inimigo no caminho da libertação, pensamento que segundo ele, instaura a ética da tristeza e da culpa.
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2- O ser humano, como toda criatura viva, pensa continuamente, mas não o sabe; o pensar que se torna consciente é apenas a parte menor, a mais superficial, a pior, digamos: pois apenas esse pensar consciente ocorre em palavras, ou seja, em signos de comunicação, com o que se revela a origem da própria consciência. ( NIETZSCHE, F., 2001, p.222)
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A verdadeira valorização do corpo consiste, de acordo com Mosé (2018), na importância dada à compreensão do próprio corpo e de sua potência. Ou seja, que cada corpo-ser seja capaz de observar em seu próprio corpo seus fluxos de energia, o ritmo dos batimentos cardíacos, a configuração dos fluxos de pensamento, dentre outros aspectos físicos que nos dão respostas importantes a questionamentos que se racionalizam na mente. Observando por exemplo, o que causa as possíveis variações de humor, o que altera a ordem natural desses fluxos e só assim, se torna possível o início de um caminho do entendimento de como lidar com o próprio corpo².
3- [...] entende-se com os músculos, lê-se mesmo com os músculos [...]. Nunca se comunicam pensamentos; comunicam-se movimentos, signos mímicos a partir dos quais chegamos aos pensamentos
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(NIETZSCHE apud MOSÉ, 2018, p. 115)
Nietzsche (2014), no entanto, posiciona-se contrapondo o pensamento Socrático, pois acreditava que é no corpo que mora a possibilidade de transformação do presente, já que corpo e mente são partes indissociáveis. Sendo a vida a possibilidade que o corpo encontra para transcender as vontades pessoais humanas e agir de forma mais consciente. Além disso, segundo Barrenechea (2002), Nietzsche se opunha a visão de corpo como inimigo, em que os prazeres da vida e a felicidade até então eram negados ao corpo por um idealismo inalcançável. Segundo Nietzsche (2014) não desprezar o corpo se constitui no primeiro passo para que o corpo-ser seja capaz de se responsabilizar pela mudança que almeja, ou seja, para propulsionar uma verdadeira mudança interior e/ou exterior. Se Nietzsche acreditava que a potência do corpo está estritamente ligada ao presente, Bergson segundo Deleuze (2008), acreditava que é a memória que faz com que um corpo seja capaz de ir para além da instantaneidade de sua presença material.
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Ou seja, se torne capaz de através de suas construções de passado e presente se constituir em uma bagagem de experiências presa à linha do tempo da vida. A dançarina Lima (2018) também fala da relação corpo como bagagem de experiências ao considerar que corpo e mente são partes indissociáveis, em que cada pessoa é o resultado de seu corpo experienciando a vida. Para ela, a maneira como um corpo se organiza no espaço revela seus valores, escolhas na vida e também instâncias políticas que atuam sobre aquele corpo. Se, por exemplo, um corpo-ser participa de uma palestra e está sentado em uma plateia à frente do palco, isso diz algo sobre sua experiência naquela palestra que seria diferente se todos estivessem sentados em círculo no chão. E cada uma das experiências que o corpo-ser vive vai constituindo através das memórias, o que ele é e quais serão suas próximas escolhas.
Tavares (2013) também relaciona os gestos e os movimentos com os pensamentos ao considerar que os pensamentos são gestos que interferem na lucidez humana.
Se para Tavares os pensamentos são capazes de alterar a interpretação do mundo, para Nietzsche os pensamentos nada mais são que uma ínfima parte de uma sucessão de movimentos que no corpo ocorrem. Para Nietzsche, segundo Farias (2013), o corpo possibilita ao ser humano a criação do Si-mesmo, sendo o Si-mesmo a propriedade que permite ao corpo-ser ir para além das características da personalidade atribuídas ao “Ego”, fazendo-o deixar de ser o possuidor de um corpo e passar a ser o próprio corpo. Entende-se a partir do colocado, então, que os pensamentos são a possibilidade que o ser humano encontra de se conectar com o mundo. E a necessidade humana de modificar o ambiente se relaciona diretamente com a forma como o ser humano aprende através da experiência de viver como parte de um universo em constante transmutação.
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4- Não são apenas os valores, nem as experiências de vida, mas um pouco disso tudo, o que se manifesta no gesto de habitar o próprio corpo, o modo como cada um encara o desafio do instante, o modo com que pulsa, vibra, ocupa o espaço, existe. Esta singularidade é o ser próprio, o ntecimento que se dá no corpo, o modo sempre inédito com que a vida se dá. (MOSÉ, 2018, P.112-113)
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Para Mosé (2018), o corpo é a articulação entre instintos, impulsos biológicos, fluidos corporais e organizações celulares que fazem parte de um fluxo constante de pensamento e movimento³. Sendo que não é o corpo que pensa, mas a própria vida, e nela tudo se comunica e se conecta. E essa orquestra de movimentos e pensamentos, que coabitam o corpo, é traduzida por ela nos gestos quando considera que os gestos são um tipo de linguagem que precede a linguagem oral. E que traduzem tanto a forma como se interpreta o corpo, quanto a presença dos inúmeros acontecimentos que coabitam o corpo de modo involuntário e na maioria das vezes inconsciente4-.
E que podem ser compreendidos como movimentos que mudam a forma como o ser humano interpreta sua relação com o mundo a sua volta. Mudam aquilo que não se vê” (TAVARES, 2013, p.112).
“
Corpo sou eu, e alma [...] sou inteiro corpo, e nada além disso; e alma é apenas uma palavra para algo no corpo. O corpo é uma grande razão, uma multiplicidade com um sentido, uma guerra e uma paz, um rebanho e um pastor. Instrumento de teu corpo é também a tua pequena razão, meu irmão, à qual chamas de “espírito”, um pequeno instrumento e joguete de tua grande razão. “Eu”, dizes, e orgulhas-te dessa palavra. Mas maior é aquilo em que não queres crer – teu corpo e sua grande razão: esta não diz eu, mas faz eu [..] (NIETZSCHE, 2014, p.54-55)
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”
11 Foto: David Gavi (Unsplash, site)
5- Ao concretizar uma possibilidade de uso, o artefato se faz modelo e informação. Por exemplo, depois que se vê uma alavanca em operação e se compreende o princípio empregado, não é mais possível olhar para qualquer vara de madeira ou metal sem reconhecer seu potencial de aplicação à mesma finalidade. O que antes era um simples pedaço de pau adquire uma função e um significado específicos pela existência prévia de um conceito. Ou seja, informar também é fabricar.
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(CARDOSO, 2017, p.11)
4. O corpo-objeto no mundo
Segundo Moles (1981), os objetos são o resultado da relação entre o ser humano e a sociedade e, portanto, funcionam como uma mensagem social pertencente ao ambiente pelo ser humano transformado. Isso significa que os objetos surgem a partir da comunicação de necessidades e se constituem em um tipo de resposta à interação entre o ser humano e a sociedade em que está inserido. Para Gomes Filho (2006, p.14), objeto pode ser considerado “todo e qualquer ambiente, produto de uso, produtos sistêmicos e sistemas de informações que mantém com o homem uma efetiva relação de utilização”, sendo considerado, portanto, como um modo que o ser humano encontra para realizar funções ou usufruir de benefícios, sejam eles de natureza prática, operacional, emocional, psicológica, lúdica, para lazer, dentre muitos outros aspectos.
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Cardoso (2016) difere artefato de objeto, no entanto, quando diz que objeto é tudo aquilo que se encontra no espaço que nos cerca, como por exemplo uma pedra. Já o artefato é o objeto que surge pela intervenção humana, em sua ação de conformar a matéria com o objetivo de materializar intenções, que se dá por meio da fabricação5. Nesse sentido, pode-se considerar então que fabricar ou criar objetos se torna uma maneira de informar algo, se constituindo em um tipo de comunicação. Para Flusser (2017), objeto é algo que se projeta no espaço circundante ao ser humano, em que os objetos estão presos a uma lógica de “necessidade criada” que nunca se cessa6. Isso porque, na medida que o ser humano desenvolve determinado objeto com o intuito de facilitar a vida cotidiana, no fim de seu ciclo esse objeto se torna um novo problema. Ou seja, ainda que a intenção seja melhorar a relação do ser humano com o ambiente em que está inserido, no futuro, o produto criado para lidar com um obstáculo se torna um novo
Pode-se considerar, então, que as quatro perspectivas investigadas sobre o que é o objeto no mundo são complementares, já que durante sua incessante atividade de transformar a matéria em objeto e atender às demandas do avanço no convívio em sociedade, o ser humano se comunica com e por meio do ambiente por ele criado. A contradição existe, portanto, no fato de que grande parte dos problemas que o ser humano enfrenta atualmente, e que muitas delas fazem parte do campo de atuação do designer, foram criadas pelo próprio ser humano. Fica-se então o questionamento em relação a como atuar de forma mais consciente ao projetar produtos.
Se por um lado toda criação de novos objetos gera impactos, o que leva o designer a uma autoreflexão constante em relação a sua atuação. Por outro, é possível se responsabilizar, medir e rastrear esses impactos. Ou ainda, atuar a partir de métricas dos possíveis impactos para gerações futuras. E isso vai de encontro ao colocado por Nietzsche (2014) ao considerar residir no presente a potência de transformação do ser humano e do mundo por ele criado.
6- Um “objeto” é algo que está no meio, lançado no meio do caminho (em latim, ob-iectum; em grego, problema) [...] Um ‘objeto de uso’ é um objeto de que se necessita e que se utiliza para afastar outros objetos do caminho. (FLUSSER, 2017, p.197)
Segundo Mosé (2018), cada pessoa tende a agir de acordo com o que acredita ser o melhor para o seu próprio futuro, mesmo que isso recaia em repetidos erros que modificam a realidade de toda a sociedade a cada nova geração. Dessa forma, o caos presente no mundo pelo homem criado reside na própria trajetória da existência humana: transitória, transformadora e regida pelo campo das vontades.
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obstáculo a ser trabalhado e que resulta no desenvolvimento de novos objetos. Dessa forma, novas necessidades vão sendo criadas em cadeia, e o trabalho do designer deixa de ser criar “objetos incríveis” e passa a ser lidar com as “grandes ideias” do passado.
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O que Nietzsche propõe, segundo Mosé (2018), não é que se ignore a existência dos problemas complexos advindos do convívio em sociedade, ou os normalize. Na verdade, o que se propõe é o oposto, mais eficiente do que se amargurar pelos erros do passado, sejam eles de âmbito individual ou coletivo, cada ser humano deveria se concentrar em ir de encontro à parte de si, o Si-mesmo, que está acima do Ego e transmutar sua potência criativa nas melhores ações possíveis dentro de sua própria realidade. E é quando o melhor para Si-mesmo converge com o melhor para todos que se torna possível caminhar para uma possibilidade de construção de um futuro mais harmônico e pautado na coletividade.
Para Cardoso (2016), o design restrito à forma e função, característico da revolução industrial e muito difundido entre as décadas de 1850 e 1930 não atende aos problemas de grande complexidade da atual sociedade. E que, segundo ele, vem sendo questionado desde 1960, principalmente sob a influência da contracultura, período em que se deu o início ao movimento crítico dentro do Design. Victor Papanek (1982), por exemplo, propõe que designers sejam capazes de reconhecer seus privilégios e ir de encontro aos reais problemas da sociedade, e dessa forma, sejam capazes de projetar soluções que realmente se constituam em mudanças significativas para quem se encontra na base dos problemas sociais discutidos. O que Papanek levanta é muito importante, principalmente para o contexto brasileiro, que é totalmente diferente do contexto social europeu, berço do termo Design Industrial.
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E afinal se futuros melhores podem se tornar realidade ou não, é impossível afirmar. Ainda assim, acredita-se que entender a si próprio e as possíveis formas de comunicar ideias de construção de um novo futuro pode se constituir em um bom começo de conversa. E então, questiona-se, será que conversar com outros campos de estudo do corpo e da sua linguagem pode contribuir no processo criativo para o design de produtos de maneira crítica e sensível?
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No Brasil, questões como racismo estrutural e os ainda presentes reflexos de uma estrutura patriarcal predominante, por exemplo, precisam ser consideradas. Além disso, assim como coloca Pêgo (2014), os problemas de grande complexidade se devem entre outros fatores pela conjuntura heterogênea que constitui a sociedade atual. Em que problemas de âmbito social, cultural, econômico e ambiental se sobrepõem, em diferentes níveis, sendo necessário um olhar holístico sob o território. Cardoso (2016) reforça o colocado por Pêgo quando considera que o reconhecimento da complexidade do mundo, se constitui no primeiro passo para a mudança de paradigmas. E a compreensão de que todas as partes estão interligadas é essencial para o entendimento de que pequenas ações afirmativas de conjuntura local, quando somadas a outras, se constituem em redes muito mais fortes e potentes.
Outro exemplo de abordagem crítica presente no Design é a colocada por Dunne e Raby (2013), em que os problemas de cunho ambiental, as questões políticas relacionadas a difusão do capitalismo e o agravamento da desigualdade social em consequência disso, passaram a ser questionados no campo do Design por meio de projetos conceituais que possibilitassem a proposição de novos futuros. Futuros esses, em que o valor da vida das pessoas não deveria ser medido pelo quanto são capazes de produzir e em que todos poderiam desfrutar igualmente dos recursos que a própria natureza proporciona.
“
O designer deve ter consciência de sua responsabilidade social e moral. Pois o design é a ferramenta mais poderosa já fornecida ao ser humano para projetar seus produtos, seus ambientes e, por extensão, a si mesmo; Por isso, ele deve analisar o passado, tanto quanto prever as possíveis consequências futuras de seus atos. (PAPANEK, 1982, p.87) (tradução nossa)
”
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Na figura 01, performance de Imme Van der Haak, em torno do corpo e do movimento. Imme conceitua o vestir corpos em associação com as diferentes personalidades que assumimos, e tangencia a ideia de que em suma todos os corpos são apenas corpos, com suas diferenças. Figura 01: Performance de Imme van der Haak, I like to Watch Too (2012)
5. O corpo-ser e a dança Nietzsche (2014) considera que dançar se relaciona com se colocar na vida de forma a incluir mais do que se opor, é como dizer, sim, para uma vida onde pares antagônicos podem coexistir em harmonia. Ou seja, alto e baixo, certo e errado, tristeza e alegria, próprios da existência dialética, são como dois dançarinos, em que, por vez um, por vez outro, assumem a condução. Para Nietzsche (2014), a dança leva o corpo-ser à superação do ego, ao passo que diante da impossibilidade de controlar a vida, ao dançar, o corpo-ser torna-se capaz de ir para além dos sentimentos, racionalidade e vontade. E diante dessa superação passa a ter um olhar mais natural para as inconstâncias da vida. Para Lima (2018), a dança precisa transpor as barreiras do rigor técnico e idealização, para passar a ser compreendida como um ato político e cotidiano7. Dessa forma, a dança deixa de ser algo que fica apenas no campo da apreciação e distanciado da realidade e passa a ser algo do qual todos participam.
Fonte: Imme van der Haak (site)
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Lima (2018) fala ainda que para muito além da qualidade de determinado movimento, a dança deve ser sentida. E o desejo de dançar diretamente atrelado à sensação de prazer, acolhimento e descoberta do corpo, em um processo de autoconhecimento. A bailarina, educadora e antropóloga Luciane Ramos e Silva (2016), também fala da dança como uma atividade que proporciona bem-estar, autonomia do corpo e principalmente a autonomia do existir. Uma vez que cria um espaço de dignidade, portanto, diretamente associada com o fazer político da vida em sociedade. Segundo Oliveira (2007), ao dançar o artista comunica sobre as realidades de mundo a partir de suas referências pessoais e condições socioculturais em que está inserido. Oliveira também fala da importância do reconhecimento dos gestos do corpo ao considerar que a dança de uma sociedade traduz traços de uma temporalidade e
Para Santos (2015), o corpo está diretamente ligado com sua própria memória. Conectar aos movimentos de sua ancestralidade, portanto, é parte crucial no processo de reafirmação de identidade. E no caso do Brasil, para o reconhecimento da cultura brasileira como uma cultura afro-brasileira. Dessa forma, “recompondo na continuidade e na descontinuidade o conhecimento, o pensamento e as subjacências emocionais dos princípios inaugurais reelaborados desde épocas remotas” (SANTOS, 2015, p.80). Ainda em relação a ancestralidade e memória, Silva (2017) afirma que práticas em dança afrocentradas não objetivam a busca por um referencial cultural e simbólico específico. São orientadas, no entanto, para que cada corpo-ser possa construir um caminho de resgate e ir de encontro a sua própria memória e ancestralidade. Além disso, a proposta de práticas corporais que
consideram o reconhecimento da ancestralidade propulsiona a reflexão de cada pessoa no que tange o entendimento do próprio corpo e de sua potência, não somente como corpo que dança, mas como ser que vive em sociedade. Busca-se, “incentivar a percepção do corpo em trânsito, capaz de habitar, atravessar e transpassar as culturas e nessas dinâmicas construir linguagens e formas de entender o mundo” (SILVA, 2017, p.135). De acordo com o antropólogo Marcos Santos (apud SILVA, 2017) o entendimento da ancestralidade perpassa por dois caminhos: a herança biológica que indica traços da identidade de cada um e que está acima de suas escolhas e a herança enquanto dívida para com os ancestrais, no sentido de que as atuais gerações são o futuro do que gerações passadas construíram em cima da realidade que tinham. E, dessa forma, se perceber enquanto ser que exerce essa ancestralidade a partir do momento que consegue entender-se de maneira autônoma, ou seja, ser a si próprio, autêntico, e se identificar com suas escolhas.
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7- Me interessa a dimensão não heróica da dança, me interessa a potência da dança de revelar o humano e a gente poder olhar para movimentação cotidiana de forma poética, pois é poética. (DANI LIMA, 2018)
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pode se configurar no resgate dos traços de celebração rituais de onde foi gerada. Traços, presentes na gestualidade cotidiana, e diretamente relacionados com a ancestralidade e a cultura local.
“
É no corpo que se funda nossa história. O corpo não é instrumento de…, o corpo sou eu. A construção do meu intelecto, o meu caminho com o mundo, em primeiro lugar se dá através do meu corpo [..]. E é no nosso corpo que se inscreve nossa ancestralidade. [..] ancestralidade presente, não aquela que está no passado, mas sim em experiências, referências, que me constituem, que fazem eu ser o que eu sou (SILVA, 2016)
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Foto: Anna Shvets (Pexels, site)
“
6. O corpo-objeto e o design Tudo no mundo existe para tornar-se livro (MALLARMÉ apud JEMMENE, 2013, p.230)
”
Se a dança pode ser considerada um importante agente de resgate da ancestralidade do corpo-ser, como apontado na seção anterior, os livros se configuram em um importante agente para o registro dessa ancestralidade, assim como coloca Derdyk (2018). Segundo ela, o livro, inicialmente utilizado como suporte funcional, ou seja, para descrever e catalogar informações, tem um papel considerável na escrituração da história da sociedade. A escrita pode contribuir por exemplo, para que práticas físicas e culturais contemporâneas possam ser acessadas no futuro. Reforçando a importância do suporte como registro que os livros apresentam e que durante muito tempo configurou-se em sua principal função.
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Ainda segundo Derdyk (2018), com o avanço da sociedade novas formas de se enxergar o livro foram descobertas. E ele passa a ser considerado também como uma extensão do imaginário humano, ao possibilitar a construção de narrativas sejam elas ficcionais ou factuais. Além disso, assim como coloca Mosé (2018), nem mesmo as autobiografias são totalmente factuais, pois a partir do momento que uma história ficou no passado, ela passa a ser contada pela perspectiva dada pelo próprio autor. Atualmente, o livro em seu natural processo de expansão de significados, pode ser considerado como um objeto que vai para muito além da narrativa escrita e/ou ilustrada. Configurando-se, assim, em um objeto de linguagem que, como em uma dança, vai buscando novas formas de comunicar.
Como propõe Derdyk (2012, p.172), quando diz que o livro “compreendido como partitura coreográfica, propositor de um elenco de gestos possíveis e pensamentos improváveis” é capaz de livrá-lo de “sua função habitual, para ser mais livro ainda”. É a partir dessa ruptura que o livro passa a abrir para a possibilidade de convergir com outros campos de estudo, como por exemplo, o do livro-objeto.
A definição do que é o livro-objeto, como campo de estudo pertencente a um campo mais amplo, que são os livros de artista pode ser melhor compreendida por meio do diagrama de Clive Phillpot (1962/2003 apud CADÔR, 2016, p.68), ilustrado na figura 02. Figura 02: Diagrama de Clive Phillpot
Livros
Livros de Artista
Segundo a definição dada pela Grande Enciclopédia Larousse Cultural (1998, apud SILVEIRA, 2008, p.25) livro-objeto é um “objeto tipográfico e/ou plástico formado por elementos de natureza e arranjos variados”. De acordo com Silveira (2008), o livro-objeto, como campo de estudo, surgiu por volta da década de 1960, a partir da proposição discursiva em torno do que é ou pode ser um livro. Essa referência conceitual, pode se dar de diferentes formas, como por exemplo, a sua sequencialidade espaço-temporal; a partir de uma referência direta a seu aspecto formal, por meio da plasticidade; ou ainda, ao convergir com o campo crítico discursivo da arte, na concepção do que pode ser chamado de livro obra.
Arte
Visual
Verbo-visual Verbal
Livro-objeto Livro literário Livro-obra
Fonte: Adaptado de Cadôr (2016)
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Apesar da definição do livro-objeto ou do livro de artista ser passível de constante transformação. E também considerando que algumas opiniões podem divergir em relação a esses termos serem sinônimos ou não, por exemplo. Para o presente trabalho será considerada a classificação de livros de artista dada por Plaza (1983 apud STOLF, 2013, p.77) no Quadro Sinóptico dos Livros de Artista que segue ilustrado no diagrama (Figura 03). Figura 03: Quadro Sinóptico dos Livros de Artista elaborado por Júlio Plaza LIVRO COMO SUPORTE DA ARTE
QUADRO SINÓ EIXO DE SIMILARIDADE: ANALÓGICO, SINTÉTICO, IDEOGRÂMICO
Paradigma dos Elementos
Livro Ilustrado
Poema livro
Livro-poema/ Livro-obeto
ESTRUTURA espaço temporal
Suporte Passivo
As informações podem ser dispostas em outros meios ou suportes. Espaço temporalizado. Poesia espacial.
Suporte significativo como objeto espacial. Isomorfia espaço-tempo
LINGUAGENS Verbais e não verbais
Tradução de um discurso para outro. Paralelismo, ilustração e complementação de significado: arbitrário.
Publicação em forma de livro como forma mais adequada.
Isomorfia/suporte. Informação.
Montagem semântica: escrita visual em relação de tradução de sentido e significado. Montagem pragmática ou bricolagem.
Montagem semântica/ montagem sintética/ escrita visual. Tendência à simultaneidade.
Montagem sintática/ escrita visual analógico-sintético ideogrâmico espaço tempo.
Discurso verbal ilustrado com códigos artísticos: desenho, pintura, colagem, tipografia, etc.
Tendência ao desenho espacial gráfico
Ideogrâmico e pictográfico
LIVRO: volume no espaço
CRITÉRIO
ARTES
tipografia/gráfica desenho / pintura / foto literatura / escultura objeto / poesia / interdisc
O Livro como Categoria Artistica Anexa às Categori 24
Fonte: Adaptado de Stolf (2013)
O diagrama original foi adaptado de modo que os campos indicados com a cor verde sinalizam definições que mais se assemelham com a proposta deste projeto.
ÓPTICO DOS LIVROS DE ARTISTA EIXO DE CONTIGUIDADE: ANALITICO, DISCURSIVO, LÓGICO Livro Conceitual
Livro-documento
Livro Intermidia
Antilivro
Suporte passivo/ Discurso temporal.
Suporte passivo/ Discurso temporal.
Intersuportes/ Discurso espacial.
O livro como sub-objeto: Abstraído de sua função.
Registro de pensamento e ideias/pesquisa sobre a linguagem/ pesquisa sobre objetos do pensamento.
Regiistro de eventos e/ou acontecimentos de existência temporal precária. O livro como memória.
Atrito intersemiótico/ intermeios. Multimídia
Parodia/ironia. O livro como material artístico. Subversão do livro como objeto de registro do conhecimento.
Montagem pragmática/ escrita visual. Ilustração.
Montagem pragmática/ Narrativa visual. Ilustração.
Intertextual/ todos os tipos de intercódigos polifônico/ montagem
Montagem pragmática como bricolagem/ transformação do livro em objetos e outras linguagens artísticas
interdisciplinariedade/ antropologia/ linguistica/ filosofia/ciências
Fotografia/ desenhos/ documentação Informação. Diagramas.
Todas as possíveis
Artes tridimensionais, esculturas, objetos, eventos, performances, acontecimentos.
ias Tradicionais da Arte: Pintura, Gravura, Escultura 25
Como foi identificado no diagrama, dentre as sete subcategorias defendidas por Plaza: livro ilustrado, poema livro, livro-poema/livro-objeto, livro conceitual, livro documento, livro intermídia e antilivro, duas se aproximam mais com o objetivo do presente trabalho: O livro-objeto e o livro intermídia. Nesse sentido, o livro-objeto, segundo Stolf (2013), considera a plasticidade do objeto livro, explorando a tridimensionalidade como requisito de projeto, o que difere no entanto de um antilivro, pois no livro-objeto a isomorfia espaço-tempo, característica conceitual do livro, é considerada, não sendo portanto uma escultura que se refere a um livro, mas se constitui no próprio livro. O livro intermídia, por sua vez, é concebido pela composição de diversos suportes midiáticos, transitando entre duas ou mais mídias. Vale ressaltar, nesse sentido, que, como coloca Stolf (2013), o termo intermídia surgiu em 1966, criado por Higgins para definir a inter-relação entre diferentes formas de representação que concebem um novo meio, ou seja, onde não há possibilidade de dissociação dos diferentes meios.
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Diante do colocado, um dos objetivos deste projeto é aproximar o campo de estudos dos Livros de Artista, com o do Design de Produtos. Acredita-se que quando o designer aplica a prática projetual própria do desenvolvimento de produtos para conceber um livro-objeto, a partir da aplicação de outros materiais, processos produtivos e possibilidades de construir narrativas, para além do papel, um novo campo de estudo pode surgir, aberto para a experimentação, interdisciplinaridade e, inclusive, interseção com o campo crítico discursivo que transita entre o Design e a Arte. Como coloca Lorenz (et al, 2017), a partir de uma abordagem crítica, o campo discursivo estabelecido entre produto e usuário, ou seja, as reflexões geradas por meio da relação corpo-ser e corpo-objeto, sobrepõe-se ao valor do produto em si perante ao mercado, passível de inúmeras e constantes reinterpretações.
Para Ramos (2013), o que difere o design da arte, entre outros fatores, é o fato de que o designer se apoia nos requisitos restritivos dados pelo briefing para a conceituação de seus projetos. Já o artista, define seus próprios limites subjetivos. Bayburtlu, Ertürk e Ulusman (2018), também comparam o design com a arte e chegam a uma definição parecida, em que, apesar da arte contribuir para que os projetos em design elevem o patamar discursivo, o que difere o processo projetual do designer e do artista é justamente que o artista materializa sua expressão pessoal por meio de experimentações formais e materiais. O designer, por sua vez, assim como coloca Flusser (2017), ao se responsabilizar por seus projetos, pensa pelo máximo de pessoas possível, o que se traduz na definição de público e necessidade percebida.
Esse conceito pode ser convergido com a definição do Design de Produto dada por Lobach (2001) ao considerar que o projeto de um produto inicia com a pesquisa de necessidades, perpassa pela geração de ideias e é traduzido no projeto de produto. Ao adentrar ainda mais na definição do Design de Produto, segundo Filho (2006), o design do objeto pode ser considerado a concepção de produtos em escala industrial, artesanal ou mista, em que produto é tudo aquilo que estabelece relação de utilização com o ser humano seja ela intelectual, sensorial ou física.
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É possível perceber, dessa forma, que as necessidades citadas por Lobach e Flusser podem convergir com o campo sensorial apontado por Filho (2006), não se restringindo a necessidades materiais ou tangíveis. Nesse sentido a percepção do próprio corpo e o entendimento do impacto que o ato de viver e ocupar o espaço representa, também se constituem em necessidades percebidas e que podem ser objeto de estudo do designer de produto. Diante da intenção de associar a capacidade comunicativa do corpo como objeto de linguagem com a capacidade de comunicar intrínseca aos objetos, buscou-se o paralelo que melhor pudesse se transformar em veículo de linguagem. dessa forma, para traçar esse paralelo, assim como diz Carrión (apud CADÔR, 2016, p.294) “quando a obra não pode existir de outro modo, a não ser no livro” é que surge a possiblidade de imergir no campo dos livros de artista.
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Acredita-se, portanto, que a partir da interdisciplinaridade entre a dança, a filosofia e o design de um livro-objeto, seja possível experimentar um novo caminho de atuação dentro do Design de Produto. Diante do grande potencial presente nos livros e na dança de se conectarem com o corpo-ser de maneira sensível, ao instigar pensamentos e novos modos de pensar. Pois, assim como coloca Agamben (apud CADÔR, 2016, p. 306): “o pensamento que pensa a si mesmo não pensa um objeto, nem pensa nada: pensa uma pura potência”. E é na potência que mora a transmutação do Si-mesmo de Nietzsche.
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7. O corpo-ser, a dança e a linguagem
8- Se o indivíduo [...] escolhe o pensamento é porque descobre no ato de pensar uma outra forma de se mover livremente pelo mundo. [...] De todas as liberdades particulares que podem vir-nos ao espírito quando ouvimos a palavra ‘liberdade’, a liberdade de movimentos é historicamente a mais antiga e também a mais elementar. Podermos partir para onde quisermos, continua a ser o gesto protótipo da liberdade, tal como a restrição da liberdade de movimentos é desde tempos imemoriais a condição prévia da escravização.
Foto: Ketan Kajput (Unsplash, site)
(ARENDT apud TAVARES, 2013, p. 275)
Lima (2018) fala sobre a poética da dança se encontrar nos movimentos cotidianos, como por exemplo, no ritmo dos passos pela rua e no tamanho da passada que diminui rapidamente ao deparar-se com um semáforo vermelho. Para ela, a dança se relaciona com a capacidade de arquitetar harmonicamente a relação entre o tempo e o espaço. Rengel, Scvhaffner e Oliveira (2016) colocam que a dança é uma linguagem composta de 4 elementos principais: corpo, espaço, movimento e som. E esses quatro elementos podem ser expressados tanto em uma performance artística, quanto se revelarem em movimentos cotidianos, indo de encontro ao colocado por Lima (2018). Para ela, nas narrativas em Dança, as escolhas de gestos, movimentos e ritmos sintetizam pensamentos, sentimentos e principalmente ações. Portanto, dança, é antes de qualquer coisa, um ato político de se comunicar e presente em cada ser humano. Seja em gestos cotidianos, seja na plateia, seja no palco. 30
Rengel, Scvhaffner e Oliveira (2016) colocam ainda, que a dança é um suporte que vai para além do produto artístico, já que toda produção em Dança tem em sua base a produção do conhecimento. Faz parte dessa forma, de um campo de estudo que entrecruza com vários outros, como por exemplo, os que permeiam aspectos históricos, políticos e culturais, sendo portanto um modo de linguagem que comunica diversos assuntos por meio do corpo. A linguagem da dança nesse caso, será definida de acordo com as escolhas de cada pessoa, o que reitera a importância do autoconhecimento e reconhecimento de sua própria identidade para a potencialização desse diálogo.
Da mesma forma que Silva (2016) vê o corpo, Wittgenstein (apud TAVARES, 2013) vê os pensamentos, como se a prática e o exercício de colocar os pensamentos para movimentar fosse uma forma de aprendizagem e evolução. Por esta metáfora ele pretende instigar que os “movimentos dos pensamentos” levam à imprevisibilidade das descobertas e em contrapartida a repetição de pensamentos já existentes se torna um hábito, que não gera aprendizado ou transformação interior e por consequência, exterior. Arendt (2013) coloca o pensamento como ação, o exercicio de pensar nos conduz ao movimento de liberdade8.
A dançarina e coreógrafa Oliveira (2007) coloca a dança como linguagem ao considerar que os gestos corporais, sejam eles cotidianos ou cênicos, são o elemento intermediário entre a consciência, por ela chamada de “interioridade” e o corpo físico, chamado por ela de “exterioridade”. Sendo a dança a expressão exterior dos sentimentos interiores que se revelam no corpo. José Gil (apud TAVARES, 2013, p. 273) também fala da correspondência entre os movimentos interiores e exteriores ao considerar que “há movimentos do corpo [...] – como a cambalhota – que só podemos compreender se o pensamento de alguma maneira os reproduzir.” Para Gil, os movimentos que se dão no corpo precisam primeiro, ser compreendidos pelo pensamento e é o pensamento portanto que dá ao movimento, o fluxo, o direcionamento9.
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9- [...] É necessário que o pensamento faça uma cambalhota para apreender a cambalhota; é necessário que a direita e a esquerda sejam dimensões do pensamento para que possamos entender o que quer dizer ‘virar à esquerda’ [...] a consciência do corpo é movimento do pensamento. (GIL apud TAVARES, 2013, p. 273)
Foto: Patricia Richter (TemQTer, site)
Silva (2016) também considera que dança é uma capacidade do corpo de utilizar-se de movimentos específicos para comunicar e exprimir sensações e sentimentos. Sendo que estes movimentos específicos são aprendidos, como qualquer outra habilidade, seja por meio da observação, de estudos teóricos, treinos, repetição, ou seja, seu aprendizado se dá por meio de uma linguagem.
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10- O ser humano contemporâneo, consciente, ao absorver pela prática imagens e matrizes de movimentos ancestrais, é envolvido pela interação dos aspectos espaço e tempo, criados pelas ações experimentadas na prática. Constato que a memória imaterial é a responsável pela formação da identidade, e é intrínseca aos processos reflexivos sobre a herança afro-brasileira, na contemporaneidade.
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(SANTOS, 2015, p.79)
O teórico da dança Laban segundo Rengel(2001), desenvolveu uma teoria dos movimentos baseada em estudos que comparavam os movimentos cotidianos com os executados por dançarinos, encontrando uma confluência entre eles. Mas para Nobrega (2015), os movimentos e teorias desenvolvidos por Laban, no século XX, não são inaugurais, eles já estavam presentes nas danças dos orixás desde o início do processo de colonização do Brasil. E os rituais religiosos de matrizes africanas, como por exemplo, o Candomblé, por serem centrados na natureza não promovem a repressão ao corpo. Portanto, estão cheios de movimentos ritmados e dançados, que refletiram na corporeidade cotidiana brasileira.
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Santos (2015), também considera que a base religiosa africana reflete a corporeidade brasileira, e considera que a promoção da autopercepção corporal e do desenvolvimento de uma identidade simbólica pelo despertar dos sentidos, permite a liberdade da vivência das emoções corpóreas em sua totalidade. Ela considera ainda, que a memória imaterial é fundamental para a formação de identidade, dessa forma, quando um corpo assume consciência de movimentos que são parte de uma ancestralidade e os vivência na prática, projeta-se no espaço uma relação entre tempo passado e tempo presente que tangencia a bagagem de experiências daquele indíviduo de maneira autêntica10.
Se Nietzsche dizia que não se deve negar a existência do corpo, Luciane Ramos (2018) reforça que o corpo brasileiro é um corpo diretamente ligado a sua ancestralidade pluriversal. E que em contrapartida confronta a tentativa de universalização imposta a esse corpo. O presente trabalho, buscou trazer um recorte acerca do corpo brasileiro, pois, diante da proposta de levar o interlocutor à autopercepção corporal, é preciso reconhecer os reflexos de uma colonialidade e propor uma saída decolonial de construção de um corpo ciente de si12.
Para mais, vale ressaltar que o entendimento da Dança como um campo profissional que exige rigor técnico e orientação, mesmo no que diz respeito às propostas que buscam um percurso norteado pela autonomia corporal.A dança da qual trata o projeto se relaciona com a tangência entre a busca pelo autoconhecimento e a expressão corporal cotidiana, própria do corpo-ser que vive em sociedade. Ou seja, a dança a ser proposta no desenvolvimento do produto final diz respeito aos gestos cotidianos que levam o corpo-ser a uma propriopercepção mais ampla e ativa de seu corpo. E que se relaciona com o contexto sociocultural e local em que está inserido.
11- [...] um entendimento do corpo enquanto construção social, considerando sua materialidade, os símbolos e o universo em que está inserido, agregando, portanto, dimensões biológicas, psicológicas e socioculturais [...] (SILVA, 2017, p.132)
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Ainda em relação ao estímulo da liberdade e autonomia do corpo, Silva (2017) considera que o entendimento da cultura brasileira como uma cultura fundada na corporeidade africana é essencial para que o corpo brasileiro se reconheça e não apenas isso, seja capaz de pensar criticamente modos de transformar a ainda presente supremacia da cultura europeia no modo de educar o corpo e o viver em sociedade. E principalmente, pensar modos de saída à transformação das culturas africanas em algo excêntrico e exótico11.
12- Ciente das camadas de suas histórias, um corpo que “se vive”, que é vivido, que tem intenção. Um corpo que experimenta o mundo consciente dos pertencimentos pluriversais que possam fazer frente às ideias colonizadoras e repressoras que desafiam nossas humanidades. (SILVA, 2017, P.88)
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8. O corpo-objeto e a linguagem
Segundo Pina (2011), o importante não é o modo como as pessoas movem mas sim o que as move. Dançar é, portanto, encontrar uma linguagem própria para se viver a vida. Tavares (2013) percebe na escrita uma relação metafórica com a dança, em que “escrever é dançar, e fazer dançar” (TAVARES, 2013, p.50). Para que a dança entre os pares texto-leitor ocorra, então, duas coisas são necessárias: a primeira delas é que o texto tenha ritmo, já que um texto sem ritmo “é um texto que afasta [...] e que assume a proximidade, a sedução, como um perigo para a racionalidade” (TAVARES, 2013, p.50). E a segunda por sua vez, deve partir do leitor, pois ele precisa dançar no ritmo do texto. Já que o texto que dança sozinho se deve ao fato de que quem o lê está demasiadamente afastado para ser puxado para dentro da dança.
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Cadôr (2016) considera a escrita poética como uma privilegiada forma de transmissão do conhecimento, em que as palavras são capazes de se constituir em um sistema de codificação que depreende determinada língua, ou seja, a representa de maneira inteligível, e apenas quem conhece o código é capaz de decifrá-lo. Derdyk (2018), considera que esse denso sistema de sinais encarcera os sentidos como, por exemplo, hoje se tem que “mesa é mesa”, “cadeira é cadeira” e se faz necessário o processo de “deslegendar” esses códigos para ir de encontro a uma escrita poética inusitada. Nesse sentido, Carrión (2011) acredita que se apropriar da nova arte de fazer livros se constitui em uma maneira de deslegendar esses códigos, não somente por meio do uso inovador da palavra ou dos sinais, mas através de repensar a forma de se construir um livro. Para ele o livro é um objeto de linguagem que se conecta ao usuário leitor por meio de uma sequência de espaço-tempo, aberta para diversos tipos de linearidades.
Para Cadôr (2016) o livro tem a capacidade de unir a simultaneidade da imagem com a temporalidade do discurso, ou seja, o livro é capaz de trazer de forma simultânea uma série de informações que só podem ser abstraídas sucessivamente. Nesse caso, imagem não necessariamente diz respeito a uma ilustração, apesar de que também pode ser uma. Mas imagem, nesse caso, relaciona-se com o signo que uma palavra ou conjunto de palavras denotam. Segundo Derdyk (2012), quando o livro busca experiências surpreendentes e inaugurais de tempo e espaço e vai para além das estruturas usuais do formato livro é que surge o campo dos livros de artista e se torna possível descobrir novas formas de construir narrativas. Carrión (2011) também considera que o livro-objeto possibilita ir para além da intenção usual de informar através dos códigos escritos e ilustrados.
Isso porque, segundo Carrión (2011), os livros convencionais buscam por se encaixar em padrões, gêneros literários e/ ou se adequarem ao texto. O livro sempre parece seguir a intenção do autor. A nova arte de fazer livros, no entanto, consiste em se desprender da intenção de informar algo para deixar que a experiência entre livro e leitor defina qual será a linguagem interpretada. Dessa forma, torna-se possível, segundor Cadôr (2016), contestar a presunção presente na linguagem tradicional, em que ela parece sempre querer informar no sentido de ensinar. Indo de encontro ao proposto por Cadôr, a linguagem presente no livro-objeto proposto, deve ser inaugurada pelo leitor, no momento que a interação entre livro-objeto e corpo-ser se iniciar. Ocorre nesse sentido uma inversão de papeis, em que é o livro que aprende com cada leitor a linguagem por ele depreendida.
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13- E o que falar dos ritmos que surgem desses livros singulares? Os ritmos, nascidos do manuseio desses livros,seriam como os maestros de uma orquestra contando os tempos para a música avançar no espaço, marcando o tom para que o ouvinte-leitor de um livro-objeto escute o livro, além de ver e de ler. Sem ritmo nada acontece, nem a vida acontece! [...] O livro-objeto, que também denomino como livro-partitura, propõe coreografias para os nossos gestos, atualizando um olhar e um conceito que se origina das mãos e dos
Segundo Krug (2007) o design de um livro-objeto pode ainda utilizar como recurso o entrecruzamento entre várias linguagens, possibilitando que sejam aguçados outros sentidos para além do ler e ver, criando “contrapontos conceituais e perceptivos” (KRUG, 2007, p.16) que se constituem em uma experiência sinestésica. Derdyk (2012) também fala sobre os sentidos instigados pela leitura de um livro-objeto ao considerá-lo como uma partítura coreográfica. A partir desta analogia ela se refere à relação espaço-tempo estabelecida entre leitor e livro-objeto e que se transforma em uma orquestra a partir do momento que o livro puxa o leitor para dentro da dança por meio dos gestos e dos ouvidos e não somente por meio da leitura13.
ouvidos. Diante de um livro assim, a leitura se faz por todos os sentidos físicos. (DERDYK, 2012, p.79, P.168-169)
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Ao considerar-se o livro como um objeto que tem a capacidade de projetar uma linguagem escrita bidimensional, no espaço, onde ele ganha, a partir do gesto de folhear as páginas, a tridimensionalidade. E que o livro-objeto busca por deslegendar os sentidos da escrita poética e da relação entre os livros e os gestos. Para o presente projeto se faz necessário buscar por referências e proposições de livros que de diferentes modos trabalhem a tridimensionalidade para além do papel, e para além do seu sentido como conjunto tridimensional de partes bidimensionais. O que será apresentado adiante.
“
O princípio é escultura. O Segundo é o Murmúrio por dentro da escultura a anunciar a hipótese do Líquido. a energia é murmúrio da MATÉRIA que aí vem dentro da MATÉRIA que aí está. No princípio a escultura. Simular com o corpo a IMOBILIDADE, ou seja simular o NÃO-CORPO com o CORPO (TAVARES, 2008, p.18)
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”
9. O corpo-objeto e o volume no espaço
Figura 11: Livro-objeto de Ana Miguel “I love You” (2000)
Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural (site)
Segundo Silveira (2013), o livro-objeto tem sua origem nas vanguardas surgidas na segunda metade do século XX, coincidindo com o movimento crítico dentro do design, pertencente a uma vertente artística do Design Gráfico, e que também tinha referencial teórico no futurismo e no surrealismo. Ainda segundo Silveira (2013), livros que apresentam o caráter artefato, ou seja, ligação direta com sua forma física escultórica são considerados livros-objeto. E nesse caso, podem ou não se comunicar por meio da relação espaço temporal própria dos livros. Para Neves (2013), os livros-objeto acabam se constituindo na solução encontrada por alguns artistas para conseguirem expressar novos modos de fazer poético. Sendo o livro um propulsor para a definição dos projetos, o ponto de partida para a temática discursiva.
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Ainda segundo Neves (2013), os livros-objeto se constituem na possibilidade de unir a plasticidade, a proposição de novos materiais, soluções poéticas e expressão de pensamentos em um mesmo suporte, sendo uma das características mais marcantes do livro-objeto e que atribuem a ele, seu aspecto inaugural e surpreendente. A artista Ana Miguel explora esta plasticidade e transita por diversos suportes midiaticos. Em sua obra “I Love You” (2000) ilustrada na Figura 11, Ana explora a plasticidade de maneira evidente em um ambiente que mistura dois sentimentos distintos: aconchego e pavor, ao apropriar do arquétipo da cama e dos travesseiros falantes que confortam, mas que ao mesmo tempo estão presos a uma trama que remete a uma teia de aranha com aranhas que caem sobre a cama.
Em seu livro “amor a Kafka” (2006), ilustrado na Figura 12, por sua vez, Ana mistura sua experiência de viagem em Praga, com escritos de um diário de viagem de Franz Kafka em tcheco e um dicionário de tradução do tcheco para o francês, que por uma feliz coincidência era um dicionário de viagens. Em relação ao processo de construção de sua obra Ana Miguel (apud NEVES, 2013, p.83) descreve:
Figura 12: Livro-objeto de Ana Miguel “Amor a Kafka” (2006)
Escolhi sete palavras recorrentes no texto [...] anotei todas as suas aparições no livro. Encomendei bordados dessas palavras, em Tcheco e em Francês. A cada ocorrência e repetição das palavras no diário de viagem, costurei um fio de linha vermelha, que conduz a palavra bordada em francês até a página em tcheco no dicionário, onde havia encontrado sua tradução. Paralelamente costurei as palavrinhas bordadas em tcheco em novelinhos de linha vermelha, que amarrei a uma maletinha com tamanho suficiente para transportar um livro. Esses novelinhos podem ser desfeitos e espalhar fios de palavras pelo chão.
Materiais: Diário de viagem de Franz Kafka, dicionário Tcheco-Francês para viajantes, papel metal, fios de algodão, bordado, áudio. Fonte: Prêmio Pipa (site)
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Figura 13: Livro-objeto de Marilá Dardot, “O livro de areia” (1999)
Marilá Dardot, também é uma artista artista que explora No livro “o Banquete” (2000), a plasticidade em livros de ilustrado na Figura 14, por sua artista. Inspirada no conto “O vez, Marilá Dardot se propõe livro de areia” de Jorge Luis a fazer um livro ilegível, pois Borges, cria um livro de mesmo ao utilizar páginas de acetato nome em 1999, ilustrado na impressas em frente e verso, Figura 13, partindo de dois somente se torna possível ler preceitos conceituais: primeiro as palavras que se encontram a possibilidade de páginas no espaço entre outas palavras. que nunca se repetissem, e segundo que remetesse à areia. Figura 14: Livro-objeto de Marilá Dardot, O espelho se torna a solução para construir tal narrativa, em “O Banquete” (2000) que as páginas de espelho se constituem em visualidades únicas. Transfere-se ao livro então, uma característica mutante.
Fonte: Palavra e Imagem (site)
Fonte: Palavra e Imagem (site)
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Camille Kachini produz o que pode se chamar de antilivro segundo a categoria de Plaza (1983) descrita anteriormente. Em sua obra “Sem título” (2016), ilustrada na Figura 15, Camille constrói uma narrativa aberta no espaço que mistura elementos da memória do artista, e que buscam a identificação com a cotidianidade. Figura 15: Livro-objeto de Camille Kachini, “Sem Título” (2016)
Já em sua obra “Fonte de conhecimento” (2015), Figura 16, Camille faz referência à forma do objeto livro, porém um broto de madeira surge de dentro dele, referenciando duas principais coisas: a origem do papel e a característica viva que o livro possui, em que ao se alimentar de suas palavras a árvore brota e cresce. De acordo com descrição da obra dada por Camille Kachini (2020) para o site Carbono Galeria, onde a obra é vendida:
Figura 16: Livro-objeto de Camille Kachini, “Fonte de conhecimento” (2015)
[..] é como se existisse algo semelhante entre a natureza e o ato de ler – uma forma de se alimentar com as palavras, necessitando de páginas para poder crescer. “Fome de conhecimento”, ou “Cognitio enim fames” em latim, pode ser visto como uma manifestação ao ato de dar vida a objetos inanimados.
Fonte: Carbono Galeria (site)
Fonte: Carbono Galeria (site)
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Figura 17: Livro-objeto de Enrique Ramírez, “Pacto de silêncio” (2016)
O livro-objeto Pacto de silêncio de Enrique Ramírez (2016), ilustrado na Figura 17, é composto de uma caixa de vidro com um livro dentro, que só é capaz de ser lido se o vidro for quebrado e trata de sentimentos como agonia, tristeza e incerteza.
O livro-objeto de Jiimson Vilela, “Aula de arquitetura N.1” (2013), Figura 18, discute a linearidade e a sequencialidade presente nos livros. A proposta no caso é uma narrativa em branco e contínua que se associa, segundo o artista com a não ruptura dos pensamentos. O livro, se torna então suporte, como ponto de sustentação para páginas em branco conectadas em um ciclo sem fim. Páginas em branco que simbolizam a personificação da mente e da vida como uma eterna página em branco. Figura 18:Livro-objeto de Jimson Vilela, “Aula de Arquitetura n. 1” (2013)
Fonte: Carbono Galeria (site) Fonte: Carbono Galeria (site)
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Figura 18: Caixa/capa e algumas das 9 páginas do LIvro-objeto “Ali: edições” (2019)
O espaço em branco é também retratado por Hellion (2013), ao considerar a folha em branco como o espaço vazio que precede a ideia. Que se relaciona ao projeto ao retratar a memória como processo de aprendizado e experiência do corpo-ser. Quanto ao espaço vazio, Hellion (2013, p.170) diz: O espaço vazio antecede à forma que é concebido através de uma síntese e uma abstração do que se pensa, sempre baseado em fatos concretos e tangíveis, como uma experiência pessoal, íntima, um fato esporádico distante e inesperado.
Para Hellion, tudo que um corpo-ser cria, se baseia em sua própria experiência de vida, indo de encontro ao colocado por Lima (2018) quando diz que a bagagem de experiências de um indivíduo reflete nas suas escolhas de vida.
Um exemplo de iniciativa coletiva envolvendo a produção de um livro-objeto é o Projeto “ali: edições” (2019), ilustrado na Figura 19. Ele que faz parte da primeira tiragem de uma série do projeto ali, que propõe reverter todo o dinheiro obtido com as vendas no incentivo a novos projetos. Esta tiragem, é composta de uma caixa com 9 múltiplos dos artistas Ana Prata, André Komatsu, Bruno Dunley, Ding Musa, Lucia Koch, Renata Lucas, Rodrigo Andrade, Sara Ramo e Wagner Morales. A partir da vontade de que o leitor/usuário faça parte da construção da narrativa, surgiu ainda o questionamento relacionado a como entrelaçar esses espaços entrevautor e leitor. Adiante então, segue descrita uma pesquisa por referências de livros de artista que se constituem também em performance.
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Fonte: Carbono Galeria (site)
Figura 19: Algumas páginas da Performance de Antônio Manuel (1973)
10. O corpo-objeto e a Performance Estou procurando um livro - diz Inério. _ Pensei que você não lesse nunca. _ Não é para ler. É para fazer. Eu faço coisas com os livros. Alguns objetos. É, obras: esculturas, quadros, como quiser chamá-los. já fiz até uma exposição. Fixo os livros com resina, assim eles ficam do jeito que estiverem, fechado ou abertos. Ou então lhe dou formas, ou esculpo, abro buracos por dentro. Os livros são ótimo material para ser trabalhado, dá para fazer muitas coisas com eles. _ E Ludmila? Ela concorda com isso? _ Meus trabalhos lhe agradam. Ela dá conselhos. Os críticos dizem que o que eu faço é importante. Em breve reunirei todas as minhas obras num livro. Marcaram-me uma entrevista com senhor Cavedagna. Um livro com fotos de todos os meus livros. Quando esse livro for impresso, eu o usarei para fazer outra obra, muitas obras. Depois será feito outro livro, e assim por diante. (CALVINO apud JEMMENE, 2013, p. 210)
A performance nos livros de artista insere a possibilidade de que o leitor ocupe o espaço de performer, sua interpretação e modo de manuseio da obra se constituem, portanto, como parte da própria obra. O espaço dos livros como performance também é ocupado pela tentativa de prolongar uma performance ocorrida por meio da documentação e registro com o uso de diversos suportes, como por exemplo a fotografia, relatos, partituras ou ainda instruções para que o leitor coparticipe das performances propostas. Fonte: ICCA (site)
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Um exemplo, é a performance de Antônio Manuel, de 1973, que trata da temática do corpo, a partir de uma crítica política e social ao modo como o ser humano interage com sua própria espécie e com a natureza. Após ser censurado pelo Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro, ele adaptou a performance para o formato de jornal, que na época tinha duração de 24 horas. O caderno completo foi digitalizado por Antônio Manuel e atualmente segue disponibilizado no Centro Internacional de Artes das Américas (ICAA) (Figura 19). Sendo este um modo encontrado de prolongar o efêmero.
Hellion (2013) fala da relação tempo e memória ao considerar a profundidade presente nos espaços vazios que são capazes de congelar os instantes. Para ela, o processo de decantação das imagens que o corpo-ser registra na memória são capazes de ser traduzidos em abstrações que ela registra em folhas avulsas. Seu trabalho é inspirado nas poesias japonesas “haiku” e “tanka” que se diferem, mas se complementam. O “haiku” representa a reação de um sentimento em relação aos fenômenos naturais e traduz a substância do pensamento em uma essência. Já o “tanka” expressa os movimentos do espirito, segundo ela mais subjetivo. Quanto à isso, Hellion (2013, p. 168) diz:
A diferença entre uma folha de papel e uma página é que a folha de papel não está numerada, conserva sua independência e metaforicamente guarda uma relação com as folhas das árvores, sujeitas a suas ramificações, com uma ordem natural, porém soltas quando caem. [...] com o tempo aprendemos o processo de decantação das imagens que armazenamos na memória, umas sequenciais, outras não, congelamos sua temporalidade e registramos os detalhes e as coisas que mais nos comovem, para logo tratar de expressar esse sentimento [..] se intuitivamente atravessamos o córtex material das coisas, chegamos diretamente à alma delas ao perceber com todos os sentidos, como compreendemos sua natureza [...]
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Figura 20: Livro-objeto de Kurt Johannessen, “Exercises” (1999)
O livro “Exercises” (1999), ilustrado na Figura 20, de Kurt Johannessen, propõe interação com o usuário por meio da proposição de performances. Nele, Johannessen coloca diferentes exercícios a serem realizados pelo leitor e que o levam a ter um olhar mais sensível a experiências sensoriais da vida, como dormir entre duas pedras, ou fechar os olhos no meio da floresta.
Outro livro que propõe performances ao usuário é “o Performer” (2009), ilustrado na Figura 21, de Fábio Morais. Ele é composto de 21 roteiros de performances que ele não pretendia executar, sua intenção era que essas ações fossem difundidas e direcionadas aos leitores e que culminou no projeto de um livro.
Figura 21: Livro-objeto de Fábio Morais, “O performer” (2009)
48 Fonte: Printed Matter, Inc (site)
Fonte: Blog de Fábio Morais (site)
Figura 22: LIvro-objeto de Elaine Ramos e Maria Carolina Sampaio, “Urgente” (2010)
O livro-objeto, Urgente (2010), ilustrado na Figura 22, de Elaine Ramos em parceria com Maria Carolina Sampaio, se constitui em um comentário visual, sem textos sobre a temática da obsolescência no universo gráfico. As páginas do livro de papel fotossensível permitem que o livro se modifique na presença do leitor, sendo possível assim, materializar a passagem do tempo. Durante sua produção, o livro foi manipulado em uma câmara escura, e objetos de desenho que caíram em desuso foram colocados sobre o papel. Em seguida as folhas foram rapidamente expostas à luz e guardadas em um envelope lacrado e costurado que pudesse as proteger da luz. Dessa forma, quando o leitor abre o envelope e folheia as páginas as imagens vão escurecendo e se formando aos poucos. Outra coisa interessante nesse livro é que objetos colocados pelo leitor em contato com as páginas também transferem imagens para o papel, reforçando a conexão do livro com as memórias do leitor. Fonte: Estúdio Elaine Ramos (site)
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Figura 23: “Cartas_SP” (2013), Carla Caffé
A proposta de Carla Caffé, por sua vez, em “Cartas_SP” (2013), ilustrado na Figura 23, é se conectar com a memória visual do usuário. A obra, se constitui em uma série de 12 fragmentos de cartografia da cidade de São Paulo, que permitem que o usuário monte a sua própria composição da cidade baseado em suas experiências e memórias da cidade.
Ao tratar-se da dança como temática para construção de livros, o livro-objeto “Grão Cia de Dança: O movimento de um olhar” (2018) de Natália Pixel é um exemplo do que poderia ser chamado de Meta Performance. Pois, ao mesmo tempo que o livro quebra a estática visual, por meio de ilusões de ótica que trazem movimento para o livro, sua narrativa traz registros fotográficos da companhia de dança Grão Cia de Dança e seus corpos em movimento. Figura 24: Algumas páginas do livro de Natália Pixel “Grão Cia de Dança” (2020)
Fonte: Carbono Galeria (site)
50 Fonte: Natália Pixel em Behance (site)
Figura 25: Páginas do livro-objeto “Tempo” (2020) de Daniela Boechat
Um último exemplo de livro de artista que conversa com a temática do projeto é o livro “Tempo” (2020) de Daniela Boechat, ilustrado na Figura 25. Nele, a proposta da passagem do tempo por meio da aproximação com a natureza e sua característica efêmera se dá por meio de folhas naturais de diversas plantas costuradas, que se secam na medida que o tempo passa. Plaza (2013) acredita que o processo de construir, processar e transformar ideias em livros de artista implica em estabelecer conexões entre códigos conhecidos que desdobra em uma relação sinestésica com o leitor. A partir disso, o leitor não apenas lê, mas cheira, toca, veste, rasga, e até mesmo destrói os livros em seu processo de interagir com as propostas, se constituindo em ator que corrobora na construção de sentido.
Quanto a isso Anne Moeglin-Delcroix (apud JEMMENE, 212) diz: Ao leitor cabe costurar esses restos de histórias, orientarse dentro dessas referências cruzadas, de retornar às suas fontes múltiplas e de experimentar, por conta própria, a natureza narrativa de toda interpretação.
Portanto, pretende-se com esse projeto estabelecer uma conexão com o usuário/leitor onde o sentido seja construído de acordo com sua própria bagagem de experiências e sua relação com seu corpo. Sendo que a última pode ser transformada a partir de um olhar mais sensível para si próprio e suas memórias. O processo de concepção e construção do livro-objeto está descrito no caderno conceber o corpo.
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Fonte: Daniela Boechat em Cargo Colletive (site)
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Conce b e r O COrpO
COrpO-HíbrIDo livro-objeto para extensão e expressão do corpo humano Bruna Almeida de Souza Andrade
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Sumário considerações finais conceber a ideia p. 3
p. 38
memorial descritivo público
p. 3
p. 36
protótipo briefing p. 4
p. 30
p. 5
p. 17
conceber o conceito p. 8
p. 16
conceito geração de ideias
referências p. 40 apêndices
p. 42 2
geração de alternativas
2. Público
1. Conceber a ideia A partir da pesquisa levantada o processo de concepção do corpo-híbrido perpassa pelos conceitos abordados de maneira a conectar temas que parecem estar desconectados. Isto porque o corpo-híbrido contempla a representação de dois mundos que coexistem: um mundo pelo ser humano modificado a todo instante e um mundo natural, que busca por sobreviver e com suas próprias leis e materialidades. Além disso, o corpo-híbrido trata de um processo de externalização da criatividade humana que pode provocar no corpo-ser uma sensação de autoconhecimento que esbarra na percepção de um verdadeiro desconhecimento. Conceituar um projeto que não pertence a um só corpo perpassa por considerar que cada corpo-ser em contato com o corpo-híbrido construirá seu próprio conceito. E as ideias aqui apresentadas são apenas ideias de um único corpo que se viu tocado pelo ponto em comum entre o design e a dança que pode existir apenas sob sua perspectiva, tratando-se, portanto, de um corpo em experiência.
O corpo-híbrido se destina a um público que veja conexão em coisas aparentemente desconectadas, que se questiona sobre coisas aparentemente inquestionáveis e que dança porque se inquieta com sua própria percepção de mundo. E se dá conta de que dança porque se percebe como um corpo em constante movimento. O corpo-leitor-escritor, que será o usuário do livro-objeto é um construtor de sua própria narrativa. E se ainda não ficou claro a quem esse projeto se destina, a saber: Tem corpo que dança em pensamento, tem dança que pensa com o corpo, tem corpo que dança sem saber o que é dança. Tem corpo que dança em silêncio. Quieto. Imóvel. Tem narrativa que não precisa de uma única palavra para acontecer. Há aquelas também que mal sabem o que é palavra. E há quem construa um universo inteiro que nunca sai do papel. Ou nunca vai para o papel. Esse livro pode se destinar a quem não sabe o que é dança, ou pensamento, ou mundo, ou o que faz aqui, mas que viu na vida a possiblidade de construir uma narrativa lúdica em um mundo aparentemente sem esperanças.
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3. Briefing O corpo-híbrido: Escopo • Criar e produzir um livro-objeto propositor de conceitos que se relacionem com a dança e que possibilite a construção cocriativa do produto pelo usuário. • Criar e produzir um livro-objeto que represente a relação estabelecida entre o ser humano e suas criações e que revele uma narrativa intimista a partir da dança como agente que conecta o ser humano com sua própria consciência de mundo.
O corpo-híbrido: requisitos funcionais • Promover interação participativa do usuário no produto; • Explorar tridimensionalmente o conceito do livro de modo a trazer uma abordagem do Design de Produto para a concepção do livro-objeto; • Utilizar matérias-primas naturais, biodegradáveis ou recicláveis. Considerando que a proposta do trabalho é discutir também o impacto ambiental gerado pelas produções humanas.
O corpo-híbrido: requisitos conceituais • Discutir criticamente a importância do resgate da ancestralidade e da conexão com as próprias memórias na formação de identidade e da construção de pertencimento; • Discutir criticamente a relação do ser humano com o mundo a sua volta, de forma a criar necessidades e traduzi-las em produtos; • Criar relação de conexão com o leitor/usuário, de forma a discutir conceitualmente a memória e a bagagem de experiências como formadoras de opinião e de escolhas na vida; • Discutir a relação do ser humano com seu corpo de forma a estimular sua propriocepção através da dança e dos movimentos corporais.
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4. Conceber o conceito
A premissa do conceito parte da ideia de colocar o corpo-leitor-escritor como construtor de sua própria narrativa, que culmina na construção de conexão com o objeto que é única para cada pessoa. E, ao estabelecer essa conexão, um passa a se incorporar na vida do outro, de modo que ambos participam no processo de construção de suas identidades e memórias. Provoca-se a partir da proposta de criar intimidade entre corpo-ser e corpo-objeto, o diálogo em torno da relação de simbiose entre o ser humano e os objetos no mundo. Em que a partir de uma necessidade criada, o corpo-ser passa a considerar como algo imprescindível, coisas que nem mesmo existiam. Por outro lado, a dança e os movimentos do corpo, eixos que possibilitam a conexão entre o corpo-ser e o corpo-objeto, buscam propor que essa relação de simbiose pode ser harmônica a partir do momento que esses corpos se conectam ao mundo de maneira crítica e profunda. O primeiro processo de decantação das ideias de materialização do projeto segue apresentado em um mapa de palavras (Figura 01).
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Figura 01: Mapa de palavras da geração de ideias
“memo com a d
“o leitor registra
“que amplia de tamanho” memorial do corpo
“que encaixa no corpo”
instruções para a própria pessoa construir o livro
Vestível
Responder algumas perguntas e receber um livro personalizado
Extender o corpo
Escolha/montagem virtual do corpo e recebe em casa “Inception” Matriosca (um corpo dentro do outro)
Compor corpos
coletânea do corpo sentir o corpo (Textura, braille manual) corpos da natureza sensorial
Ser um corpo híbrido
“que imita o corpo”
Represen o corpo
mimetismo simbiose
desenhos e abstrações glossário dos movimentos do corpo atlas do movimento ancestral 6
orial da relação da pessoa dança”
a sua história”
“o que o resíduo diz sobre o quanto eu consumo?” Discurso do resíduo
Manifestar pelo corpo
Conectar corpos
misturar ambiente virtual com físico (no produto em si)
distribuia o corpo (compartilhe a dança com os amigos) (envelopes para enviar pelos correios)
Ser um corpo lúdico
ntar o
jogo dos movimentos som mudo, dança parada
frases instigantes e ambíguas propor movimento inusitado 7 Fonte: Elaborado pela autora
5. Geração de Ideias A partir da nuvem de palavras algumas ideias foram desdobradas em possíveis conceitos para o projeto e que serão mostradas a seguir.
Além disso, uma segunda pesquisa com pessoas que dançam foi realizada, desta vez, os dados foram coletados em um formulário anônimo com questões qualitativas e quantitativas. Sendo que ele também foi enviado para pessoas que praticam a dança em diferentes contextos.
5.1 Corpo-híbrido 1: livro sensorial A partir da pesquisa realizada foram mapeadas sensações positivas e negativas que poderiam ser despertadas no corpo-leitor-escritor em contato com o livroobjeto. Algumas dessas sensações seguem descritas na tabela, (Figura 02). O uso das sensações como recurso de conexão com a dança poderia acontecer de diversos modos, como por exemplo por meio de cartões instrucionais que levassem a pessoa a diferentes reações dependendo do seu repertório e da relação prévia que possui com a dança. Um exemplo de instrução possível: “Dance uma dança quadrada”, “dance uma dança vermelha”, esse tipo de instrução pode esbarrar tanto em uma sensação de diversão, quanto de timidez ou de não saber o que fazer.
Figura 02: Sensações relatadas em pesquisa
Fonte: Elaborado pela autora
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Outros tipos de sensações poderiam ser instigadas como por exemplo com a proposição de que a pessoa envolva outros atores ou pares na dança (não necessariamente pessoas). As informações dos cartões por sua vez, também se baseariam nos dados colhidos na segunda pesquisa (Figura 03).
Figura 03: Cores e formas relatadas em pesquisa
Fonte: Elaborado pela autora
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Ainda dentro dessa proposta de provocar sensações e utilizar os cartões instrucionais, outra possibilidade pensada seria propor sequências de movimentos, em que cada cartão poderia ser uma parte de uma coreografia e dependendo da ordem de leitura do cartão diferentes coreografias seriam dançadas. Nesse processo o corpo-leitor-escritor poderia ser instigado a dançar uma dança que o levasse a conhecer o seu próprio corpo por meio de movimentos simples, mas que no cotidiano não nos percebemos realizando. Seria, portanto, uma partitura coreográfica de gestos cotidianos. Ou ainda, de gestos que compõem a corporeidade ancestral brasileira.
Figura 04: Exemplo de distribuição do texto em braille nos cartões
Opção 1
Quanto ao cartão a ser utilizado uma ideia seria o uso de papel semente de modo a explorar o recurso tátil também como parte da experiência. Pensando também em acessibilidade, uma alternativa é o desenvolvimento de pequenas instruções para que pudessem ser mais facilmente traduzidas para o braille. Dessa forma, duas possibilidades de disposição dos textos seguem ilustradas, (Figura 04).
Dance uma dança quadrada
Frase que descreve cor do cartão
Dance uma dança quadrada
Nessa proposta, além da frase em braille, também viria em braille uma descrição da cor e/ou formato do cartão.
Opção 2
Frente
Verso
Fonte: Elaborado pela autora
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Desdobrando possíveis associações com as formas descritas na pesquisa, estas poderiam vir no formato do cartão e assim todos usuários conseguiriam ter uma experiência com aquela forma, seja tátil, visual ou ambas. A escolha das formas, frases e cores que comporiam cada cartão, seria aleatória. Seria disponibilizada uma grande quantidade de cartões, tanto para que fosse possível realizar a atividade em grupo, quanto para que o usuário pudesse compartilhar cartões e assim, dividir sua experiência com outras pessoas. Dessa forma, a performance poderia ser prolongada, envolvendo outros corpo-seres na dança. A imagem a seguir ilustra alguns cartões aleatórios que poderiam ser criados, (Figura 05). Figura 05: Exemplos de cartões aleatórios
Fonte: Elaborado pela autora
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5.2 Corpo-híbrido 2: os sentidos do corpo
Desdobrando um pouco mais o interesse em trabalhar questões sensoriais no livro, o corpo-híbrido poderia ser composto por um conjunto de sensações instigadas no corpo que seguem descritas: a) Sinta o corpo: “sinta o peso do corpo”; “sinta a textura do corpo”. Utilizar materiais naturais que sejam rugosos ou tenham texturas interessantes. Como por exemplo: pedra, fibra de coco verde, fibra de cana, etc. b) Prove o corpo e/ou cheire o corpo e/ou pinte o corpo: “pinte o corpo da forma como lhe vier na cabeça”, esse tipo de instrução pode instigar tanto uma pintura no próprio corpo, quanto uma pintura no livro. Utilizar extratos naturais botânicos e comestíveis que poderiam ser utilizados também para pintar no livro. Como por exemplo: uso de chás e ervas naturais, ágar-ágar, extrato de café, baunilha, frutas, etc.
c) Escute o corpo: três possibilidades foram pensadas nessa parte. A primeira seria uma referência às conchas de Lygia Clark que provoca no corpo-leitor-escritor a escuta do silêncio. A concha então seria representada por um objeto acústico que impedisse de ouvir o barulho de fora. A segunda seria a possibilidade de um fone de ouvido compor o livro com a sugestão de que a pessoa escolha uma faixa de música preferida e começasse a dançar livremente. A terceira proposta seria misturar o ambiente virtual com o físico, fornecendo um site para a pessoa acessar uma faixa de música que será muda e então diversas reações poderiam ser esperadas. Outro desdobramento ainda seria que a única informação no livro fosse o endereço de uma página onde ele encontraria um livro virtual, escrito e com audiodescrição (pensando novamente em acessibilidade do livro).
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A ideia de misturar o ambiente virtual com o físico se relaciona com o fato de a sociedade atual viver em um ambiente híbrido que, além dos objetos físicos, vem criando cada vez mais objetos virtuais. d) Plante o corpo e deixe o corpo nascer: A mesma planta utilizada na aquarela botânica poderia vir em sementes, no papel ou separadamente para a pessoa plantar. Como por exemplo em uma seed bomb (bombas de adubo recheadas com sementes prontas para plantar). Poderia ainda vir com uma receita de como produzir mais aquarela. Ou então o receptáculo da tinta poderia ter um tamanho que coubesse uma plantinha a ser cultivada nele quando a tinta acabar. Isso, pensando em aumentar o ciclo de vida dos componentes do produto. Um esquema dos componentes do livro segue ilustrado, (Figura 06).
Figura 06: Corpo-híbrido 2
Fonte: Elaborado pela autora
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5.3 Corpo-híbrido 3: Coletânea do corpo Uma ideia que se relaciona mais com o recurso escultórico de um livro-objeto seria um corpo-híbrido que reunisse partes de diversos tipos de corpos que compõem a natureza, atenta-se aqui, que nenhum tipo de elemento de origem animal foi usado no projeto. E reforça-se que isso se daria tomando-se o cuidado de priorizar recursos orgânicos e inorgânicos que tenham sido naturalmente dispensados, como por exemplo folhas secas, pedaços de gravetos, pedras, cascas de frutas secas. O animal então seria representado pelo próprio ser humano que vai interagir com o livro por meio da proposta de que ele dance a partir das sensações que o livro lhe desperta. “Feche os olhos e sinta seu corpo em contato com o corpo-híbrido”. O objeto, por sua vez, seria representado pela incorporação de elementos desenvolvidos pelo ser humano, que se constituíssem em resíduos, como por exemplo: papelão, embalagens, etc. Uma colagem digital representa o conceito de coletânea do Corpo-híbrido 3 (Figura 07).
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Figura 07: Colagem digital de texturas encontradas da natureza em meio à vida urbana
Fonte: Fotos tiradas pela autora de dentro de casa.
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6. Conceito A partir da pesquisa levantada e das ideias geradas o conceito escolhido para o corpo-híbrido foi o de conectar corpos, isto porque busca-se conectar ambiente natural com paisagem modificada, corpo adaptado a vida urbana com corpo que vive na natureza, e finalmente um objeto construído pelo ser humano com o próprio ser humano. E para além disso, busca-se instigar que o corpo-leitor-escritor possa compartilhar a experiência vivenciada com outros corpos. Nesse sentido, conectar corpos se encaixa na classificação de livro intermídia, já que busca por conectar diferentes conceitos e suportes midiáticos de modo que uma parte não possa se dissociar da outra para a integralidade do sentido da obra. Assim como coloca Longhi (2002), a definição de obra intermídia se dá quando, a partir da junção conceitual de dois ou mais meios, há uma terceira mídia que se difere de cada uma das mídias anteriores. Essa inter-relação ocorre de maneira orgânica, transitando pelos significados estéticos e artísticos de cada mídia envolvida no processo.
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Higgins que cunhou o termo em 1960, coloca a poesia concreta como exemplo de obra intermídia por transitar entre a literatura e as artes visuais. No caso deste corpo-híbrido, ele deve transitar pela filosofia, dança (arte) e o design de modo que a separação entre cada um desses espaços seja impossível de delimitar. Ainda nesse sentido, o livro buscaria por instigar uma experiência no corpo-leitor-escritor, de modo que ele transitasse por esses espaços sem ter uma explicação prévia disso, ou sem que ele consiga dissociar qual parte é dança, qual é filosofia e qual é construção de narrativa. Ou ainda, o corpo-híbrido seria construído a partir da tentativa de misturar a materialidade de ideias como experiência tátil e a desmaterialização da construção de narrativas, ao propor que o usuário se conecte com sua própria dança a fim de contar sua própria história. O corpo-híbrido se constitui a partir de elementos abordados nas três propostas apresentadas na geração de ideias, processo que será melhor descrito adiante na geração de alternativas.
7. Geração de Alternativas
e Decisões Projetuais Para desdobrar o conceito de conectar corpos e inserir o produto no cenário contemporâneo, foi utilizado como recurso a hibridização entre as mídias física e digital, ao propor que ao mesmo tempo que o corpo-leitor-escritor se conecta com o objeto físico que é o livro, que se constitui em uma mídia impressa, ele também se conecta ao ambiente virtual pelo fone de ouvido que se constitui em uma parte fundamental da performance. Além disso, foram feitas experimentações em relação a inserir os elementos da natureza no corpo-híbrido.
Como esse processo de concepção do corpo-híbrido se deu de maneira experimental, a geração de alternativas e as decisões projetuais aconteceram simultaneamente. O ponto de partida da geração de alternativa foi a definição dos componentes do livro: Capa do livro, cartões instrucionais e fone de ouvido.
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7.1 Capa do livro O ponto de partida da geração de alternativas foi a escolha da fibra vegetal que seria utilizada na composição da parte externa do livro. Como se trata de um processo experimental, a escolha do material fez parte do processo de escolha e geração da alternativa. A partir da busca por uma fibra vegetal que pudesse ser trançada e conformada manualmente, foi encontrado o vaso de xaxim de fibra de coco como referência (Figura 08).
Figura 08: Esquerda: exemplo de fibra de coco em detalhe; direita: vaso de xaxim construído manualmente
Fonte: Culturamix - Categoria Flores (site)
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A partir da escolha do material as primeiras alternativas foram geradas para construção da capa do livro, (Figura 09).
Figura 09: Alternativas de possíveis capas e encadernações para o livro
Fonte: Elaborado pela autora
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7.2 Fone de ouvido O próximo passo foi a geração de alternativas para o fone de ouvido. No caso, o ponto de partida foi a escolha da casca do coco verde como material, por ser algo que lembre a ideia das conchas de Lygia e que ao mesmo tempo oferece acústica e apresenta um tamanho correspondente aos fones do tipo headset (fone de ouvido colocado em volta da cabeça, como um arco). O tipo headset foi o escolhido porque ele melhor representa o ouvir figurativo do que vem de dentro e de fora. Figurativo, pois esse ouvir pode ser silencioso a depender de cada pessoa. O fone será ainda do tipo bluetooth (tecnologia de transmissão sem fio), pois permite a maior mobilidade do corpo. Segue, na Figura 10, exemplo de aplicação da casca do coco seco. Figura 10: Esquerda, tigela feita com casca de coco seco; direita, casca em natura
Fonte: Mercado Livre (site); Revista Globo Rural (site)
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Foi feita também uma pesquisa de similares disponíveis no mercado (Figura 11), tanto de headsets com propostas de materiais mais sustentáveis, quanto daqueles que oferecem tecnologia bluetooth, por serem mais adequados para a proposição de movimentar o corpo. A geração de alternativas do fone de ouvido segue ilustrada (Figura 12). Figura 11: Painel com referências de fones do tipo headset
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Fonte: Pinterest (site)
Figura 12: Geração de alternativas do fone
Tecido impermeável sintético, arco todo em madeira (opção 1)
Algodão orgânico natural, arco todo em madeira (opção 2)
Casca do coco seco
Algodão orgânico estampado, arco em madeira e metal
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Acolchoamento removível Detalhes
Acolchoamento removível (Opção 1: botão) (Opção 2: velcro)
Acolchoamento fixo Detalhes
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Fonte: Elaborado pela autora
Figura 13: Imagens do tecido Pinãtex No caso do fone, para a escolha da alternativa e material a ser utilizado, algumas questões foram ponderadas. A primeira delas foi a escolha do tecido. Três tecidos foram considerados: 1) Tecido natural de algodão orgânico sem tingimento, por ser um material que é mais sustentável e biodegradável. 2) Tecido de algodão orgânico estampado com motivos da natureza, por ser um material que representa conceitualmente a imitação da natureza pelo ser humano, traduzida em produtos. Mas que possui como desvantagem a poluição que o processo de tingimento de tecidos ocasiona no meio ambiente, e também a degradação residual que esses tecidos geram ao serem descartados, já que seu tingimento é realizado por meio de componentes químicos. 3) Tecido de couro sintético de abacaxi que apresenta como vantagem ser um material mais resistente ao suor, porém por possuir uma camada de proteção feita a partir de polímero, ele também não é um material totalmente biodegradável.
24 Fonte: Ananas Anam (Site)
De acordo com Fashionlab Co (2020), o couro de abacaxi, chamado Pinãtex, é um não tecido produzido pela empresa Ananas Anam, a partir do reaproveitamento de um subproduto da fruta que seria descartado, suas folhas. Além de ser um material altamente resistente à água e ao suor, também possui resistência ao atrito e tempo de uso. Outra vantagem desse material é que ele também pode ser pintado de diversas cores ou receber estampas. Dessa forma, apesar de ele ainda apresentar um certo impacto e degradação, esse impacto é mínimo em comparação ao couro sintético polimérico tradicional e ao couro de origem animal. Como o fone de ouvido estará em contato constante ao ouvido, e ao colocar o corpo em movimento ocorre o processo de transpiração, o fator resistência ao suor e atrito é preponderante. Sendo portanto esta a opção escolhida de material, com a proposta de uma padronagem estampada. É possível ver amostras do tecido Pinãtex e fotos do material aplicada a produtos ilustradas na Figura 13.
O segundo aspecto pensado foi em relação à haste do fone, em que havia a possibilidade de que fosse todo feito em madeira, ou com aro em metal e madeira. Pensando nos aspectos: mobilidade, conforto e leveza, a opção escolhida foi com aro de arame e madeira, já que esse formato permite que o fone se adapte melhor à cabeça. O terceiro e último aspecto pensado, foi decidir se o fone possuiria ou não um acolchoamento na parte superior da cabeça e se esse acolchoamento poderia ser retirado, como um item opcional ou não. Pensando no aspecto conforto, mas também com a ideia de oferecer diferentes modos de uso, foi escolhido o acolchoamento opcional. Além disso, esse tipo de acolchoamento permite que o usuário retire e lave, evitando que o material acumule suor.
Com relação ao fechamento do acolchoamento opcional, por sua vez, dois tipos são propostos: com botões de alumínio ou com velcro, que é composto de um material polimérico. Como ambos componentes são degradantes ao meio ambiente, porém ambos são totalmente recicláveis, faz sentido a escolha por um desses materiais, diante da vantagem que esse tipo de acolchoamento oferece. Nesse caso, o botão de alumínio foi a melhor opção, pois segundo Gazeta do Povo (2019), o alumínio é um material mais fácil de reciclar que o plástico e pode ser reciclado diversas vezes sem perder suas propriedades e sem gerar subprodutos poluentes.
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7.3 Cartões Instrucionais Para os cartões instrucionais quatro elementos principais foram definidos: material, formato do cartão, tipografia e impressão. Em busca de uma tipografia para o projeto, foi descoberta a fonte “Braille Neue” de Kosuke Takahashi que ainda está em desenvolvimento e por isso não foi a fonte adotada no projeto. Porém a partir desta referência foi encontrada uma outra opção de fonte com a proposta de unir o braille com a tipografia convencional. No caso, a fonte é “Visual Braille” (2009), desenvolvida por Christopher Heller, Michael Rub e Theo Seemann. Em relação ao material, dois requisitos foram pensados, um papel que aceite a impressão em braille e que seja compatível com a impressão em tinta. Para a impressão em braille é necessário o uso de um papel com gramatura entre 120g a 180g.
26
Quanto à impressão em tinta, foi escolhida a risografia, por ser um tipo de impressão relativamente mais sustentável, segundo Risotrip (2021). Isso porque, a tinta utilizada é a base de componentes vegetais e biodegradáveis, como por exemplo óleo de soja ou arroz. Além disso, é um processo de impressão com baixo uso de energia. Outro fator interessante, é que seu custo é mais barato para impressões com escala abaixo de 10 mil cópias e por utilizar tinta pura, uma cor de cada vez no processo de impressão, suas cores são vibrantes e podem ser sobrepostas para a formação de outras cores. Outra característica marcante do Riso, segundo Colab55 (2021) são as falhas que podem surgir durante o processo de impressão por ser feita em rolo de maneira artesanal, deixando uma caracteristica própria em cada página. Algo que é bem interessante a este projeto.
Figura 14: Páginas do livro Corpo-híbrido, em escala 1:1
CORPO HIBRIDO
LIVRO OBJETO PARA EXTENSAO E EXPRESSAO DO CORPO HUMANO
150mm
A cor para impressão foi preto e branco, pois pretende-se, que a interpretação da ação sugerida não esteja associada a aspectos visuais do cartão. De modo que não haja distinção de interpretação entre o texto em braille ou em tinta. Portanto, todos os cartões possuem a mesma cor, o mesmo formato e tamanho, impressos em papel vergê 120g, de modo que a única coisa que muda é a frase que cada um contém, disposta no centro do cartão. Segue ilustrado na Figura 14, exemplo de cartão já com a tipografia adotada.
BRUNA A S ANDRADE DANCE UMA DANCA INFINITA
100mm
27
Fonte: Elaborado pela autora
7.4 Alternativa Escolhida Diante de todas as decisões descritas segue ilustrada a alternativa escolhida para construção de protótipo do projeto final (Figura 15).
Figura 15: Elementos da alternativa escolhida: Esquerda capa; direita e acima fone, direita e abaixo cartões instrucionais
Alternativa escolhida capa Caixa de xaxim de coco Fechamento: Corda de sisal
28
Alternativa escolhida fone
Arco: madeira e metal Acolchoamento: removível com botão Tecido: couro de abacaxi estampado
Casca do coco seco
Caderno Introdutório
Cartão instrucional
CORPO HIBRIDO DANCE
LIVRO OBJETO
UMA DANCA
PARA EXTENSAO
INFINITA
E EXPRESSAO DO CORPO HUMANO
BRUNA A S ANDRADE
Fonte: Elaborado pela autora
29
8. Protótipo O processo de construção do protótipo foi todo feito de maneira artesanal e será detalhado a seguir.
8.1 Capa Figura 16: Textura da capa do corpo-hibrido
A primeira parte construída foi a capa do livro, produzida a partir de uma placa de xaxim de coco, geralmente utilizada para jardins verticais. Primeiramente foi cortado um retângulo de 200mX300mm. Como a placa tinha uma espessura de 35mm, em seguida com um estilete esse retângulo foi cortado de modo a dividir sua espessura ao meio. Esse processo permitiu que a capa ficasse com um aspecto mais irregular, como desejado. Já que a placa por ser prensada possui um acabamento mais liso, ideal por sua vez, para a parte de dentro da caixa. Segue na (Figura 16) fotos da capa do livro e da placa respectivamente para comparação da textura.
Fonte: Elaborado pela autora
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Figura 17: Fotos da capa do Corpo-híbrido
O próximo passo foi cortar as tiras que compõem a lateral do livro, a altura do livro corresponde à espessura da placa (35mm) e a largura das tiras foi de cerca de 25mm cortado também no estilete. Os elementos que compõem cada lado do livro foram colados com cola de contato. As duas partes da capa por sua vez, depois de prontas, foram costuradas uma na outra com corda de sisal. Em seguida, para dar melhor acabamento na lateral do livro, sobras da fibra foram coladas tampando a costura externa da caixa. Na Figura 17 seguem as fotos da lateral, da frente e das bordas internas da capa do Corpo-híbrido.
Fonte: Elaborado pela autora
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8.2 Fone de ouvido Para construção do fone de ouvido, um coco seco foi cortado lateralmente de modo a obter duas tampas. Para que ambos lados do fone tivessem o mesmo tamanho, foram feitas marcações no fone para guiar o corte, que foi feito com arco de serra. O coco não foi lixado, pois buscou-se um aspecto mais rústico ao objeto. Em seguida partiu-se para a construção do abafador do fone. Ele foi feito com uma espuma de espessura de 20mm. Nesse processo, 4 discos foram cortados. Dois menores com o diâmetro do coco (90mm), e dois maiores com o diâmetro de 110mm. Os discos maiores foram cobertos com tecido estampado para representar o Pinâtex e os discos menores foram cobertos com um tecido liso para representar a parte interna do fone. O processo de cobertura dos discos foi feito costurado à mão e a colagem dos discos no coco foi feita com cola de contato.
32
O próximo passo foi a preparação do arco do fone. Nesse caso foi feita apenas uma simulação, com tinta dourada em um arame galvanizado, que foi conformado manualmente e preso ao fone com cola de contato. A segunda parte do arco, que seria de madeira foi feita com um arquinho de cabeça (também conhecida como tiara) que foi coberto com o mesmo material do interior do fone (disco menor). O mesmo fio de sisal utilizado no livro foi usado para costurar o arame no arco, devido as limitações da situação de pandemia. Além disso, por se tratar de um projeto artesanal e experimental coube ao projeto a solução encontrada. Seguem imagens do fone (Figura 18).
Figura 18: Imagens do fone de ouvido que compõe o corpo-híbrido
Fonte: Elaborado pela autora
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8.3 Cartões Instrucionais Figura 19: Cartões instrucionais do corpo-híbrido
A partir do tamanho interior da caixa, foram feitos os cartões instrucionais com dimensão de 100X150. Os cartões se dividem em duas partes: Caderno de instrução preliminar, que explica o contexto do projeto e 40 cartões com diferentes proposições de danças subjetivas. O caderno instrucional é composto de 8 páginas cortadas e costuradas à mão. E os cartões seguem separados, e foram todos cortados também à mão. Seguem imagens dos cartões instrucionais (Figura 19).
Fonte: Elaborado pela autora
34
35
Fonte: Elaborado pela autora
Figura 20: Imagens do protótipo final do pr
9. Memorial descritivo O corpo-híbrido nasce a partir de uma fusão entre o corpo-ser (seres humanos) e o corpo-objeto (artefatos inventados pelos seres humanos). E representa a relação de simbiose que a humanidade estabelece com suas criações, em que a partir do momento que uma necessidade é traduzida em um objeto, esse objeto se torna parte imprescindível do seu cotidiano. Este é um livro-objeto que mistura elementos escultóricos e gráficos para a proposição de ações que levem o ser humano ao movimento político de ir de encontro a sua própria identidade, através da dança. As ações propostas pelos cartões instrucionais buscam por chacoalhar nossos conceitos do que é ou não é dança, e do que cada pessoa é ou pode vir a ser, ou deixar de ser, para contribuir em prol de uma sociedade que consiga viver em equilíbrio com outros seres da natureza que nos circundam e buscam por sobreviver. O corpo-híbrido é composto pela caixa, cartões instrucionais e fone de ouvido. O fone de ouvido é uma sugestão para que o usuário se conecte com as músicas que o levarão a realizar as ações, mas nada impede que as ações sejam executadas em silêncio, já que o fone também é um abafador dos sons externos. Além disso, por ser um fone sem fio (bluetooth) extremamente leve, ele permite maior liberdade dos movimentos.
Os materiais utilizados para composição da caixa e do fone foram pensados para trazer elementos naturais e sustentáveis para o produto. Isso porque buscou-se representar a coexistência do ambiente modificado pelo ser humano com o ambiente natural. O coco é um alimento altamente nutritivo e acessível, bastante presente no cotidiano da população brasileira, havendo portanto, um grande volume de subprodutos provenientes do coco que podem ser aplicados no projeto de produtos. Para a caixa, foi utilizada a fibra de coco verde e para o fone a casca do coco seco. O couro de abacaxi proposto para revestimento do abafador do fone por sua vez, se constitui em um exemplo de tecido sustentável obtido a partir das fibras de abacaxi e que se constitui em um exemplo de como a tecnologia pode ser utilizada em prol de reduzir os impactos das ações humanas. O fechamento do livro foi feito com uma corda de sisal, envolvendo-o com um laço. O projeto gráfico foi pensado para que o livro fosse acessível a deficientes visuais, utilizando uma fonte adaptada para impressão em braille, dessa forma, texto impresso em tinta e em braille coincidem. Seguem ilustradas imagens de apresentação do livro produzido, Corpo-híbrido: Livro-objeto para extensão e expressão do corpo humano (Figura 20). 36
rojeto
37
Fonte: Elaborado pela autora
10. Considerações Finais Diante do contexto de pandemia o vídeo performance de corpos em movimento, ficará para um possível desdobramento futuro do projeto. Quando momentos coletivos em segurança forem possíveis novamente, sendo um último suspiro de esperanças por dias melhores para a humanidade. Pretende-se, criar uma performance continuada, onde a cada nova experiência de interação entre livro-objeto e ser humano, uma nova performance possa iniciar e ser registrada. Espera-se também a partir do projeto aprofundar os estudos nos temas abordados e executar outras ideias desdobradas na geração de ideias e de alternativas de modo a construir uma série sob a mesma temática.
38
39
11. Referências CADÔR, A. Ainda: o livro como performance. Belo Horizonte: Museu de Arte da Pampulha, 2014. 100 p. LONGHI, R. Intermedia, ou para Entender as Poéticas Digitais. In: Congresso Anual em Ciência da Comunicação, XXV, 2002, Salvador. Disponível em: < http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/13385 5906519997470982936078959703706716.pdf> Acesso em: 20 de jan. 2021. HELLER, C.; RUB, M; SEEMANN, T. Visual Braille .TFF, 2009. Disponível em: <http://nm.merz-akademie.de/~theo.seemann/visualbraille/>. Acesso em: 10 de fev. 2021. Fashionlab Co. LAB Alert — Pinãtex, tecido feito a partir das folhas do abacaxi, 2020. Disponível em: <https://medium.com/@fashionlab. co/lab-alert-pin%C3%A3tex-tecido-feito-a-partir-das-folhas-doabacaxi-b623385cfc7c>. Acesso em: 10 de fev. 2021. Gazeta do Povo. Alumínio ameaça pôr fim à “era do plástico” no mundo das bebidas, 2019. Disponível em: <https://www.gazetadopovo. com.br/economia/aluminio-ameaca-por-fim-a-era-do-plastico-nomundo-das-bebidas/>. Acesso em: 10 de fev. 2021. Risotrip. Porque imprimir em riso?, 2021. Disponível em: <https://risotrip.co/Impressao>. Acesso em: 10 de fev. 2021. Colab55. Entenda por que estamos viciados em Risografia, 2021. Disponível em: <https://www.colab55.com/collections/entenda-porque-estamos-viciados-em-risografia>. Acesso em: 10 de fev. 2021.
Figuras: Figura 08: Esquerda: exemplo de fibra de coco em detalhe; direita: vaso de xaxim construído manualmente. Disponível em: <https:// flores.culturamix.com/informacoes/fibra-de-coco-verde>. Acesso em 09 fev. 2021. Figura 10: Esquerda, tigela feita com casca de coco seco; direita, casca em natura. Disponível em: < https://revistagloborural.globo. com/Noticias/noticia/2015/08/use-sobras-das-cascas-de-cocopara-fazer-adubo.html>. acesso em 09 fev. 2021. Figura 11: Painel com referências de fones do tipo headset. Disponível em: <https://pin.it/41taiG6>. Acesso em 10 fev. 2021. Figura 13: Imagens do tecido Pinãtex. Disponível em: <https://www. ananas-anam.com/products-2/>. Acesso em: 10 de fev. 2021.
40
41
12. Apêndices 12.1 Cronograma de execução do projeto
CRONOGRAMA GERAL DE EXECUÇÃO DO PROJETO Etapa 1 Conhecer o corpo
Abril/2020
Maio/2020
Etapa 2 Conceber o corpo
Junho/2020
Outubro/2020
Novembro/2020
Dezembro/2020
Recesso
- Leitura bibliografias indicadas pela banca - Revisão do projeto Informacional após a banca de qualificação
- Revisão do projeto Informacional após a banca de qualificação - Início recesso dia 24
Definição do Tema
-Pesquisa bibliográfica inicial -Mapa mental
-Planejamento -Pesquisa bibliográfica inicial
Julho/2020
Agosto/2020
Setembro/2020
Janeiro/2021
Fevereiro/2021
Março/2021
-Pesquisa Contextual (entrevistas) -Desenvolvimento Personas -Pesquisa bibliográfica corpo-ser
-Pesquisa bibliográfica corpo-ser -Pesquisa bibliográfica corpo-objeto
-Briefing e Conceito (início) -Geração de ideias (início) -Banca de qualificação
- Fim recesso dia 18 - Reestruturação do relatório de projeto - Briefing - Conceito
- Geração de ideias - Geração de alternativas
- Protótipo - Finalização e revisão do relatório de projeto
Fonte: Elaborado pela autora
42
12.2 Detalhamento técnico
240
300
30
150
50
200
Nº
01 02
C o mp o ne nte s TÍTULO :
Xa xim d e fib ra d e c o c o
C a p a d o Livro
Fio de sisa l
NO M E:
Bruna Alm e id a d e So uza And ra d e 43
A4
FOLHA F:O4LHA1 1DED1E 1
ESCALA ESC A LA1:4 :1
180
8
120
3 4
Nº
01 02
C o mp o ne nte s TÍTULO :
C o uro d e a b a c a xi Pinã te x
A c o lc ho a m e nto fo ne d e o uvid o
Bo tã o d e p re ssã o 8m m
44
NO M E:
Bruna Alm e id a d e So uza And ra d e
F:O1LHA1 DE 1 D1E 1 FOLHA
A4
ESC ALA :1 ESCALA 1:1
5
30
10 5 R1
10 1
90
110
100
50
130
R7 0
20
22, 49
30
R12, 50 R17, 50
Nº
C o mp o ne nte s TÍTULO :
01 02 03 04
Pino d e m a d e ira
05
Re g ula d o r de m e ta l
A b a fa d o r d e e sp um a e te c id o
Fo ne d e o uvid o m onta g e m c o m p le ta
A b a fa d o r e xte rno c a sc a d e c o c o
A4
Ha ste d e m a d e ira NO M E:
Bruna Alm e id a d e So uza And ra d e
45
F:O3LHA11DE DE11 FOLHA
ESC A LA1:3 :1 ESCALA
12.3 Páginas do caderno instrucional
CORPO HIBRIDO
LIVRO OBJETO PARA EXTENSAO E EXPRESSAO DO CORPO HUMANO
BRUNA A S ANDRADE
ESTE LIVRO BUSCA PROPOR QUE VOCE ENTRE EM UMA VIAGEMPARA DENTRO DE SI MESMO E A PARTIR DESSA VIAGEM POSSA SE CONECTAR COM SEU CORPO E COM O AMBIENTE QUE O CERCA
46
O MOVIMENTO PROPOSTO POR SUA VEZ PODE VIR DE DENTRO PARA FORA OU DE FORA PARA DENTRO E COM A AMPLITUDE QUE SEU CORPO DESEJAR
O MOVIMENTO DE CONTEMPLAR TAMBEM SE CONSTITUI EM MOVIMENTO
ESTE LIVRO BUSCA PROPOR CARTOES QUE OS VOCE ENTRE QUE EM UMA SEGUEM SAO PROPOSTAS VIAGEMPARA DENTRO DE QUE SI PODEM MESMOSER E ACOMPARTILHADAS PARTIR DESSA ASSIMPOSSA COMO SE SEMENTES VIAGEM CONECTAR COM FAMILIARES COMAMIGOS SEU CORPO E COM OOU CONSIGO AMBIENTE QUEMESMO O CERCA
47
Escala 1:1
12.4 Cartões instrucionais
DANCE DANCE
UMA DANCA
UMA DANCA
QUE TE CONECTE
EMPATICA
COM UM DESCONHECIDO
ESTE LIVRO BUSCA PROPOR DANCE UMA DANCA COMO SE NAO FOSSE VOCE DANCANDO
48
QUE VOCEDANCE ENTRE EM UMA VIAGEMPARA DENTRO DE SI UMA DANCA MESMO E ASEPARTIR DESSA COMO NINGUEM VIAGEM POSSA SEVENDO CONECTAR ESTIVESSE COM SEU CORPO E COM O VOCE DANCAR AMBIENTE QUE O CERCA
DANCE DANCE UMA DANCA UMA DANCA COMO SE QUE TE LEVA TODO MUNDO PARA O MEIO ESTIVESSE VENDO DA NATUREZA VOCE DANCAR
DANCE
DANCE
UMA DANCA
UMA DANCA
QUE TE
QUE TE
RECONECTA
DESCONECTA
49
Escala 1:1
DANCE
DANCE
UMA DANCA
UMA DANCA
QUE TE
QUE TE
PREENCHE
ESVAZIA
DANCE
DANCE
UMA DANCA
UMA DANCA
COLETIVA
PESSOAL
50
DANCE
DANCE
UMA DANCA
UMA DANCA
IMPESSOAL
GRANDE
DANCE
DANCE
UMA DANCA
UMA DANCA
PEQUENA
QUE ACALMA
51
Escala 1:1
DANCE
DANCE
UMA DANCA
UMA DANCA
AGITADA
CANSATIVA
DANCE
DANCE
UMA DANCA
UMA DANCA
TRANQUILA
QUIETA
52
DANCE
DANCE
UMA DANCA
UMA DANCA
REPETITIVA
QUADRADA
DANCE
DANCE
UMA DANCA
UMA DANCA
REDONDA
INFINITA
53
Escala 1:1
DANCE
DANCE
UMA DANCA
UMA DANCA
AMARELA
VERMELHA
DANCE
DANCE
UMA DANCA
UMA DANCA
AZUL
VERDE
54
DANCE
DANCE
UMA DANCA
UMA DANCA
IMPOSSIVEL
POSSIVEL
DANCE
DANCE
UMA DANCA
UMA DANCA
ROXA
COLORIDA
55
Escala 1:1
DANCE
DANCE
UMA DANCA
UMA DANCA
ESQUISITA
DOCE
DANCE
DANCE
UMA DANCA
UMA DANCA
SALGADA
APERTADA
56
DANCE
DANCE
UMA DANCA
UMA DANCA
FOLGADA
TRISTE
DANCE
DANCE
UMA DANCA
UMA DANCA
FELIZ
NATURAL
57
Escala 1:1
12.5 Formulário de Pesquisa Anônimo
Dança e Expressão Pessoal Ei! Obrigada por colabor ar com esta pesquisa. A par tir deste questionário busca-se por conhecer dif erentes relações pessoais com a dança. Sua par ticipação ser á completamente anônima. *Obrigatório
1.
Dança para você é... *
2.
Qual a sua relação com a dança? *
3.
Como e quando a sua história com a dança começou? *
58
4.
Se você pudesse associar o seu momento de conexão com a dança com uma cor qual cor ser ia? *
5.
Se você pudesse descrever o seu momento de conexão com a dança em uma palavra qual palavra ser ia? *
6.
Se você pudesse re presentar os principais movimentos presentes na sua dança em uma forma geométrica qual forma seria? *
7.
A dança faz parte da sua vida de maneira profissional? * Marcar apenas uma oval. Sim Não
59
4.
Se você pudesse associar o seu momento de conexão com a dança com uma cor qual cor ser ia? *
5.
Se você pudesse descrever o seu momento de conexão com a dança em uma palavra qual palavra ser ia? *
6.
Se você pudesse re presentar os principais movimentos presentes na sua dança em uma forma geométrica qual forma seria? *
7.
A dança faz parte da sua vida de maneira profissional? * Marcar apenas uma oval. Sim Não
60
11.
Você possui condições de pagar regularmente por aulas de dança? (Caso queira comentar algo sobre utilize o ca mpo outros). * Marcar apenas uma oval. Sim. Não. Prefiro não informar . Outro:
12.
Você se identifica com algum gênero? * Marcar apenas uma oval. Mulher Cis Mulher Trans Homem Ci s Homem Trans Prefiro não informar . Outro:
13.
Você se autodeclara como: * Marcar apenas uma oval. Preto. Pardo. Indígena. Branco. Amarelo. Prefiro não informar . Outro:
61
62
63