Revista Páginas de São Paulo

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Revista Mensal - Edição 01 - Ano 01 Janeiro / 2010

Coleção SAN/DIM/DPH/SMC/PMSP

Distribuição Gratuita

Entrevista Marcelo Min, ex-fotógrafo da revista Carta Capital, IstoÉ e do jornal Folha de São Paulo, fala sobre um problema social esquecido pelas pessoas. 12

História Quase dois séculos depois, a Praça da República mantém sua tradição histórica na

Francisco de Almeida Lopes

Cidade de São Paulo. 16 O edifício Caetano de Campos guarda histórias que remontam uma época em que o ensino no país era coisa séria. 20

Transporte O Metrô confirma: obras para construção da futura estação da linha 4 –Amarela, que fará integração com a Estação República, será entregue em 2010. 24

Especial Um pouco mais sobre a famosa Feira de Artes e Artesanato e os personagens que fizeram da Praça da República o lugar tão conhecido – os hippies! 28

Bruna Dias/ Ag. Pág. de SP

Perfil

Cultura Uma reportagem especial sobre os antigos cinemas da Região Central de São Paulo para os que gostam de um pouco de entretenimento. 40

Páginas desta edição 8. Desabafo: fala paulistano! 10. Estilo 36. Infraestrutura 38. Crônica 44. Gastronomia

Serviços .46 Infográfico .48 Fotos .50 Humor .52 Artigo .54

Luizada, a cara da praça. 32 Páginas de São Paulo

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A revista Páginas de São Paulo é uma produção dos alunos do VIII semestre de jornalismo da Universidade Metodista de São Paulo. Com valor didático e acadêmico, a revista traz um repleto conteúdo sobre a história de importantes marcos do centro da capital paulista. Ela é dirigida a moradores, frequentadores, comerciantes, prestadores de serviços, ONGs e empresários ligados ao centro. DIRETOR RESPONSÁVEL Suellen Boconcelo EDITOR RESPONSÁVEL Leandro Volcov COORDENAÇÃO Mateus Simões DIRETOR DE ARTE Bruna Dias EQUIPE DE REPORTAGEM Alessandro Pasi Caio Tosi Ramon de Castro IMAGENS DESTA EDIÇÃO Banco de imagens da Ag. Pág. de SP, ONG Viva o Centro, Assessoria de Imprensa do Metrô, CONDEPHAAT, Seção de Arquivos Negativos do Museu da Cidade de São Paulo, Acervo Histórico Caetano de Campos - CRE Mario Covas/CENP/SEE e arquivos pessoais. IMPRESSÃO Fit Graphics REVISÃO Ivete Silva AGRADECIMENTOS Antonio Ricardo Soriano Danniel Christian Lucas Gustavo Gravena Ferreira José Leandro Arnaldi Marcelo Rizzo Rodrigues Distribuição gratuita Dúvidas, sugestões e opiniões sobre a revista Páginas de São Paulo, envie uma email para: paginasnews@paginasdesaopaulo. com.br

Jamais ouvi uma criança, nascida na cidade de São Paulo, implorar à sua mãe para que a leve até à Praça da República para brincar.Talvez ouvisse de sua progenitora: “E o que é que você irá fazer por lá? Ser assaltado”? Comum! Talvez, essa mamãe ficaria espantada se um dia soubesse que a mesma praça era o palco de lazer aos fins de semana do povo paulistano, rico em árvores e com um ambiente verde inspirador. E o que se sucedeu para que ela se tornasse tal como é hoje e obter a fama que tem? O tempo e a história podem dizer, e, mais especificamente, o crescimento populacional da região central e as obras efetuadas por nossos governantes para melhorar o acesso e ampliar a circulação na cidade. Na década de 1970, deram-se início às construções do metrô no local, o que afastou a ‘boa gente’, os artistas hippies e os admiradores da boa natureza e trouxe, junto com a mobilidade e acessibilidade, comerciantes, prédios robustos e outras obras que tornaram o verde em cinza de puro concreto. Uma selva de pedras! Vivemos em meio à tão grande degradação, não somente da referida praça, mas também do centro e apenas sabemos delimitar nossa indignação. Reclamamos! Como fazer para que nossa contribuição com o reavivamento de tal região seja notada e revele algum resultado socialmente responsável? Revitalizar o orgulho, concebendo os fatos históricos de marcos importantes do centro foi a maneira encontrada por nós, jornalistas, ou contadores de história, para levar aspiração aos paulistanos frequentadores deste lugar. Somos parte responsável por esta degradação, por isso, daremos um suporte, um dicionário para consulta que fala a língua dos moradores que vivem por lá, um espaço aberto para contestação pública, sendo essa a alma da Páginas de São Paulo. É árdua a luta hoje de historiadores realmente comprometidos com a ruptura da história factual e dita “Oficial” contra o sistema de dominação que reina na produção do conhecimento histórico. Com a prestação de serviço e do bom jornalismo apurador, nossa missão é fazer de você leitor um conhecedor da história, da vida e da riqueza que a região, começando pela Praça da República, já desfrutou e pode voltar a desfrutar. Esta edição traz informações do andamento das obras de reestruturação tanto da praça quanto da estação de metrô da República. Para os que se interessam mais por tendências e estilos, a Páginas de São Paulo preparou uma seção de comportamentos, que mostra os diferentes gostos e naipes que circulam por lá. Os monumentos históricos da praça não poderiam ficar de fora, sendo assim matérias como Instituição Caetano de Campos e uma matéria especial sobre os cinemas da região central de São Paulo compõem esse pout pourrit de informações, além de uma reportagem sobre a famosa feira de artesanato. Por falar em feira de artesanato, os hippies, personagens que fizeram da praça um marco histórico na vida da cidade de São Paulo, conquistaram duas páginas desta edição para demonstrar a importância do movimento e as revoluções que ele trouxe para o local.

TIRAGEM 20 mil exemplares FOTO CAPA Fabio Mattos

Páginas de São Paulo

LEANDRO VOLCOV Janeiro / 2010

Arquivo / Ag. Pág. de SP

História e vida



DESABAFO

“Espero que as obras terminem o quanto antes para que a praça esteja novamente radiante.” Ademir Marin, 60 anos

“Com certeza irei voltar. Encontrei muitas coisas que eu quero, mas não tenho dinheiro para tudo.”

“Tem sujeira por todo lado e o fedor também é forte.” Carla Vecchiatto, 30 anos

Jaime Fregel Junior, 18 anos

“Sempre que posso, venho para feira conferir as novidades artesanais.” Carina Midori, 32 anos

“Ainda que tenha meninos de rua e mendigos, a Praça da República sempre será especial.”

“A praça já foi mais bonita. Não sei se pelas obras ou pelo tempo, mas hoje está bem acabadinha.”

Marcos Gonçalves de Lima, 27 anos

Dorly Correa Pinheiro, 44 anos

“Há uma mistura de culturas na praça que a torna, no mínimo, exótica.” Eliane Parra, 40 anos

“A praça está bem bagunçada, mesmo assim é um ótimo passeio.”

“Aqui tem vários produtos, como camisetas e bonés, muito bonitas e baratas.”

Marina Queiroz Telles, 20 anos

Vinicius Santos, 19 anos

“Com certeza o metrô trará algum progresso, mas deveriam cuidar melhor da praça.” Marçal Tonon, 45 anos

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esTILO

A moda na praça Arquivo Pessoal

Diversas tribos andam pela República | Bruna Dias e Suellen Boconcelo

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revista Páginas de São Paulo se encarregou de listar estilos de pessoas que circulam na Praça da República. Desse conjunto, é possível observar diversidades e apontar algumas tendências que o local pode trazer. Para isso, convidamos a estilista Léa Bertolim para fazer análise do mundo fashion na praça. Nesta lista encontram-se os mais diversos comportamentos e hábitos de pessoas comuns, mas não se preocupe! Estilo é algo de cada um, sem regras claras, sem certo ou errado, mas que reflita a leveza do verão e a identificação da região ou da própria República. Quem se dispõe a aprimorar o próprio jeito de se vestir deve estar de cabeça aberta às informações e olhos vivos nelas. Então, use e abuse! Essa é a dica que damos a você.

Os brasileiros não têm o hábito de usar o chapéu como os europeus e americanos. A combinação de botas de cano alto com a calça justa deixa o look mais elegante e com cara de dias mais frios.

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Suellen Boconcelo / Ag. Pág. de SP

Suellen Boconcelo / Ag. Pág. de SP

Suellen Boconcelo / Ag. Pág. de SP

Léa Bertolim, formada em moda. Atualmente é estilista da loja Pop Chiq.

As tatuagens do casal são uma marca expressiva que combinado com o jeans trazem um estilo contemporâneo, formando um visual casual básico.

O look básico com acessórios coloridos deu vida à roupa. O charme fica por conta do moranguinho pendurado no shorts.

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Suellen Boconcelo / Ag. Pág. de SP

Suellen Boconcelo / Ag. Pág. de SP

Dá para notar muita influência musical no estilo dele, não só pela boina estilo Bob Marley. Gostei muito da combinação do desenho da camiseta com a calça estampada.

Suellen Boconcelo / Ag. Pág. de SP

O estilo despojado tem tudo a ver com uma passeada light de fim de semana. Os lenços xadrez estilo pashimina estão em alta desde o inverno do ano passado e completam muito bem um look mais básico.

O detalhe da flor no cabelo está super em alta no exterior. A camiseta da Grifinória, estilo Harry Potter, deixou seu look ainda mais jovem e divertido! O tênis com efeito metálico trás modernidade ao visual.

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Suellen Boconcelo / Ag. Pág. de SP

Suellen Boconcelo / Ag. Pág. de SP

O estilo esportivo é ideal para uma confortável caminhada na praça aos finais de semana com a família e os amigos.

O casal combinou estilos diferentes. A leveza do estilo dela constrasta com o óculos moderno e o cabelo ousado do seu par. A combinação com uma roupa mais neutra traz destaque para o rosto.

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Anna Carolina Russo

Entrevista

O retrato dos meninos da praça | Bruna Dias e Suellen Boconcelo A dolorosa situação dos meninos e meninas de rua das grandes cidades do Brasil tem chamado a atenção do mundo inteiro. A repercussão dessa realidade sempre chega à imprensa internacional que se pergunta: como é possível deixar tantas crianças abandonadas nas ruas, sem teto e com fome? Essa realidade é difícil de ser entendida por quem não conhece o país, ou veio só de passagem. Quem passa como turista pelo Brasil vê o dia-a-dia das ruas e não imagina que aqueles meninos na praça não estão ali brincando. Eles pedem esmola e não estão na escola para estudar. Segundo os dados do último censo realizado em 2000, existem cerca de 10 mil moradores de rua na cidade de São Paulo. Destes, 2,5 mil se encontram na região central Marcelo Min, fotojornalista da capital. A pesquisa revela também que 85% são homens e 15% mulheres e, desse montante, 10% são menores de idade. Cada um deles tem entre 7 e 20 anos de idade, uma história e uma personalidade. Todos, porém, são marcos de uma infância perdida. Para essas crianças, viver nas ruas é o único refúgio em meio ao desprezo social. Abandonadas, vivem com os perigos da cidade grande. O crime, para elas, é outra via de sobrevivência e porta de entrada para as drogas. Dessa realidade, o fotojornalista Marcelo Min não obteve ganhos financeiros, mas os benefícios que a sociedade pode tirar desse trabalho serão significativos. As imagens com que ele trabalha revelam como vivem as crianças de rua. Há 13 anos como fotógrafo, ele conta sua experiência de quando buscou retratar um problema social pouco lembrado pelos governos. Em entrevista à Páginas de São Paulo, o ex-fotógrafo das revistas Época, Carta Capital, IstoÉ e do jornal Folha de S.Paulo contou um pouco mais sobre esse trabalho. Páginas de São Paulo: Por que você decidiu fazer esse trabalho? Marcelo Min: Como morava no Centro, decidi conhecer um pouco mais sobre essa realidade invisível para a sociedade. Cheguei a gravar conversas, mas sem ser formal. No final acabou dando certo, juntei um bom material com as fotos e publiquei no site Jornalirismo. Acredito que eu esteja contribuindo para a discussão do tema, pela necessidade de comunicar esse assunto grave que acontece nos dias de hoje. Marcelo Min

As águas da chuva servem de banho e diversão para os garotos 12

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Páginas de São Paulo: Como os meninos foram abordados por você? Houve alguma relutância da parte deles? Marcelo Min: Eu tinha um escritório no Edifício Esther e sempre os encontrava. Às vezes eles me cumprimentavam e passei a ser conhecido como “o fotógrafo”. Na verdade, não houve relutância. Eu cresci no Centro de São Paulo. As crianças são como uma paisagem urbana, não havia distância entre nós. PSP: Como foi o trabalho com as crianças? Quanto tempo durou? MM: O trabalho das fotos não foi uma coisa muito formalizada, com começo e fim. Como eu morei no centro por muito tempo, tive escritório lá durante três ou quatro anos, às vezes os encontrava, conversava e tirava fotos. Esse trabalho dos meninos em específico durou uns três anos, mas não seguidamente. Acabou no ano passado. Às vezes eu passava lá para tirar fotos, às vezes não. PSP: Você já havia realizado este trabalho antes, com meninos de rua? MM: Nada prático. Nunca fiz uma reportagem formal com esse material. Na internet sim, mas nada para ganhar dinheiro. Com meninos de rua acho que foi a primeira vez. Já tinha documentado algumas cenas, tive um grupo há alguns Janeiro / 2010


Marcelo Min

anos em Perdizes, embaixo do Minhocão. Então, já faz algum tempo que trabalho com este tema, infância perdida. PSP: Como se sentiu ao vivenciar essa realidade? MM: É uma realidade bem triste. Todos eles são de famílias desestruturadas, apesar de terem suas casas. A grande parte das crianças e jovens sofrem violência doméstica e muitos têm problemas com o uso de drogas, como cola de sapateiro, crack e cocaína. PSP: O uso das drogas era frequente? Eles usaram alguma droga perto de você? MM: Sim, usavam cola. Às vezes, criavam uma mistura de esmalte com suco em pó para cheirar. Crack também já os vi fumando. Eles costumavam ir à Cracolândia, ficavam por alguns dias e depois retornavam para a República. Infelizmente, eles não têm acesso a nenhum tipo de remuneração ou de oportunidade. Então, a única maneira de conseguirem dinheiro para comprar drogas é fazendo pequenos furtos ou pedindo trocados nas ruas.

Marcelo Min

Garoto abre os braços para um futuro de incertezas

PSP: Eles contaram suas histórias? Por que e como foram parar ali? MM: Eles contavam sim, sempre contavam. Tinham problemas em casa, com os padrastos, tinham medo e fugiam de casa. Às vezes, eram de outra cidade, da Baixada Santista ou da Zona Leste. Ali no Centro, eles conseguiam arrecadar mais dinheiro e encontrar outros garotos e garotas, além de ter acesso mais fácil ao esmalte e ao crack. PSP: Durante seu trabalho com as crianças, presenciou algum contato delas com a polícia? Como foi? MM: Já presenciei várias batidas policiais, paredão, crianças sendo levadas para a Fundação Casa. Muitas vezes de manhã, enquanto eles dormiam debaixo dos toldos das lojas, os policiais chegavam expulsando-os de lá. Eu já vi alguns policiais correndo atrás de cinco crianças enquanto dirigiam. Também já os vi revistar, algemar e brigar com alguns garotos, mas nunca bater gratuitamente. No entanto, eles contam que isso acontece muito. Janeiro / 2010

Como refúgio nas noites solitárias os jovens entram nas drogas

PSP: Qual o número de crianças que ajudaram na realização do trabalho? MM: Na verdade, eu não sei nem se pode ser chamado de trabalho, foi mais uma documentação do que eu estava presenciando diariamente. Algumas crianças sumiam, passavam algum tempo fora e voltavam. São grupos grandes. Não tenho muita noção de quantas participaram, mas acredito que eram entre 30 e 40 crianças. PSP: Antes de ter essa experiência, você tinha uma impressão que mudou ao longo do trabalho? MM: Acho que sim. A gente tem uma idéia preconceituosa e não são só das crianças, tem os adultos também. Eles são super carentes, sem estrutura nenhuma e sem futuro nenhum. Drogas, violência e morte. Eles começam a se drogar muito cedo, existe a violência, gravidez precoce e etc. São crianças que, muitas vezes, nascem com uma mãe que teve graves problemas com drogas. É complicado e muito triste. Infelizmente, a sociedade finge que não existe. É um problema invisível, porque você está lidando com crianças, e isso é um sintoma de doença da sociedade brasileira. Sim, brasileira, pois isso não acontece só em São Paulo. É uma questão pertubadora de como a nossa sociedade se organizou e a gente tem que resolver os problemas das crianças moradoras de rua. Marcelo Min

Para muitos desses garotos, as calçadas servem de cama Páginas de São Paulo

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história

SMC/PMSP Coleção SAN/DIM/DPH/

QUASE DOIS SÉCULOS DE PRAÇA DA

A Praça é um dos mais antigos e tradicionais pontos da cidade, e o núcleo de um dos menores distritos de São Paulo. Situada entre o Largo do Arouche e o Vale do Anhangabaú conta com mais de 50 mil habitantes | Alessandro Pasi

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m dos pontos históricos mais importantes de São Paulo e conhecida por quase todos moradores da cidade, foi constantemente depredada pela falta de atuação das autoridades e de seus usuários. Junto a ela e seu passado, o paulistano moderno pode perceber como a cidade atravessou as décadas e de que maneira desenvolveu suas configurações social e urbana. A história da praça começa no início do século XIX. Naquele tempo, uma área foi reservada entre a Chácara do Chá, que pertencia ao cadete Joaquim José dos Santos, futuro Barão de Itapetininga, e a chácara do General José Arouche de Toledo Rondon.

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Seu primeiro nome foi Praça da Legião, pois era destinada a abrigar exercícios militares e suas marchas. A idéia de fazer da praça uma área de lazer surgiu, em 1817, da cabeça de um engenheiro chamado Daniel Pedro Muller. Por decisão de Dom João VI, a Praça dos Milicianos ganhou um anfiteatro de madeira para abrigar touradas, espetáculo que jamais caiu no gosto do brasileiro. Por causa desses eventos, o espaço ganhou um novo nome, mais popular. Passou a chamar-se Praça dos Curros, até meados de 1860. Já em 1865, as instalações viraram ruínas e foram desmontadas. Nesse ano, o lugar passou a ser denominado Largo 7 de Abril, em homenagem à

regência, quando o Imperador Dom Pedro I abdicou do trono deixandoo para seu filho, Dom Pedro II, então com cinco anos. Só com o advento da República, em 1889, o local ganhou o nome pelo qual é conhecido hoje. Segundo o historiador Nuto Sant´Ana, foi no Paço da cidade onde se decidiu o assunto. Sant´Ana afirma que “houve calorosa discussão sobre a nova nomenclatura da praça, uns, favoráveis a nova forma de governo, queriam Praça 15 de Novembro, data de maior importância do calendário republicano, mas esta já havia sido usada em uma avenida importante, outros, partidários da monarquia, defendiam a permanência

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Coleção SAN/DIM/DPH/ SMC/PMSP

REPÚBLICA

Praça da República em diferentes períodos (esquerda em 1890, direita em 1900)

do nome Largo 7 de Abril, mas foi o vereador Domingos Correa de Morais que ofereceu a idéia vencedora: A praça chamar-se-ia República”. Com a construção da Escola Normal Caetano de Campos (em 1894), a área começou a urbanizar-se. Até então, o local era pobre, quase desértico, não fosse por algumas vendinhas. Os pioneiros foram os capitalistas oligárquicos, que recebiam terras em pagamento de dívidas. Com o investimento dos dólares do café, em 1905, o espaço foi totalmente reformado, ganhando seu feitio atual, como diz Rosa Kliass em seu livro Parques Urbanos de São Paulo, com pedras e lagos artificiais, cruzados por

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pontes rústicas, rochedos, contando com uma área aproximada de 30 mil metros quadrados. No século XX, a Praça da República foi palco de alguns confrontos entre cidadãos e governo. No mais importante deles, em 23 de maio de 1932, no solo da praça, os estudantes de direito Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo tombaram em confronto com policiais e se tornaram mártires na luta paulista por uma constituição. Nascia aí o MMDC, o movimento revolucionário que leva as iniciais desses estudantes e que identifica a Revolução Constitucionalista de 1932. As décadas de 1940 e 1950 foram marcadas pela presença dos colecionadores de selos e moedas. A Feira Filatélica e Numismática chegou a ser explorada com um viés turístico e teve destacada presença de estrangeiros em busca de raridades. No início da década de 1960, a cidade de São Paulo era conhecida como “A cidade que mais cresce no mundo”. Os hippies, no auge do movimento, haviam tomado a Praça da República de assalto. A área era, para esses jovens, um oásis natural onde podiam fazer os seus trabalhos manuais e, ao mesmo tempo, vendê-los às pessoas que cruzavam o local para irem de uma parte a outra da cidade. A assim a chamada “Feira Hippie”, criada em 1966, sofreu com a repressão policial no seu início, devido à pouca aceitação por parte da sociedade dos cabelos longos, das roupas coloridas e do uso de entorpecentes, mas acabou sendo oficializada pelo prefeito Faria Lima e, por muitos anos,

foi uma grande referência de lazer do cidadão e também para o turista. No dia 19 de março de 1964, aconteceu a primeira de uma série de passeatas importantes. A Praça da República foi o ponto de partida para as pessoas que participaram da Marcha da Família com Deus pela Liberdade e que se dirigiram para a Praça da Sé. A Marcha tornou-se conhecida por preceder a derrubada do poder do então presidente João Goulart. Ela foi idealizada por eclesiásticos e militares conservadores e trazia em seu seio parte da classe média que apoiou o golpe militar de 1964, em 1° de abril do mesmo ano. Também na década de 1960, a construção de prédios modernos, que já vinham de 20 anos antes, transformaram as avenidas Ipiranga e São João nas principais da cidade. O local se firmou como ponto de encontro e centro de grandes empresas. A praça foi se tornando aos poucos um antro de malandros, prostitutas e homossexuais que ali encontraram grande facilidade para a cotidiana fuga da polícia pela avenida São Luiz, pela Praça Dom José Gaspar e pelas ruas Sete de Abril, 24 de Maio e Barão de Itapetininga. Os hippies estavam em todas as esquinas da Praça da República. Pessoas de vários lugares procuravam os trabalhos dos artesãos de cabelos longos e fitas extravagantes na cabeça, marca registrada daqueles jovens. Porém, com o tempo, já não era realidade dizer que só de hippies ocupavam a praça. Muitos outros comerciantes se aproveitaram da fama e,

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história mesmo sem as características psicodélicas, integraram-se na comercialização de peças variadas. O pintor de quadros João Carlos Pecci recorda: “Era comum ouvir diversas pessoas conversando nas mais variadas línguas, até mesmo para comprar acarajé nas barracas com as tias baianas vestidas com trajes típicos”. Os produtos mais procurados e mais produzidos eram peças em couro Floresceu, em meados dos anos 1970, e o comércio das pedras semipreciosas. No final dessa década, a presença acentuada dos camelôs na praça tornou o ambiente instável para os artistas. Descontentes com o agrupamento de comerciantes, os artesãos começaram a planejar a retirada definitiva da Praça da República. A época marca o início do conflito entre os artistas do local, os chamados hippies, e os vendedores de produtos industrializados que começavam a estabelecer-se ali com ares de comércio ilegal e barganha. O ano de 1977 foi marcado pela luta dos primeiros para buscar a originalidade dos produtos que deveriam ser vendidos nas feiras de artesanato, realizada aos domingos, contra uma gama de comerciantes que levavam produtos industrializados,

como bijuterias de prata. O jornalista e escritor Levino Ponciano conta que sua lembrança mais marcante da Praça da República aconteceu também em 1977. “Alguns estudantes faziam um protesto pacífico, sentados numa atitude de não-agressão, quando o Comandante Erasmo Dias, junto da cavalaria, decidiu atropelar aqueles jovens, e aparentemente a idéia era buscar todo mundo com cara de estudante e prender”. O que prevaleceu na República nos anos 1980 foi a desordem. Ponciano recorda que, no início da década, o maior problema da praça era “um bicho chamado trombadinha”. Segundo ele, foi nessa época que o declínio do lugar teve inicio. Protestos de cunho político e social, obras intermináveis, vendedores de muamba e aumento da violência foram os fatores determinantes para a decadência social da Praça da República. “Senhor Governador (atual e futuro) do Estado de São Paulo. Esta praça é um dos pulmões da cidade e mantêla verde é dever de mentes lúcidas e dignas nas páginas da história”. Essa foi a forma que Gílson de Abreu Marinho, o Poeta dos Tapumes, encontrou para mostrar sua apreensão com relação ao

futuro da Praça de República. Em abril de 2003, foi aberto o processo de tombamento da Praça da República por solicitação do vereador Gilberto Natalini (PSDB/SP), sendo avaliado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT), órgão da Secretaria de Estado da Cultura. O tombamento consiste em um conjunto de ações realizadas pelo poder público com o objetivo de preservar, pela aplicação da legislação específica, bens de valor histórico, cultural, arquitetônico e ambiental, impedindo que sejam destruídos. A história da Praça da República, seus problemas e benefícios são o retrato, em menores dimensões da cidade de São Paulo. Conhecer seu percurso histórico é ferramenta útil para as pessoas que pretendem entender o povo paulista, seus vícios e fazer sobressair suas virtudes. Em quase dois séculos de existência, a Praça da República viu a miséria e a riqueza, as alegrias e os sofrimentos, o amor e os conflitos de uma cidade, e teve participação em vários eventos importantes que envolveram a capital e sua população.

C/PMSP Coleção SAN/DIM/DPH/SM

Coleção SA N/DIM/D

PH/SMC/P

À esquerda, vista da Praça da República em direção as avenidas São João e Ipiranga, à direita em 1974, observando as grandes construções que cercam a praça.

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MSP



história

De volta ao Colégio Caetano de Campos

Coleção SAN/DIM/DPH/SMC/PMSP

Durante a década de 1960, o Instituto de Educação Caetano de Campos era considerada uma escola modelo. Hoje, fora da Praça da República, a instituição deixou saudades em seus ex-alunos | Leandro Volcov e Suellen Boconcelo

Edifício da Escola Normal na época de sua inauguração

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ma instituição que atravessou o século e que contem uma página importante na história do Estado de São Paulo. Dela, figuras ilustres e nacionalmente conhecidas receberam seu diploma ao concluir o colegial, entre eles o historiador Sérgio Buarque de Holanda, o escritor Mario de Andrade e o empresário e ex-dono do maior complexo industrial da América Latina, Francisco Matarazzo. Esta é a escola estadual Caetano de Campos, uma instituição que sucedeu a antiga Escola Normal de São Paulo. Criada em 1846, por decreto do Governo Provincial, a instituição funcionava no prédio anexo à antiga Catedral da Sé e foi transferida em 1894 para a Praça da República, no edifício 20

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projetado por Antonio Francisco de Paula e Ramos de Azevedo, onde permaneceu até 1977. Atualmente, está instalada ali a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. O advogado Raul Schwinden Junior, de 63 anos, estudou entre 1951 e 1965 no antigo ginásio da Escola Caetano de Campos. Segundo conta, são várias as lembranças boas que leva do lugar: “Estudei na Caetano de Campos desde o Jardim da Infância até o terceiro ano clássico (antigo colegial). Foram 14 anos, portanto. Meu pai, neste período, fora Diretor Superintendente da escola e professor de português dos cursos no ginásio e colegial, de maneira que em minha casa se ‘respirava’ o ar de Caetano de Campos, pois recebíamos

visitas de outros professores, cujas casas também frequentávamos”. Como estudou em um tempo em que as instituições de ensino do país passaram por severas mudanças, na época da ditadura militar no Brasil, Raul põe em destaque o sistema educacional de alto nível do lugar, e acredita que jamais haverá alguma instituição daquele porte nos dias atuais. “Aquilo era uma verdadeira escola, que não existe mais, nem mesmo as particulares. Professores severos e muito bem preparados, com formação universitária e que se davam respeito”, relembrou o ex-aluno Schiwinden. Ele conta também, com tom saudosista, o estilo que a instituição colocava a seus alunos: “Lembro-me que os hoJaneiro / 2010


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muito difícil de se ver”. Hanashiro, porém, lembra que no fim da década de 1970 o Colégio começou a enfrentar uma decadência no ensino. “Isso tudo enquanto Instituto de Educação, depois que virou Escola Estadual de Primeiro e Segundo Graus (no fim da década de 1960), as coisas mudaram muito. Houve uma decadência significativa na metodologia e um nível inferior de professores. Essa mudança ocorreu quando o estado instituiu em 1974 o ‘vestibulinho’. Para os alunos da rede estadual ingressarem na escola tinham que prestar este exame”, revelou.

História Em novembro de 2009, o Colégio Caetano de Campos completou 163 anos de serviços prestados à educação do Estado de São Paulo e se tornou uma referência histórica para o país. Sua fundação ocorreu em 1846, com nome de Escola Normal. Começou a funcionar no anexo da catedral da Sé com apenas um professor no curso de dois anos que atendia apenas alunos do sexo masculino. A estrutura era tão precária que

o professor Dr. Manuel José Chaves, até então único docente da instituição, recebia uma turma de alunos e lecionava até o final do segundo ano para então poder assumir uma nova turma. Por causa disso, a escola foi fechada em 1867 por escassez de verbas, logo após a aposentadoria do professor Chaves. A redenção ocorrera em 1875, quando foi reaberta numa ala antiga da Faculdade de Direito. A partir daí, a escola contava com um currículo ampliado com a inserção de matérias como Cosmografia, Geografia, História Sagrada, História Universal e do Brasil. Nesse momento, a instituição passou a aceitar mulheres. A queda na frequencia dos alunos, deficiências nas instalações e de material didático, a escola é novamente fechada em 1878. Só dois anos depois foi reaberta por um de seus alunos formados da turma de 1846, Laurindo Abelardo de Brás, presidente da Província de São Paulo. Nessa ocasião, acontece ampliação do curso de dois para três anos, desdobramento do currículo e ampliação do quadro docente. Quando Antonio Caetano de Campos assumiu a direção da Escola Normal, em janeiro de 1890, ao traçar o

Alunos no antigo prédio da escola Caetano de Campos, situada na Praça da República

Acervo Histório Caetano de Campos - CRE Mario Covas/CENP/SEE

mens iam de paletó e gravata. As mulheres com roupas discretas, sem decotes, com saias abaixo do joelho. Aos alunos e alunas era exigido uniforme com asseio total. Os rapazes vestiam terno azul marinho, camisa branca, gravata. Depois foi permitido usar blusão azul real, estampando o nome da escola no peito, com o seu brasão. Sapatos pretos sempre engraxados. As meninas tinham de usar saia azul marinho e blusa abotoada. A saia tinha de cobrir os joelhos”. Patrícia Golobemk, artista plástica de 46 anos e também ex-aluna do colégio, conta sobre como era o ensino, o sistema de notas e as matérias: “As aulas iam de segunda a sábado, com 15 a 16 matérias, nas quais tinha de se obter nota acima de oito para passar de ano. O horário era em tempo integral. Reprovação em uma matéria representava reprovação de ano. Certa vez, um professor de latim reprovou a própria filha, por causa de um ponto na nota”. Patrícia completou o antigo segundo grau no colégio entre os anos de 1978 e 1979. Falou que os que passaram por lá detinham status e alto padrão social. “No início, a escola era extremamente elitista, trazia os melhores professores do exterior, logo na sua formação. Depois, uma camada maior da população ingressou na instituição, mas todos sabiam o quanto tinham de ralar para passar. Sempre foi uma escola de nível elevado”, apontou. Lembranças da antiga Instituição Caetano de Campos é o que não falta e o professor Marcos Hanashiro, de 60 anos, tem muitas a contar: “As salas mantinham sua estrutura original, com carteiras antigas de madeira. As quadras esportivas, que serviam também de pátio para os recreios, eram de cimento poroso, sem qualquer preparação, o que rendia bons arranhões. Nos porões funcionavam os vestiários, salas com equipamentos para ginástica olímpica e as cantinas. Um ponto forte do colégio era o seu auditório, grande e de boa acústica, mesmo sem as tecnologias atuais. Naquele época, tínhamos aulas de francês e inglês, o que hoje é

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história plano de reforma no ensino, preocupou-se com a construção de um grande edifício para a Escola Normal. Foi graças à influência de Antonio Caetano de Campos que o sistema educacional foi reformulado e convertido e se tornou uma escola modelo. A pedra fundamental do novo prédio que abrigaria a escola no antigo Largo dos Curros (atual Praça da República) foi lançada em 17 de outubro de 1890. Já o fundador da instituição, Dr. Caetano de Campos, não chegou a ver a concretização do projeto, pois faleceu em 1891, dois anos antes da inauguração do novo edifício em 1893. A escola foi transformada em Instituto de Educação em 1933. Seis anos depois, passou a receber o nome de Escola Modelo, com um terceiro pavimento construído no período. Nos anos de 1940 até o fim dos anos de 1970, a reformulação ocorrera apenas nos nomes, tendo sido chamada de Instituto de Educação Caetano de Campos, depois Escola Caetano de Campos até chegar ao nome Escola Estadual Caetano de Campos. Isso ocorreu entre os anos de 1973 e 1975, quando o ensino estadual passou por alterações. Sendo assim, o Instituto Caetano de Campos perdeu a condição de casa de ensino modelo e elitista. Devido às obras do metrô na Praça da República, em 1978, o prédio já não podia mais adaptar-se às exigências de padronização contidas nos modernos critérios da construção escolar. Sendo assim, o prédio foi levado a um novo endereço. Atualmente, o prédio antigo que pertencia ao Instituto Caetano de Campos abriga a Secretaria Estadual de Educação, mas sua beleza e charme ainda levam suspiros aos que passam por ele, pois contem uma arquitetura diferenciada das demais. O atual prédio da Caetano de Campos está alocado na Rua João Guimarães Rosa, no bairro da Consolação, e continua a enfrentar os desafios que todo o sistema educacional moderno.

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Histórias que valeram por uma vida Para uns, a saudade do colégio vinha do bom ensino aplicado pelo sistema educacional da época e pelas características próprias que o Caetano de Campos possuía. Para outros, a saudade vem das boas lembranças, das amizades e dos laços que se formaram ali mesmo. Este é o caso da artista plástica Patrícia Golombek, ex-aluna que recebeu, em 1971, a cartilha, um livro que todo aluno recebia quando era alfabetizado, pelas mãos de sua professora ainda na primeira série Kiyome Okamoto Kato.

Após 38 anos, foi a vez de Patrícia conceder um presente à sua ex-mestre. “Sempre fui muito apegada às pessoas, principalmente àquelas que impulsionaram a minha carreira e fizeram parte de minha vida. A professora Kiyome foi uma delas e, neste ano, entreguei o meu livro de arte como presente de agradecimento”, conta a artista. O reencontro entre Patrícia e a ex-professora foi emocionante e cheio de lembranças para ambas. “Todo aluno sempre carrega a lembrança de um professor que fez diferença em sua vida, e essa para mim foi essa japonesa que está aqui ao meu lado”, declara Patrícia com emoção.

Arquivo Pessoal

Em 1971, Patrícia recebendo a “cartilha”, o livro em que foi alfabetizada, pelas mãos da sua professora Kiyome. Após 38 anos, a aluna entrega livro de artes de sua autoria

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Divulgação

transporte

Superlotação, estresse, atrasos, empurra-empurra e obras de reestruturação atrasadas. São palavras conhecidas daqueles que utilizam o transporte público de São Paulo e que já viraram chavões. A Estação República anda no mesmo ritmo, embora caminhe para possíveis melhorias | Leandro Volcov

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vendedor Vinicius Castilho, de 30 anos, planejou uma rota infalível para chegar até ao trabalho. “É cansativo, mas sempre foi o melhor trajeto há mais ou menos 12 anos”, diz o vendedor. Castilho mora no ABC paulista desde a infância, mas arrumou empregos longe da região e sempre – segundo afirma – teve de encarar as enormes filas e apertos do metrô da capital paulista. Em seu trajeto, Castilho sai de Jordanópolis, bairro próximo à região 24

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central de São Bernardo do Campo, pega um ônibus ao lado de sua casa que o leva até o corredor de trólebus da cidade. Ao chegar ali, embarca no ônibus com destino à Estação Jabaquara e, no metrô, segue até a Sé para fazer baldeação que o levará até a estação mais próxima de seu trabalho: República. “Do trólebus até ao terminal Jabaquara a viagem é meio tranquila. Como eu subo no ponto inicial, vou sentado e, às vezes, até dormindo”, revelou o vendedor Vinicius.

Mas, segundo relata Castilho, o problema maior é encarar as confusões no embarque e desembarque nas estações do metropolitano. “É ao chegar aqui que meu dia de trabalho verdadeiramente começa”, declara o vendedor apontando para o enorme reboliço que se forma nas plataformas de embarque nas estações Sé e na hora de desembarcar na República. Todo o percurso que ele faz diariamente começa às 5h30 da manhã, por seis vezes na semana, e só termina, pratiJaneiro / 2010


camente, às 20h, quando chega a casa. Um dos motivos para os grandes transtornos vividos pelos milhões de frequentadores do transporte metropolitano sobre trilhos dentro de túneis é simples: todos se encontram no transporte no mesmo horário, entre 7h e 10h e das 17h às 20h, os chamados horários de pico. Na Estação República, a história não é diferente. Isso porque cerca de 80 mil passageiros passam diariamente por lá nesses períodos de maior movimento. A pergunta é: as estruturas suportam e são suficientemente adequadas para atender tamanha demanda, uma vez que a estação é uma das mais antigas do sistema metroviário, inaugurada em 1982? O diretor presidente do Metropolitano de São Paulo, José Jorge Fagali, diz que sim: “O metrô paulista sempre trabalhou para atender e acomodar todo e qualquer passageiro, desde o comum até os especiais portadores de deficiência, com acesso facilitado e exclusivo para cadeirantes. A Estação República possui todos esses atributos, além do elevador de acesso”. Com uma área constituída de 39 mil metros quadrados, a estação faz parte do complexo da linha 3 – Vermelha, uma das mais antigas e movimentadas do sistema, sendo precedida em 772 metros de distância pela Estação Santa Cecília e sucedida em 641 metros pela Estação Anhangabaú. A linha 3 faz a ligação entre as zonas leste-oeste, passando ainda pelo centro da capital, entre a Sé, Anhangabaú, Brás, Pedro II e República. Ao descer na Estação República, o usuário tem a opção, para chegar à famosa Praça da República, de seguir até a Rua do Arouche, localizada em uma das esquinas da praça, com visão frontal para ela. Hoje em dia, a estação recebe obras de reestruturação e manutenção nas áreas de embarque fora das plataformas para melhorar o acesso e passagem de seus usuários. Segundo o Metrô, as obras são localizadas e não interferem no caminhar do usuário até ao embarque e assume que ao fiJaneiro / 2010

nal dessas obras, a estação terá melhor acessibilidade, maior espaço para circulação, estrutura mais robusta e o visual melhorado, já que é preciso cuidála para que não se degrade, inclusive com relação à pintura. Para a reforma, o Metrô estabeleceu licitação pública, tendo sido publicado o edital de concorrência no começo de 2004, quando se iniciaram as obras para linha 4 - Amarela. Dois consórcios saíram vencedores da concorrência: Via Amarela e Linha Amarela, que realizam as obras de construção da linha que atenderá a região de Pinheiros e que trouxe investimentos de R$ 2,5 bilhões para o transporte. Segundo a assessoria de imporensa do Metrô, o processo todo foi feito dentro da lei, no que diz respeito a formação dos consórcios para elaboração do edital de concorrência e a escolha do melhor projeto custo-benefício. Segundo informações da companhia, as obras deverão se findar no início de 2010, quando entrará em operação as estações que atenderão a linha Amarela. Sendo assim, tudo parece estar dentro da normalidade, mas há desavenças da população contra as atuais obras. Mas o Metrô informa que elas só trarão benefícios para eles (usuários) futuramente. A dona de casa Maria dos Santos Carmelo, 50 anos, utiliza a estação para chegar até a Avenida Ipiranga, na altura da praça, onde seu marido Flávio Carmelo trabalha em uma loja da região. Segundo descreve Maria, as obras ali constituídas atrapalham a circulação de passageiros. “Toda reforma traz problemas, e aqui não vai ser diferente. Já vi pessoas pularem as catracas por não conseguirem visualizar facilmente o local para onde pretendem ir ou até mesmo por não acharem a bilheteria em meio à tamanha bagunça”, relata a dona de casa. Opinião similar tem o estudante Lucca Rossini, de 23 anos, que já enfrentou situações inusitadas por conta das confusões da reestruturação. “Uma vez, fui entrar para o embarque, passei o bilhete, andei por quase sete minutos

sem achar nenhuma sinalização que indicasse o local correto para prosseguir e ninguém para me guiar. Depois, acabei voltando à catraca e girando-a para outro lado. Quando percebi o que fiz, era tarde, tive de pagar novamente o bilhete. Fiquei furioso”. Talvez, pior seja a circulação para os portadores de deficiência. Caso do garoto Leandro Kioshi, 19 anos. “Elevador? Tudo que vejo aqui é uma rampa de quase 200 metros para descer até lá e que está cheia de obstáculos. E o pior de tudo é que só existe apenas um funcionário apenas para cuidar dessas coisas”, lamenta Kioshi. O Metrô rebate dizendo que assim que as obras acabarem, no próximo ano (coincidentemente, ano de eleição), a mobilidade dessas pessoas será muito melhor.

Investimentos A Secretaria de Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo, com incentivo do Governo, investirá cerca de R$ 20 bilhões até 2010 para reestruturação e ampliação de capacidade dos transportes, tanto no metrô, quanto nos trens da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e nos ônibus da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU). Dentro do plano, está prevista a construção de duas novas linhas para o Metropolitano de São Paulo: a linha 4 – Amarela, que fará ligação entre as regiões sudeste e sudoeste e a linha 15 – Branca, que vai de um trecho da Vila Prudente até o Pátio Tiquatira. Para os usuários da Estação República, isso pode ser motivo de celebração, já que ela receberá a integração com a linha Amarela do metrô, que fará ligação com a região de Pinheiros. Essa é uma das razões para tamanha obra naquela região. Ela tem de estar preparada para receber a integração e maior quantidade de passageiros. Além disso, será primordialmente beneficiada com uma nova linha que conduzirá até uma das regiões de São Paulo mais carentes de transporte público. Páginas de São Paulo

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Fabio Mattos

Vista aérea da estação República. Cerca de 900 mil pessoas passam por ali todos os dias

Um pouco de história Nos anos 1970, o anúncio da construção do metrô na região da Praça da República causou burburinho de seus frequentadores. Isso porque se levantava a questão de que suas árvores pudessem acabar. O jornal Folha de S. Paulo demonstrou essa realidade ao publicar, em setembro de 1976, matéria que apresentou a revolta populacional frente às obras do metrô. “O futuro da Praça da República ainda continua incerto. Será ou não demolida para que em seu lugar surja uma estação do metrô? A única certeza é de que tudo pode acontecer”, dizia a matéria. Os problemas não pararam por aí. Conforme as obras avançavam, a Companhia do Metropolitano de São Paulo tinha de enfrentar os vários problemas que surgiam. Um dos primeiros com que a companhia teve de se deparar foi o esvaziamento do lago, que ocorreu por consequência do chamado “bateestacas”. Depois, houve a desapropriação de alguns espaços para construção da futura Estação República, invasão e eventual destruição para ampliação do espaço reservado para o acesso 26

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ao metrô. Por último, surgiu a possibilidade de acabar com a feira dos artesãos, o que causaria um colapso, segundo matéria veiculado pela Folha de S. Paulo, do dia 11 setembro de 1978. A feira de artesanato, que funcionava aos domingos na Praça da República, foi transformada num amontoado de bancas que dificultava a circulação de visitantes e compradores. Em consequência, as vendas nesta área caíram até 50%, segundo os expositores da época, em matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo, em outubro de 1979. Esse era o tom que demonstrava o descontentamento com tamanho descuido pelo lugar. A partir dali, vários problemas ligados às obras, aos desvios de tráfego e falta de informações da Secretaria de Transportes Metropolitanos de São Paulo quase levaram a população a perder esperanças na manutenção da praça. Inaugurada no dia 24 de abril de 1982, no governo do atual deputado Paulo Maluf, a Estação República do metrô causou desconforto para comerciantes e moradores dos arredores da praça desde o início de suas obras em 1978. Mas os problemas

começaram a ficar mais latentes no final de 1981 e meados de 1982. Isso porque o prazo final da obra estava se esgotando, e a prefeitura planejava estender os trabalhos para locais onde trabalhavam os vendedores-artesãos. O prazo antes informado pela Secretaria de Transportes Metropolitanos de São Paulo para entrega da estação fora dezembro de 1981. A poluição visual da praça era tão grande que, em julho de 1981, o engenheiro chefe da Companhia do Metrô, René Correia Pierre, prometeu cuidar pessoalmente para que a reurbanização da Praça da República fosse finalizada, no máximo, em três meses. Enfim, após a inauguração, os problemas foram se amenizando, ao passo que a utilidade do transporte facilitou o acesso de moradores, comerciantes, frequentadores e até mesmo turistas. Porém, parte da estrutura verde do local se acabou por conta dessa facilidade. E os hippies, maiores personagens da história da praça, se perguntam até hoje: não poderiam ter levado essa linha para outro lugar?

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Alessandro Pasi / Ag. Pรกg. de SP

especial

Feira de Artes e Artesanatos, aberta aos sรกbados e domingos, desde 1956 Pรกginas de Sรฃo Paulo

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A Feira de Artes e Artesanatos Foi na feira da praça que se instalaram os famosos hippies na década de 1970 | Caio Tosi

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m uma época em que o mundo vivia sob constante ameaça de guerra e a ditadura repressora de nosso país chegava ao auge, no coração cinza da cidade, dentro da Praça da República, começavam a surgir jovens de cabelos compridos e roupas coloridas representando o movimento hippie e a onda da contracultura que se espalhava pelas Américas e no continente europeu. No Brasil e no mundo, o movimento chegou contestando uma sociedade tradicionalista e sua maneira de pensar, e abriu espaço para as cores que ainda estavam por vir. A Feira de Artes e Artesanatos, que acontece aos sábados e domingos na Praça da República, fez o local ser conhecido internacionalmente. A fama se deve ao fato de ela ser a maior e mais antiga feira da região, criada por acaso, ainda em meados dos anos 1950. Hoje, abriga cerca de 600 barracas nas quais artistas comercializam artesanatos de diversas regiões do Brasil, principalmente do Norte e Nordeste, e também de países vizinhos, como Paraguai, Peru e Chile. A galeria a céu aberto conta com exposições de telas, esculturas, colares, aneis, bolsas, objetos para decoração, camisetas e muitos outros artefatos que mostram, além de criatividade, a diversidade cultural presente no Brasil e concentrada no centro da cidade. Os objetos são feitos de couro, madeira, penas ou vidro e os preços variam de acordo com o artista, como conta a estudante Márcia Demartini, 19 anos e frequentadora do local: “A variedade dos objetos é impressionante. Existem Janeiro / 2010

obras muito bonitas. Eu nem sei o que comprar”. Além disso, o ambiente conta com uma área de barracas especializadas em comidas onde se encontra sobremesas e comidas típicas do oriente e da Bahia. A feira se configurou de maneira espontânea. Inicialmente, em 11 de novembro de 1956, o filatelista José Leandro Barros Pimentel fundou na praça uma pequena feira de selos que, mais tarde, atraiu os colecionadores de moedas, notas e medalhas. Na década seguinte, vieram hippies com sua proposta de “paz e amor” e, com eles, surgiu um espaço para artistas plásticos e artesãos exporem suas obras. Depois, nos anos 1970, a chegada de revendedores de objetos industrializados e camelôs passou a gerar vários conflitos entre os artistas da Praça da República e os novos vendedores. Os artesãos não gostavam da presença dos camelôs, pois queriam manter o caráter cultural e artístico da exposição. Esses conflitos fizeram com que os próprios comerciantes, em 1975, se organizassem em uma associação dos expositores para discutir e votar mudanças e necessidades em conjunto com os hippies. Quando Celso Pitta administrava a cidade, o dia 23 de novembro de 1997 marcou o fim das feiras na República. Por meio de uma decisão burocrática e de vias legais, a Prefeitura Municipal encerrou a mostra cultural alegando que o evento influenciava o tráfico e o uso de drogas na região. Os expositores foram remanejados para locais próximos como a Avenida Tiradentes

e a Praça Roosevelt. A Polícia Militar e a Guarda Civil Metropolitana foram acionadas em um plantão durante alguns meses, com permissão para prender qualquer um que permanecesse no local. A mudança só gerou a descaracterização da feira e o problema continuou. Quatro anos mais tarde, mais uma vez os artesãos tiveram que lutar para conseguir reinstalar o evento no local e a praça voltou a abrigar as barraquinhas. Os artistas começaram a retornar ilegalmente, mas o mérito desse movimento se deve a entidade Espaço Cultural República, que foi criada por um grupo de artistas que sabiam do interesse da nova prefeita em resgatar o evento para a praça. A maioria dos expositores trabalha e se sustenta com seu artesanato, por isso depende do bom funcionamento da feira. Alguns já estão lá há mais de 30 anos, como é o caso de Osório Silva, eleito organizador da feira desde 2001 e no cargo até hoje: “Nós somos fabricantes da própria mercadoria. Nós trabalhamos durante a semana e vendemos aos finais de semana. Aqui é meu ganha pão. Um domingo que chove já complica a semana para mim”. São 46 anos de tradição e uma movimentação que, segundo a Associação dos Artesãos do Estado de São Paulo, representa 30% do movimento do mercado de artesanato da cidade. No domingo, a frequência de público pode chegar até 30 mil pessoas. A feira artesanal acontece todos os finais de semana das 9h até as 17h.

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especial

do mundo e da praça Há 40 anos, os hippies tomaram conta da praça mais famosa de São Paulo com seus trabalhos artesanais | Ramon de Castro

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movimento hippie marcou presença na Praça da República em dois momentos distintos. O primeiro, quando foi criada a Feira de Arte e Artesanato, em 1968, e que até hoje é chamada por alguns de Feira Hippie. O segundo, deve-se ao fato de que nessa mesma década o Brasil enfrentou o golpe militar. Numa época em que o mundo passava por guerras, como a Guerra do Vietnã, os protestos pela paz impulsionaram mais os hippies. “O movimento hippie no Brasil começou imitando artistas como John Lennon. Pela paz, antiguerra e antiviolência. Isso gerou confronto com o poder público”, disse Cosme da Silva, 53 anos, hippie e ex-presidente da associação que cuida da organização da feira. 30

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A Praça da República virou o centro nacional dos malucos e bichos grilos - vulgos hippies, como eles mesmos dizem - e, consequentemente, um dos poucos lugares no país para se expor as ideias livremente. Tanto que os hippies também fizeram parte da militância contra a ditadura que, em sua maioria, era formada por estudantes. “Tínhamos muita amizade com os jovens, estudantes e também participávamos de alguns protestos”, disse Luiz Antonio Luizada, 55 anos, um dos primeiros a fazer parte da feira. (Perfil página 32) O traje, por alguns confundido com sujo, é porque um hippie não precisa usar roupas que estão na moda. O que interessa é vestir-se para se sentir bem e confortável. Já a barba e cabelos compridos eram uma forma de

protesto. “Nas décadas de 1960 e 1970 era inaceitável ver um homem de barba e cabelos compridos, com brincos e pulseiras”, contou Cosme. “Você ia para a escola cabeludo e não entrava”, acrescentou Luis. A escolha da praça pelos hippies também se deu pelo fato de que ali eles têm um espaço significativamente amplo para divulgar e vender seus trabalhos e, com isso, ganhar dinheiro para continuarem suas vidas. “Não tinha outra saída. Ou cara era maluco (hippie) ou se enquadrava no sistema. Com o tempo, você vai descobrindo que precisa sobreviver de alguma forma”, disse Luizada. Ao longo do tempo, centenas de “malucos” Janeiro / 2010


Francisco de Almeida Lopes

Movimento hippie teve seu auge na década de 1970, também marcou presença na Praça da República

passaram pela praça. A maioria costuma ficar pouco tempo, alguns meses no máximo, e depois continuam suas jornadas pelo Brasil e mundo afora, sendo a Praça da República mais que apenas um ponto turístico dessa tribo. Devido à grande rotatividade, existe um espaço destinado somente às pessoas que vêm e vão constantemente. “Os que estão de passagem não precisam de licença ou qualquer tipo de burocracia para exporem seus trabalhos. Basta esticar um pano, tecido, lençol no chão, montar um simples tripé ou colocar numa mureta à vista de quem passa. O lugar chega a ser tão concorrido que alguns já dormiram no local para ficarem nos melhores pontos de venda”, disse Osório Silva, 55 anos, atual presidente da associação que cuida da Feira de Arte e Artesanato na praça. Hoje em dia, principalmente com o Janeiro / 2010

aumento da violência, os bichos grilos juntam algum dinheiro vendendo seus artesanatos e se deslocam à rodoviária para comprar uma passagem de ônibus. Em seu auge na década de 1970, eles iam para a beira da estrada com papelões escritos “carona” e assim conseguiam viajar pelo país e até para fora dele. Cosme da Silva representa bem o que pode ser caracterizado o hippie dos tempos atuais. Com camisa social para dentro da calça jeans, um sapato e sem dispensar os cabelos longos, ganha a vida com o dinheiro que consegue ao vender seus trabalhos de artesanato. Mas nem sempre foi assim. “Por usarmos brincos e cabelos longos, o que na época da ditadura era inaceitável, tive que passar seis meses sem tomar banho. Assim sujo, eles não nos jogavam nas viaturas. Mas quando isso acontecia, nem sempre íamos para delegacia”, disse Cosme. Hoje, ele é casado, tem uma filha e faz parte do grupo que organiza a feira. Quando está sozinho dedica seu tempo para escrever músicas de rock e quem sabe ganhar a vida com isso, “ao estilo Raul Seixas”, como o próprio afirma. Não pense que o velho estilo hippie morreu. Como mostra Luiz Antonio Luizada. Como um bom maluco, ele viajou por muitos lugares. Ao ser perguntado de todos os lugares que visitou qual lugar mais gostou, não hesitou em responder: “O Brasil, pois é um lugar surpreendente, tem todos os povos, é uma terra maravilhosa”, falou. Já o lugar que menos agradou: “A Argentina. Lá a repressão também era muito forte. São altamente preconceituosos e se julgam europeus”, contou. Sobre drogas, Luizada tem sua própria opinião. “Às vezes você usa uma droga, maconha e chá de cogumelo, para abrir um portal, se sentir junto à natureza e não como pessoa viciada ou decadente. Agora o crack, até por ser resíduo da cocaína, é terrível. Totalmente devastador. Não tem nada a ver com as outras. Mas hoje em dia tem muito mais drogado que na época”, afirmou o maluco.

A vida da maioria dos hippies resume-se em andar por cidades, estados e até países em busca de “comunidades alternativas”, onde pregam em primeiro lugar a “Paz e o Amor”. No estado de São Paulo, não existe nenhuma comunidade hippie. Pelo Brasil afora encontram-se essas comunidades em: São Tomé das Letras ( MG), no vilarejo de Trindade, em Parati (RJ), em Pirenópolis (GO) e em Trancoso (BA). Em Arembepe, também em território baiano, surgiu a primeira comunidade hippie do Brasil.

Gírias dos hippies: Paz e amor - Tranquilo, tudo bem (!) (?) Arquibaldo - Torcedor de arquibancada Barra - Dificuldade Bicho - Amigo Parada - Negócio Bicho Grilo ou Maluco - Hippie Bichogrilês - Idioma dos Hippies Biônico - Político nomeado pelo governo Bode - Confusão Patota - Galera Capanga - Bolsa Chacrinha - Conversa sem objetivos Coroa - pessoa não-jovem (+ de 50 anos) Dar o cano - quebrar compromissos Dar um giro - sair, passear Eu tô que tô - Eu estou bem Fazer a cabeça - mudar a ideia de alguém Parafrentex - Atual Psicodélico - Estranho Geraldino - Torcedor de geral Goiaba - Bobo ou Homossexual Jóia - Tudo bem Podes crer - Acredite; concordo Repeteco - Repetição Cara - pessoa, independente do sexo Sacar - entender Pô - Exclamação de contrariedade Meu - pessoa, tchê, cara Não dá nada - não tem problema Corta essa! - desiste, muda (exclamação) Mudar a cabeça - mudar o pensamento Acertar as cabeças - combinar (pessoas) Massa - Legal Falou e disse - disse tudo Velha e velho - pai e mãe Véio - amigo Falou - Tchau, Até Mais


Suellen Boconcelo / Ag. Pág. de SP

PERFIL

Luis Antonio Luizada, vive das vendas na praça a há mais de 30 anos

A cara da praça Ele não possui indentidade nem certificado de nascença, mas tem suas raízes fundamentadas na filosofia hippie | Caio Tosi

A figura emblemática que aparece nestas páginas tem a cara da praça e trabalha como artesão na feira já há mais de 30 anos. Este peculiar personagem do Centro de São Paulo nos concedeu a entrevista num dos bares dos arredores da Praça da República, apelidado de China por uns e Escritório por outros. Sentados à mesa estão dois remanescentes hippies conversando e tomando uma coca-cola. Há também um copo de conhaque sobre a mesa. Enquanto isso, no seu lugar dentro da 32

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feira artesanal, um amigo toma conta da barraca e faz os negócios. Luiz Antonio Luizada é um personagem e tanto. Possui barba e cabelo grisalhos e compridos, os braços são cobertos com tatuagens coloridas e veste camisa meio aberta e bermuda comprida. Nascido dentro de um navio nas águas de Santos no ano de 1955, levou uma infância tranquila morando em São Paulo no bairro do Ipiranga com seus pais e mais três irmãos. Apesar de ter vivido uma relação relativa-

mente calma com seus familiares, no momento em que escolheu seguir seus ideais o rompimento foi inevitável. “Naquela época, não existia meio termo: ou o cara era maluco ou muito certinho”, relembra o veterano hippie. Por volta dos quinze anos, Luizada sentiu a necessidade de fazer alguma coisa grande e notável e não gostava da comodidade que usufruía junto de seus pais. “Eu vivia numa situação aburguesada e era um rebelde sem causa”. Foi nessa época que viveu um fato Janeiro / 2010


predominante para tornar ainda mais independente sua relação com a família. Após sair numa noite prometendo voltar às dez horas e tendo voltado às quatro da manhã, ele lembra o fim da conversa que o fez procurar o primeiro emprego: “Meu pai me deu a chave e disse: ‘Você tem dois direitos aqui: o de comer e o de dormir. No resto você se vira’”. Não se pode contrariar quando Luizada considera que o fato de ter se tornado hippie foi um caminho natural. Logo depois do episódio com as chaves, o primeiro emprego que arrumou foi numa marcenaria. Na primeira semana trabalhando, ele já utilizava sobras e restos de madeira para esculpir e montar abajures e pequenas esculturas para vender na rua. A partir daí,

Ramon de Castro / Ag. Pág. de SP

Jorjão (esquerda) e Luisada (direita) foram um dos primeiros a fazer parte da feira

”O uso de drogas tinha um sentido diferente do que tem hoje em dia.”

“Se todo mundo pensasse igual a gente, o mundo seria bem diferente.”

“Nós colocamos aquelas idéias de liberdade em prática, e pagamos muito caro por isso.”

logo largou a marcenaria e viveu todos esses anos da venda do seu próprio artesanato e produtos. Luizada reside atualmente na periferia de Itaim Paulista com sua namorada e a filha de apenas dois anos. Além do artesanato, existe outra coisa que nosso entrevistado garante fazer muito bem: filhos. Tem sete filhos com cinco mulheres diferentes. Para ele, as drogas estão banalizadas e não têm mais o sentido de contestação.A degradação que elas causam está muito mais visível por todos os cantos do que na época do “paz e amor”. Luizada estava no grupo dos primeiros hippies que começaram a expor seus trabalhos na Praça da República. Ajudou no nascimento da feirinha hippie da qual tira seu sustento até os dias de hoje. Na sua visão junto com os hipJaneiro / 2010

pies mais antigos, a chegada de outros tipos de artesãos ou revendedores conturbou a feira. Durante todo esse tempo na praça, ele e seus companheiros tiveram que aturar bem mais do que preconceito por parte da sociedade. Em 1968, nos tempos de chumbo, a repressão existia de várias maneiras e eles eram corriqueiramente hostilizados. “Na época da ditadura, a polícia militar fazia os cavalos defecarem nas nossas mercadorias de propósito”. Com todo esse tempo de estrada, Luizada se queixa de conhecer no mínimo só metade do planeta e reclama que o tempo da vida é muito curto para fazer o que se quer fazer. Entre os variados lugares para onde viajou, estão toda América do Sul e boa parte da América Central. Ele nos mostrou que sabe falar inglês e se lamenta por

não ter tido a chance de conhecer o continente europeu. Para terminar a conversa, Luizada deu uma lição de tolerância e disposição ao mostrar alguns dos pensamentos que o fizeram atravessar o tempo se mantendo um legítimo hippie até hoje. Para ele, o movimento não morreu e ainda vive em forma de ideias, na cabeça de médicos, professores, advogados ou o que forem. Basta que eles tenham a consciência de que o mundo pode ser melhor a partir de seus pequenos atos e ideias, que entendam que juntos fazemos parte de um todo e se esforcem para manter essa convivência o mais agradável possível. “Se você vê com os olhos da alma, vê além das mentiras e enxerga que somos todos iguais”. Páginas de São Paulo

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A revitalização social da praça

Luciano Sousa

Infraestrutura

Visão panorâmica da Praça da República pós reformas

Frequentadores e comerciantes apontam problemas: moradores de rua | Leandro Volcov

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epois de passar por revitalizações que duraram cerca de dois anos, tendo sido iniciadas em maio de 2006 e finalizada no primeiro semestre de 2008, a Praça da República retomou características semelhantes ao seu traçado original de 1905. Ganhou melhores condições de circulação e maior visibilidade. Quando o atual prefeito Gilberto Kassab entregou oficialmente a praça à cidade após o fim das obras, em 21 de maio do ano passado, o local foi transformado: com pisos novos, que mesclavam tijolos cerâmicos e blocos intertravados de concreto, iluminação artística, paisagismo moderno e instalações adequadas para acessibilidade de pessoas com deficiência. Qual foi o valor dos investimentos para todas essas e muitas outras reformas ocorridas ali? Segundo a Secretaria de Infra-Estrutura Urbana e Obras da Prefeitura de São Paulo, foram R$ 3,1 milhões oriundos dos cofres públi36

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cos, que incluíram ainda o rebaixamento de canteiros e a instalação de cerca metálica baixa na forma de arcos. As orlas e sarjetas foram refeitas em material cerâmico e as grades que cercavam boa parte da República, retiradas. A ligação entre as ruas do Arouche e Sete de Abril teve rebaixamento das calçadas e grelhas (veja no quadro ao lado todas as intervenções realizadas durante o tempo de reforma na Praça da República). Os projetos foram definidos pela Empresa Municipal de Urbanização (Emurb) e pelo Departamento de Patrimônio Histórico (DPH), órgão da Secretaria Municipal de Cultura, e gerenciados pela Subprefeitura da Sé. Com tantos envolvidos e com tamanho investimento, a questão dos moradores de rua e os problemas sociais que permeiam no lugar ainda não foram resolvidos. A presença de mendigos e marginais degrada a imagem da República, pois eles criam um ambiente

hostil, trazem sujeira às ruas e espantam os frequentadores intimidados ao vê-los utilizando drogas de todo tipo. Para enaltecer os grandes feitos após a época de reformas os políticos e gestores da rede pública sempre aparecem. Quando o assunto é atender aos clamores da sociedade, não há quem queira se pronunciar. “Para nós, é um imenso problema. A prefeitura não investe em programas sociais para abrigar essas pessoas e nem em instituições para acolhê-los. Já tentamos convencer a Subprefeitura da Sé a construir um espaço para esses moradores de rua, porém nos ignoraram dizendo que isso será resolvido no tempo em que as obras em todo o centro forem terminadas”, falou Hebert Tsumura, representante local da Associação de Comerciantes e dono do Café Vermont, com um tom de desânimo ao se expressar sobre essa tradicional polêmica. Isso porque Tsumura já tentou Janeiro / 2010


Fabio Mattos

em vários momentos dialogar com os órgãos responsáveis pela manutenção dos monumentos públicos, e a resposta é sempre a mesma: “estamos trabalhando para isso”. “Foram feitas várias tentativas de acordo, abaixo-assinados, planos e até nos disponibilizamos a construir um lugar só para esses sem teto, mas o problema persiste”, disse o comerciante. Questionado porque este seria um dos maiores problemas para região, Hebert não esconde: “Muitos são usuários de drogas, que vieram da antiga cracolândia e chegam a roubar nossos clientes e aqueles que passam por aqui. Espantam a freguesia e atrapalham o comércio”, ressaltou. A organização não governamental Viva o Centro, engajada na preservação e no desenvolvimento da área Região Central de São Paulo, também já tentou, em diversas vezes, batalhar pelo direito desses moradores. Só que se esqueceu de que, do outro lado da história, existe a burocracia da administração municipal. “Segundo a Subprefeitura da Sé, que é responsável direta pela preservação da praça e de toda a região central, esses problemas não podem ser resolvidos de maneira taxativa. É preciso, primeiramente, trabalhar com a sociedade de maneira geral para que, após isso, possamos montar instituições que reabilitem e abriguem esses marginalizados, retirando-os pouco a pouco das ruas”,

Moradores de rua fazem do chão da praça sua moradia

mostrou Tereza Alves, representante da Viva o Centro. Alves afirma que o problema é comum no Centro de São Paulo, mas que com o tempo o movimento aumentou, e um dos espaços que mais sofrem com isso é a Praça da República. Hoje, a prefeitura realiza obras de revitalização em todo o Centro de São Paulo. Na antiga região que abrigava a cracolândia, na Santa Ifigênia, por exemplo, as reformas por lá trouxeram esses usuários para a República, que eram apenas moradores sem teto e que buscavam um lugar para dormir. Com esse movimento, o local realmente pode se tornar ainda mais perigoso para seus frequentadores. Procurada por Páginas de São Paulo

para se pronunciar, a Prefeitura da cidade não quis comentar o assunto e argumentou dizendo que soluções a médio e longo prazo estão sendo tomadas para sanar os problemas sociais de toda a região. Mesmo assim, a administração pública não apresentou até o momento nenhum projeto ou investimento para solução. Com isso, populares que vivem e desfrutam do ar da República continuam com a missão de buscar outros caminhos para minimizar os problemas. Hebert Tsumura é um deles: “As obras que aqui foram feitas são fruto de nossa persistência também. Fomos atendidos um pouco tarde, mas nos atenderam. Não desistiremos de fazer o nosso papel”, finalizou.

Obras de reestruturação Em dois anos de obras, a Praça da República recebeu as seguintes melhorias, com R$ 3,1 milhões investidos pela Prefeitura Municipal de São Paulo: • • • • • • • • • • • •

Novos pisos feitos a partir de tijolos cerâmicos e blocos intertravados de concreto Nova iluminação e câmeras de segurança com monitoramento 24h/dia Rebaixamento de canteiros Instalação de cerca metálica baixa na forma de arcos Orlas e sarjetas foram refeitas em material cerâmico e foram retiradas as grades que cercavam a praça Rebaixamento dos canteiros e colocação de grelhas na ligação entre as ruas do Arouche e Sete de Abril Remoção de árvores para locais mais adequados na praça Criação de uma fileira de palmeiras para delimitar a área entre o edifício Caetano de Campos e a República Novo revestimento do antigo coreto Intervenção nos lagos para correção das imperfeições do traçado Restauração e impermeabilização de canteiros aquáticos e de seixos Reforma do sistema hidráulico e de oxigenação da água dos lagos

Colocação de ladrilho hidráulico tombado no trecho que liga o prédio Caetano de Campos e o calçadão, próximo à avenida São Luís Janeiro / 2010

Páginas de São Paulo

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crônica

CARNE PRA CACHORRO por Alessandro Pasi

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aniel estava com muito sono naquela manhã. Quando as pessoas começaram a tropeçar em seu corpo, magro, imundo e bêbado, quis pedir que o deixassem dormir mais cinco minutos. Impossível. Seu quarto, um pedaço de calçada na rua Joaquim Gustavo, na Praça da República, não era exatamente o local mais adequado para o descanso de que necessitava. Teve que levantar-se mesmo assim. Estava feliz. Acordava sempre feliz. Caminhou alguns metros, puxou conversa com uma senhora que vendia um café da manhã mambembe. Ela o expulsou de perto de sua banca com uma feia expressão de ameaça. Afinal, poderia afastar seus clientes. - Tudo bem – resmungou Daniel - eu não estou mesmo na minha melhor fase. - Ei, José! – chamou uma voz rouca. Daniel virou-se. Perez, seu colega, chamava todo mundo de José, pelo menos a todos a quem demonstrava algum tipo de afeto. - Salve, senhor Perez - cumprimentou o amigo que queria falar-lhe. Depois de um aperto de mão rápido, mas sincero, ambos sentaram-se na sarjeta para iniciarem uma conversa. Daniel sorria, achava as manhãs suaves. Perez não. Ao contrário de seu amigo, Perez sentia raiva e não fazia questão nenhuma de esconder o sentimento. Perez, um homem na faixa dos 40 anos, também morava nas ruas. “Provisoriamente”, gostava de frisar. Não tinha uma história, pelo menos ninguém conhecia nada a seu respeito. Tinha chegado à Praça da República fazia alguns meses e, desde então, se fez famoso pelo fato de recusar todas as bebidas que lhe ofereciam. - Ouvi dizer que aquela velha da loja de calcinhas chamou a polícia pra bater na meninada ontem à tarde – disse Perez. - Sim, foi sim - respondeu José. - Ouvi também que você presenciou o acontecido e que estava conversando com ela quando se deu a pancadaria. - Eu estava tentando saber se conseguiria algum troco limpando a fachada da loja. Às vezes, a gente consegue alguma coisa com esse tipo de serviço. - E como você julga esse fato, José? Acha que os moleques estavam exagerando? Foi certo o que a velha fez? – inquiriu Perez - tenho certeza de que ela pagou alguma coisa pra esses policiais fazerem isso – emendou resmungando. - Acho que os moleques não estavam fazendo nada de mais. Estavam conversando, “causando” um pouco... Mas é coisa da idade, né? Você sabe como são as coisas, meu querido! É sempre assim! - Pois é. É aí que não acho verdade. “Não entendo mesmo esse papo de ‘é sempre assim’”, pensou consigo Perez. - Zezinho vai oferecer um almoço aos amigos hoje. Apareça, José! – finalizou Perez. O dia correu normalmente na Praça da República e nas imediações. Certa fome incomodava Daniel, que tentava ganhar algum dinheiro nos faróis do Centro de São Paulo. Quando conseguia um real inteiro, comprava uma cachaça e enganava o estômago. Tinha uma maneira bem simples e segura de ganhar suas refeições: limpava os banheiros, normalmente sórdidos, dos bares da região, em troca de um Prato Feito. Daniel comia seu almoço debaixo da sombra de um prédio quando foi abordado por uma menina de mais ou menos 15 anos chamada Lara. Lara, prostituta eventual, caminhava costumeiramente ao lado de Perez pelas ruas do centro. Criou com ele um laço de amizade tão forte que o chamava de irmão José. - Amigo José! - disse ela a Daniel – que temos para o almoço hoje? - Salve, amiga Maria! - respondeu Daniel – o cardápio de hoje traz arroz, frango e farofa. Meia cerveja acompanha, caso a senhorita deseje – disse apontando as misturas com o dedo esfarrapado, mas galante como um mordomo. Janeiro / 2010


- Vamos para a casa de Zezinho. Está acontecendo algo importante por lá. Daniel e Lara chegaram à esquina da Rua do Boticário com Avenida Ipiranga, num trecho de calçada que era a casa de Zezinho, que tampouco se chamava José. Seu nome de batismo era João. Sete homens confabulavam em um círculo. Caras fechadas, sisudas, alguns sorrisos escapavam ao burburinho. Certa animação poderia ser percebida nessa reunião, mas uma animação sinistra. Como de costume, ninguém prestava atenção neles, nunca ninguém jamais prestou. - Então é hoje, José – disse um homem, em tom de seriedade, dirigindo-se a Perez. - Hoje à noite, por volta das 11 horas, preciso de você, José – disse Perez a Daniel, que tentou, em vão, descobrir de que se tratava. Nesse instante o círculo se desfez e cada um dos presentes caminhou para um lado, arrastando seus corpos magros e pertences sem valor. Na hora marcada, os sete homens, mais Daniel e Lara, se encontraram a alguns metros do ponto do ônibus República/ Parque Bristol, na Rua dos Timbiras, defronte a uma agência bancária. Uma garrafa de pinga passeava pelas mãos do grupo, exceto pelas duras mãos de Perez, que as tinha juntas uma da outra, como se fizesse uma prece. Em meio aos risos altos, um clima de festa tomava conta da alma de todos. Atravessando a rua Joaquim Gustavo, uma senhora de modos distintos alcançava o ponto de ônibus onde os amigos farreavam. Apesar de vê-los todos os dias, a dona, atendente de uma locadora filmes, não os reconheceu. Para ela, todos os mendigos eram igualmente invisíveis. - Caramba José! Essa não é a velha da loja de calcinhas! – dirigiu-se Perez a um jovem sentado na calçada. - Porra, desculpa aí, mas essas velhas são todas iguais – defendeu-se aquele José, que antes mesmo de terminar a sentença ouviu de Lara um sonoro “porra nenhuma” e assistiu à menina pegar um pedaço de cano de ferro que estava no chão e bater violentamente na mulher, que nem teve tempo de perceber o que se passava. - Essa é a minha irmã! Vamos Josés! É tudo a mesma velha! - ordenou Perez. Nesse instante, todos os presentes começaram a linchá-la. Em segundos, o que restava da senhora era um corpo com a cabeça esfacelada, irreconhecível. Daniel, que a princípio vacilou em tomar parte na violência, já com gotas de sangue escorrendo pelo rosto, disse com convicção: - Deveríamos dar essa velha pra cachorrada comer. - Tá loco José? E cachorro come gente? - questionou um dos Josés presentes. - Come poxa! Cachorro come qualquer coisa! Ela é carne, pô! – esbravejou Daniel. Daniel e mais quatro homens arrastaram o cadáver mais para dentro da rua. Com facas, cinco deles, incluindo Lara, despedaçaram o corpo e balançaram alguns pedaços para atiçar alguns cães que já os rodeavam. Em pouco tempo, o corpo estava cercado de animais que disputavam cada centímetro do diferente jantar. Os nove se separaram e cada um foi cuidar do resto de sua noite. Na manhã seguinte, viaturas policiais, repórteres e muitos curiosos assistiam ao recolhimento do que restava da vítima e à busca de provas, que alimentou os noticiários assim como a senhora havia alimentado os cães.


Divulgação

cultura

Glamour, decadência e uma saída À beira da Praça da República surge uma idéia que retoma a época de ouro do Centro de São Paulo | Mateus Simões


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as primeiras décadas do século passado, a cidade de São Paulo tinha pouco mais de um milhão de habitantes e esse grande número de pessoas já fazia da capital paulistana a grande locomotiva do Brasil. Era no centro da capital e, por conseqüência, na Praça da República, o local onde os paulistanos podiam vivenciar as melhores novidades que chegavam dos principais centros urbanos do mundo. O boom do cinema ecoava no planeta inteiro. Aqui no Brasil, a cidade do Rio de Janeiro foi pioneira com uma pequena exibição em 1905. Em São Paulo, o cinema foi recebido com tapete vermelho no ano de 1907, com a inauguração da primeira sala regular para reprodução de filmes, o BijouPalace, na Avenida São João. Era uma construção luxuosa, voltada para um público selecionado. O Bijou-Palace estava no coração de São Paulo e seu sucesso foi tamanho que, em pouco tempo, o centro da cidade estava repleto de grandes prédios que abrigavam as salas de cinema. Se os bairros abrigavam o maior número de cinemas da capital, em 1950, com 80%, o grande sucesso estava no centro, na chamada Cinelândia. Dos anos 1920 a 1950, dezenas de salas foram inauguradas nas tradicionais ruas Direita, XV de Novembro e São Bento, e nas avenidas Ipiranga e São João. Dizia-se que a área central de prestígio era reservada para ocasiões em que “se queria impressionar a namorada”. E realmente algumas salas impressionavam. O Cine Ipiranga contava com um sistema de iluminação que adaptava a visão dos espectadores à luz da sala. O Cine Broadway exibia filmes latinoamericanos e o Metrô deteve recordes de bilheteria durante os seis meses em que E o vento levou ficou em cartaz no ano de 1939. Do início do século até meados dos anos 1960, as salas de projeção fizeram com que muitos se apaixonassem pela sétima arte. O pesquisador de cinema, Antonio Ricardo Soriano, conta o moJaneiro / 2010

tivo que o fez querer viver de cinema: “Eu tenho grande paixão por uma sala que não existe mais, o Comodoro Cinerama, que ficava na avenida São João. Ali, eu me encantei de vez com esta vida. Por causa do Comodoro, iniciei uma pesquisa sobre as salas da grande São Paulo. É uma baita responsabilidade para um pesquisador”. A Praça da República faz parte desse período áureo da Cinelândia. Integrante da área nobre de São Paulo no começo do século passado, o local também teve suas belas salas de cinemas. Os cines Marabá e República ficavam em volta da praça e ajudaram a construir seu percurso no tempo, apesar de possuírem histórias distintas. O Cine República, que ficava na praça de mesmo nome, passou por altos e baixos ao longo dos anos. Foi inaugurado em 1921, mas logo se tornou a sede da Secretaria da Fazenda de São Paulo, e, só em 1952, voltou a ser cinema. Numa empreitada de seu dono Paulo de Sá Pinto, o República passou a ser a primeira sala brasileira a exibir filmes em terceira dimensão. O primeiro filme exibido nessas condições foi Veio do espaço, em 1953. Muitos prédios onde funcionavam os cinemas não existem mais, inclusive o prédio do Cine República, demolido em 1976 para dar lugar às instalações do metrô. Atualmente, as salas que ficaram de pé estão abandonadas ou exibindo filmes pornográficos. Professor de história do cinema na Fundação Armando Alvarez Penteado (Faap), André Piero Gatti acredita que há dois motivos para depreciação dos antigos cinemas: “O empobrecimento social

do centro da cidade e a mudança do consumo de cinema, que cada vez mais se utiliza de concentração de filmes em pequenas salas”. Mas é na República que se encontra uma possível saída para esses problemas. A exibidora PlayArte adquiriu o Cine Marabá, na Avenida Ipiranga, e reformou-o por completo. O Cine Marabá voltou à atividade no dia 30 maio de 2009. “Essa é nossa contribuição para a manutenção de um dos marcos da cultura paulistana e também para a revitalização do Centro de São Paulo, que não pode ser esquecido nunca”, comenta Otelo Bettin Coltro, vice-presidente Executivo do Grupo PlayArte de cinemas. A primeira inauguração do Marabá havia sido em 1944 e, para sua segunda estreia, as bases do seu prédio foram mantidas. Oito milhões de reais foram investidos na reforma e manutenção das bases originais do local, já que o prédio é tombado pelo patrimônio histórico. O novo cinema conta com cinco salas com a capacidade total de 1022 espectadores. A sala 1 pode receber 430 pessoas, é a maior e ainda está equipada com o sistema de projeção digital 3D. O acesso é garantido a deficientes físicos. O Cine Marabá já foi um dos locais de encontro mais luxuosos da sociedade paulistana. Passou por anos de decadência e abandono, mas hoje já pode voltar a ser frequentado. Isso é fruto de uma iniciativa que pode ser vantajosa tanto para a cidade, quanto para os cidadãos que vivem, transitam e se divertem no Centro de São Paulo. Divulgação

Cine Marabá manteve a fachada original após a reforma




GASTRONOMIA

Café Vermont: Tradição e inovação O café fecha sua segunda década como uma das maiores casas para o público alternativo na cidade | Mateus Simões

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Páginas de São Paulo

O café/bar é um dos mais procurados pelo público gay na capital, mas a localização não é único fator para isso, como contou a professora Márcia Giannaccini, 43 anos. “Eu frequento o Vermont porque aqui temos divertimento de qualidade, boa música, pessoas atraentes e podemos conhecer todo tipo de gente”. Mas a frequência homossexual não corresponde a tudo o que é o Vermont. Durante o horário de almoço, o local conta com um cardápio de dar inveja a muitos restaurantes. São servidos diariamente diferentes tipos de Suellen Boconcelo / Ag. Pág. de SP

undado no início da década de 1990, por um construtor que desejava montar um negócio para os filhos, o Café Vermont já mudou de dono e de estilo. Deixou de ser mais um café de São Paulo para se tornar a casa mais completa do centro da capital, funcionando como café durante o dia, restaurante durante o horário de almoço e bar durante a noite. O estabelecimento praticamente não fecha, ficando aberto 19 horas por dia. O café está situado entre a Praça da República e a Rua Vieira de Carvalho, coração do Centro de São Paulo. O local atende as necessidades das pessoas que frequentam o centro. Pela manhã, atende o jovem trabalhador, à tarde, serve almoço para o executivo médio e, de noite, atende ao público GLBT (gays, lésbicas, bissexuais e transexuais). Quem protagonizou todas essas mudanças foi o atual proprietário Herbert Tsumura, 40 anos, que assumiu estabelecimento em meados de 1999, mas manteve a tradição de seu nome. Para Herbert, as mudanças foram uma necessidade: “Antes o café ficava aberto só até as 18 horas, mas tinha que atender a todos esses públicos e, desde que adquiri o Vermont, já pensava em o transformá-lo num espaço de múltipla opção”. O Café Vermont está em uma das esquinas da rua Vieira de Carvalho, que tem hoje uma das maiores concentrações de gays da América Latina, logo fica impossível pensar no sucesso do estabelecimento sem a presença deste público. Segundo declara o dono, ele atende em média, perto de vinte mil homossexuais por mês.

massa, carne e salada para o executivo intermediário que trabalha no Centro da cidade de São Paulo. Por essa diversidade, o dono do Café Vermont não considera o local de um público exclusivo. Herbert Tsumura diz que o estabelecimento está aberto a todos que possam se interessar em tomar um café, almoçar ou até sair para uns drinques. “ No passado, trazíamos shows de Drag Queens. As atrações hoje estão mais para o estilo MPB. Somos um bar gay sem preconceito e podemos atender todos os gostos. Garanto que minha casa é a mais frequentada por mulheres de todo o centro e até da cidade”. Pode se considerar que a casa é um simples retrato do que é a Praça da República: a mistura da tradição com o inusitado, histórias antigas e jovens realidades, em meio ao povo, sérios executivos, homossexuais e pessoas procurando por diversão. Onde mais seria esse lugar com tamanha diversidade senão no Centro de São Paulo?

Café Vermont prestes a completar 20 anos de sucesso na região Janeiro / 2010


Suellen Boconcelo / Ag. Pág. de SP

Delícias na República Público se alimenta nas barracas da praça e Dona Tânia exibe o acarajé, prato típico baiano

Comida para todos os gostos na praça mais visitada de São Paulo. | Mateus Simões

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feira de artesanato hippie, que acontece todo fim de semana na Praça da República, é famosa em São Paulo e fora do Estado. Pessoas de todos os cantos do país visitam a feira em busca de seus produtos de origem artesanal. E depois de tanto andar no meio das centenas de barracas em busca daquilo que mais lhe agrade, nada melhor para o visitante do que ir à praça de alimentação e saborear algumas das delícias que a feira pode proporcionar. Como a marca do público que visita o espaço é a diversidade, na República é possível encontrar o mais variado cardápio de outras regiões do país e até do mundo. É fácil encontrar de tudo, tempurá, pastel e até acarajé. Todos os gostos são satisfeitos aqui. Nascida em Salvador,Tânia, 59 anos, veio para São Paulo há quase quatro décadas para trabalhar em um restaurante de comida baiana. Quatro anos depois já montava sua barraca de quitutes na praça. A baiana conta que a sua clientela é muito variada, mas a comida nordestina tem boa aceitação na capital paulista, e ela demonstra um carinho especial ao falar de certos clientes. “Os baianos que vem aqui me agradecem muito pela comida e sempre falam em saudade da terra natal. Eu Janeiro / 2010

lhes digo que voltem para lá e mandem um beijo, porque eu não quero voltar”. Mas os diversos sabores da República não estão sempre ligados ao Brasil.A comida japonesa é presença marcante também. O cozinheiro Celso Takeshita, 51 anos, trabalha na praça desde 1992, a data coincide com a época em que ele havia acabado de voltar do Japão, onde aprendeu a preparar todo tipo de pratos orientais. O cozinheiro agradece o fato de ter voltado ao Brasil e conseguido um emprego graças a uma habilidade tão simples quanto cozinhar: “Voltei do Japão bem na época em que o povo brasileiro estava começando a experimentar comida oriental. Por isso, achei esse emprego com facilidade”. Mas a concorrência é grande na Praça da República. Takeshita lembra que só de comida japonesa existem mais duas barracas, e a disputa por clientes é dividida também com a comida chinesa. “Muitas pessoas confundem a comida japonesa com chinesa, principalmente porque os pratos são praticamente os mesmos. O que mudam são os ingredientes. O tempurá, por exemplo, é frito com óleo de soja pelos chineses e com óleo de semente de girassol pelos japoneses.” Além dos orientais, os baianos travam uma grande batalha na disputa pela clientela,

afinal, são cinco barracas. Para o estudante Thiago Martins, 23 anos, quem ganha com essa concorrência é o próprio público que frequenta a praça. “Aqui você é sempre bem tratado, todos os vendedores querem ganhar a sua preferência fazendo pratos cada vez mais deliciosos. Confesso que comida japonesa, para mim, é aqui na República”. E por falar em disputa, os doces são de encher os olhos e o estômago. Três barracas de doces apresentam uma guloseima melhor que a outra. Quem não aguenta ficar longe do açúcar deve conhecer dona Regiane, de 49 anos, que faz muito sucesso na feira. “O movimento é bem grande. Nós fazemos todos os tipos de pavê de coco, chocolate, amendoim. Eu e minha mãe recebemos elogios dos clientes todo domingo”. E não há como discordar. Bolos, tortas e doces de todos os tipos evaporam em um piscar de olhos. As diferenças são grandes. Podese aprender a cozinhar em terras estrangeiras, na sua terra natal ou cair na cozinha por acaso. Mas quem ganha mesmo é o visitante da feira da República porque, se não gostar do artesanato, pelo menos vai ficar satisfeito pela boca. Páginas de São Paulo

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SERVIÇOS

ONDE COMPRAR Bruna Dias e Suellen Boconcelo

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Feira de Artes e Artesanatos é o local ideal para encontrar aquele item de decoração que falta na sua sala ou um boné de aba reta nas cores brasileiras que você tanto procurava! A feira conta com exposições de telas, blusas em cro-

? chê, vestidos pintados à mão, quadros, esculturas feitas de argila ou madeira, bichinhos de pelúcia, colares e tantos outros artefatos. A revista Páginas de São Paulo separou dicas imperdíveis de locais para você comprar com economia e qualidade.

Mateus Simões / Ag. Pág. de SP

BANCA DO ARTESANATO EM ARGILA Objetos de decoração dos mais simples aos arrojados e tudo artesanal. É isso que a barraca do Sr. João Adriano Santo oferece. Há 17 anos, na Praça da República, João conta apenas com sua criatividade na hora de produzir as peças feitas em argila. Diversas bonecas africanas, máscaras, jogos, cangaceiros, boi zebu ou miniaturas que lembram o sertão trazem a simplicidade que a clientela procura. Os preços variam entre R$5,00 e R$10,00.

Mateus Simões / Ag. Pág. de SP

BANCA DAS CAMISAS DE CREPE E CHIFFON Há 20 anos na região, a novidade do local são as echarpes coloridas que dão um toque de charme na barraca da dona Maria Lúcia Pereira, no valor de R$16,00. As camisas feitas de crepe e chiffon são produzidas artesanalmente, todas com elegantes bordados e pintadas à mão. Custam de R$45,00 a R$50,00. Os preços dos produtos variam de R$16,00 a R$68,00.

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Mateus Simões / Ag. Pág. de SP

BANCA DOS VESTIDOS Os vestidos tradicionais feitos em algodão e produzidos artesanalmente trazem charme e elegância à barraca da dona Rosária. As saias bordadas e estampadas são preferência da clientela na hora de escolher. Os chapéus feitos em crochê e os cachecóis também marcam presença no gosto dos clientes. As faixas de preço variam entre R$10,00 e R$55,00.

BANCA DO FIO DE LUZ Suellen Boconcelo / Ag. Pág. de SP

Charme, luz e bom gosto é o que traz de mais marcante na tradicional barraca do proprietário Rubens Braz, que herdou o local de seu pai e está há cerca de 35 anos na praça. O destaque fica por conta dos fios de luz feitos com mandalas, espelhos e bijuterias que, além de serem artigos para decoração, trazem sorte a quem os possui eliminando possíveis energias negativas. Os preços são de R$10,00 a R$15,00. Outra atração com a promessa de proteger a casa são os baguás, usados como instrumentos para colocar a antiga arte chinesa Feng Shui em prática. Com esse método chinês pretende-se harmonizar o ambiente e trazer aspirações à vida. O local oferece ainda vendas, consertos, polimentos e impermeabilização em peças de prata, cobre, bronze e latão, além de imãs de geladeiras e porta-incenso. Os preços variam de R$1,00 a R$250,00.

Mateus Simões / Ag. Pág. de SP

BANCA BONECAS Inaugurada em 1982, a barraca da dona Maria Maximo contava inicialmente com produção própria. Hoje o forte está apenas em vender os produtos. A boneca mais pedida pela garotada é a Belinha que custa R$35,00. Outros já preferem bonecos, como Chaves, Chapolin, Quico, Ben 10, Picapau. Alguns ainda escolhem os clássicos bichinhos de pelúcia, como sapos, elefantes, ursos, entre outros. O local ainda oferece móbiles que custam R$5,00. Os preços variam de R$5,00 a R$60,00.

Mateus Simões / Ag. Pág. de SP

BANCA DO BRASIL Atuando na região há cerca de 28 anos, as cores da bandeira são presença marcante na barraca da dona Maria Luiza. O local oferece os mais diversos tipos de bolsas artesanais feitas em lona que variam de R$30,00 a R$40,00. Os bonés infantis são a sensação da garotada na hora de comprar, principalmente os tradicionais bonés do Brasil, que saem em torno de R$12,00. As bandanas de 1,20m que custam de R$13,00 a R$20,00 se tornaram a atração da banca. Outro lançamento são os chapéus nos tamanhos P, M e G que saem por R$15,00.

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INFOGRÁFICO Rua Joaquim Gustavo Esta rua foi aberta na primeira metade do século XIX e, com a abertura da Rua Vinte e Quatro de Maio, passou a fazer parte desta, que continuava além da Praça da República. No final do século XIX, ela passou a ser conhecida como “Travessa Aurora”. No dia 22 de agosto de 1908, a Câmara Municipal aprovava o Projeto de Lei nº 36, autoria do Vereador Joaquim Marra que alterava a denominação da “Travessa Aurora” para “Rua Joaquim Gustavo”. O mesmo vereador não apresentou uma justificativa para esta alteração. Este projeto foi convertido na Lei nº 1.120 de 27/08/1908. Efetuado um levantamento preliminar, nada foi localizado quanto ao homenageado.

Rua Pedro Américo O pintor, romancista e poeta, Pedro Américo de Figueiredo e Melo, nasceu na cidade de Areias, Paraíba do Norte, no dia 29 de abril de 1845. Aos onze anos de idade foi contratado pelo desenhista Louis Jacques Brunet. Em 1854, cursou a Academia de Belas-Artes no Rio de Janeiro. Durante o curso de arte conquistou 15 medalhas de ouro e prata, vários diplomas e aprovações com louvores. Em 1859, recebeu do imperador uma pensão para estudar na Europa. Deixou numerosas telas, dentre as quais: “A Batalha do Havaí”, “Paz e Concórdia”, “Inês de Castro”, “Catarina de Ataíde” e “Grito do Ipiranga”. Foi ainda deputado provincial e escritor de largos méritos. Faleceu em Florença, em 07 de outubro de 1905.

Rua Marquês de Itu O grande fazendeiro Antonio Aguiar de Barros, o marquês de Itu, nasceu em 05 de dezembro de 1823 na cidade de Itu. Ingressou na política pelo Partido Liberal como deputado geral em 1878 e vice-presidente da Província em 1883. Era considerado monarquista da profunda convicção. Foi agraciado com título nobiliárquico. Faleceu em São Paulo em 20 de janeiro de 1889.

Escola Normal Caetano de Campos Veja a matéria na página 20. Quem foi Caetano de Campos? O Dr. Antonio Caetano de Campos, nasceu no Rio de Janeiro, formado em Medicina no ano de 1867. Em São Paulo, se dedicou aos assuntos educacionais. A conselho do Dr. Francisco Rangel Pestana, foi chamado por Prudente de Moraes, para reformar o ensino paulista. A reforma, célebre, começou pelo Decreto nº 27, de 12 de março de 1890, decreto esse, que reformou a Escola Normal da Capital, a única que havia, e criou as Escolas Modelo. Faleceu em São Paulo, em 12 de setembro de 1891.

Edifício Itália O Edifício Itália, cujo nome oficial é Circolo Italiano é o segundo maior da cidade de São Paulo e do Brasil em altura, com 168 metros, distribuídos em 46 andares. Inaugurado em 1965, é atualmente um dos marcos da cidade, protegido pelo Patrimônio Histórico por ser um dos maiores exemplos da arquitetura verticalizada brasileira. 48

Páginas de São Paulo

Edifício Esther Projetado pelos arquitetos Álvaro Vital Brazil e Adhemar Marinho e inaugurado em 1935. A idéia era fazer um espaço onde trabalho e moradia fossem os pontos vitais. Além de residências, havia em seus 10 andares, lojas comerciais, escritórios e consultórios. Entre 1930 e 1960, o prédio foi considerado um símbolo da atividade financeira da capital e da modernidade. O prédio que serve como lembrança da elite paulista tradicional foi modificado para evitar infiltrações e esquecido, perdendo os elementos de contemporaneidade que o caracterizavam em seu auge. Janeiro / 2010


Av. São João Em 1651, Henrique da Cunha Gago e Cristóvão da Cunha solicitaram aos poderes públicos um terreno para que pudessem progredir e desenvolver o movimento de São Paulo. Nesse terreno, havia o córrego Yacuba, também conhecido pelo nome de “Ladeira do Acú”. Foi no início do século XIX que avenida ficou conhecida como “Ladeira de São João”, em homenagem a São João Batista, considerado pela Igreja Católica como o “protetor das águas”. Esse preito se deu ao fato de os cursos d’água que cruzavam a antiga “Ladeira” eram considerados perigosos. Mas tarde, transformou-se em rua e depois em avenida. Entre 1938 e 1945, o prefeito Prestes Maia prolongou a Avenida São João.

Cine Marabá Veja a matéria na página 40 A etimologia da palavra “Marabá” é de um termo indígena e significa filho do prisioneiro ou estrangeiro ou ainda, fruto da índia com o branco.

Av. Ipiranga Originou-se da união de dois “becos” da antiga São Paulo. Um deles era o “Beco do Mata-Fome” e o segundo era o “Beco dos Curros” nas imediações da atual Praça da República. Em 1865, a Câmara Municipal de São Paulo decidiu abrir um novo logradouro e surge então a Rua Ipiranga, em homenagem à Independência do Brasil. Foi em 1934 que a rua se transformou em avenida e hoje abriga alguns dos famosos pontos históricos e turísticos de São Paulo, como o Edifício Copan e o Edifício Itália.

Rua Barão de Itapetininga Foi um proprietário rural e empresário, seu nome era Joaquim José dos Santos Silva. Recebeu o título de barão de Dom Pedro II em 23 de dezembro de 1863. Sua propriedade mais ilustre era a “Chácara do Chá”, que teve uma área reservada para a Praça da Legião. Hoje, Praça da República.

Rua Marconi

Rua Sete de Abril Teve origem entre os anos de 1786 e 1798. Em 1814, o engenheiro Daniel Pedro Muller a ela se referiu como Estrada para a Cidade Nova. Anos depois, a população já a chamava de Rua da Palha, pois era constituída por casas humildes feitas de sapê. No dia 8 de maio de 1873, a Rua da Palha se tornou Rua Sete de Abril, localizada no antigo Largo dos Curros, atual Praça da República. Janeiro / 2010

Guglielmo Marconi, físico italiano, nasceu em Bolonha em 1874. Inventor da telegrafia sem fio obteve a patente de seu invento na Inglaterra. Em 1899, usou a telegrafia sem fio para fazer a comunicação entre as costas francesas e inglesas, no Canal da Mancha. Marconi aperfeiçoou seu aparelho criando, em 1898, os primeiros rádio-telégrafos. Em 1910, foi feita a primeira comunicação entre a Europa e a América do Sul por telégrafo sem fio. Construiu em 1916 os primeiros aparelhos de ondas curtas, melhorando o sistema de transmissão a longas distâncias. Em 1922, recebeu o título de marquês. Faleceu na Roma no ano de 1937. A Rua Marconi foi criada entre finais de 1936 e início de 1937.

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Fotos

Através das lentes de São Paulo A revista Páginas de São Paulo apresenta um simples comparativo desde o surgimento da Praça da República até os dias de hoje. Coleção SAN/DIM/DPH/SMC/PMSP

Alessandro Pasi / Ag. Pág . de SP

. de SP Alessandro Pasi / Ag. Pág

Francisco de Almeida Lopes

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Victor Eski nazi

Coleção SAN/DIM/DPH/SMC/PMSP

Coleção SAN/DIM/DPH/SMC/PMSP

Fabio Matto s

usa Luciano So Coleção SAN/DIM/DPH/SMC/PMSP

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Humor

PIADA Você Sabe Que Alguém É Paulistano Quando: Na fala: A) Chama o semáforo de “farol”. B) Diz “bolacha” em vez de biscoito. C) Diz “cara” em vez de menino. D) Diz “mina” em vez de menina. E) Diz “bexiga” em vez de balão. F) Diz “sorvete” tanto para picolé como para sorvete de massa. G) Acha que não tem sotaque nenhum. H) Ri do sotaque de todo mundo (gaúcho, carioca, mineiro, nordestino, etc). I) Vê uma pessoa mal vestida e chama de baiano. J) É extremamente possessivo, pois emprega a palavra “meu” em praticamente todas as frases. No clima: A) Fala sobre o tempo para puxar assunto. B) Enfrenta sol, chuva, frio, calor, tudo no mesmo dia e acha legal. C) Sai todo agasalhado de manhã, tira quase tudo a tarde e põe tudo de volta a noite (Moda da Cebola). D) Tem mania de levar o carro para polir no sábado ou domingo, o carro fica brilhando, só que toda vez que vai sair com ele para passear, chove.

Na praia: A) Fala que vai para praia sem especificar qual. B) Fica a temporada no Guarujá, Maresias ou Ubatuba, mesmo que chova mais do que faça sol. C) Chama Ubatuba de “Ubachuva”. D) Fala mal da Praia Grande, mas toda virada de ano fica sem dinheiro e acaba indo para lá. Nas esquisitices: A) Faz fila para tudo (ônibus, mercado, banheiro, elevador, etc). B) Repara nas pessoas como se fossem de outro planeta. C) Cumprimenta os vizinhos apenas com oi e tchau. D) Espera a semana inteira pelo final de semana e quando ele chega acaba não fazendo nada. E) Convida: “Passa lá em casa”, mas nunca dá o endereço. F) Chama o povo do interior de São Paulo de caipira. G) Nas festas juninas chama vinho quente de quentão. H) Toma o mesmo ônibus todo santo dia, no mesmo horário e não cumprimenta nem o motorista, nem o cobrador, (que também são sempre os mesmos). E o Principal: Ri de si mesmo ao perceber que tudo acima é verdade.

Quadrinho 52

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Artigo

Euforia em meio à violência

A

o visitar a Praça da República, no Centro de São Paulo, há alguns dias, tive a primeira impressão da assustadora realidade de um país abandonado. Logo ao chegar na Avenida Ipiranga, a primeira coisa que avistei foram quatro crianças, com seus seis ou sete anos, correndo pelas ruas com garrafa plástica em uma mão e cigarro na outra. Completamente foras de si, cheiravam cola, fumavam e corriam, pulavam e gargalhavam umas das outras. Passaram, então, cinco viaturas da Polícia Militar em alta velocidade com sirenes ligadas e, para meu espanto, as crianças sequer olharam, muito menos a PM. Me questionei, com um tom de indignação: Onde estariam seus pais? E a atitude da polícia? Qual é o verdadeiro lugar dessas crianças de acordo com faixa etária e quais as expectativas da sociedade quanto aos seus futuros? Talvez o tráfico, crimes ou até mesmo a morte! Tive vontade de colocá-las dentro do carro, dar-lhes um banho quente, comida à vontade, cama macia e dizer que eles não teriam mais esse tipo de vida, que poderiam ir jogar bola e vídeogame, como crianças normais, merecedoras de uma vida digna. Esses são problemas comuns no cotidiano brasileiro. Os congressistas eleitos por nós mesmos só têm ignorado a realidade das favelas. A miséria e a violência que perduraram por todo o século XX se alastraram para o século XXI. Onde deveriam ser investidas verbas com prioridade e urgência, acabam-se por aparecer em contas estrangeiras, caixa dois, paraísos fiscais e empresas fantasmas. Um exemplo ainda invisível, mas com potencial para um futuro esquema de desvio de dinheiro público, são as Olimpíadas de 2016, a serem realizadas no Rio de Janeiro. À exemplo do Pan Americano de 2007, também na Cidade Maravilhosa, os valores dos investimentos mais que triplicaram de uma hora para outra. Num piscar de olhos R$ 3,7

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por Bruna Dias

bilhões foram gastos, quase 800% do que foi previsto. Você sabia que em setembro de 2009, o Governo Federal liberou apenas R$ 100 milhões para o combate à violência no Rio, mas reservou significantes R$ 32 bilhões para as reformas e construções para os jogos de 2016? Será que esse valor irá se fixar? O Pan de 2007 que o diga! Os nossos atletas pularam de alegria junto com a cúpula de governistas e lobistas brasileiros. Nas ruas, propagandas destacaram veementemente “Parabéns, Brasil!”, acompanhadas de um sorriso largo. Os gringos estão loucos para conhecer este país rico em beleza, pois as imagens que ilustram a cidade do Cristo Redentor são as mais lindas já vistas antes: o Pão de Açúcar, o aterro do Flamengo, o estádio do Maracanã, as famosas praias de Copacabana e da Barra da Tijuca, o Corcovado. Os índices de violência no Rio são catastróficos e vergonhosos, ocupando o 21º lugar nos índices de homicídios na infância e adolescência. Em função dos altos números de violência e da grande população, estima-se que, apenas na cidade do Rio de Janeiro, um total de 3.423 adolescentes entre os 12 e os 18 anos são assassinados num período de sete anos. Mais uma vez, as prioridades foram esquecidas e ignoradas. Afinal, com o que nós brasileiros estamos tão felizes? O dinheiro que sai dos nossos bolsos está sendo depositado e apostado nas Olimpíadas como prioridade nacional e não sendo distribuído entre o país com o intuito de melhorar os problemas da sociedade e salvar o futuro de nossas crianças, dando a elas alimento, educação, saúde e segurança. Se os investimentos previstos para os jogos sairem dos cofres do Governo Federal, isso significa que nós paulistanos também pagaremos essa conta!

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