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Com apenas 18 anos, Ashley não é uma adolescente comum. Ela não apenas está morta, como, depois de sua morte, entrou por engano na fila errada uma fila destinada a anjos da guarda treinados, prestes a iniciar a sua missão na Terra. Com um par de asas nas costas, ela é enviada para Los Angeles com a tarefa de substituir um anjo cuja "missão" era proteger ninguém menos do que o sexy roqueiro Cannon Michaels, líder da banda Sendher, o maior ídolo de Ashley. Enquanto tenta compreender o comportamento de Cannon, um jovem mimado e imprudente, com um estilo de vida totalmente "rock and roll", Ashley está longe de satisfazer os requisitos de um verdadeiro anjo da guarda. Ela sente falta da família e dos amigos, tem dificuldade para aceitar a própria morte, e acaba pondo em risco a sua missão como anjo e a própria vida de Cannon ao se apaixonar perdidamente por ele.
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Um Eu me tornei um anjo da guarda por acaso. Bem, na verdade, retiro o que disse. Como eu morri num acidente de carro, tecnicamente me tornei um anjo da guarda por acidente, mas o que eu realmente quero dizer é que eu não deveria ter me tornado um anjo da guarda de jeito nenhum. Tudo aconteceu por engano, quando entrei na fila errada. Ora, não me interprete mal. Ser um anjo da guarda seria muito legal; o problema é que eu não estava realmente pronta para morrer ainda, embora não ache que alguém esteja. Perdi minha vida apenas duas semanas depois de me formar no ensino médio, que por acaso era o mesmo dia em que faria 18 anos. Que azar!, você deve estar dizendo. Ninguém nunca espera morrer no dia do próprio aniversário. Enfim, eu estava dirigindo pela autoestrada, seguindo o mesmo trajeto que fazia todos os dias ao voltar para casa do Sliders, o restaurante onde sou... quero dizer... era recepcionista. Bem, o trânsito estava muito bom para uma tarde de sexta-feira e eu dirigia no limite da velocidade, o que provavelmente muito poucos motoristas faziam. Peguei a minha saída e segui na direção do cruzamento onde eu sempre virava à direita.
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Normalmente, eu ficava parada naquele semáforo, que é o mais demorado da cidade e fica vermelho rápido demais, obrigando os motoristas a pararem bem no meio do cruzamento até o trânsito fluir novamente. Mas, não sei como, o semáforo estava verde daquela vez, e eu pensei, “Uau, é meu aniversário, por isso é o meu dia de sorte! Se alguém merece este farol verde, com certeza sou eu”. Acabei descobrindo a ironia do destino. Comecei a fazer a curva e, assim que dobrei a esquina, aconteceu. Bang! E isso é tudo o que eu sei. Desculpe. A maioria das pessoas adoraria me ouvir contar que a minha vida inteira passou diante dos meus olhos numa fração de segundo, que eu senti meu corpo se chocando contra o airbag, expulsando o ar dos meus
pulmões,
justo
quando
meus
órgãos
internos
eram
esmagados dentro do abdômen, perfurando a minha aorta, matando-me quase instantaneamente, mas, infelizmente, eu não tenho uma história assim para contar, pois sinceramente não me lembro de nada. Acho que elas iam querer ouvir sobre o túnel de luz que eu tinha que percorrer, onde todos os meus parentes mortos estavam esperando para me receber do outro lado, mas, lamento, também não tenho uma história assim para contar. Eu, no entanto, me lembro de uma coisa: a música que estava tocando no rádio. Era da minha banda favorita, o Sendher. Vou vê-los num show na próxima semana. Desculpe. Eu quis dizer que teria ido vê-los num show se não tivesse morrido naquele dia. Obviamente, eu ainda não me adaptei completamente à ideia de estar morta. Mas, de qualquer maneira, Cannon Michaels, o
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vocalista mais gato do mundo, começou a cantar o refrão: “Duas noites para dois...”, quando o desastre aconteceu, e em seguida eu estava em outro lugar, um lugar inimaginável, e é nesse ponto que começa a minha história alucinante.
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Dois — Por aqui, mademoiselle. — Mademoiselle? Está falando comigo? — Apontei o dedo para o peito. Um peito sem batimento cardíaco. — Sim, por aqui. É hora de se juntar aos outros na fila. — O homenzinho inclinou a cabeça. Estava vestido com roupas de cores brilhantes, que incluíam uma calça de malha justa e uma gola de babados. — Do que está falando? Não vejo mais ninguém. Onde estou, afinal? Assim que o homem franziu a testa, três filas de pessoas apareceram na minha frente. — Você sabe onde está. Agora, por favor, mademoiselle. Pegue o seu lugar na fila. Já sabe para onde ir. — Mas você não está entendendo. Eu não sei para onde... — No entanto, quando me virei para encarar o homem outra vez, ele já tinha se afastado. Dei uma olhada no lugar, uma sala cheia de luz pura e brilhante, que normalmente ofuscaria os meus olhos. — Que lugar é este? — murmurei, balançando a cabeça. Alguém pegou no meu braço, uma mulher alta, de meiaidade, com cabelos grisalhos.
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— Venha, Ashley, você não pode se atrasar. Onde está o seu...? — começou a perguntar, virando a cabeça para os lados. — Não importa. Siga-me. — Quem é você e como sabe o meu nome? — Todas as perguntas serão respondidas mais tarde. Agora, por favor, venha comigo. Está na hora. — Na hora de quê? Onde estou, afinal? A mulher apontou para a terceira fila. — É hora das suas Boas-Vindas. — Boas-Vindas? Eu não tenho tempo para nenhum tipo de boas-vindas, seja lá o que for isso. Onde está o meu carro? Eu preciso chegar em casa. Não posso ficar aqui. A mulher me puxou pelo braço. — Ashley, você precisa seguir as minhas instruções. — Mas você não entende? Eu preciso sair deste lugar e ir para casa agora. Hoje é o dia do meu aniversário. Meus pais estão me esperando. Na verdade, estão esperando que eu entre pela porta da frente a qualquer momento. Minha melhor amiga Veronica ajudou minha mãe a fazer uma festa surpresa para mim. Obviamente eu não deveria saber de nada, e elas não sabem que eu sei, mas peguei as duas várias vezes falando sobre a festa, então tive que me fingir de surda a semana inteira. Por hábito, parei no meio da divagação para tomar fôlego, mas descobri que isso não era apenas desnecessário, como também impossível. A conhecida passagem do ar através do meu nariz até os meus pulmões, que faria as minhas costelas se expandirem, nunca chegou a acontecer. Apertei a garganta com a mão, esperando que isso me fizesse desfalecer, mas a sensação de
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vertigem que eu estava esperando não aconteceu. Aparentemente eu não precisava mais respirar, embora ainda pudesse sentir cheiros. O ar estava fresco, mas um tipo difuso de frescor, como se a atmosfera estivesse impregnada com uma névoa palpável e aromática de flores de hibisco e melão. — O que há de errado comigo? A senhora de cabelos grisalhos apertou os lábios num meio sorriso e balançou a cabeça. — Não há nada fisicamente errado com você; pelo menos não mais. Agora venha comigo. — Mas minha irmãzinha fez um presente especial para mim. Levou um mês inteiro para terminar. Ela até embrulhou sem a ajuda de ninguém. Ficou falando disso a semana toda. Eu não posso decepcioná-la. Ela tem que me dar o presente esta noite, entende? Então eu preciso ir para casa. Onde está meu carro? Se eu sair agora, talvez chegue lá a tempo. — Olhei para o meu pulso. — São apenas cinco e quatorze? Espere aí. Isso não pode estar certo. Eu saí do trabalho às cinco horas, devem ser quase seis agora. — Venha agora, senhorita Ashley. — A mulher colocou a mão no meu ombro e inclinou o queixo para baixo até que seus olhos encontrassem os meus. — Ashley, precisa entender que você não é mais um ser mortal de carne e osso. Você fez a travessia final da mortalidade terrena para a imortalidade celestial. Eu afastei o meu ombro da mão dela e dei um passo para trás. — Mas eu não quero esse sei-lá-o-quê celestial. Quero voltar para a minha família. Não posso deixá-los, especialmente agora.
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Minha irmãzinha precisa de mim. Ela não vai entender por que eu não voltei para casa, compreende? É por isso que eu tenho que ir embora agora mesmo. Não posso desapontá-la. Então, me mande de volta, por favor. Apenas me mostre para onde eu tenho que ir. A mulher falou com firmeza, apontando para mim com um dedo torto, de articulações inchadas. — Eu lamento, mas isso não é possível. Você não faz mais parte do mundo dos vivos. Agora, por favor, Ashley, pegue a fila número três. — O quê? Não sou mais do mundo dos vivos? Então, você está me dizendo que eu estou morta ou o quê? Eu não posso estar morta. Olhe aqui, eu não quero estar morta. Espere aí. Já sei! — eu disse em pânico. — Isso é apenas um pesadelo. Tem que ser. Eu vou provar isso a você. — Fechei os olhos e estendi a mão. — Eu quero um leite com baunilha gelado, tamanho grande. — Abri os olhos, mas a minha mão estava vazia. — Não, não, isso não pode ser real! Por favor, me ajude. Eu só quero ir para casa. — Ashley, eu estou ajudando você. Agora pegue a minha mão. Está na hora. — Não, eu não vou. Eu não vou ficar aqui. Você não pode me obrigar a ficar aqui. Me mande de volta, agora! — gritei, piscando freneticamente e esquadrinhando o salão para localizar uma saída e uma fuga rápida, mas não havia nenhuma. Uma onda de claustrofobia percorreu o meu ser. Meus ombros ficaram tensos enquanto eu tremia, prendendo os pés no chão e me impedindo de fugir para ninguém sabe onde. A mulher prendeu a minha mão na dela, apertando um pouco quando tentei puxá-la.
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— Ashley, por favor. Você precisa aceitar o que aconteceu. A
claustrofobia
se
dissipou
aos
poucos,
deixando-me
momentaneamente tonta e mais desequilibrada sobre os meus pés, mas eu não me mexi. — Mas eu não quero estar morta. Eu não posso acreditar que isso esteja acontecendo comigo. — Eu sei — disse ela. Sua mão nodosa era áspera, mas quente, e seus olhos tinham ficado mais suaves quando pronunciou essas últimas palavras. — Agora, venha comigo. — Seus lábios finos se arredondaram num sorriso sincero o suficiente para me fazer baixar a guarda e deixar a mão relaxar na dela. — Isso, Ashley. Isso mesmo. Agora, venha comigo. Ela me levou em direção ao final da terceira fila e desapareceu antes que eu pudesse dizer “obrigada”, algo que eu provavelmente não teria dito, de qualquer maneira. A terceira fila era a mais longa e volumosa. Cada pessoa estava em pé ao lado de alguém usando uma longa túnica branca. Essa fila serpenteava por toda a sala, alongando-se cada vez mais, enquanto eu ficava ali olhando, hesitando em tomar o meu lugar atrás de um idoso com camisolão de hospital, parado ao lado de um homem de meia-idade, com uma túnica e um bigode no formato de guidão de bicicleta. Quando finalmente me aproximei, o velho virou-se e sorriu para mim, exibindo uma fileira de dentes cariados. Eu já estava pronta para dar um passo para trás, mas então ele sorriu de novo, desta vez com a boca fechada, e minha atenção foi atraída para os olhos dele. Eram olhos gentis, azuis-celestes, rodeados de pregas de pele branca. Lembrava o meu avô por parte de pai.
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— Eu não esperava isso. — Ele riu novamente, mas desta vez evitei olhar para baixo da linha do seu nariz. — Fila longa, mas não me importo. Ninguém se importa mais. Pense nisso. Temos todo o tempo do mundo agora. — É, acho que temos. Isto é, se isso estiver realmente acontecendo. Eu ainda não estou totalmente convencida. Continuo esperando acordar e descobrir que tudo não passa de um sonho. — Pode acreditar. Você não está sonhando. Quer que eu belisque você? — Ele riu. — Não, não, obrigada — agradeci, esfregando o braço. — Você quer voltar, não é? — É, quero. Desviei os olhos do velho. — Isso é porque você está sozinha. Onde está o seu companheiro? Todos deveriam ter um. — Ele apontou para o lado esquerdo da fila, onde estavam as pessoas vestidas de branco e — sem brincadeira — cada uma delas tinha um par de asas enormes nas costas. Ok, agora eu sabia que estava sonhando. Acorde, Ashley! Acorde! Isso não pode ser real, pode? — Meu companheiro? — perguntei baixinho. — É, seu anjo. Este sujeito aqui está ao meu lado desde o dia em que nasci. Todos nesta fila têm um, exceto você. — O anjo do velho sorriu, mostrando uma fileira de dentes perfeitos e brancos que deviam fazer o velho sentir vergonha, embora os do anjo estivessem encobertos pelo longo bigode. — Eu não sei onde está o meu anjo. Acho que nunca tive um. Talvez eu tenha entrado na fila errada ou não esteja...
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O velho beliscou o meu braço. —Ai! — exclamei, embora não tenha sentido dor. Tudo o que eu senti foi uma leve pressão. — Veja, você não está sonhando. Está apenas morta. O anjo do velho sorriu e inclinou a cabeça. Por um momento, me senti quente por dentro como se eu pudesse respirar fundo e sentir as batidas do meu coração se colocasse a mão sobre o peito, mas depois a sensação desapareceu e eu comecei a acreditar que o velho estava certo. Mais à frente na fila havia uma menina da mesma idade que a minha irmã. Ela saltava no lugar e sua boca se mexia como se ela estivesse cantarolando uma canção alegre, enquanto seu anjo, também uma garotinha, segurava a mão dela e sussurrava em seu ouvido. O velho deu um tapinha no meu ombro. — Você é tão jovem! Como morreu? Meus ombros enrijeceram quando tentei respirar fundo e suspirar. — Não sei direito. — Pense. Pense bem. Você vai se sentir melhor se falar sobre isso. Isso é o que meu amigo e eu temos feito. Vai ajudá-la a acreditar, ajudá-la a entender. — Hum, eu acho que foi um acidente de carro. Na verdade, é, agora me lembro, foi mesmo um acidente de carro. Lembro que o meu carro bateu na lateral de uma picape azul, foi isso. Eu não sei o que aconteceu depois. — Você não se lembra de ter ouvido nenhuma sirene? — Não, nada.
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— Ah, entendo. Você deve ter morrido instantaneamente. No meu caso, acho que fui um dos sortudos. Tive uma longa vida na Terra até o meu velho coração finalmente começar a bater pino. Mas eu já estava esperando por isso. Sabia que ia acontecer a qualquer momento. Tive tempo para me despedir das pessoas. Mas no seu caso, você não teve essa oportunidade. — Não, não tive. Num minuto eu estava indo para casa e no minuto seguinte estava aqui. — Certo. Agora, esse sujeito aí — o velho apontou para o homem na frente dele — morreu de repente também. Ataque cardíaco como eu. Estava morto ao chegar ao hospital, mas ele tinha apenas 37 anos de idade. Acredita nisso? Que injustiça! Como você, ele também não teve tempo de se despedir. Mas, se você for pensar, vai ver que no final não importa realmente como ou por que ou quando vai morrer. Quer dizer, todos nós, um dia, acabamos no mesmo lugar, ou seja, aqui, certo? — É, acho que sim. — Não se preocupe. O homem dos babados, aquele que parece um bobo da corte, ele me disse que as Boas-Vindas nos trariam
a
felicidade
eterna,
contentamento
e
uma
total
compreensão do universo, e meu companheiro, aqui, me disse a mesma coisa. É só esperar, você vai ver. Com o movimento, o camisolão do velho se abriu, expondo a pele muito branca e enrugada das suas nádegas. Eca! Antes que eu pudesse me conter, dei um passo para o lado, afastando-me da minha fila e juntando-me à fila número dois, à esquerda. Eu furei a fila, mas ninguém pareceu se importar. As pessoas não acompanhadas por anjos se afastaram como o Mar Vermelho
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para me acolher. Então, antes eu estava na fila errada, afinal. Esse devia
ser
o
meu
lugar.
Eu
só
esperava
que
estivessem
servindo cappuccinos gelados no começo da fila. — Oi. — Uma menina com um vestido azul e chapéu combinando se ergueu na ponta dos pés para ficar no nível dos meus olhos. Eu pisquei. — Oi. — Então você está pronta para o Bota-Fora? — O quê? — O Bota-Fora. — Como assim? — Ai, você é tão engraçada! A Aceitação. Precisamos estar na Fase da Aceitação para que possamos fazer o nosso trabalho. Então, você precisa aceitar o fato de que tem idade suficiente e está pronta para essa oportunidade especial. — Que oportunidade? Você quer dizer uma oportunidade de trabalho? — É, nossos empregos, Ashley. — Ei, espera aí! Você também sabe o meu nome. Deve trabalhar aqui. — Eu? Não, eu não trabalho aqui. Não seja boba, Ashley. Eu sei seu nome porque sei tudo sobre você. Sua mãe lhe deu esse nome por causa da senhora Brett Ashley, uma personagem de seu romance favorito, mas na época em que você tinha 5 anos passou a ser chamada de Ashley, que muitos achavam um nome mais apropriado para uma garotinha. E, vamos ver, você se formou no colegial como melhor aluna da classe, nunca teve um namorado e
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nunca se apaixonou. Eu acho que mereço um elogio por isso. O que me diz, Ash? Você não se importa se eu te chamar de Ash, se importa? — Não, claro que não, mas você merece um elogio por quê? — Por ler sua alma tão rapidamente. Eu tenho praticado. Você é tão rápida quanto eu? — Hum... não. — Oh, sinto muito, Ash. Orgulho. Isso é o que eu preciso trabalhar. Ainda sou deficiente nessa área. Sua deficiência é, obviamente, a dificuldade que sente para aceitar o seu dever, enquanto a minha é o orgulho. Eu não quis me vangloriar. Aceite meu pedido de desculpas. — Ah, ok. Aceito seu pedido de desculpas. — Obrigada. Vou lhe dizer meu nome, em vez de desafiá-la a ler a minha alma com a mesma rapidez que eu li a sua. Meu nome é Sarah Louise Haverford. Eu nasci em 1882 e morri em 1896. Sarah encaixou o dedo do pé direito atrás do calcanhar esquerdo e fez uma reverência. — É, hã, um prazer conhecê-la, Sarah. Seu vestido é muito bonito. — Oh, obrigada, Ash. Eu mesma fiz. Pena que não irei usá-lo por muito mais tempo. Este tecido chegou de trem lá de Nova York. E este laço é… ah, meu Deus — Sarah riu com a mão na boca. — Lá vou eu de novo. Como eu disse, não vou me gabar. Vou simplesmente dizer: “Muito obrigada, Ash”. E agora vou retribuir o elogio. “Eu gosto da sua calça.” Olhei para a minha calça e para os meus dedos se projetando da sandália de plástico. Minhas unhas estavam pintadas de cor-de-
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rosa brilhante e a unha do dedão do pé esquerdo tinha uma florzinha desenhada com esmalte branco. — Obrigada, Sarah. Sarah juntou as mãos. — Estamos quase lá. Eu mal posso esperar para começar a minha missão. Isto é tão empolgante! Você não está animada, Ashley? — Para dizer a verdade, eu não sei como deveria estar me sentindo agora. Simplesmente não posso acreditar que eu seja realmente… um… você sabe o quê. Quero dizer, eu tenho que continuar dizendo a mim mesma que isso é real e que tudo vai ficar bem, senão vou surtar e tentar fugir daqui. — Fugir? Convenhamos, Ashley — ela riu. — Não há necessidade de fugir. Além disso, não há para onde correr. É isso. Estamos prontas. Chegou a nossa vez. É por isso que fomos selecionadas. Acredite, Ashley, você está pronta para o Bota-Fora; caso contrário não estaria aqui. A fila parecia desaparecer na nossa frente. No início, pensei que as pessoas estavam entrando em outra sala, mas, quando chegamos mais perto, vi que os outros literalmente desapareciam, sem deixar nem mesmo uma nuvem de fumaça; eles simplesmente se desvaneciam no ar. — Hum, Sarah, onde exatamente esta fila vai dar? — É o que nos leva ao nosso trabalho, ao nosso protegido, é claro. — Eu ainda não entendo. Que trabalho? Que protegido? Você fica falando em Bota-Fora. Eu pensei que estávamos esperando para receber as Boas-Vindas ou coisa assim.
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Sarah pegou minhas duas mãos nas dela. — Deixe-me dar mais uma olhada em você. — Seu sorriso desmoronou e ela soltou as minhas mãos. — Oh, não, Ash, quero dizer, Ashley. — O que foi? — Acabei de ler sua alma de novo, um pouco mais profundamente desta vez. Em primeiro lugar, você na verdade não gosta de ser chamada de Ash, porque um menino que conheceu na terceira série costumava chamá-la assim para fazê-la chorar, e vivia recitando um verso de uma canção infantil, “Ashes, Ashes we all fall down”1; ele não parou até que se mudou cinco anos depois e, em segundo lugar, e o mais importante, você é uma alma muito jovem. — Eu não sou tão jovem, tenho 18 anos. — Não, não é isso que eu quero dizer. Veja, meu corpo terreno é de uma menina de 14 anos de idade, mas minha alma tem mais de 100 anos. Eu deixei a Terra muito tempo atrás e, para muitos, uma alma de 114 anos ainda é considerada muito jovem. Eu mal atendi aos requisitos. Mas você, minha querida Ashley, eu… eu receio que você não deveria estar nesta fila. — Bem, antes eu estava naquela outra ali. — Então você ainda nem chegou às Boas-Vindas. Onde está o seu anjo? Ele deveria estar aqui com você. — Eu não sei. Nunca tive um. É por isso que pensei que deveria ficar nesta fila. Sarah, tudo que eu sei é que quero ir para casa.
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“Cinzas, cinzas, todos nós caímos.” (N. da T.)
— Apesar do fato de você não ter um anjo, minha cara Ashley, estou certa de que esta não é a sua fila. — Então que fila é esta? — Ashley, esta é a fila dos guardiães recém-nomeados... Mal ouvi a última palavra de Sarah e ela se foi, como se tivesse sido sugada; e, antes que eu pudesse voltar para a fila à minha direita, aquela em que eu supostamente deveria estar, o mesmo aconteceu comigo!
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Tres Numa lenta espiral, sem sentir o peso do meu corpo, caí de volta na Terra em meio a um feixe de névoa e luz, como se estivesse de pé no topo de um balão gigantesco, arrastado para o chão por alguém que o puxava pela corda. Quando olhei para baixo, vi que os meus pés e tornozelos estavam totalmente encobertos por uma névoa opaca e quente, que fazia minhas panturrilhas formigarem enquanto ganhava impulso, envolvendo minhas duas pernas e depois o meu corpo inteiro. Tão logo me vi completamente engolida pelo que parecia um nevoeiro de penas, senti como se o balão imaginário debaixo dos meus pés fosse furado com um alfinete. Eu caí com tudo, batendo as costas no chão. Algo parecia ter sido esmagado debaixo de mim, amortecendo a minha queda; e, quando estendi os braços, pressionando as palmas das mãos contra o chão, senti aquele mesmo “algo” pressionando as minhas costas, estabilizando-me, enquanto eu aprumava os ombros e me colocava na posição vertical. Inspecionei esses apêndices adicionais, virando primeiro para a esquerda e depois para a direita. Ai, meu Deus! Isso é irreal! Eu estava vestida com uma túnica esvoaçante branquíssima, e 19
duas
das
coisas
mais
belas
que
já
vi
projetavam-se
majestosamente dos meus ombros, num arco gracioso. Eram asas, na verdade, autênticas asas de anjo. E, embora a princípio eu tenha sentido dificuldade para controlá-las, depois de alguns minutos flexionando, girando e revirando os ombros em todas as direções, já conseguia não apenas abri-las e fechá-las, e dobrá-las nas costas, como também batê-las como se fosse um pássaro mágico. Eu pratiquei o bater das asas, levantando-as e deixando que se
abaixassem
sem
fazer
barulho,
provocando
pequenos
rodamoinhos de vento embaixo delas, agitando o ar suavemente contra meu corpo, até que percebi que não tinha nem reparado no lugar onde eu estava. O cômodo encontrava-se na penumbra. Um pequeno abajur com uma cúpula marrom escura iluminava fracamente o canto mais próximo, deixando o ambiente com um suave brilho alaranjado. Havia música tocando, uma melodia instrumental, irradiada através do cômodo por dois pequenos alto-falantes fixados no teto. Além da mesa e do abajur, perfeitamente centralizados, havia uma longa maca acolchoada sobre a qual estava um homem de bruços, ocupando quase todo o seu comprimento. Eu contornei a mesa lentamente na ponta dos pés. Era uma mesa de massagem; uma extensão estofada em forma de rosquinha apoiava o rosto do homem. Depois de mais uma volta ao redor da sala, ficou óbvio que ele não podia ouvir, nem ver, nem sentir a minha presença. Aparentemente era como se eu não existisse, mas continuei a agir com cautela e avancei tão lentamente quanto podia, evitando ficar muito perto, para não roçar acidentalmente a ponta de uma das minhas asas nele.
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Estudei suas costas, musculosas e bronzeadas, que se estreitavam numa cintura delgada e nádegas lisas, pernas longas e pés cobertos por uma toalha branca. Então andei na ponta dos pés até a frente da mesa, abaixei-me tanto quanto pude e examinei o rosto dele, espremido contra o apoio estofado em forma de rosquinha. Apenas o nariz, os lábios e o queixo eram visíveis, mas eles estavam esmagados entre as bochechas, tornando impossível adivinhar as feições do homem. Uma porta se abriu. Eu me sobressaltei e bati a cabeça contra a parte inferior da mesa, mas nem a mesa nem o seu ocupante pareceram se dar conta da minha presença, então relaxei. Uma mulher vestindo calça preta e blusa bege entrou, acompanhada de uma mulher afro-americana vestida de branco e com um par de asas igual ao meu, mas com um corpo quase duas vezes maior. — Você não caiu no sono, caiu? — A massagista jogou os cabelos loiros tingidos sobre os ombros antes de esguichar óleo de massagem com aroma de alfazema na palma da mão. — Não, não, ainda estou acordado, mas posso não estar depois que você acabar. — Isso é bom. Você pode ficar aqui e dormir o quanto quiser. Sabe que, no seu dia, você é o meu cliente exclusivo. — Eu sei. Obrigado, Claire. Claire começou a massagear o homem, começando pelas costas e seguindo na direção dos pés. — Então, você é a substituta de Nigel. — O anjo se aproximou casualmente de onde eu estava e se encostou na parede. Sua túnica moldava o seu corpo, destacando a barriga protuberante.
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— Nigel? Ah, sim, acho que sou — sussurrei. — Bem, você vai gostar do seu novo protegido. Ele tem uma vida, digamos, eletrizante! E vai manter você de olhos bem abertos, se é que me entende — ela riu alto. Eu voltei o olhar novamente para o homem sobre a mesa de massagem e observei como a sua pele ondulava a cada apalpação da massagista. — Ótimo! Tenho certeza de que vou. Obrigada. Então, hã, eles não podem nos ouvir ou nos ver, certo? — Certo — o anjo disse lentamente, enquanto franzia a testa. — Então, Claire é a sua protegida, e este homem é o meu protegido, certo? O anjo corpulento endireitou as costas e se afastou da parede. — Claro. — Ela olhou para mim com uma interrogação nos olhos, inclinando ligeiramente a cabeça antes de flexionar as asas e franzir as sobrancelhas. — Mas você já deve saber disso. — Ah, sei sim, claro, quer dizer, sabia, ou melhor..., não sei o que quero dizer. Eu acho que poderia dizer que ainda estou aprendendo. — Ainda está aprendendo? Espere aí. Deixe-me ler a sua alma, filha. — O anjo fechou os olhos e em seguida os abriu. — Ai, meu Deus, ai, meu Deus, isso não pode ser! Não é possível! — O que não pode ser? O que não é possível? — Você não passou pelo treinamento. E as suas Boas-Vindas? Você também não teve? — Não, eu perdi tudo. O que eu faço? — O que você faz? Isso eu não sei.
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— E quanto a Nigel? Você pode chamá-lo e dizer que ele precisa voltar e assumir o meu lugar? — Em primeiro lugar, querida, eu não posso chamar ninguém. Dê uma olhada na nossa túnica, fofinha. Nada de bolsos, nada de telefone celular, nada de nada. O que você vê é tudo o que você tem, e, mesmo que eu pudesse fazer contato, não poderia chamar Nigel de volta. — Por que não? — Porque Nigel é um anjo especializado. — Especializado? O que quer dizer? — Ele é especialista nos primeiros 20 anos de vida. O seu protegido completou 21 anos pouco tempo atrás. Era só uma questão de tempo até Nigel ser substituído por um anjo que tivesse solicitado um adulto. Agora, eu não sou especializada; vou ficar com esta protegida a vida inteira. — Mas eu não solicitei um adulto. Não solicitei ninguém. Não sou especializada. Não sou coisa nenhuma. — Ah, querida, como assim? Não é coisa nenhuma? Você é alguma coisa, com certeza. Você tem um par de asas nas costas. — Mas é um engano. Eu só quero ir para casa. Não quero estar morta. Não quero ser um anjo. Minha irmã precisa de mim. Uma música interrompeu nossa conversa. O som era abafado, irreconhecível. — Claire, é o meu celular. Pega pra mim? — pediu o homem sobre a maca. Claire encontrou o telefone no bolso de um casaco pendurado na porta. Ela o entregou ao homem e ele verificou a mensagem de
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texto através do buraco em formato de rosquinha, sem levantar a cabeça. — Droga! — O que foi? — Eu preciso ir. — Mas agora? — É, agora. — Eu posso esperar se você quiser voltar um pouco mais tarde. — Não, isso vai demorar um pouco e, de qualquer jeito, Jonathan vai me deixar tão nervoso que não vou conseguir curtir uma massagem agora. — Tem certeza? Eu posso dar mais uma massageada nas suas costas antes de você ir. — Não, é melhor eu ir. — Bem, vire e deixe-me, pelo menos, massagear o outro lado por cinco minutos. Eu não tinha chegado aos pés, ainda. — Ok, acho que cinco minutos não vão fazer diferença. — O homem levantou a cabeça da almofada de rosquinha e virou-se de frente, mantendo os olhos fechados. Fiquei na ponta dos pés e tentei espiar por cima do ombro da loira, mas, de onde eu estava, ainda não dava para ver os detalhes do rosto dele. Claire
levantou
a
toalha
discretamente,
a
princípio,
mantendo-a apenas a alguns centímetros de distância do corpo do cliente, enquanto ele mudava de posição, mas, depois que ele se acomodou e fechou os olhos, ela se inclinou para espiar os seus genitais sob a toalha.
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— Oh, meu Deus! — exclamei para o anjo de Claire. — Você viu isso? Não foi nem um pouco profissional. Não posso acreditar que ela tenha feito isso. — Agora observe suas emoções, querida. Menina, você com certeza tem muito que aprender! É óbvio para mim agora que você não recebeu nenhum treinamento, e não é só isso: você também é uma alma jovem, inexperiente. Como conseguiu essas asas, meu anjo? — Eu já disse, foi um engano. Entrei na fila errada. Por favor, me ajude. O que eu devo fazer? — Eu não acho que possa fazer alguma coisa. As Boas-Vindas teriam lhe dado paz e aprovação. Sem elas, vai ter que aprender a aceitar que você não é só uma alma, mas um anjo da guarda independente. Eu não sei como, não sei por quê, mas este rapaz precisava de um anjo da guarda substituto e aparentemente esse anjo é você. Ele não pode ficar sem um anjo. Nem por um minuto. — Já se passaram cinco minutos. — Claire colocou a mão no ombro do homem. — Obrigado, Claire. Desculpe ter que interromper; você sabe que eu gosto da massagem completa. — Ei, por que não terminamos hoje à noite? Eu posso ir à sua casa. Não me importo, sério. O homem sentou-se, mantendo a toalha na cintura. — Ok, pode ser. Que tal em torno das seis? — Seis está ótimo. — Claire foi até a porta e seu anjo a seguiu de perto, dando-me ampla visão da mesa de massagem.
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— Espere! — gritei para o anjo de Claire. — Não me deixe, por favor! Você não pode me deixar aqui. Eu não sei o que devo fazer. Não quero ser um anjo, só quero ir para casa. — Querida, você é um anjo. Tem que aceitar isso. Não há nada que eu ou você possamos fazer sobre isso agora. Você tem um par de asas e agora precisa usá-las. — Mas eu não sei como usá-las. Preciso da sua ajuda. Me ajude, por favor! Caindo de joelhos, enterrei o rosto no tecido macio da minha manga, que ondulava como a vela de um barco cada vez que eu me mexia. — Há algo de errado comigo. Eu deveria estar chorando, mas não estou. Não consigo. — Isso é porque os anjos não choram. — Por que não? — Porque não há por que chorar. — Não entendo. Por favor, fique e me ajude. — Eu sei, e gostaria de poder ajudá-la, querida, mas não posso. Não posso ficar aqui com você. Os anjos têm de ficar a menos de três metros de seus protegidos em todos os momentos. Vou ver você esta noite. O anjo se demorou mais um pouco na porta, enquanto pôde, até ser sugada para fora da sala. — Mas espere! Você não entende. Existe outra coisa que eu não contei. É o meu protegido. Eu sei quem ele é. — Fiz uma pausa. — É Cannon Michaels!
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Quatro Não podia ser, mas era. Cannon Michaels, o vocalista da banda Sendher e o cara mais gostoso do planeta, estava sentado a menos de dois metros de mim, completamente nu, com exceção de uma grossa toalha branca em torno dos quadris. Eu deveria estar pirando neste momento, mas não estava. Em vez disso, estava assustada, agitada, nervosa e em estado de total descrença, tudo ao mesmo tempo, mas, acima de tudo, estava sentindo uma tristeza profunda. Meu corpo, no entanto, se recusava a responder a qualquer uma das minhas emoções. Minhas mãos não tremiam, minhas palmas não suavam, os joelhos não estavam bambos e meus olhos não estavam cheios de lágrimas. Se tivesse um coração pulsante, eu o teria sentido bater umas mil vezes por minuto, com a sensação subindo pela minha garganta, enquanto meu rosto ficava vermelho; mas como anjo, eu era aparentemente
incapaz
de
experimentar
qualquer
uma
das
sensações físicas que acompanhavam essas emoções. Então, eu parecia calma, embora por dentro vivesse um tumulto total e absoluto. Lá estava eu, Brett Ashley Baker, também conhecida como “a menina morta” ou “o anjo da guarda sem treinamento”, tentando descobrir todas essas coisas de anjo, além de estar morta.
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Oh, não! Fechei os olhos e virei de costas justo quando Cannon tirou a toalha da cintura e pulou da mesa de massagem… Um Cannon Michaels completamente nu estava bem atrás de mim. Isso era absolutamente inacreditável. Ai, meu Deus! Ai, meu Deus! Será que milhões de garotas não morreriam para estar no meu lugar agora? Não digo literalmente, é claro, embora eu tenha feito exatamente isso! Enfim, apertei as mãos e fiquei dando pulinhos no lugar, esperando até ouvir o som de um zíper se fechando para me virar. Cannon estava usando jeans e mais nada. Eu o vi pegar as meias de uma cadeira e se sentar outra vez na mesa para calçá-las. Tive que dar uma olhada nos pés de Cannon. Não havia mais nada a fazer e, além disso, iria manter minha mente longe dos meus pais e da minha irmã. Eu tenho uma “coisa” com pés. Acho que os pés, especialmente os pés masculinos, são realmente nojentos. Pés ruins são um defeito que me faz perder totalmente o interesse pelo cara. Para mim, um garoto tem que ter pés bonitos, do contrário nem perco meu tempo com ele. Mas Cannon tinha pés fabulosos. Eles não tinham veias saltadas nem eram muito peludos, e as unhas eram limpas e aparadas. Obrigada, meu Deus. Se eu tinha que permanecer num raio de três metros dele o tempo todo, não queria ter que viver eternamente com nojo dos pés dele. Isso seria uma tortura, não importa quem ele fosse. Os músculos abdominais de Cannon também eram perfeitos, bem-definidos e com pelos suficientes para lhe dar uma aparência viril, não simiesca. Ele se levantou e enfiou a camiseta pela cabeça. Eu assisti enquanto o tecido de algodão se amoldava aos ombros e
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continuei a olhar para seu abdômen nu, até que ele puxou a camiseta até a cintura. Ele era incrivelmente gato! Parecia até melhor na vida real do que na TV ou em todos os pôsteres pendurados na parede do meu quarto. Cannon colocou óculos escuros e um boné de beisebol, puxando-o pela aba até cobrir as sobrancelhas. Ah, para com isso... Você deve estar brincando... Boné dos Los Angeles Angels? A ironia me divertiu. Ok, não posso ficar a mais de três metros dele, três metros. Isso é mais ou menos três braços. Limpei as lágrimas inexistentes do meu
rosto,
tentando
respirar
fundo,
e
pensei:
Ok,
eu
aparentemente não tenho escolha. Vamos fazer esta coisa de anjo. Segui Cannon para fora da sala de massagem, com as minhas asas batendo na moldura da porta e meus pés descalços praticamente pisando em seus calcanhares. A área da recepção estava lotada, ou pelo menos para mim parecia lotada. Havia dois funcionários atrás de um balcão e seus anjos da guarda estavam atrás deles, enquanto várias mulheres e dois homens estavam sentados em sofás esperando a vez, acompanhados por anjos que estavam em pé com seus protegidos ou pairando sobre eles, sorrindo e batendo as asas só o suficiente para mantê-los dentro do raio de três metros exigido. Nenhum dos anjos da guarda sequer olhou para mim, mas uma das mulheres sentadas desviou os olhos da revista em suas mãos e olhou para Cannon enquanto saíamos pela porta.
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Impressionante. Essas pessoas estavam na mesma sala que uma das pessoas mais famosas do mundo e nem se davam conta disso. Cannon dirigia um Porsche. Nenhuma surpresa. Uau! Era um 911 preto metálico, com bancos de couro preto e cinza, bem legal. Ok, agora o que devo fazer? Eu não podia esperar que Cannon fosse abrir a porta do passageiro para mim. E também não era como entrar num carro como eu sempre fazia, considerando o que tinha acontecido da última vez. Quando saímos da clínica de massagem, eu me esgueirei para fora, passando por trás de Cannon, um pouco antes de a porta se fechar no meu rosto, mas passar por Cannon para me sentar no banco do passageiro parecia complicado. Mas espere aí! E se eu não pudesse andar no carro? E se eu tivesse que voar, em vez disso? Oh, não! O que eu tinha que fazer? Outro carro entrou no estacionamento. O anjo da guarda do motorista estava sentado no banco do passageiro. Ok, então eu não tenho que voar, mas como faço para entrar no carro? Cannon fechou a porta do motorista, ligou o motor e engatou a primeira marcha. Não! Espere por mim! O Porsche arrancou e eu fui puxada junto com ele, justo quando eu estava prestes a violar a restrição dos três metros. A mesma força invisível que puxou o anjo de Claire para fora da sala de massagem, quando ele tentou ficar um pouco mais, agora tinha feito o mesmo comigo, e eu não gostei nem um pouco. Meu cabelo voou para todos os lados e as penas das minhas asas levantaram-se e dobraram-se nas direções erradas enquanto o
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vento ondulava ao longo do meu corpo e eu girava, lutando para permanecer na posição vertical. Quando entramos na estrada principal, eu já tinha corrigido minha trajetória e estava quase na posição de voo do SuperHomem, observando cada carro que passava. Alguns anjos estavam no banco da frente enquanto outros viajavam na parte de trás, se o banco da frente estivesse ocupado. Em situações em que o carro estava
cheio
de
passageiros,
os
anjos
voavam
graciosa
e
majestosamente acima dos veículos, usando seu próprio poder em vez de serem puxados com força, como eu. Não que eu não quisesse ficar no raio de três metros de Cannon, só não sabia como desdobrar as asas com o vácuo do carro e a força do vento para poder voar. Eu sentia, e tenho certeza de que parecia, uma completa idiota enquanto era puxada através do ar, a exatamente três metros de onde Cannon estava sentado em seu carro. Eu agarrei a antena do rádio e tentei chegar mais perto de Cannon. A menos de três metros de distância, eu estava agora sob o poder do Porsche e não da força invisível, mas não importava. Meu corpo ainda tremulava como uma bandeira num dia de ventania. Havia apenas uma coisa que eu poderia fazer neste momento, tentar voar. Eu levantei os ombros, o que fez com que as minhas asas se estendessem desajeitadamente para os lados do meu corpo, mas em poucos segundos a força do vento e do vácuo me jogou de volta para o mesmo lugar. Fiz uma segunda tentativa, forçando os ombros para trás para manter as asas atrás de mim antes de batêlas e estendê-las para os lados.
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Por incrível que pareça isso funcionou, ou quase. Depois de mais alguns movimentos de ombro, minhas asas se estabilizaram e bateram. Em menos de um quilômetro, minhas asas continuaram a subir e a descer por conta própria, como se comandadas por um piloto automático. Eu consegui! Estou voando! Estou voando! Foi muito legal, pelo menos por um tempo. O semáforo na nossa frente ficou amarelo. O Porsche deu um solavanco quando Cannon reduziu a marcha e pisou no acelerador, mas
o
semáforo
cruzamento. Vamos,
ficou
vermelho
Cannon,
antes
diminua!
Não
de
chegarmos
vamos
ao
conseguir
passar! Cannon pisou no freio. Oh, não, de novo não. Eu voei para a frente e fechei os olhos, justo quando a minha cabeça ia bater no carro. Com uma rajada de ar passando pelo meu corpo, mergulhei pelo vidro traseiro e escorreguei para o banco de trás (se é que se pode chamar aquela coisa de banco de trás) e dali para o assento ao lado de Cannon, como se todo o carro fosse feito de água e não de metal e vidro. Quando minha cabeça estava a ponto de atravessar o portaluvas e ir direto para o compartimento do motor, eu instintivamente estendi as mãos à frente e de algum modo consegui me apoiar na parte superior do painel, impedindo que o meu corpo continuasse avançando até o motor. Por que eu tinha conseguido atravessar o vidro e os bancos de couro, mas não o painel de vinil, era algo que eu não sabia, mas foi o que eu fiz, e funcionou. Graças a Deus. Eu só queria ter sobrevivido ao meu próprio acidente de carro.
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Sentei-me no banco da frente e recolhi as minhas asas. Estremeci quando uma estranha sensação de formigamento subiu pelo meu corpo e desapareceu. Assim é bem melhor; isso é que eu chamo de uma boa aterrissagem. Mechas grossas do meu cabelo estavam emaranhadas nas penas superiores das asas, sobre as omoplatas. O contraste do meu cabelo castanho contra as penas brancas brilhantes não era apenas bonito, mas me fazia lembrar da minha linda mãe. Seu cabelo era mais curto do que o meu, chegando um pouco abaixo dos ombros, e da mesma cor, com exceção de uma mecha grisalha que caía na lateral do seu rosto. Ela poderia ter tingido a mecha para combinar com o resto do cabelo, mas dizia que não se importava com o fato de envelhecer ou parecer velha. Meu pai costumava brincar com ela sobre isso e chamá-la de Cruella de Vil, mas ela nunca ficou com raiva. Ela dizia que seu cabelo grisalho era um sinal de experiência e sabedoria, e sempre repetia, “Eu tenho 48 e não preciso ter a aparência de 35”. Eu nunca entendi por que ela se sentia daquela maneira. Eu nunca quis ficar velha. Agora, acho que nunca ficarei. Cannon estava cantando uma canção, totalmente alheio ao que acabara de acontecer. Eu não reconheci a música, mas isso não importava; nada importava quando ele cantava. Sua voz era linda, suave e doce quando precisava ser e, ainda assim, viril e rasgada quando a letra exigia. Mesmo que ele pensasse que estava sozinho, eu sentia como se estivesse cantando só para mim; e isso me fez esquecer de que não estava mais viva.
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Era uma música lenta, uma canção de amor, algo muito diferente
do
que
o
Sendher
costumava
tocar.
Enquanto
desemaranhava o cabelo das penas das minhas asas, concentrei-me em sua boca, observando como os lábios se tocavam a cada palavra, como a ponta da língua pressionava suavemente a parte de trás dos dentes. Ele tinha lábios cheios e naturalmente vermelhos, lábios que eu tinha imaginado beijar mais de um milhão de vezes, quando estava viva. Então me concentrei em seus olhos, belos olhos que nunca iriam me enxergar, reparando no verde escuro e profundo das suas íris e nos pequenos vincos que se formavam entre as sobrancelhas quando ele cantava uma nota em falsete. Estou com medo, Cannon. Eu não sei o que eu devo fazer. Tenho que mantê-lo longe do perigo, mas não sei como. Aproximei a ponta dos dedos do rosto dele suavemente até tocar sua bochecha. Com horror, vi que meus dedos afundaram em sua carne como em areia movediça. Cannon não se encolheu. Puxei a mão e estremeci, sacudindo os dedos para dissipar a sensação de formigamento. Sinto muito, Cannon. Eu não sei nada sobre como ser um anjo da guarda. Há tantas coisas que eu preciso aprender e tantas que eu não entendo! Se você pudesse me ver! Se você pudesse me ouvir, então eu poderia pelo menos pedir desculpas antecipadamente por não saber o que fazer. Por que eu era capaz de atravessar alguns objetos e não outros ainda era um mistério para mim. Ali estava eu, sentada num banco, sem afundar até tocar o asfalto mais embaixo, quando poucos minutos atrás todo o meu corpo atravessara metade do carro. Era inacreditável, absolutamente inacreditável.
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Além de admirar Cannon e observar anjos e seus protegidos viajando próximos a nós pela autoestrada, passei o resto do passeio lendo as placas das ruas. Em que lugar do mundo estávamos? Certamente não era Phoenix, onde nasci e onde morri, nem mesmo o Arizona. Logo obtive a resposta. Bem na nossa frente, nas colinas à direita, vi o famoso letreiro com o nome da cidade, revelando exatamente onde eu estava: Hollywood, Califórnia. Viva Hollywood! Eu deveria saber que você mora aqui. Eu estava apenas a um Estado de distância da minha amada cidade natal. Hollywood era muito diferente do que eu imaginava. A Hollywood Boulevard era suja e decadente, e havia um monte de gente estranha andando por lá; mas, não importa o quanto fossem estranhos, todos tinham anjos da guarda, ou, como gosto de chamá-los, A.G.s, pairando atrás ou acima deles com sorrisos afivelados no rosto, duplicando a população aos meus olhos, fazendo as ruas parecerem ainda mais lotadas. Depois de algumas voltas que nos levaram a uma parte melhor da cidade, Cannon fez uma curva à esquerda, na Beverly Hills Boulevard. Uau! As casas eram impressionantes. Phoenix não tinha bairros como aquele. Eu cruzei as pernas e me recostei no banco. Cante outra canção, Cannon, apenas mais uma, por favor. Eu preciso me esquecer, mais uma vez. Mas ele não cantou. Em vez disso, fez mais algumas curvas, desacelerou e parou em frente a um grande portão de ferro, onde
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apertou o botĂŁo de um controle remoto para fazĂŞ-lo abrir. Aparentemente estĂĄvamos em casa.
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Cinco — O que aconteceu? Você interrompeu a minha massagem. É, isso mesmo. Você não podia cuidar disso sem mim? Se vire, ok? Cannon pegou o celular no minuto em que a porta da garagem se fechou. Quem quer que estivesse falando com ele não parecia se importar em tomar bronca. Tudo o que posso dizer é que eu teria desligado na cara de Cannon. Deixe-me adivinhar, Cannon. Você está conversando com Jonathan. — Eu não me importo, Jonathan. Dê um jeito. Eu sei. Eu sei. Tente novamente. Eu não vou fazer o seu trabalho por você. Eu pago você para lidar com toda essa porcaria, então faça valer a pena todo o dinheiro que eu gasto com o seu salário, ok? E não quero ouvir mais sobre isso até que esteja tudo em ordem. Cannon encerrou a ligação sem se despedir. Quando chegou à cozinha, jogou o telefone em cima do balcão e bateu o punho contra o granito preto. — Caramba! Eu não precisava de todo esse drama agora! Nossa, Cannon! Relaxa! Eu fiquei dentro do meu raio de três metros enquanto Cannon contornava o balcão da cozinha para pegar um refrigerante na geladeira; aliás, uma geladeira duas vezes maior do que as geladeiras normais, com portas de vidro que embaçam quando 37
abrem. Ele remexeu numa pilha de correspondência e colocou uma mão cheia de amêndoas na boca. Bela casa, Cannon. Eu comecei a ficar meio esnobe; eu bem que podia. Não havia mais nada a fazer senão andar atrás de Cannon e falar comigo mesma, qualquer coisa que mantivesse meus pensamentos longe do fato de estar morta. Além disso, conversar com Cannon como se eu fosse uma convidada bem-vinda em sua casa fazia com que eu me sentisse um pouco mais viva novamente. Eu
acho
esta
casa
fabulosa,
absolutamente
fabulosa!
O designer de interiores fez um excelente trabalho. Por fora, a casa era tradicional, revestida de tijolos aparentes e com duas colunas gregas brancas na entrada; mas, por dentro, era moderna, arejada, muito elegante. A mobília era angulosa e sem braços e tudo o que não era coberto com tecido era feito de cromo e vidro. Com exceção de uma máquina de fliperama no canto e uma coleção de revistas em quadrinhos emolduradas na parede, toda a casa parecia muito masculina, bem a cara de um homem solteiro. Mas, mesmo com a pintura de uma mulher nua em cima da lareira, a sala inteira ainda tinha uma atmosfera juvenil, como se a sala e tudo que havia nela se recusasse a crescer completamente, embora Cannon Michaels já tivesse crescido. Eu sei, é estranho, mas esse era o estado de espírito de Cannon Michaels. Meus parabéns, Cannon! Numa escala de um a dez, eu vou te dar um nove. Isto aqui é definitivamente você. Finalmente eu estava começando a me acostumar com essa coisa de anjo. Sempre que eu me esquecia dos três metros e
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Cannon ficava muito longe de mim, a misteriosa força que me mantinha colada a ele se manifestava a me puxava para mais perto. E eu odiava aquela sensação de ser puxada! Por isso, em poucos minutos, decidi que era melhor eu me manter mais perto do que longe demais. Cannon pegou o celular e foi para as escadas. Eram escadas amplas, com um gradeado de metal grosso e trabalhado. Quando chegamos ao topo, fiquei ali por tanto tempo quanto foi possível, contemplando a sala de estar, vendo e ouvindo as luzes coloridas piscantes da máquina de fliperama e a típica musiquinha para atrair jogadores. A suíte principal era o primeiro cômodo à direita. Deveria ser a hora da soneca. Depois de uma massagem, tudo o que eu quero fazer é dormir, mas, em vez de ir para a cama, Cannon foi direto para o banheiro. Ai, não. Agora, o que vou fazer? Não estou pronta para isso. Você é um gato e tudo mais, mas ainda há coisas que eu não quero ver você fazer. Mas Cannon passou pelo vaso sanitário sem parar e foi direto para o boxe. Obrigada, meu Deus! Ele ligou o chuveiro, pegou um roupão felpudo de um gancho na parede e jogou-o sobre um grande pufe estofado que havia no meio do banheiro. A água esguichou de uma grande ducha no teto e de oito jatos adicionais embutidos em uma das paredes do boxe. Essa impressionante exibição de água também veio acompanhada de música da nova era e luzes coloridas, que piscavam suavemente e brilhavam ao ritmo da música.
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Você deve estar brincando, Cannon! Isso não é meio feminino demais? Mas… deixa pra lá. A seguir veio o strip-tease. Cannon estava no centro do palco, pronto para se apresentar para uma plateia de uma pessoa só, e ele nem sabia disso. Ai, não. Ai, não. O que eu faço? O que eu faço?! Primeiro ele tirou a camisa e eu fiquei ali de boca aberta, admirando mais uma vez os músculos dos braços. Então foi a vez dos sapatos e das meias. De fato, como eu disse antes, os pés eram bonitos, mas desta vez eles estavam um pouquinho suados, e as meias apertadas tinham deixado marcas acima dos tornozelos, mas eles ainda pareciam bem atraentes. Quando ele abriu o zíper da calça, eu mantive os pés enraizados no chão, forçando-me a examinar seu corpo um pouco mais. Ok, Cannon. Boxer ou cuecas tradicionais? Aposto que boxer. Eu estava certa. Eram boxer, das mais básicas, na verdade; um modelo branco e preto, com listras verticais bem fininhas. Virei de costas numa fração de segundo, quando as mãos dele voaram para o cós da calça. De costas para o chuveiro, ouvi a porta de vidro abrindo e fechando e o ritmo da água mudando quando seus ombros e costas interromperam o fluxo antes de atingir o piso de mármore. Eu queria tanto me virar e dar uma espiada, só uma espiadinha! Ai, o que eu faço? Cannon, você não vai se importar, vai? Quer dizer, eu sou seu anjo da guarda, afinal de contas, não é? Tenho que ver você nu. Digo, como eu poderia evitar? Bem, de fato, eu acho que poderia fechar os olhos cada vez que você tirasse a roupa, mas, se eu tenho que
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protegê-lo, provavelmente não devo tirar os olhos de você, nem mesmo por um segundo, certo? Eu me virei com os olhos fechados. Ok, vou abrir os olhos agora. Mas eu não abri. Ok, vou fazer isso neste momento. Mas, novamente, não fiz. Ok, desta vez, vou abrir. Um, dois, três e… já. E desta vez, eu abri. Caramba! Com todo o peso do corpo sobre os calcanhares, fechei os olhos e girei até que fosse seguro abri-los novamente. Oh, Cannon. Sinto muito. Eu simplesmente não consegui me conter. Minha curiosidade é mais forte do que eu às vezes. Mas não se preocupe, você não tem nada de que se envergonhar. Não vou entrar em detalhes sobre o que eu vi, para proteger a privacidade de Cannon, é claro; só posso dizer que não fiquei nada decepcionada.
Ele
era
definitivamente
um
belo
homem,
absolutamente perfeito. Você já viu a estátua de David de Michelangelo? Ele era esse tipo de perfeição, embora seus ombros fossem mais largos e ele fosse maior em determinadas partes íntimas... e também circuncidado. Enfim, depois do banho, ele vestiu o grosso roupão branco e se deitou na cama. Eu me sentei numa grande cadeira e o observei dormir. Ele se virou algumas vezes da posição de costas para o lado esquerdo, mas, além disso, não fez nenhum som, não roncou nem nada. Eu sei o que vou fazer agora. Vou ligar para os meus pais. Abrindo as asas como se fossem uma mola, pulei da cadeira e aterrissei sobre a base da mesinha de cabeceira. O telefone celular de Cannon estava apenas a alguns centímetros de distância. Ok, é interurbano. Preciso digitar o “1” primeiro. Com o dedo indicador
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tremendo, eu mirei e apertei o botão. Meu dedo escorregou no teclado como se o telefone fosse um pedaço de manteiga amolecida. Não foi dessa vez. Tentei novamente e mais uma vez não obtive sucesso. Vamos, por favor! Eu sei que é impossível falar com eles, mas, se eu puder ouvir a voz de um deles, vou saber que estão bem. Olhando para o teto, eu disse baixinho: — Por que eu tive que morrer hoje? Eu não estava pronta. Ainda havia tantas coisas que eu precisava fazer, tantas coisas que eu queria fazer com a minha vida. Talvez eu não fosse “mudar o mundo”, descobrir a cura do câncer nem nada, mas eu sou uma pessoa muito boa, e gosto de ajudar as pessoas. Eu teria feito diferença de algum modo, tenho certeza disso. Se existe uma maneira de você me devolver a minha vida, por favor, prometo que vou dedicar a minha vida à tarefa de fazer deste mundo um lugar melhor. Só pense nisso, ok? Porque eu não quero ficar aqui. Estou apavorada. Já sei. Vou fechar os olhos e, então, quando abri-los, vou estar numa cama de hospital e terei sobrevivido ao acidente, ok? Por favor, por favor — implorei, fechando os olhos e contando até três, mas, ao abri-los, eu ainda estava ali no quarto de Cannon. E foi então que eu finalmente entendi. Eu estava realmente morta e era realmente o anjo da guarda de Cannon. Cannon gemeu e se virou na cama até que seu rosto ficou bem na minha frente. Seus olhos estavam um pouco inchados. Havia pequenos capilares cor-de-rosa sob a pele translúcida das pálpebras e ele tinha olheiras sob os olhos. Também notei, pela primeira vez, que ele tinha leves sardas em cima do nariz e no alto das
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bochechas.
Também
havia
duas
pequenas
cicatrizes
superficiais de catapora, uma à esquerda do olho direito e outra na bochecha esquerda. Deitei-me ao lado dele para fazer uma inspeção ainda melhor, e fiz isso sem afundar no colchão, embora, minutos antes, eu não tivesse conseguido discar um número de telefone. Por quê? Eu não sei. Mas sei que fiquei tão perto de Cannon que, se eu respirasse, teria praticamente soprado em seu ouvido. Ele não tinha feito a barba pela manhã. A barba castanha mal feita provocava uma sombra perfeita em seu rosto, dando-lhe uma aparência rude. Seu cabelo estava mais comprido do que na última entrevista na TV que eu tinha visto, era um pouco ondulado também e enrolado nas extremidades. Era bacana. Isso lhe dava uma aparência meio primitiva e selvagem, e mais madura também, como se ele tivesse uns vinte e tantos anos ou trinta e poucos, em vez de mal ter passado da idade legal de beber. Eu segui os contornos profundos do pescoço até a parte exposta do peito, me deliciando com o aroma almiscarado e picante de sabonete que irradiava da pele dele. Ele tinha mais pelos no peito do que eu imaginava, mas gostei. Isso o tornava mais masculino e lhe dava um ar meio “homem das cavernas”. Quando estava com sua primeira banda, The Discovery Boys, ele era todo arrumadinho e juvenil, o típico garoto norte-americano. Agora ele se parecia mais com uma verdadeira estrela do rock, e não apenas com um artista que cantava e tocava guitarra com outros três rapazes. Ele também parecia estar do jeito que eu gostaria de me sentir, feliz e tranquilo, como se não tivesse nenhum problema no mundo.
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Ai, Cannon, queria tanto que você pudesse melhorar o meu astral. Que pudesse me abraçar e levar embora toda a minha dor. Estou tão perdida e sozinha! Você é tudo o que eu tenho agora. Eu ansiava por tocá-lo, pousar a minha mão sobre o corpo dele, esfregar meu rosto contra as costas dele e roçar os lábios suavemente em seu ombro, mas não me atrevi a fazer nenhuma dessas coisas. Em vez disso, o meu braço e meus lábios afundariam na carne das costas dele, formigariam e me deixariam novamente apavorada. Quando Cannon se virou para o lado esquerdo, olhei para as costas dele e passei o dedo só um pouco acima da silhueta do seu corpo, fingindo que podia sentir a textura do seu roupão. Eu não estava cansada, mas fechei os olhos e me forcei a bocejar algumas vezes, mas não adiantou. Presumi que os anjos não dormiam. Havia tanta coisa para aprender, tanta coisa que eu não sabia, mas de uma coisa eu tinha certeza: estar perto de Cannon fazia com que eu me sentisse melhor. Ele nem sequer sabia que eu existia quando estava viva e nem saberia agora. A morte tinha me arrancado da minha família e dos meus amigos e, ao fazer isso, sem querer tinha me levado para mais perto da minha estrela do rock, mas simplesmente não era perto o suficiente. Eu precisava dele e, como eu já disse, ele era tudo o que eu tinha agora.
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Seis Mas que coisa mais chata! Sim, eu estava a poucos centímetros do homem mais lindo do mundo e, sim, eu de fato tinha visto Cannon Michaels nu nesse mesmo dia, mas, depois de duas horas observando seu peito subindo e descendo enquanto eu tentava apertar os botões do telefone vezes e vezes sem conta, eu estava morta de tédio. Por fim, alguma coisa aconteceu para aumentar o meu interesse e diminuir a minha frustração. Cannon deve ter ficado com calor. Com um só movimento, ele tirou os braços do roupão e arremessou-o no chão, acomodando-se novamente para dormir. Uau! Agora eu tinha um homem completamente nu deitado de costas ao meu lado. Eu nunca tinha estado numa situação como essa antes. Eu não posso ficar com os olhos fechados para sempre, Cannon. Por que você me colocou nessa situação de novo? Você não sabe o quanto é difícil para mim não olhar para você? Cannon, o que está fazendo? Pare! Pare! Antes que eu pudesse deslizar para fora da cama, Cannon rolou sobre o colchão, caindo diretamente sobre mim e, em seguida, afundando no meu corpo. Ótimo! Agora o que eu faço? O corpo dele tinha atravessado o meu; a sua cabeça atravessou a minha cabeça,
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o seu tronco atravessou o meu tronco e as pernas atravessaram as minhas pernas. Estranho, eu sei. Aquela sensação horrível de sucção se instalou no meu peito e se expandiu até envolver meus braços e pernas. A cada respiração, à medida que o peito subia e descia, a sucção aumentava e diminuía, uma sensação pouco natural que me deixava muito assustada. Ok, Cannon, isso é muito estranho. Role para trás outra vez, por favor. O corpo de Cannon era maior do que o meu em muitos lugares, por isso embora meu corpo estivesse no mesmo espaço que o dele, eu não o atravessava completamente. Quando finalmente consegui levantar a cabeça e fazer meu rosto se afastar da parte de trás da cabeça dele, abri os olhos e olhei para os pés da cama. As pernas nuas de Cannon, suas costas e seu bumbum estavam bem diante dos meus olhos. Como eu disse — muito estranho. Ok, Cannon. Agora chega. Levante-se. Eu estou começando a ficar com claustrofobia. Se você não se mexer, vou ter que me esforçar para sair de debaixo de você e você sabe como eu me sinto fazendo isso. Mas Cannon não se mexeu. Eu contraí as asas, pressionei o corpo para cima, apoiando-me nos cotovelos, e passei a cabeça, o pescoço e o peito através dele. Eu estava quase completamente livre. Ai, não, agora o que está acontecendo? A sensação de sucção se transferiu para as minhas costas enquanto eu deslizava para trás. Fechei os olhos quando o meu corpo afundou, atravessando o lençol, o colchão e o estrado da
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cama antes de as minhas costas e as asas dobradas baterem com tudo, mas sem sentir dor, no piso de madeira sob a cama. Felizmente, eu não atravessei as tábuas do assoalho até o cômodo lá embaixo, que eu achava que era a cozinha. Eu não tenho certeza se foi a força dos três metros que me impediu de atravessar o chão ou se eu tinha inconscientemente refreado o movimento, mas, de qualquer maneira, fiquei feliz por ter acabado onde estava e estar, finalmente, livre. Quando deslizei de debaixo da cama, vi uma pena pequena, branca, presa no meu lábio inferior. Ai, não. De costas para o espelho oval acima da cabeceira de Cannon, eu estendi as asas e virei o pescoço para fazer uma inspeção completa. Tudo parecia no lugar. Penas brancas e encaracoladas mais longas do que as da cauda de um falcão, sobrepostas umas às outras como as telhas de um telhado. As penas ficavam mais curtas à medida que se aproximavam da parte inferior das asas, formando tufos delicados quanto mais próximas estavam do meu corpo. Começando pelo ombro, passei a mão por baixo da túnica e tateei as costas para sentir o lugar onde minhas asas se ligavam a elas. As penas ali eram tão suaves e felpudas quanto as de um pintinho. Eu ainda não consigo acreditar, Cannon. Eu sou um anjo. Eu sou realmente um anjo, mesmo que não devesse ser. Em que eu fui me meter? Um rock clássico começou a tocar. Cannon, seu telefone está tocando. Esticando o braço perfeitamente musculoso, Cannon tateou com os dedos a mesinha de cabeceira até encontrar o telefone e colocá-lo na orelha.
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— Ok, então agora você resolveu interromper meu cochilo da tarde. O que mais vai estragar hoje? Seja simpático. Você é sempre tão mal-humorado quando acorda? Eu estou supondo que seja Jonathan. Cannon bocejou e pôs a mão sobre os olhos para bloquear a luz que vinha de uma fresta nas cortinas. — Então, o que eles disseram? Sentei-me no chão perto de Cannon e continuei a examinar minhas asas, esquecendo-me da pena que havia perdido. — O quê? Tá, então quebra o contrato. Estou cansado dessa porcaria. Tenho que começar a fazer as coisas do meu jeito. Não posso mais ficar assim. Simplesmente não posso. Cannon se levantou, mas não pegou o roupão, como imaginei que faria. Ao contrário, ficou andando pelo quarto, com o corpo nu, e começou a gritar no telefone. Por isso eu continuei de costas para ele e fechei os olhos quando ele chegou muito perto. — Jonathan, então contrate outro advogado, contrate dois, três, contrate tantos quanto for necessário, faça o que for preciso para me tirar desta. Eu estou cansado de todo esse drama. Se você não conseguir anular o contrato atual, eu não sei o que vou fazer. Não posso viver assim. Eu não posso. Calma aí, Cannon. Agora respire fundo e se acalme. Tenho certeza de que Jonathan está fazendo tudo o que pode. Seja como for esse contrato, eu tenho certeza de que tudo vai dar certo no final. — Não, você tem que vir mais cedo. Claire vai voltar às seis para terminar a massagem que você arruinou. É, que seja, venha agora se quiser. Cannon jogou o telefone sobre a cama.
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Antes de se vestir, andou em círculo com as mãos na cabeça, interceptando-me cada vez que eu tentava sair do caminho e tornando quase impossível para mim não olhar para ele. Ele vestiu uma boxer e foi direto pegar um jeans desbotado e confortável, com um buraco num dos joelhos. Hum, eu gosto dessa coisa de roqueiro rebelde. Então ele vestiu uma camiseta branca e pôs por cima uma camisa de mangas curtas, deixando-a desabotoada. Ele estava realmente um arraso. Sério, realmente, realmente um arraso... Chinelos?! Ah, não. Por que você tem que calçar isso? Está estragando todo o visual. Como eu disse, Cannon tinha pés bonitos, mas eu ainda odiava pés masculinos dentro de chinelos. É só uma implicância que eu tenho. De qualquer modo, exceto pelos chinelos, ele estava muito, muito gato. Ai, não, o banheiro não. Cannon levantou o assento do vaso sanitário e abriu o zíper da calça. O banheiro ficava a menos de três metros de distância da porta, então eu podia ficar fora dali e ainda virar de costas. Eu podia ouvi-lo, mas não tinha que vê-lo. Graças a Deus. Isso era algo a que eu não queria assistir. Eu já tinha visto o suficiente de Cannon Michaels por ora. Espere aí, agora o que você está fazendo? Cannon tirou do armário de remédios um frasco de comprimidos com tarja preta. Olhei por cima do ombro dele para ler o rótulo: Oxycontin?2 De jeito nenhum. Por que você precisa tomar isso? Eu nunca tinha tomado, mas sabia que muitos alunos do 2
Analgésico para dor crônica à base de ópio sintético, capaz de gerar dependência já nas primeiras doses. (N. da T.)
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ensino médio faziam isso, e, acredite, não era porque tivessem algum tipo de dor. Até onde eu sabia, Cannon também não estava tomando porque sentia dor. Está de brincadeira? Não se atreva a tomar nenhum desses comprimidos. Eu já tive decepções suficientes por um dia. Dei um golpe de karatê na lateral do frasco cor de âmbar e ele voou da mão de Cannon, aterrissando na pia. A tampa se soltou e rolou pelo chão como uma moeda. Ah, meu Deus! Sinto muito. Eu não queria fazer isso. Eu não sabia que podia fazer isso. Dei um salto para trás, afastando-me de Cannon, com a mão apertada contra a boca. Não, espere. Eu não me arrependo. Fico feliz que tenha feito isso. — Mas que droga! Como isso foi acontecer? Esse era o meu último comprimido, porra! Cannon balançou a cabeça e soltou outro palavrão enquanto verificava primeiro dentro da pia e em seguida no chão, para ver se achava o comprimido branco, mas não conseguiu encontrá-lo. Ele ficou de joelhos para olhar perto do rodapé. Eu vi o comprimido antes dele e, com um toque do meu dedo, atirei-o como uma bola de gude pelo chão de porcelanato. Ele caiu fora do seu ângulo de visão, atrás de uma cesta de toalhas limpas. — Deixa pra lá. — Cannon se levantou, batendo a parte de trás da cabeça na parte inferior da bancada. — Caramba! O que mais vai dar errado hoje? — Ele se apoiou nos joelhos para ficar de pé e voltou para o quarto, esfregando o galo na cabeça. Cannon, o que há de errado com você? O que você está pensando?
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Havia um armário de mogno alto do outro lado do quarto. Do lado de fora, o gabinete parecia bastante inofensivo, mas, quando Cannon o abriu, vi que era na verdade um bar bem abastecido. E, quando digo bem abastecido, quero dizer totalmente abastecido. Havia uma máquina de gelo, um liquidificador, quatro ou cinco tipos diferentes de copos e garrafas meio cheias ou quase pela metade de todos os tipos de bebida alcoólica que se possa imaginar. Cannon serviu-se de uma dose de tequila e deu conta dela enquanto
eu
fiquei
ali
parada,
olhando
para
ele
boquiaberta. Tequila às… Consultei o relógio sobre a mesa de cabeceira… duas horas da tarde. Está ficando louco? Eu acho que ele estava. Serviu-se de mais um copo e o esvaziou ainda mais rápido do que o primeiro, tomando tudo num gole só. — Ah, assim está melhor. Cannon chutou a porta do gabinete com o dedão do pé para fechá-lo e foi para as escadas comigo, como uma sombra, balançando a cabeça em estado de choque. Na cozinha, havia um monitor de tela plana com uma imagem do portão de ferro da garagem. Quando um Mustang preto apareceu, Cannon apertou um botão num painel da parede, abrindo o portão. Cannon encontrou-se com o homem na porta da frente. Ele era um pouco mais velho que Cannon, um pouco mais baixo também, e muito magro e pálido para alguém que morava no sul da Califórnia. O anjo da guarda do homem era um senhor mais velho com entradas profundas na testa e cabelos castanhos grisalhos,
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complementados por um bigode e uma barba curta que terminava em ponta no queixo. -- E aí, Jonathan? Me dê boas notícias, hein? Então este é Jonathan. Coitado. Já parece tão abatido! Seja gentil com ele, Cannon, sussurrei. Mas ele não foi. — Bem, você vai me dizer o que aconteceu ou só vai ficar aí de pé como um idiota? O anjo da guarda de Jonathan sentou-se num banco alto que estava um pouco afastado do balcão central da cozinha, o que evitou que tivesse de movê-lo ou que parte do seu corpo afundasse na borda do balcão. Eu observei o anjo de perto enquanto nossos protegidos discutiam. A expressão do seu rosto alongado era sempre a mesma, até quando Cannon era um completo idiota com Jonathan. Na verdade, quando o anjo finalmente percebeu que eu estava olhando para ele, continuou sentado com o mesmo sorriso simples e caloroso no rosto. Algo nele me intrigou. Pareceu-me de algum modo familiar, mas de uma maneira estranha, distante, não como alguém que eu conhecesse, mas mais como alguém de quem eu já ouvira falar. Aproximei-me do anjo e, quando estava a uns trinta centímetros do banco vazio ao lado dele, ele se levantou e puxou um banquinho para mim, afastando-o do balcão, como um perfeito cavalheiro, quando nenhum dos nossos protegidos estava olhando. — Obrigada — murmurei. — Disponha — ele sussurrou.
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O homem tinha uma voz muito refinada, como se fosse marcada por uma espécie de sotaque, mas, se era de fato um sotaque, eu não o reconheci. Parecia agradável, no entanto. Ele só se sentou depois que eu tinha me acomodado no banco. Eu estava um pouco nervosa. — Hum, você se importaria se eu lhe fizesse uma pergunta? — Não, absolutamente. — Como você fez isso? — Fiz o quê? — Moveu o banco. — Você não consegue mover objetos sólidos? — Não, não consigo. Quer dizer, movi uma vez, mas não sei como, então provavelmente não posso fazer de novo, mas realmente quero aprender. — Minha cara, só há duas situações que levariam a essas circunstâncias: ou nunca lhe ensinaram a fazer isso ou a senhorita simplesmente se esqueceu de como é. Agora, que situação se aplicaria no seu caso? — Nunca me ensinaram a fazer isso. — Então não terminou o seu treinamento. — Na verdade, nunca comecei o meu treinamento. O anjo colocou a mão no rosto para acariciar a barba, enquanto me olhava com curiosidade, as sobrancelhas finas arqueando-se ao mesmo tempo.
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— O caminho da prímula.3 Mocinha, isso não tem cabimento; a senhorita é uma alma jovem, receio que jovem demais, para os deveres de um anjo da guarda. — É, eu sei, mas não há nada que eu possa fazer a respeito agora, então, por favor, pode me ensinar? Eu preciso aprender o máximo possível. Este é o meu primeiro dia de trabalho. Estou substituindo Nigel. — Sim, de fato. Vou, sem sombra de dúvida, sentir falta da companhia dele. Era um senhor muito vivaz. — Ah, eu lamento. Não tive intenção de substituí-lo, na verdade. Simplesmente aconteceu. — Lamenta? Não há necessidade de lamentar. Nigel fez sua escolha quando decidiu se especializar. Venha comigo. Mantendo-nos no raio dos três metros de distância dos nossos protegidos, fomos até o centro da cozinha. — Agora, senhorita, saiba que o poder do toque não vem daqui. — Ele apontou para a própria mão. — Ele vem daqui. — Apontou então para a cabeça. — Diga a si mesma que quer tocar alguma coisa e irá tocá-la. Mas seu desejo de fazer isso deve ser forte para que aconteça. Havia uma colher usada na pia. O anjo a empurrou alguns centímetros pelo balcão com a ponta do dedo. Meu dedo atravessou a colher em vez de movê-la. Estiquei os dedos. — Tente novamente.
3
Expressão da peça de Shakespeare Hamlet (Ato I, Cena III), com o significado de o caminho “mais fácil”. (N. da T.)
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Meu
dedo
atravessou
a
colher
nas
três
tentativas
seguintes. Droga! Por que não consigo fazer isso? Depois de sacudir a mão para dissipar a sensação de formigamento, empurrei a colher uma última vez enquanto apertava os dentes. Oops! A colher voou da pia de aço inoxidável com estardalhaço. — Ai, meu Deus! Sinto muito! Eu não queria que ela voasse, juro! O que vai acontecer agora? — Provavelmente nada. Basta esperar para ver. — Que diabos foi isso? — Cannon irrompeu na cozinha, andando bem na minha direção e me atravessando, o que fez com que eu me encolhesse. Jonathan o seguia. Eu dei um salto para fora do seu caminho, quase colidindo com o anjo. — Parece que algo caiu dentro da pia. — É, acho que foi esta colher. — Ou talvez seja um fantasma. — Sem essa, Jonathan. Você sabe que essas coisas me apavoram. — É, eu sei. Como chama isso que você tem, fantasmofobia, medo de fantasmas? — Jonathan riu. —
Não.
É
fasmofobia.
E
é
uma
fobia
real. Eu
fui
diagnosticado, lembre. Um monte de gente tem. Uma noite, quando eu tinha 10 anos de idade… — Eu sei. Eu sei. Já ouvi essa história um milhão de vezes. E não preciso ouvir novamente. — Que história? Você já ouviu falar sobre isso? — Eu a ouvi tantas vezes quanto Jonathan, o que seria, para ser exato, três vezes.
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— Ah, sim. Certo. Então, o que aconteceu com ele? O anjo não respondeu. — Jonathan não é muito compreensivo com relação a isso — reclamei. — Obviamente, se Cannon foi diagnosticado, ele tem um problema real, não é mesmo? — Minha cara, prefiro não julgar o seu protegido, mas posso dizer que, embora o que aconteceu a ele seja bastante insignificante, quando “ele” conta torna-se bastante significativo. Eu cruzei os braços sobre o peito e estiquei as asas, uma por vez. — Então você quer dizer que ele exagera a história e/ou basicamente mente sobre ela para ganhar a atenção e a simpatia dos outros. Então, em resumo, ele está sendo infantil com relação à coisa toda. — Novamente, prefiro não julgar, mas, sim. — O anjo balançou a cabeça. — Você é uma alma muito jovem. — Por que diz isso? — Você é capaz de julgá-lo muito livremente. O incidente da colher foi esquecido. — Olhe, Cannon. Como eu disse, eles não vão ceder. Não há nada que possamos fazer neste momento. — E por que não? Você é o meu empresário. Deveria resolver coisas como essa, então pare de ficar me dizendo que eles não vão ceder. A tequila estava começando a fazer efeito. Os olhos de Cannon estavam injetados e ele não parava de lamber os lábios.
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— Cannon, não é tão simples assim. Você simplesmente não pode ficar quebrando contratos. A gravadora tem sido muito boa com você. Você não deveria querer estragar tudo desse jeito. — Boa comigo!? Você deve estar brincando! Você ouviu a porcaria que eles me fizeram gravar. Eu simplesmente não posso fazer isso outra vez. Eu não posso. Não posso. — Aquela “porcaria” rendeu milhões de dólares! Aquela “porcaria” rendeu a você a primeira posição na Billboard, com o álbum no topo das paradas há meses, um álbum que ganhou disco de platina. — Mas não tem mais a minha cara, Jonathan. Você não entende? Aquele é o antigo Cannon Michaels. Eu não sou mais aquele adolescente. — Eu sei, mas e os seus fãs? Você sabe que eles querem mais da mesma coisa. — Danem-se os meus fãs. Cannon, eu não posso acreditar que você disse isso. Seus fãs te amam. Você não estaria onde está sem eles. Eu adorei o seu último álbum. Jonathan está certo. Seus fãs querem outros iguais àquele. — Você não pode agir assim. — Vá se ferrar, Jonathan. Eu posso agir como quiser. — Cannon encostou-se ao balcão. — Eu estou sem oxy. Traga mais, tá? Não, Jonathan, não tome mais aqueles comprimidos. — Greg não vai prescrever mais. Você já está abusando, e ele sabe disso.
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— Então vá conseguir com outra pessoa. Você sabe como fazer isso. — Eu não vou arranjar comprimidos para você. Vire-se sozinho. Eu não vou ser responsável pelo seu vício. — Vício!? Então agora você acha que eu sou viciado? Pois não sou, então vá se catar! Saia daqui, Jonathan, e não me ligue novamente até que tenha me livrado desse contrato. — Cannon, agora esfrie a cabeça. Sinto muito, ok? Você sabe que eu vou fazer o que puder no que se refere ao contrato, mas, quando se trata de comprimidos, você vai ter que se virar. Obrigada, Jonathan! Cannon, deixe de ser um idiota. Não vê que ele está tentando ajudar você? — Que seja, agora dá o fora. — Sinto muito, Cannon, mas... — Eu disse pra dar o fora daqui! Jonathan pegou sua valise e se dirigiu para a porta da frente com o seu anjo atrás dele. — Não, eu não quero que você vá! — gritei. — Sabe que eu não posso ficar aqui, senhorita. — Mas Cannon não é como eu pensei que fosse. Ele bebe. Ele usa drogas. O que eu devo fazer? — Não há nada que possa fazer senão observar e esperar. Esse é o seu trabalho. — Mas... — Ouça, pratique o que eu mostrei, mas, daqui em diante, faça isso enquanto o seu protegido estiver dormindo. A habilidade do toque é extremamente importante. Você vai precisar dela para manter o seu protegido vivo e em segurança.
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— Mas, eu... Como faço para mantê-lo vivo e em segurança? Eu não sei como protegê-lo. Não sei coisa alguma sobre como ser um anjo. Eu só quero ir para casa. — Lamento, minha senhorita, se… — A porta se fechou no rosto de Jonathan, graças a um empurrão de Cannon. Cannon cruzou os braços e marchou de volta para a cozinha, com os olhos colados na colher dentro da pia. Ai, Cannon, por que você tem que ser tão cruel? Você é totalmente diferente de como se mostra na TV. Usando dois dedos, Cannon levantou a colher da pia, segurando-a longe do corpo com uma careta, como se estivesse lidando com algo fantasmagórico, e não com um inocente pedaço de aço inoxidável. Quando deixou a colher cair no lixo, ela fez um barulho estranho ao bater numa lata de sopa vazia, fazendo Cannon saltar para trás antes de chutar o compactador de lixo com o pé. Nossa, Cannon! Eu não queria deixá-lo tão apavorado. Sinto muito. Não queria assustá-lo, sério. Eu não sabia sobre o seu problema. Agora que eu sei, vou tentar ser mais cuidadosa. Eu prometo.
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Sete Numa sala no final do corredor, quatro violões acústicos estavam pendurados no teto baixo, à guisa de lustre, cada um deles suspenso por um fio grosso e preso pelo braço a uma espécie de suporte. Os violões estavam de costas uns para os outros, formando um espaço quadrado com uma luminária pendurada no meio, criando uma obra-prima eclética, quando não estava em uso. Legal, Cannon. Gostei. Cannon estendeu o braço, ficou na ponta dos pés e, com a mão, tirou um violão preto brilhante do suporte. Ele fez uma cara de desaprovação quando limpou uma película de poeira com a barra da camisa e soprou através das cordas para retirar ainda mais. Então se sentou numa cadeira e fez um show só para mim. Foi absolutamente fabuloso! Ali estava eu, sentada a menos de um metro de distância da mais linda estrela do rock deste mundo. Agora eu podia fechar os olhos e esquecer. Eu precisava disso e podia dizer o mesmo de Cannon. Eu acho que o fez esquecer também. Obrigada, Cannon. Havia um toque másculo, embora gracioso, no modo como Cannon dedilhava o violão, no modo como tocava as cordas e apertava com os dedos cada uma delas contra o braço do violão.
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Sentei-me a seus pés, ignorando os chinelos, concentrada em seu belo rosto. Este é o Cannon que eu adoro. Este é o Cannon com quem eu quero estar. Este é o Cannon que os fãs conhecem. Mas então Cannon estragou tudo. Pegou uma garrafa de tequila na cozinha e esvaziou-a entre uma música e outra. Por quê? Por que você precisa beber agora? Você estava indo muito bem sem bebida. Sério. Você vai ficar doente. Por mais lindo que seja, eu não quero vê-lo vomitar pela casa inteira. Cannon fazia uma pausa de vez em quando para bocejar e esfregar os olhos. Os olhos dele não estavam só vidrados, como também vermelhos e lacrimejavam cada vez que ele piscava olhando para o teto. O que há de errado com seus olhos, Cannon? Ei, você está chorando? Não, você não pode estar. Já não está bem crescidinho para chorar? Eu fiquei de pé, aproximei-me lentamente de Cannon e fitei o seu rosto. Quando ele olhou mais uma vez para o violão, uma única lágrima escorreu do seu olho quando ele piscou. Ele a secou com as costas da mão e a palheta metálica em seus dedos refletiu a luz do sol que entrava pela janela aberta. Mas você é Cannon Michaels. Sua vida é supostamente perfeita. Não demorou muito para Cannon começar a tocar violão cada vez mais devagar... mais devagar, até que os dedos pararam de se mover. Ele encostou a cabeça no estofado da cadeira e adormeceu, entorpecido pela tequila, com o violão no colo.
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Bem que eu gostaria de poder dormir e esquecer. Agora o que eu devo fazer? Bem, pelo menos posso praticar essa coisa de tocar. E ainda preciso dar um telefonema.
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Oito Cannon não acordou com o primeiro toque da campainha. Claire teve que tocar o interfone três vezes e gritar antes de ele cambalear com cara de sono até a cozinha e verificar o monitor antes de abrir o portão. O quê? Um BMW? Claire, você dirige um Beemer? Mas eu sempre quis ter um Beemer! Um Beemer branco da série 5 — o carro dos meus sonhos. Meu pai dizia que um BMW, até mesmo usado, era carro demais para um motorista novato, e quando dizia isso se referia a mim. Ele também dizia que, se pudesse se dar ao luxo de comprar um BMW, ele iria para a minha mãe. “Ela merece um bom carro”, ele dizia. “Ela é uma pobre mãe que dirige minivans desde antes de você nascer. É hora de ter algo que combine com a sua personalidade, um carro esportivo, mas prático. Sim, algum dia, eu vou dar a ela o carro que ela merece.” Eu acabei ficando com um jipe usado que não tinha airbags. Seguro de vida! Será que meus pais tinham feito um seguro de vida para mim? Se tivessem, o meu pai poderia comprar para a minha mãe qualquer carro que ela quisesse. Com um giro, desviei da porta da frente quando Cannon abriu-a para Claire, quase encostando minha asa direita nele. Oops.
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Desculpe. Não, eu duvido. Eu não conhecia nenhum pai que tivesse feito um seguro de vida para os filhos. Claire entrou na casa vestindo jeans e um top em vez de uniforme. Se na sala de massagens sua aparência parecia suave e natural, agora ela estava tão enfeitada quanto uma tumba egípcia. Seus olhos, seus lábios, as maçãs do rosto e o pescoço, tudo brilhava em tons metálicos de azul, rosa, laranja e bronze, nessa ordem, enquanto uma fivela brilhante prendia os cabelos loiros num rabo de cavalo. Eu não estava muito disposta a ficar perto dela, especialmente por causa do cheiro do perfume forte que ela exalava e espalhava pelo ambiente. A única coisa boa era o fato de que eu poderia conversar com o anjo dela. — Olá, moça, há quanto tempo, hein? — Eles se abraçaram, o que era ridículo considerando o fato de que tinham se visto só algumas horas antes. — Você andou bebendo? — Claire pegou Cannon pelo queixo e puxou sua cabeça para baixo para olhar em seus olhos. — Ah, só um pouco. — Sei. Foi isso que você me disse na sua festa de aniversário, quando estava completamente grogue e não conseguiu se lembrar de nada no dia seguinte. O anjo de Claire pousou perto de mim. — Estou tão feliz que esteja de volta! Eu não cheguei a me apresentar antes. Meu nome é Ashley. — Sim, eu já sei, querida. — Qual é o seu nome? — Tente ler a minha alma. — Desculpe, mas eu não sei.
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— Você precisa olhar para mim, mas olhe através de mim. Olhe dentro de mim. — Dentro? — Sim, querida. Esta não sou eu. — A mulher apontou para si mesma. — Esta não é você. Eu estou aqui e aqui. — Ela apontou primeiro para a cabeça e, em seguida, para o coração. — Agora olhe para mim e tente. — Ok, vou tentar. — Lambi os lábios e olhei fundo nos olhos do anjo. Suas íris eram de um tom castanho-escuro, quase tão escuras quanto as suas pupilas, mas isso foi tudo o que eu vi; não senti nem percebi nada. — Eu acho que não consigo fazer isso. — É, acho que não. Não acho que possa. Você é jovem demais, mas valeu a tentativa. Não há nenhum mal em tentar. Meu nome é Margaret, mas, quando eu estava viva, a maioria das pessoas me chamava de Margie. — Obrigada, Margie. Seguindo
os
nossos
protegidos,
fomos
até
a
outra
extremidade da casa, até chegarmos à sala de ginástica de Cannon. As paredes estavam ocupadas com todos os aparelhos de musculação que se possa imaginar, desde uma máquina elíptica digna de uma academia até um conjunto de pesos que pareciam algo que se vê nos filmes de prisão. — Uau, Margie, isso é melhor do que muita academia! Não me surpreende que Cannon seja tão sarado. Ele deve malhar o tempo todo. Ao passarmos por um aparelho de cromo perfeitamente polido, fiquei com vontade de pressionar a ponta do dedo sobre ele só para ver se eu conseguia deixar uma impressão, mas, no último
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segundo, achei que a minha tentativa seria inútil, então para quê? Mordi a unha do polegar em vez disso. — Margie, adivinhe? Eu quase aprendi a tocar em objetos hoje, mas ainda não estou muito boa nisso. — Então você descobriu como é. — Não, na verdade, o anjo de Jonathan me mostrou, mas eu ainda estou confusa. Às vezes consigo e, às vezes, não. É estranho. Posso mover objetos dando um piparote neles com o dedo, mas não consigo empurrá-los. Quando tento apertar um botão, meu dedo só afunda nele e eu não consigo pegar as coisas. Não faz sentido. Ah, Margie, eu tenho tantas perguntas para você! — Bem, então pergunte, querida. — Ok, me diga então, como é que eu não afundo na cadeira quando me sento, mas minha mão passa direto através de um objeto quando tento levantá-lo? — Antes de mais nada, para tocar algo é preciso um toque proposital, determinado, aliado à vontade e à necessidade. Sem essas quatro coisas, você não vai conseguir nunca. Agora, não me interprete mal, é preciso tempo para desenvolver a habilidade do toque, mas isso vai acabar acontecendo e você não vai ter nem mesmo que pensar nisso. — Então você está dizendo que inconscientemente eu devo ter sentido vontade de voar através do banco de passageiro do carro de Cannon, mas parei quando cheguei ao painel, e eu devo ter sentido vontade de afundar no chão quando Cannon rolou por cima de mim na cama? Margieriu, uma gargalhada ruidosa, quente e doce.
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— Baby, você deve ter sentido essa vontade. Parece que andou se divertindo um bocado. É difícil controlar o toque a princípio, especialmente porque você não passou por treinamento, mas, não se preocupe, com o tempo todos os toques vão acontecer do jeito que você quer. — Um toque proposital, determinado, aliado à vontade e à necessidade. Eu gosto disso. O anjo de Jonathan não me explicou dessa maneira. — O nome do anjo de Jonathan é William, mas você pode chamá-lo de Will. Eu conheço Will porque Jonathan também é cliente de Claire. — Margie, eu tenho outra pergunta, mas não se trata de toques. Claire dá uma espiada sob a toalha de todos os clientes ou só de Cannon? — Por que, Ashley? Importa o que ela faz? — Bem, importa, é claro. Ela não deveria fazer isso. É errado. É... é imoral. Sinto muito, Margie. Eu não quero ser rude, mas não gosto de vê-la fazendo isso com o meu protegido. — Eu não vou julgar a minha protegida, senhorita Brett Ashley Baker, mas o que eu vou dizer é que Claire está aqui e aqui. — Margie apontou mais uma vez primeiro para a cabeça e depois para o coração. — Não julgue Claire só porque ela levantou uma toalha. — Eu sei, mas ainda assim não gosto. Claire armou uma mesa de massagem portátil no canto da academia e posicionou os frascos de óleo de massagem num carrinho, enquanto Cannon e eu deixamos o cômodo, para que ele pudesse pôr o roupão.
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Quando voltamos, Margie estava sentada na ponta de um banquinho. — Da próxima vez, tente abrir os olhos. — O que você quer dizer? — Quando o seu protegido estiver se despindo, não há problema em olhar. Você tem que olhá-lo o tempo todo. Lembre-se de que ele está aqui e aqui, não aqui — disse ela, apontando os lugares em seu corpo. — Não há pudores entre os anjos. Claire se virou quando Cannon tirou o roupão e se deitou em cima da mesa com a toalha cobrindo seu bumbum. Margie olhou Cannon o tempo todo, então eu fingi que estava olhando também, mantendo a cabeça virada para a frente, mas desviei os olhos para a parede acima da cabeça de Cannon. — Pronto, Cannon? — perguntou Claire. — Pronto. Claire se virou e começou uma massagem de uma hora, que incluiu um pano úmido quente sobre o rosto de Cannon, que ela aqueceu no micro-ondas, no andar de baixo. Depois de 20 minutos, Claire pediu que ele se virasse de costas e, assim como antes, quando ele estava se virando de olhos fechados, Claire levantou um pouco a toalha para olhar o corpo nu do cliente. — Margie, como ela ousa fazer isso com o meu protegido? Estou muito brava com ela agora. — É, estou vendo. Você é uma alma jovem, Ashley. Não conhece o suficiente do mundo para saber que, no final, essas coisinhas pequenas realmente não importam.
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— Mas ela não deveria estar fazendo isso. Não é profissional, e não é justo com Cannon que ela se aproveite dele. Confesse, o comportamento dela não deixa você um pouco irritada também? — Não, Ashley, ao contrário de você, eu não estou com raiva nem com inveja. — Mas e se ele fosse o seu protegido? — Daria na mesma. Eu não estaria com raiva nem com inveja. — Mas eu não estou com inveja; eu já o vi nu também. — Ashley, não tem nada a ver com isso. Eu não quero julgá-la, docinho, mas parece que tenho que fazer isso para ajudá-la. Você está com inveja. Não está com inveja porque ela o viu nu. Está com inveja simplesmente porque ela está viva e você não está. Ela pode falar com ele. Pode tocá-lo, e você não. — É, eu acho que tem razão, mas eu não consigo evitar me sentir assim. Eu não estava pronta para morrer, e certamente não estou pronta para isso, e Cannon, ele não é a pessoa que eu achava que era. Ele, de certa maneira, me assusta. — Assusta você? Taí uma novidade em termos de anjo da guarda. Não há nenhuma razão para ter medo dele. Ele não pode te machucar, baby. Ashley, não há necessidade de se preocupar por causa do seu protegido. Seu trabalho é observar e esperar. Agora você é alguém que observa de fora e, como as decisões das pessoas em torno de você não mais afetam diretamente o que acontece na sua própria vida, é mais fácil ver as coisas de outra perspectiva. É assim que você vai aprender a não julgar e amar o seu protegido e todas as pessoas incondicionalmente. Ashley, há uma pergunta que você precisa fazer a si mesma. Você ama o seu protegido da maneira que um anjo deve amar, incondicionalmente e sem julgamento?
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Claire massageava o couro cabeludo de Cannon, as unhas cor de tangerina despenteando o seu cabelo, as unhas de acrílico provocando estalidos quando seus dedos se encontravam. — Hum, eu acho que sim; pelo menos deveria, não é? — Mas você ama Cannon Michaels, a estrela do rock, ou Cannon Michaels, a pessoa? Será que eu o amava? Desde a oitava série em todos os meus cadernos de escola eu escrevia “Eu” coraçãozinho “Cannon”, mas havia também “eu” coraçãozinho “Sendher”. Eu havia escrito aquilo uma vez sem nenhuma emoção real que não fosse uma quedinha. Sarah tinha lido minha alma quando estávamos na fila, e ela me disse que eu nunca tinha me apaixonado; eu acho que estava certa. Eu nunca realmente “amei” ninguém. A queda que eu tinha por Cannon quando me tornei o seu anjo tinha diminuído e se transformado em outra coisa, algo que eu só poderia descrever como apego baseado na responsabilidade. Era meu trabalho protegê-lo e eu faria exatamente isso, não importava como eu me sentisse a respeito dele. — Não, Margie. Eu não o amo. Ele está fazendo com que fique bem difícil para mim amá-lo. — Mas não jogue a culpa nele por tudo isso. Lembre-se de onde esse amor está: aqui e aqui. Todo mundo tem dois lados, um lado bom e um lado ruim. Você ainda não viu os dois lados. O estalar do acrílico aumentou quando as unhas cor de tangerina de Claire chegaram aos dedos dos pés de Cannon. Depois de um último tapinha nas suas panturrilhas, ela lhe deu um apertão rápido e disse: — Ok, acabamos.
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— Nossa, Claire, essa massagem foi ótima. Eu realmente precisava disso. — Especialmente com a grande turnê por começar. — É, mas é mais do que isso. Você não tem ideia do que eu venho passando nestes últimos dias. — Algo que possa me contar? — Na verdade, não. Desculpe. Você sabe como é o mundo artístico. Não é que eu não confie em você nem nada. É só que... — Tudo bem, sei como é. — Ela se virou enquanto Cannon vestia o roupão. Ele não consegue confiar nela e não sabe nem por quê. Depois de colocar algumas notas na mão de Claire, Cannon foi com a moça até a porta com a mão sobre o ombro dela. — Duas semanas? — Tudo bem. Apenas me avise. Sempre tenho horário para você. — Obrigado, Claire. Eu realmente agradeço. — Oh, Margie, eu quero que ela vá embora, mas gostaria que “você” não tivesse que ir. — Coloquei a mão sobre o ombro de Margie. — Ei, eu consigo tocar você sem sequer pensar nisso! — Sim, os anjos podem se tocar à vontade. Mesmo assim, você precisa continuar praticando seus toques quando se trata do mundo dos vivos. — Não se preocupe. Vou praticar. Por cima do ombro de Cannon, vi Claire entrar no meu carro dos sonhos enquanto Margie entrava pela porta do passageiro. Quando o ronco do Beemer se reduziu a um rugido abafado, Cannon pegou o violão e se sentou na beira do sofá. Sentei-me aos
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pés dele, sobre o tapete, de pernas cruzadas, na primeira fila, bem no centro, e assisti a Cannon tocar. Ele ainda estava de roupão. Sua pele brilhava por causa do óleo de massagem e ele exalava um aroma de lavanda e sândalo. Isso era o que eu mais amava. Isso era o que eu amava em Cannon. Esse amor não seria suficiente, mas era o suficiente por ora. Era hora de eu esquecer, era hora de ele esquecer, e esse Cannon fez isso sem uma gota de tequila. Eu estava fazendo o que deveria fazer — observar e esperar, mas esperar pelo quê? Infelizmente, não tinha perguntado a Margie sobre isso.
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Nove A primeira parte da turnê de Cannon começava no dia seguinte, então ele não só tinha um show para fazer como ainda estava com a intenção de quebrar o contrato com a gravadora. Pobre Jonathan. Eu não saberia dizer quantos telefonemas e mensagens de texto Cannon e Jonathan trocaram na noite anterior, até bem depois da uma da manhã, quando Cannon finalmente foi para a cama. Quando ele finalmente dormiu, aproveitei para passar a noite tentando tocar objetos sem ter que empurrá-los com o dedo e mover objetos sem fazê-los voar pelo cômodo. Aproveitando a luz da Lua cheia e um punhado de moedas que estavam sobre a mesinha de cabeceira de Cannon, eu lancei, joguei, empurrei, puxei e rolei uma das moedas no ar ou no chão. Às vezes ela dava um piparote para trás e atravessava o meu corpo como uma bala, e outras vezes simplesmente voava e batia contra a minha túnica, caindo no chão. Vamos, droga! Eu tenho que descobrir como se faz isso se quiser fazer aquela ligação. Puxei um livro de uma prateleira. Ele deslizou pelos meus dedos e caiu no chão com um baque. Droga! Apanhei-o do chão, mas deixei-o escapar novamente. Ele atravessou os dedos da minha mão ao cair, mas parou quando bateu no meu colo. Isso é inacreditável. Vamos lá. Eu posso fazer isso. Depois da quarta 73
tentativa, consegui finalmente sentir o livro ao passar o dedo ao longo da lombada, na delicada trama do tecido da capa, no serrilhado desigual das páginas, mas não consegui levantá-lo mais de um centímetro do chão. O celular de Cannon estava no lugar onde ele sempre o deixava quando estava na cama — na mesinha de cabeceira, facilmente ao meu alcance. Talvez com um pouco de sorte, eu conseguisse fazer o telefonema desta vez. Ok, um toque proposital, determinado, aliado à vontade e à necessidade. Minhas asas se encolheram involuntariamente nas costas quando eu me ajoelhei e baixei o dedo indicador na direção da tecla “1”. Fechando os olhos, deixei a ponta do meu dedo encostar levemente na tecla. Dessa vez eu consegui sentir a borracha fria contra a minha pele. Seria impressão minha ou eu tinha acabado de ouvir um sinal sonoro? Abri os olhos. A tela estava acesa e o número “1”, impresso nela. Ok, “um toque proposital e determinado, aliado à vontade e à necessidade”, eu repetia cada vez que pressionava os botões, enquanto os números se materializavam num passe de mágica graças à vontade da minha determinada mão fantasma. Consegui! O telefone tocou uma, duas, três, quatro vezes e, em seguida: — Alô. Inclinei a cabeça na direção do telefone. — Stephie, sou eu, Ashley! — Alô, alô, tem alguém aí? — Stephie, Stephie. Eu sei que você não pode me ouvir, mas eu só quero dizer que eu te amo e sinto sua falta, e se eu pudesse voltar para casa, eu voltaria, mas, escute, querida, eu não posso. Eu sinto muito não poder.
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— Alô? Acho que não é ninguém, mamãe. —
Então
desligue,Stephie,
e
volte
para
a
cama.
Provavelmente discaram o número errado. — Mãe, mãe, é você, mãe? Eu estou bem, mãe. Não fique triste mais, por favor. — Mas e se for Ashley, mamãe? Ela não voltou para casa ainda. Talvez esteja tentando ligar para que a gente saiba onde ela está e possa ir buscá-la. — Não, Stephie, não é... — A voz da minha mãe falhou e irrompeu em soluços. — Desligue e venha se sentar com a mamãe. Pegue o cobertor. Com um clique, elas se foram. Por que não contaram a Stephie? Eles precisam contar. Não é justo que a façam pensar que eu ainda posso voltar para casa. Um rock começou a tocar. A mão de Cannon voou para o celular como se ele nem tivesse pegado no sono. — Alô? Quem é? Stephanie? Ah, não! Eu me esqueci do identificador de chamadas. Stephie sabe como usá-lo. Cannon, por favor, seja gentil com a minha irmã, ela é só uma garotinha. Por favor, não seja grosso. Ela é uma das suas maiores fãs. — Não, meu bem, você ligou para o número errado. Não, não tem nenhuma Ashley aqui. Desculpe. É hora de voltar para a cama. Ok, querida, boa-noite. Obrigada, Cannon. Obrigada por ser gentil com ela. Em menos de um minuto, o telefone estava no modo silencioso e Cannon estava dormindo. Eu me sentia melhor ou pior do que antes? Não tinha certeza. Estava entorpecida, confusa,
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primeiro arrependida pela ligação e depois dizendo a mim mesma que era algo que eu tinha que fazer. Imaginei Stephie com seu cobertor, sentada no colo da minha mãe. Eram quase três da manhã. O relógio de pêndulo na sala dos meus pais estava prestes a soar três longas badaladas. Talvez neste instante minha mãe estivesse contando a Stephie que eu estava morta, que eu não voltaria para casa. Talvez Stephie estivesse chorando ou então negando com a cabeça, dizendo que não acreditava. Independentemente do que estivesse acontecendo, eu não podia pensar mais nisso. Obrigada de novo, Cannon, por não ser grosso. Pus um dedo em sua bochecha. Ah... A pele dele era macia e quente. Rocei as costas da minha mão na linha de seu maxilar e sob o queixo. Era áspero por causa da barba por fazer, mas não parei, minha mão correu para o outro lado de seu rosto, até embaixo da orelha. As pessoas têm dois lados, Cannon, um bom e um ruim, e eu vi o seu outro lado esta noite, o lado bom. Cannon, você é mais do que isso. Você está aqui e aqui. Toquei minha cabeça e depois meu coração. E, infelizmente, não posso tocar essa parte de você, a parte que eu preciso amar. Cannon tocou sua bochecha como se espantasse um inseto, agitou-se um pouco na cama e sentou-se rapidamente. — O que está...? Tem alguém aqui? Jonathan, é você? Eu dei um pulo para trás, caindo sentada no chão. Desculpe. — Jesus... — Ele coçou a cabeça e esquadrinhou o quarto com o olhar. — O que diabos aquilo está fazendo ali?
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Cannon viu o livro, aquele que eu havia deixado não apenas caído no chão, mas a quase dois metros de distância da estante. Enquanto cruzava o quarto para pôr o livro no lugar, ele pisou na moeda. — E isso agora? Mas, quando levantou o pé, a moeda não era a única coisa caída no chão. Reluzindo à luz do luar, havia uma pena, a pena da minha asa, a peninha que eu tinha perdido e da qual havia me esquecido mais cedo naquele mesmo dia. Ele examinou a moeda e colocou-a na mesinha de cabeceira, mas pôs a pena dentro da gaveta do móvel. Então folheou o livro, antes de devolvê-lo à estante. Pobre Cannon. Demorou muito tempo para cair no sono novamente, e tudo por minha causa. Quebrei a minha promessa. Não de propósito, mas quebrei-a. Nunca devia ter tentado tocar coisas que eu não podia recolocar no lugar. Durante o resto da noite, a temperatura de Cannon deve ter ficado inconstante porque havia momentos em que ele puxava as cobertas até o queixo e outros em que as empurrava para longe, quase com violência. Em dado momento, vi que os pelos dos seus braços estavam arrepiados e tive vontade de tentar cobri-lo com o cobertor, mas não ousaria tocá-lo novamente, pelo menos não esta noite. Minha temperatura, por outro lado, nunca mudava. Eu nunca ficava muito quente ou muito fria. Eu estava sempre igual, quer dizer, meu corpo estava sempre igual, mas por dentro eu não me sentia mais entorpecida. Não conseguia parar de pensar na delicadeza com que Cannon falara com a minha irmã. Eu repassava
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suas palavras mentalmente: “Ok, querida, boa-noite”. Apesar de seus olhos estarem fechados enquanto ele falava, havia um leve sorriso em seu rosto e pequenas covinhas em suas bochechas, revelando que seus olhos brilhavam sob as pálpebras. Boa-noite, Cannon, eu... Eu estava uma bagunça.
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Dez — O café. Onde está o meu café? Na cozinha. — Eu pego. Você deixou na cozinha. — Jonathan voltou para a sala com uma xícara de café na mão. Ele a passou a Cannon e franziu a testa. — O que há de errado com você? — Não dormi muito bem. — Isso não é novidade. Você nunca dorme bem à noite antes do começo de uma turnê. Agradeça que o primeiro show é aqui. Só vai precisar viajar amanhã. — Eu sei, mas... — Mas o quê? — Eu podia jurar que havia alguém no meu quarto ontem à noite. — Tipo quem? — Tipo uma garota. — Uma garota? Ah, dá um tempo. Como poderia ter uma garota
no
seu
quarto?
Você
tem
um
sistema
de
alarme
ultramoderno. — Não sei, mas foi estranho. Eu poderia jurar que alguém me tocou, uma garota. — Ninguém tocou você. Você é que está na maior fissura. Estava sonhando, só isso. 79
— Mas eu também achei um livro, uma moeda e uma pena no chão do quarto. — E daí? — Daí que não estavam lá quando me deitei. — Cannon, você precisa esquecer isso. É só a sua fantasmofobia atacando de novo. — É fasmofobia. Se você vai continuar zoando com a minha cara, pelo menos fale direito. — Que seja. Aliás, você estava bebendo na noite passada? — Estava. — Bem, então é isso. Explica tudo. — Não, não explica. Eu não estava tão grogue. — Olha só, a moeda caiu do seu bolso quando você trocou de roupa, e você trombou com a estante, fazendo o livro cair no chão sem perceber. E então sonhou com a garota. Veja, existe uma explicação para tudo. Foi isso que aconteceu. — E a pena? — Ah, pode ter vindo de qualquer lugar. Tenho certeza de que a sua casa é cheia de coisas estofadas com penas. — Não sei, não. — Bem, você não pode se preocupar com isso agora, por isso deixe pra lá. Você ainda tem um milhão de coisas para fazer. Ei, por que não me deixa cancelar seu compromisso no centro? Isso vai nos dar pelo menos uma hora a mais. — De jeito nenhum. Se precisar cancelar alguma coisa, que seja o fotógrafo. — Não, não, vamos ter que encontrar tempo para tudo.
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Enquanto Cannon contava a Jonathan sobre os misteriosos acontecimentos no quarto, eu me contive para não fazer contato visual com Will. Como ele tinha sugerido, na noite anterior eu havia praticado meus toques enquanto Cannon dormia, mas tinha feito um péssimo trabalho no que diz respeito a não deixar pistas. Que vergonha... Por hora, era melhor deixar Will acreditando que toda a culpa era da fobia de Cannon e não da minha idiotice. Durante o resto da manhã, Cannon ficou andando de um lado para o outro na sala de estar, gritando no celular com várias pessoas cujos nomes eu não reconheci. A sala era tão grande que eu tinha de segui-lo em vez de ficar parada no mesmo lugar, só observando. Depois disso, as coisas ficaram realmente caóticas. As pessoas continuaram chegando e indo embora, inclusive Jonathan. Primeiro alguém veio entregar as roupas que Cannon ia usar à noite, no show, depois o treinador de voz chegou para aquecer a voz dele e em seguida um fotógrafo apareceu para tirar fotos dele fazendo as malas para a turnê, que ilustrariam um artigo sobre ele numa revista. Quando Jonathan apareceu por lá, ele o ajudou com as malas e depois correu para fazer tudo o que Cannon lhe pedia, ou melhor, mandava. Anjos com sorrisos fixos e simpáticos iam e vinham com seus protegidos, mas nenhum deles me disse nada, e eu não disse nada a eles. Decidi que Will e Margie seriam os únicos anjos que eu consultaria para esclarecer minhas dúvidas com relação à minha missão de anjo da guarda. Se bombardeasse com perguntas todo anjo que aparecesse, eu me sentiria uma completa idiota quando descobrissem que eu era uma alma jovem, incumbida por engano
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dessa tarefa tão importante. Então, durante toda a manhã, mantive a boca fechada e segui Cannon pela casa. Toda vez que eu via Will, ele sorria para mim e eu sorria de volta, mas não fiz mais nenhuma pergunta e acabei não contando a ele a verdade sobre o que aconteceu com Cannon no quarto, na noite anterior. Assim como Cannon, eu também estava me sentindo sobrecarregada. Às duas horas, uma limusine estacionou na entrada para levar Cannon e Jonathan. Depois que eu já estava acomodada no banco em frente a Cannon e a sensação estranha de atravessar a porta do carro tinha passado, eu me virei para Will. — Então, para onde vamos, afinal? O que é esse “centro” de que Cannon fica falando? — A senhorita verá. Tenha paciência. A limusine parou em frente ao Centro de Orientação Jean Martin. Quando Cannon saiu do carro, Jonathan gritou da janela: — Eu tenho algumas coisas para fazer. Volto para buscá-lo às 4 horas. Não se atrase. Vamos direto para o estádio depois disso. — Tá, tá, eu sei. Pode ir. Você é pior do que a minha mãe. Vive resmungando. Que centro é esse, um centro de música? Mas então eu vi o parquinho e ouvi risadas de crianças, e não apenas crianças, mas crianças especiais. Eu as reconheci imediatamente. Elas eram crianças com síndrome de Down. Uma mulher idosa vestindo um avental azul-claro veio nos receber no portão. Mal dava para notar a presença do seu anjo, um menino mais novo do que eu, que estava em pé atrás dela.
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— Oh, senhor Michaels. As crianças estão tão animadas em poder vê-lo antes que saia para a turnê! Muito obrigada por nos encaixar na sua programação. — Eu não perderia isso por nada neste mundo, senhorita Betty. Ela corou quando ele lhe deu um abraço. — Estamos pintando lá atrás, no pátio. Algumas crianças desenharam o senhor. Quando chegamos ao pátio cheio de cavaletes, duas meninas imediatamente correram para Cannon e o abraçaram pelas pernas. Ele as pegou no colo, uma em cada braço, e beijou as duas no alto da cabeça, sem se incomodar que uma das garotinhas estivesse lambuzada de tinta azul acima da sobrancelha. A senhorita Betty se aproximou com uma toalha de papel molhada. — Sophie, deixe-me limpar a tinta no seu rosto. Você vai sujar o senhor Michaels. — Ah, não se preocupe, senhorita Betty. Azul é a minha cor preferida. Sophie e sua amiga não foram as únicas crianças que Cannon pegou no colo naquele dia. Todas as crianças pequenas queriam a sua vez, queriam ser abraçadas pela sua estrela do rock favorita, e Cannon atendeu a todas sem reclamar, sempre com um sorriso no rosto. Elas o levaram até a caixa de areia para ver castelos, bolos e biscoitos de areia irreconhecíveis, onde elogiou a todos e até mesmo fingiu comer uma torta de amora. Depois o levaram até o parquinho, para empurrar provavelmente umas centenas de vezes os balanços, e depois para um ginásio que
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imitava uma selva, onde ele se juntou a três crianças e balançou como um macaco. Por fim, graças a Deus, acabamos voltando ao pátio, onde eu pude me sentar por um tempo. Eu não sei como os anjos fazem. Especializar-se em adultos é definitivamente o melhor caminho. As crianças correm demais para mim. Sofia apontou para a sua pintura. — É você, Cannon. — Poxa, obrigado, Sophie. Mas que honra! Eu adorei. O rosto era redondo como uma bola de praia, os olhos eram duas manchas de tinta de aquarela verde e o cabelo, uma cascata de pinceladas infantis, mas Cannon realmente adorou; e posso dizer que a garotinha também. Sophie estava usando uma camiseta do Discovery Boys, a mesma que a minha irmã Stephanie tinha. Na verdade, Sophie me lembrou muito a minha irmã, e o jeito como Cannon falava com ela me lembrou muito a maneira como o meu pai é com Stephie. A voz de Cannon era suave e calma, não infantil como algumas pessoas falam com crianças com síndrome de Down, e ele não as via com dó e cautela como algumas pessoas fazem, como se elas tivessem uma doença contagiosa. Ele se sentia à vontade com essas crianças especiais, assim como eu me sentia. Cannon atendeu ao telefone. — Já são quatro horas?! Ok, chego num minuto. O minuto de Cannon se transformou em dez, o tempo que ele levou para abraçar cada criança e cantar uma canção de despedida, uma música que tinha composto especialmente para elas; supus que cantasse a musiquinha no final de cada visita.
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— Então, Cannon, como foram as crianças? — perguntou Jonathan. — Ótimo, ótimo mesmo. — A senhorita Betty perguntou por mim? — Não, acho que ninguém nem percebeu que você não foi. — Ah, obrigado, que gentil da sua parte! — respondeu Jonathan com um sorriso irônico. — Disponha. Agora, por favor diga que vai me surpreender com uma caixa de oxy. — Vai sonhando. Eu disse que não ia arranjar nada para você. Pra que diabos você precisa de oxy? Você não precisa disso. Sua vida é perfeita. Você tem talento, carisma, boa aparência e milhares de fãs. O que mais poderia querer? — Você sabe o que eu quero. Então, me surpreenda e me diga que a gravadora está pronta para anular o contrato. — Você já sabe a resposta. Eu teria ligado para você se tivesse ouvido alguma coisa. Olha, eu tenho trabalhado doze horas por dia. Cada minuto livre que eu tenho, passo no telefone cuidando dos seus negócios, e eu não consigo dormir bem há mais de duas semanas. Só durmo de três a quatro horas por noite por causa disso. Estou fazendo o melhor possível; você sabe disso. — Então, obviamente, o seu melhor possível ainda não é o suficiente. Cruzes, Cannon! Dê um tempo a Jonathan. — Como Cannon pode ser tão doce e sincero e em seguida um completo idiota? Ah, Will, você devia ter visto Cannon com as crianças no centro, ele foi absolutamente maravilhoso. Elas o adoram e ele as adora. Nem posso explicar o que senti quando estava
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olhando para ele, tudo o que eu posso dizer é que foi absolutamente mágico. Quer dizer, nem todo mundo consegue lidar com crianças especiais. Algumas pessoas têm medo delas, outras são grosseiras e há quem pense que é superior a elas ou é simplesmente falso, fazendo umas horinhas de serviço comunitário aqui e ali apenas para parecer bom ou congratular a si mesmo pelo trabalho voluntário. Mas Cannon não foi nada disso. Ele foi verdadeiro. Estava relaxado e feliz, e disposto a brincar com elas. Ele foi tão... Will deu uma risada. — Senhorita, eu acho que, se não fosse um anjo, estaria corando. Lembre-se, ele é o seu protegido, não o seu namorado. Olhe para as suas asas. As pontas das minhas asas estavam levemente curvadas em torno dos meus ombros num abraço. Envergonhada, eu as abri com força nas costas. — Eu sei, eu sei quem ele é; é que eu fico emotiva quando se trata de crianças com síndrome de Down porque minha irmã, Stephanie, tem síndrome de Down. — Logo depois que ela nasceu, as crianças que moravam na nossa rua costumavam me provocar por causa disso e me diziam que eu era uma retardada porque era irmã de uma retardada. Por um tempo, eu me ressenti por ser irmã de Stephie, eu queria que ela não tivesse nascido, e tinha raiva da minha mãe também, por ela ter esperado até os 40 anos para ter outro filho. Mas, então, um dia em que fiquei com muita raiva de Stephie por quebrar um dos meus CDs, realmente a chamei de retardada. Essa foi a primeira e única vez que eu disse isso. Ai, meu Deus, Will, eu me senti tão mal depois... Pobre Stephie, nem sabia o que significava a palavra, mas eu me senti
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horrível mesmo assim e, depois daquele dia, nunca mais me constrangi por causa dela. Eu a amo demais! E sinto tanta falta dela! — Por isso, fico triste ao ver que Cannon é capaz de ser agradável e doce quando quer, mas prefere não ser com Jonathan. Se eu fosse Jonathan, teria me demitido há muito tempo. Eu não iria aturar ninguém me tratando assim. Por que Jonathan suporta isso? Quanto tempo você acha que ele vai aguentar antes de desistir e jogar tudo para o alto? — Eu não faço previsões, Ashley. Jonathan vai fazer o que quiser. Eu não tenho controle sobre isso. Isso é algo que você precisa aprender. Não há necessidade de fazer com que os problemas de Cannon sejam seus também, assim como não há necessidade de fazer com que os problemas de Jonathan sejam meus. Seu trabalho é protegê-lo do perigo físico, do perigo que poderia resultar em sua morte, e é só. Até lá, você tem que observar e esperar. — Esperar pelo quê? — Esperar para agir diante do perigo. — Ok, mas esse é o x da questão. Como eu vou saber se o perigo poderá matá-lo ou não? Por exemplo, o que eu faria se a limusine batesse agora? — Se o acidente representasse uma ameaça à vida dele, você usaria as suas asas. — Como eu faço isso? Will sorriu com bondade e explicou: — Envolva-o com as suas asas. Elas são a maior proteção que você pode dar. — São como um colete à prova de balas?
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Eu desdobrei as asas e as trouxe para a frente do meu corpo, envolvendo-o como num abraço, admirando sua bonita curvatura, e desta vez não me senti sentimental com relação a Cannon. — Isso mesmo. — Eu não tenho certeza se seria capaz de dizer quando uma situação é fatal. — É, você perdeu o treinamento. Eu fiquei observando outros anjos da guarda lá de cima durante muito tempo. Vi os perigos do mundo mudarem; o maior desafio de um anjo da guarda costumava ser a queda de um cavalo em disparada. Agora são os acidentes de carro. Você só tem que seguir seus instintos. — Que ótimo! — resmunguei. A limusine foi abastecida com champanhe, refrigerante, gelo e minigarrafas de uísque. Cannon brincou com as garrafinhas por um momento antes de puxar a garrafa de champanhe de um balde de gelo. Retirou a proteção metálica da parte superior da garrafa e disse: — Não se atreva a dizer uma palavra, Jonathan. Se eu quiser beber a garrafa toda, vou beber a droga da garrafa toda. Que bonito. Fiz uma careta. A rolha estourou, atingindo o teto do veículo. O champanhe borbulhou pela mão de Cannon e pingou no chão. Ele tomou dois longos goles direto da garrafa. — Quer uma bebida? — Cannon balançou a garrafa embaixo do nariz de Jonathan. — Não, obrigado. — Jonathan negou com a cabeça e virou na direção da janela.
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— Eu me sinto tão mal por Jonathan! Ele deve ter realmente uma péssima autoestima. — Senhorita Ashley, se realmente se sente dessa maneira, então não está realmente olhando para ele de fato. Talvez haja uma boa razão para Jonathan suportar todas as “idiotices” de Cannon, como a senhorita diria. Quando chegamos, a limusine contornou o estádio e estacionou no lado de trás, no topo de uma longa rampa perto de dois caminhões. Cannon bateu na divisória que separava o motorista dos passageiros. — Ei, não podemos chegar mais perto? O motorista baixou o vidro da divisória. — Senhor Michaels, a placa diz que veículos a motor não podem passar daqui. — Não me importo. Pode ir. Se me multarem, eu pago. A parte inferior da rampa terminava em grandes portas duplas que levavam à sala de convivência das bandas, um conjunto de vestiários, a sala do estafe, os camarins, uma sala de aquecimento e, depois, aos bastidores. Uma mulher com uma prancheta avisou Cannon de que o restante da banda estava esperando por ele na sala de convivência. — Isso não parece certo: Cannon é quem vai estar se apresentando no palco e está completamente calmo, e eu estou uma pilha de nervos. Tenho medo de segui-lo para o palco e ficar na frente de todas aquelas pessoas. — Ah, Ashley. Não se preocupe com isso agora. Lembre-se, ninguém vai julgar você. Cannon ainda não vai subir no palco, por
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isso tente relaxar. Observe e espere, isso é tudo o que você tem a fazer. — Eu sei, mas ainda assim vai ser estranho. Ei, Will, eu acho que finalmente vou conhecer o restante da banda. Por que não os pegamos no trajeto até aqui? Eu sempre achei que todos os membros da banda chegavam juntos. — Sim, poderia se pensar que sim. — Lá estão eles, Will. Eu já sei como se chamam: Dan, Carl e Jeff. O anjo de Dan Vatt era um sujeito careca com uma barriga enorme, provavelmente de tanto tomar cerveja quando era vivo. O anjo de Carl Martini era uma mulher hispânica com cabelos pretos e um rabo de cavalo bem apertado, e o anjo de Jeff Lang era uma menina que aparentava uns 16, mas provavelmente tinha mais de 25 anos quando morreu. Ela foi a única que sorriu para mim, então eu sorri também. Lá estava eu, nos bastidores de um show do Sendher. Mal podia acreditar. Finalmente tinha meu passe livre para conhecer os bastidores, mas estava mais nervosa morta do que se estivesse viva. Observar e esperar. Observar e esperar. Isso é tudo que eu tenho que fazer, eu dizia a mim mesma. Eu andava tão perto de Cannon que, em duas ocasiões, meus dedos atravessaram seus calcanhares. Quando ele inspecionava seu camarim, espiei por cima do ombro dele e o vi supervisionando o interior do banheiro e limpando uma mancha no espelho de corpo inteiro com um lenço de papel. De volta à sala de convivência, fiquei na ponta dos pés, com as mãos atrás das costas, enquanto Cannon cumprimentava com um perto de mão Carl, Dan e outros membros
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da sua comitiva. Nesse momento, fiquei tão perto de Dan quanto pude. Sua aparência não tinha nada de extraordinário, mas adorei seu sotaque irlandês. Eu poderia ouvi-lo falar o dia todo. Jeff Lang, o baixista, sentou-se sozinho no sofá. Eu me afastei sorrateiramente de Dan e Cannon, para dar uma olhada melhor em Jeff. Ele era bem bonitinho. Não se comparava a Cannon, é claro, mas na luz fraca da sala e com um baixo preto brilhante nas mãos, era definitivamente um gato. Jeff afastou o cabelo do rosto antes de falar. — Sorte sua você não estar aqui para ver a fúria de Deborah quando ela apareceu. Disse que vamos passar o som em dez minutos. Estava procurando você. Ficou fula da vida porque você estava atrasado. — Dez minutos? Para que a pressa, então? Já estou cheio dela... Cannon, seja agradável. — Você deve ser nova. — O anjo de Jeff pousou perto de mim. — Sim, eu sou. Estou substituindo Nigel. — Não, quero dizer, você deve ser um anjo da guarda novato. O anjo pousou graciosamente, sem dobrar os joelhos. Ela era absolutamente gloriosa, o anjo mais belo e elegante que eu tinha visto até então. Suas feições eram tão delicadas e joviais! E mesmo que seus olhos fossem ligeiramente afastados, pelo menos o conjunto como um todo estava dentro dos meus padrões; os olhos eram tão azuis, os lábios tão cor-de-rosa e sua pele tão sedosa que essa falha não diminuía nem um pouco a sua beleza. — O que você quer dizer?
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— Você ainda está falando com o seu protegido. Todos nós fazemos isso, no início, mesmo que não seja algo mencionado em nosso treinamento. Com o tempo você vai parar, como o resto de nós. Não traz nenhum resultado. É como falar com uma parede. — É, eu sou anjo da guarda só há alguns dias. — Estou surpresa. — Por quê? — Porque você é nova e especializada. Normalmente é preciso duas vidas para um anjo se especializar. — Duas vidas? — Sim, dois protegidos. — Bem, hum, acho que fizeram uma exceção no meu caso. Especializei-me em adultos; adultos bonitos do sexo masculino, na verdade. Cannon acabou de completar 21 anos. Eu mais parecia uma idiota. — É, eu sei. Eu estava na festa de aniversário dele. Mas, ainda, assim, deve ser muito desafiador, substituir outro anjo e especializar-se em adultos. — Por que diz isso? — Você não estava com o seu protegido desde o dia em que ele nasceu. Você não o viu desenvolver sua personalidade, então agora tem que passar muito tempo lendo a sua alma. — É, eu sei. Quer dizer, eu vou..., eu tenho que ler. Ele tem uma boa alma e eu o amo. Eu menti, menti para um anjo! O que havia de errado comigo naquela noite? Quando chegou a hora de passar o som, segui Cannon até o centro do palco. As luzes, a música, a pressa e a agitação de
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pessoas correndo de um lado para o outro, fazendo ajustes e correções aqui e ali, para se certificar de que tudo estaria perfeito e preparado, fizeram eu me sentir tão viva que, por um momento, apenas por um adorável momento, pensei que meu coração tivesse recomeçado a bater. Infelizmente, descobri que era a batida dos instrumentos de percussão, nos alto-falantes, que reverberava em toda a minha alma. Ah, se eu pudesse ter passado por isso tudo enquanto estava viva e sem medo, sabendo que a minha família estava em casa, esperando eu voltar e contar tudo sobre a experiência inacreditável de assistir a umshow! Eu queria correr pelo palco com um passe livre balançando no pescoço. Eu queria gritar “1, 2, 3... Som” no microfone. Queria pular na passarela que levava até às arquibancadas e fazer uma dancinha quando chegasse no final. Ah, poderia ter sido tão especial! Tão surreal! Mas havia um anjo da guarda magicamente preso a cada pessoa, lembrando-me de que eu estava morta, dobrando o número de pessoas ali, transformando o que seria um emocionante caos organizado numa confusão de corpos, seguindo nesta e naquela direção, com o lampejo de vestes brancas e asas de anjos atrás deles. O encanto foi quebrado. Depois da primeira música da passagem do som, Cannon estava com sede, então alguém teve que correr e conseguir uma garrafa de água mineral, mas a pessoa trouxe a marca errada de água, então todos tiveram que esperar até que chegasse outra garrafa. Então Cannon teve que ir fazer xixi (não foi divertido para mim, pois o banheiro era longo e estreito, com mais de três metros de comprimento, dando-me duas opções: me comprimir contra a
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parede e suportar a sensação de ser puxada ou ficar dentro do banheiro). Eu escolhi a segunda opção, fechando os olhos, mas infelizmente os abri para ver que Cannon nem sequer lavara as mãos. Eu preferia não saber daquilo. Nossa, como os homens podem ser tão porcos!? E, além disso, no caminho de volta para o palco, ele apertou a mão de três pessoas diferentes. Apesar de todo o caos acontecendo no palco e fora dele, quando Cannon começou a cantar, junto com a banda, nenhuma loucura importava mais, não só para mim, mas para a maioria das pessoas vivas presentes. Isso me fez esquecer todo o resto e as fez esquecer os próprios problemas também. Os únicos que não eram afetados pelo charme de Cannon eram os anjos da guarda. Eles flutuavam ao redor dali, seguindo os seus protegidos com sorrisos leves e reconfortantes. Eu queria me entrosar com os outros anjos, então tentei manter um sorriso suave e não cantar junto com a banda, mas era tão difícil! Eu estava a fim não só de esquecer, mas de dançar também. Mas Cannon desfez seu encanto mais uma vez. Ele chutou a lista das músicas com o bico do sapato. — Quem fixou isso aqui fez um péssimo trabalho. Um dos auxiliares de palco correu até a lista com um grande rolo de fita adesiva. Quando o homem terminou, Cannon pigarreou, virou a cabeça e cuspiu no palco. — Terminamos? Porque pra mim já deu. O quê? Cannon, por favor, não aja desse jeito. — Não sei, não — disse Jeff, balançando a cabeça. — O som do baixo ainda não parece bom pra mim. — Ele empurrou mais
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para dentro o fone de ouvido. — Eu gostaria de passar mais uma vez. — Você não precisa de mim para isso. — Cannon tirou a guitarra do pescoço e entregou-a a um dos técnicos. — Idiota... — Cannon não ouviu Jeff, mas eu ouvi. Ele está certo, Cannon. Eu odeio dizer isso, mas você está sendo um idiota. O anjo de Jeff flutuou para perto de mim, as asas e os olhos faiscando. — Eu não entendo. — Não entende o quê? — Por que você julga o seu protegido assim? — Ah, hum, eu sou novata, lembra? Ainda falo com ele. A testa lisa do anjo se enrugou não de indignação, mas de preocupação. Seus olhos azuis-claros brilharam com uma espécie de hesitação calorosa, mas não havia piedade ou apreensão em seu olhar. — Eu não estou julgando você. Estou só confusa com as suas emoções. — Sinto muito. Eu não quero confundir você. Cannon acabou, tenho que segui-lo agora. Jonathan estava na sala de convivência esperando Cannon. — Ei, a passagem de som não parece ter acabado ainda. — Pra mim acabou. — Cannon, por que você insiste em irritar as pessoas o tempo todo? — Ei, eu faço as coisas do meu jeito. Se irrito alguém, então, paciência.
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Vamos lá, Cannon. Seja o Cannon que eu vi hoje cedo. Havia um pequeno bar no canto da sala, como o tipo usado para servir coquetéis em formaturas. Uma funcionária estava de joelhos em frente à geladeira, substituindo todas as garrafas de água pela marca favorita de Cannon. Ela olhava para Cannon o tempo todo. Era rechonchuda e sofria de um caso grave de acne. Seu anjo dava a impressão de que sofrera do mesmo tipo de problema de pele quando vivo. Quando Cannon se aproximou, ela deixou cair um saco de gelo no chão acarpetado. — Desculpe a confusão, senhor. Não é culpa da sua gerente de produção; eu verifiquei o contrato, ali diz claramente a marca da sua água mineral favorita. É culpa nossa. Na verdade, a culpa é minha. Eu estava encarregada de abastecer a geladeira. Ela colocou a mão sobre os olhos e limpou uma lágrima na manga. Cannon, por favor, seja gentil com ela, sussurrei. — Tudo bem. Isso acontece o tempo todo. Você não é a primeira. Por que não pega uma daquelas cervejas para mim? Obrigada, Cannon. Agora diga “por favor”. — ...por favor. Muito bom! A moça pegou a cerveja, uma cerveja preta, mais forte, e colocou sobre o balcão. Suas mãos tremiam, mas ela não estava mais chorando. Quando saiu da sala, Cannon sussurrou para si mesmo: — Uau, que patético! Oh, Cannon.
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— Bem, Jonathan, pelo menos eles fizeram a coisa certa desta vez. — O quê? — Nada de camarão com casca. Dão trabalho demais. — É, eu liguei esta manhã para checar novamente. A última coisa que eu queria era repetir o que aconteceu na última turnê. Cannon riu. — O quê? Você não gostou das cascas de camarão que deixei nas almofadas do sofá? — Não, não gostei. — Ei, a culpa é deles. Tenho certeza de que acabaram encontrando... depois. — Sim, quatro dias depois, quando o sofá começou a feder. — Ah, aqueles eram os bons velhos tempos. — Cannon encheu o prato com camarões cozidos, descascados e limpos, e uma colher de molho antes de se sentar em frente a Jonathan. Will flutuava perto do teto, as asas golpeando o ar com tamanho ímpeto que teriam varrido a comida de Cannon do prato caso ele fosse um pássaro gigante, e não um anjo. — Senhorita Ashley, você é o único anjo que eu conheço que se especializou em adultos bonitos do sexo masculino. — Ah, então você ouviu isso. — Ouvi. — Eu não pude evitar. Estava nervosa e ela fez com que eu me sentisse uma idiota. — Estou certo de que não era a intenção dela. Ela é uma alma jovem também, não tão jovem quanto você, é claro. Ela tem 104 anos, mas ainda está aprendendo também.
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— Desculpe. — Não precisa se desculpar comigo. Agora queixo para cima, senhorita Ashley; existe outra questão que precisamos abordar se vai ser um anjo especializado em adultos bonitos do sexo masculino. — Will deu uma risadinha e ergueu as sobrancelhas. — Não tentou voar ainda? — Sim, mas só porque não tive outra saída. Eu estava indo bem no início, mas tive dificuldade quando precisei diminuir e parar. Acabei não conseguindo, então agora estou com um pouco de medo de tentar novamente. — Você vai ter que aprender, senhorita Ashley. Não pode cuidar bem do seu protegido se não puder voar. — Mas como eu posso aprender se não posso me afastar mais de três metros dele? Eu não aprendi isso antes de receber minha missão, então agora vai ser quase impossível. — Escute o que eu digo, se você pode flutuar, pode voar. Agora bata suas asas e tente. — Ah, eu não sei. E se mais pessoas vierem aqui? Eu não quero um monte de anjos me vendo despencar. Seria embaraçoso. — Ashley, acho que não percebeu que nós, anjos, nem sequer olhamos uns para os outros. Quando estava viva, a senhorita prestava atenção em cada pessoa que passava na rua? Parava e se apresentava para qualquer estranho no shopping? — Não. Claro que não. — Bem, acontece o mesmo conosco. Os anjos não vão julgá-la, eu prometo. Agora, abra as asas e tente. Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o bem que podemos conquistar, por medo de tentar. Agora mostre confiança e voe.
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Estiquei os ombros para trás e para baixo, desdobrando as asas, e as abri para os lados, como se abrisse um guarda-chuva. Tenho
que
admitir
que
as
asas
dos
anjos
são
bastante
impressionantes; de um branco imaculado, lisas e verdadeiramente brilhantes, cada pluma tem um formato perfeito, como uma folha nascida de uma árvore mística. — O que eu faço agora? — Bate-as, é claro. Para cima e para baixo, para cima e para baixo. Basta uma simples contração do ombro. Eu contraí os ombros, mas não saí do chão, então coloquei os ombros o mais para trás que pude. Comecei a subir, sem ir para a frente. Will começou a se elevar também, para ficar na mesma altura que eu. — Bom, agora continue fazendo isso. Para dentro e para fora, para dentro e para fora. Mantenha as asas paralelas ao chão. Se você for muito alto, pare de bater até que esteja na altura desejada. Sim, eu acho que você conseguiu. Você paira muito bem. — Oh, não, ele está se movendo! Cannon estava pronto para pegar mais camarões. — Só que desta vez eu gostaria que ele tivesse pedido para Jonathan pegar para ele. Eu tenho que voar. E se eu não conseguir parar? — Você pode fazer isso, Ashley. Incline-se para a frente — Will gritou do outro lado da sala. — Bom, agora incline-se para trás, a fim de diminuir a velocidade. Ok, agora paire e espere o seu protegido. Excelente. Ele está em movimento. Vire-se, vire-se, isso. Agora mantenha distância. Preste atenção na sua altitude. Três
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metros, lembre-se. Isso mesmo, bom, bom, está quase chegando. Veja, a senhorita está voando! Voei por todo o caminho de volta, mas então, oh, não! Voei alto demais e fui além dos três metros. Um vácuo me empurrou para baixo. Eu revirei as asas e as bati com mais força, mas antes que pudesse fazer o ajuste necessário, caí no chão aos pés de Cannon, batendo meu ombro em sua perna. Ai, não. Cannon perdeu o equilíbrio e tropeçou, batendo em Jonathan. Jonathan bateu a mão na garrafa de cerveja de Cannon, derramando metade da bebida em mim ou, eu deveria dizer, no carpete, porque ela atravessou o meu corpo provocando uma coceirinha e a costumeira sensação de formigamento, antes de bater no chão. — Talvez uma cerveja seja suficiente, Cannon. — Levante-se. Levante-se, senhorita Ashley, rápido. Não deixe que ele sinta a senhorita de novo. Deslizei para o lado, abrindo uma distância de um metro e meio de Cannon. — Como isso aconteceu? Eu não tinha a intenção que ele me sentisse. Por que o meu ombro não atravessou a perna dele? Era isso o que eu queria fazer. — Às vezes, se tentar com empenho demais, acontece o contrário. Tem que vir naturalmente. Acabará acontecendo. — Por que diabos você me chutou? Isso doeu. — Cannon estava em pé com as pernas separadas e o peito estufado, como se estivesse pronto para dar um soco. — O quê? Eu não chutei você. — Ah, como não chutou? Você é a única pessoa aqui.
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— Eu não toquei você. — Alguma coisa bateu na minha perna. Eu não estou bêbado, nem imaginei isso. Só pode ter sido você. — Cannon puxou a cerveja da mão de Jonathan e tomou um longo gole. — Você nunca acredita em mim. — Calma. Eu acredito em você, tudo bem. Não há motivo para ficar tão nervoso. — Uma ova que não! Nunca, mas nunca questione o meu julgamento novamente. Você entendeu? — Cannon espetou o dedo indicador no peito de Jonathan, logo abaixo da clavícula. Jonathan deu um passo para trás e ergueu as mãos como se Cannon estivesse apontando uma pistola para ele, em vez de um dedo. — Oh, não. E se eles começarem uma briga por minha causa? — Não se preocupe. Ninguém vai brigar. — Ah, certo. Jonathan nunca bateria nele, não é? — Jonathan vai fazer o que ele bem quiser. — Sinto muito, ok? Eu acredito em você. Chutei você, ok? Mas não fiz isso de propósito. Foi um acidente. E eu não vou questioná-lo novamente. Eu prometo. — Certo. — Mas, Will, não o incomoda quando vê Jonathan voltando atrás e dando razão a Cannon desse jeito? Quer dizer, ele admitiu que chutou Cannon quando você e eu sabemos que ele não fez isso. — Você sabe que eu não gosto de julgar o meu protegido, mas neste caso, vou fazer uma exceção, como parte do seu treinamento. Ele fez uma pausa e depois falou lentamente, enquanto olhava para o seu protegido.
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— Antes
de
Jonathan
agir,
ele
sempre
pensa
nas
consequências. Apesar de Cannon tratá-lo tão mal, Jonathan se preocupa profundamente com ele e por isso sempre faz o que sente que é melhor para Cannon, mesmo que isso signifique se humilhar um pouco. — Jonathan é um cara legal, muito esperto e agradável, não é? Will acenou levemente com a cabeça. — Mas por que Cannon tem que ser tão idiota? Olhe para ele. É tão bonito! E parecia ser um cara legal, também. — “Oh, coração de serpente, mascarado com feições de uma flor! Em algum tempo dragão já houve em cova tão formosa?” — É uma coisa boa que a serpente nem sempre seja uma serpente. — Sorri. — Não, não é. Agora, por que não nos concentramos em outra coisa? Por que não tenta pairar de novo? É importantíssimo que aprenda a voar. — Vai ajudar se eu tiver pensamentos felizes? — Não entendi. — Deixa pra lá. Vou tentar novamente. Eu estendi as asas, e desta vez, com uma contração muscular, fui capaz de subir na primeira tentativa. — E se eu começar a me mover para a frente quando não quiser? Como faço para me manter no mesmo lugar por um longo período? — Observe-me. — Com um bater de asas, Will ficou no nível dos meus olhos. — Veja como eu giro as minhas asas. Isso me faz subir. Quanto mais rápido, mais você vai subir. Quanto mais lento, mais devagar você vai descer. Você precisa ajustar a sua velocidade
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constante para manter uma altura constante. Pode parecer difícil agora, mas, com o tempo, será capaz de fazer isso sem pensar, exatamente como eu estou fazendo agora. — Ok, acho que estou conseguindo. Não havia nenhuma graciosidade, nenhuma elegância no meu voo. Pelo contrário, os ajustes que eu fazia eram muito abruptos ou completamente ineficazes, fazendo-me sacolejar para cima e para baixo, parecendo uma completa desajeitada na arte de voar, mas pelo menos desta vez não caí. — Muito bom, Ashley. — Will bateu os dedos da mão direita delicadamente contra a palma da mão esquerda. — Obrigada. — Eu fiz a minha melhor reverência, com as asas ainda em movimento. Will era tão inteligente e refinado! A maneira como falava, a maneira como se movia, ele era um exemplo de educação e sofisticação. — Obrigada por tudo, Will. — Sabe de uma coisa, Jonathan? — disse Cannon. — Eu não acho que você esteja realmente arrependido. Sei o que você está pensando. — Vamos lá, já acabou. Por que falar disso novamente? Apenas esqueça que eu disse alguma coisa. — Jonathan limpou a umidade da testa com a mão. — É difícil esquecer, especialmente quando... — A porta da sala de convivência se abriu e um enxame de pessoas entrou acompanhado de seus A.G.s. Eu deslizei para o chão e fechei as asas contra as costas. Além dos outros membros da banda, havia fotógrafos, guardacostas,
coreógrafos,
técnicos
de
iluminação,
técnicos
de
instrumentos e outros cujas ocupações eu não conseguia saber
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quais eram. Ah, e além deles, havia amigos e familiares dos outros membros da banda. Mas o pior ainda estava por vir. Todos se voltaram, exceto os anjos, é claro, quando ela entrou na sala. Ela, oh, sim, ela era o que a maioria das pessoas chamaria de “gênio” quando se tratava de autopromoção e empreendedorismo, mas eu simplesmente a chamaria de uma “estrela de reality show sem talento, que se tornou apresentadora de um programa no horário nobre”. Sim, não era outra senão Leanna Millions. Esse não era o verdadeiro nome dela, é claro, mas era assim que todos a chamavam. Com as mãos nos quadris e o nariz empinado, entrou rebolando
na
sala,
acompanhada
do
próprio
séquito
de
empregados. Ela tirou os óculos escuros e segurou-os atrás de si. Um dos seus guarda-costas imediatamente os pegou e colocou-os numa bolsa Louis Vuitton. Que brincadeira é essa? Eu não estava nem um pouco impressionada ou histérica por estar na frente de uma celebridade, mas todos os outros, anjos à parte, naturalmente, continuavam assistindo hipnotizados a Leanna fazendo sua entrada triunfal... com exceção de Cannon. Ele não a reconheceu até que ela colocou a mão pálida e manicurizada em seu braço. O anjo da guarda de Leanna era uma velha senhora, de muita idade. Rugas grossas drapeavam a pele sob os seus olhos e mais embaixo, no pescoço; e além disso ela era praticamente careca. Tufos curtos de cabelo grisalho e fino, espetado em todas as direções, e o que restava de fios mais longos rodeava a cabeça dela como pedaços de algodão-doce branco.
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Nossa, se Leanna soubesse, ela ficaria envergonhada. Ela mataria seu anjo no local e faria audições para contratar um novo. Foi muito irônico ver essa mulher toda arrumada e glamorosa, de 23 anos de idade, com uma velhinha como anjo da guarda. — Will, por que ela está aqui? — A senhorita Leanna conheceu Cannon em um evento beneficente no mês passado. Ele a convidou para este show. — Cannon, é tão bom ver você de novo! — Você, também, Leanna. Que bom que pôde vir. Leanna virou a bochecha para Cannon, para que ele pudesse beijá-la. Ela era muito mais magra do que parecia na TV e muito mais baixa também. Era pelo menos cinco centímetros mais baixa do que eu, e eu meço 1,70m. Suas pernas eram como dois brotos de bambu bronzeados, que se projetavam do vestido brilhante (que, aliás, era muito curto) e terminavam em pés enfiados em desconfortáveis sapatos de salto de dez centímetros. Tudo nela era comprido e ossudo — os braços, as pernas e até mesmo o nariz. E tudo era falso também — os cílios, o bronzeado, a cor dos olhos e até mesmo os seios. Os olhos de Cannon estavam vidrados; eu não sei se era por causa da cerveja ou do decote de Leanna, que ele encarava há uns cinco minutos. Um dos empregados de Leanna saiu e voltou com um Martini cosmopolitan. Ele o apresentou a Leanna como se estivesse lhe oferecendo uma coroa, e ela pegou a taça delicadamente pela haste com uma risadinha. Com dois estalos dos dedos e um aceno de cabeça, Cannon mandou Jonathan lhe preparar um gim-tônica. — Eu adoro sua música, Cannon. — Quando Leanna levou o martini aos lábios, eu observei que a cor rosa da bebida combinava
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não só com o brilho dos lábios, mas também com a cor de dois anéis caros em seus dedos. — Você evoluiu muito desde que começou a se apresentar com o The Discovery Boys. — Você acha mesmo? — Claro! — Bem, para dizer a verdade, o que estou fazendo agora está muito mais próximo de quem eu realmente sou, mas espere até ouvir o próximo álbum. Eu acho que vou surpreender muita gente. — Então eu estava certa; existe um roqueiro da pesada escondido aí dentro de você. — Leanna puxou a manga da camisa dele. Ela falou com a borda da taça de martini quase encostando no lábio inferior que, obviamente, tinha passado por algumas sessões de preenchimento. — E você é o roqueiro mais forte e gostoso que já conheci. Ai, Deus. Apresse-se e volte aqui, Jonathan, porque essa conversa vai ter que parar. O gim-tônica chegou quase na hora. Sussurrei para Will: — Eu estou ao lado dela há menos de dez minutos e já não estou mais suportando! O pobre anjo dela tem que ficar com Leanna 24 horas por dia. — Lembre-se, Ashley. O anjo de Leanna está com ela desde o dia do nascimento dela. Ela a ama. Ela a viu passar por momentos bons e por momentos ruins, que incluem cortes, arranhões e braços quebrados, brigas com os pais e amigos, e o dia em que ela perdeu a virgindade com apenas 9 anos, quando foi estuprada e espancada por um amigo da família. — Oh, meu Deus. Como você sabe tudo isso?
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— Eu li a alma dela na primeira vez que a vi. — Eu gostaria de poder ler almas. — Você vai conseguir com o tempo, mas não está pronta para isso, pelo menos não por enquanto. Você tem muito mais a aprender primeiro. Mas nesse meio-tempo, tente amar não com os olhos, mas com a mente. Não demorou muito para que o ritmo da sala mudasse. Ele passou de uma festa com o costumeiro burburinho de vozes e o tinido ocasional de copos para uma completa balbúrdia. Todos os amigos, familiares e convidados foram levados pelos seguranças e colocados em seus lugares nos bastidores, enquanto Cannon e os outros membros do Sendher foram conduzidos à sala onde estavam as roupas que usariam no show. Cada um dos membros da banda tinha o seu próprio camarim. Eu segui Cannon e observei-o se despir até ficar apenas de cueca. Tudo o que ele deveria usar, desde as meias até um bracelete de couro, estava sobre uma cadeira, com exceção da jaqueta de couro, que estava pendurada num cabide acolchoado, numa arara. Usando as asas como travesseiro, reclinei-me no sofá, admirando os músculos de Cannon, enquanto ele vestia a roupa do show. Depois de dez minutos se arrumando na frente do espelho do banheiro, Cannon foi se encontrar com Jeff, Carl, Dan e o gerente de palco. O engenheiro de monitor entrou correndo, seu anjo voando atrás dele, para distribuir os monitores de ouvido para a banda e, depois que estávamos todos nos bastidores, o engenheiro assumiu o seu lugar atrás do console do monitor e então correu
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para fazer algumas checagens e se certificar de que tudo estava funcionando corretamente. Um sinal do gerente de palco para o operador de luz colocou tudo em movimento. À medida que as luzes se acendiam, explodiam gritos na plateia. Tudo estava escuro, exceto pelos pequenos refletores que iluminavam os monitores do estafe de palco e os instrumentos. — Pronto, agora! Já! — o gerente de palco sussurrou. — Will, eu não sei se posso fazer isso. Olhe todas essas pessoas! Olhe todos esses anjos! Estou apavorada. — Não tenha medo, senhorita. Ninguém a julgará. Agora prepare as suas asas, rápido. — Para quê? — Você precisa voar acima dele. Ficar no chão o tempo todo vai ser muito difícil, especialmente com as suas habilidades de toque medíocres. Você não pode correr o risco de esbarrar nele novamente. Com um relutante bater de asas, levantei-me acima do meu protegido. A banda assumiu as suas posições no palco às escuras, enquanto a multidão invisível continuava a rugir. Então, a equipe de iluminação começou a sua magia. Dois refletores dançavam entre os rostos do público, girando cada vez mais rápido, até que se tornaram apenas um borrão. Luzes coloridas piscavam acima do palco e a fumaça artificial escoou da parte inferior do palco, lançando dedos espectrais em torno das pernas dos membros da banda. Quando Carl fez vibrar uma corda da guitarra, uma nota que foi se arrastando e ficando cada vez mais alta, faíscas voaram de cima do palco e um letreiro com o nome “Sendher», em luzes néon
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vermelhas, rompeu a escuridão do palco. Quando Carl começou a dedilhar a guitarra, o restante das luzes se acendeu, deixando a plateia no escuro e o palco momentaneamente mergulhado numa luz branca ofuscante, enquanto os olhos se ajustavam à mudança repentina. No baixo, Jeff fez soar uma nota que se uniu à de Carl, e depois de quatro batidas, Dan golpeou as baquetas contra um prato e um tambor. Eu reconheci a música imediatamente. Era do novo álbum: a terceira faixa. Cannon aproximou o microfone dos lábios e começou a cantar. Com o toque de um botão nos bastidores, um facho de luz irrompeu de baixo, brilhando primeiro em mim, ou eu deveria dizer, através de mim, e então iluminou a cabeça e os ombros de Cannon, deixando um círculo de luz branca aos seus pés. A multidão contemplava Cannon, hipnotizada, acompanhando cada um dos seus movimentos. Com tantas luzes, era difícil ver além da frente do palco, mas, quando a multidão gritava, assobiava, aplaudia e cantava junto, as ondas sonoras ressoavam através da minha alma, ecoando como uma canção fantasmagórica, tornando toda a experiência celestial e sublime. Os A.G.s dos outros membros da banda flutuavam em torno dos seus protegidos e me ignoravam, portanto tentei ignorá-los também e me concentrar no meu voo. O anjo de Jeff, porém, era especialmente impressionante; suas asas e movimento eram tão delicados quanto os de uma pipa branca, enquanto as minhas asas sacudiam através da fumaça sulfurosa, como se surpreendida por uma tempestade.
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Cannon, você não pode ficar num lugar só por um instante? Eu preciso de um tempo. Estávamos no meio da segunda música, quando notei Leanna Millions, a apresentadora sem talento, à direita, dançando ao ritmo da música de Cannon. O passe de bastidores em volta do seu pescoço cintilava com os flashes, enquanto o seu rosto adquiria primeiro um tom rosa suave e, em seguida, uma tonalidade sinistra devido às luzes coloridas do palco. Quando Cannon chegou mais perto da lateral do palco, ele se inclinou na direção dela e piscou, recebendo em troca um beijo soprado e um movimento dos braços de Leanna no ritmo da batida da música. O anjo dela, cujo rosto mais parecia uma ameixa cor de carne, flutuava mais acima, sorrindo com constante adoração pela sua protegida. Felizmente, Cannon não deixou que a presença de Leanna estragasse a coreografia criada pelo gerente de palco. Ao final da canção, fomos para o centro do palco e Cannon envolveu o microfone nas mãos, como uma borboleta capturada. Eu dei uma olhada na lista de músicas pregada ao chão. O show estava quase acabando. Havia vinte músicas listadas mais dois bis; o primeiro bis consistia em duas músicas e o segundo, em apenas um. Era hora do bis número um. — Boa noite pra todo mundo! — Cannon saiu do palco onde foi recebido com uma garrafa de água, para enxugar o suor do rosto, e por Jonathan. — Will, como estou me saindo até agora? Estou fazendo tudo certo? — Está se saindo muito bem, excelente trabalho!
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— Graças a Deus só faltam três músicas. É tão difícil acompanhar Cannon! Ele usa cada centímetro do palco. Não vejo a hora de o show acabar. — Oh, senhorita Ashley. Pobres daqueles que não têm paciência. Pam-pam-pam!
Pam-pam-pam!
O
estádio
retumbava
enquanto os fãs ansiosos batiam os pés contra o chão, exigindo mais da sua banda favorita. Cannon jogou uma toalha no pescoço e correu de volta para o palco com o resto da banda. Ele caminhou até o final da passarela e jogou a toalha no meio da multidão enquanto centenas de mãos se projetavam da escuridão para apanhá-la. Dois assistentes de palco correram pela passarela, atrás de Cannon, agachando-se para evitar os canhões de luz, um carregando um banquinho; o outro, um violão acústico. Sentado com um dos pés no chão e o violão equilibrado sobre o joelho direito, Cannon tocou a primeira nota, e depois mais três. Ouviu-se então
um
suspiro
coletivo
do
público,
que
reconheceu
imediatamente a música. Era a minha canção, “Duas Noites”, o maior sucesso do último CD do Sendher, mas era também a música que eu estava ouvindo na hora em que morri. Era uma balada, uma balada muito sexy, uma canção que geralmente me fazia respirar fundo, fechar os olhos e cantar junto, encantada com a sua bela melodia. Mas por alguma razão, foi diferente desta vez. Ela me fazia lembrar de que estava morta, e eu não queria lembrar, não agora. No primeiro refrão, algumas meninas próximas à passarela estavam chorando, os rostos vermelhos e cheios de lágrimas; o
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folheto com a programação da turnê espremido contra o peito e cartazes enrolados nas mãos suadas. Duas meninas levantaram cartazes que diziam “Case comigo, Cannon” e “I Love you, Sendher”, algo que eu teria feito quando tinha 13 anos. No final da canção, alguém no fundo da plateia gritou: “Eu te amo, Cannon!” e Cannon riu ao microfone, dizendo “Amo vocês também”, enquanto erguia a mão e fazia um sinal de paz. Em seguida, ele estendeu o braço até um pequeno compartimento atrás de um alto-falante, na parte da frente do palco, tirou dali uma garrafa de vinho e arrancou a rolha com um puxão. — Um brinde a você, L.A.! — ele gritou antes de dar um gole direto da garrafa, que já estava vazia até o final do segundo bis. — Obrigado, Los Angeles. Você tem sido demais. Na parte de trás do palco, um membro da equipe técnica recolheu os monitores de ouvido da banda, enquanto eles se apressavam na direção da porta dos fundos. Jonathan e Will estavam nos aguardando, como esperado, mas, infelizmente, Leanna Millions também. Ela correu até Cannon, as pernas finas como as de um potro recém-nascido. — Ei, Cannon, onde vai ser a festa? — Não, nada de festa esta noite. Estou indo para casa. Tenho que me levantar amanhã bem cedo. — Então você está indo para casa agora? — É isso aí. — Quer companhia? Não vou ficar até muito tarde, prometo. Isso é, a não ser que você queira... Cannon bateu os olhos no decote do vestido de Leanna novamente.
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— Sim, claro, por que não? Não, não, não! Mas não teve jeito. Leanna agarrou o braço de Cannon e correu com ele para fora, os saltos repicando na rampa de asfalto. — Desculpe, Jonathan, você terá que encontrar outra carona. — Ah, muito obrigado! — zombou Jonathan. Não, Cannon, fala sério. Deixe-o ir com a gente, por favor. — Will, eu não quero ficar sozinha com eles. — Você vai ficar bem. Mas, cuidado, senhorita; o ciúme é o monstro de olhos verdes que zomba da carne de que se alimenta. Lembre-se, apenas observe e espere. Enquanto Jonathan erguia as mãos, frustrado, e se afastava, Leanna deslizou para o banco de trás da limusine que aguardava Cannon, cruzou as pernas e se aconchegou no braço dele. Sentei-me ao lado do anjo de Leanna, em frente aos nossos protegidos, e, enquanto ele permanecia com a expressão inalterada, o anjo dentro de mim se encolhia como se tivesse acabado de chupar um limão. Uma multidão de fãs gritando esperava na rampa, atrás do estádio, e, apesar das dúzias de seguranças enfileirados nas laterais da rampa, contendo o enxame de meninas com os braços estendidos, eles mal conseguiam manter sob controle a multidão frenética. — Abra a janela e acene para as fãs, Cannon. Faça o dia delas valer a pena — disse Leanna. Não faça isso, Cannon. Ela só quer que as fãs a vejam na limusine com você. — Não, melhor não. Isso só vai piorar as coisas.
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Obrigada. — Só fiz isso uma vez e não vou repetir. Eu estava saindo do aeroporto
de
Tóquio.
Uma
menina
conseguiu
passar
pelos
seguranças e a roda da limo passou em cima do pé dela. Ela fraturou todos os ossos do pé e virou notícia em todas as revistas e jornais. Acabei tendo que pedir desculpas para ela em rede nacional. — Você está brincando!? Mas não foi culpa sua, foi dela! — Eu sei, mas me senti muito mal com a coisa toda, e me desculpar em rede nacional foi a única saída para a imprensa me deixar em paz. — Você fez o que foi necessário. Foi mais do que necessário, foi a coisa certa a fazer, Leanna. — Ah, Cannon, este com certeza foi um grande show, o melhor de todos! — Obrigado. — Você é tão incrível no palco! Eu adoro o jeito como se movimenta no palco. É muito erótico! Cannon riu e abaixou a cabeça. Leanna chegou mais perto, pressionando sua coxa esquelética contra a dele. — Você está tão quente. — Está com frio? — Sim, um pouco. Eu não estava correndo sob a luz quente de todos aqueles refletores, como você. Cruzei os braços e apertei as asas. Eu sei muito bem onde isso vai chegar. Você não vê o que ela está fazendo, Cannon? Ela não está com frio coisa nenhuma. Está quente aqui. Ela só quer uma desculpa para se espremer contra você.
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— Bem, eu posso estar quente, mas pelo menos você não está suada como eu. — Não me importo que esteja suado, eu acho sexy... Ah, por favor. Dá um tempo. Ele está cheirando mal. Posso sentir o cheiro daqui. — Obrigado. Eu abanei a mão ao lado das axilas de Cannon para ela sentir o cheiro. Leanna franziu o nariz. — Então, como é a sensação de estar no palco, tocando na frente de milhares de pessoas? Quer dizer, estou na frente de uma plateia quase todos os dias, mas num palco pequeno, porque o estúdio só tem capacidade para 250 pessoas. — Ah, sei lá. É bem legal, eu acho. Toco na frente de multidões desde que tinha 16 anos. Cannon, pare de se exibir. — Todas essas meninas, gritando o seu nome. Deve ser demais. Eu não sei se conseguiria lidar com toda essa atenção. Dá um tempo, Leanna, você “vive” para chamar a atenção. Leanna passou a mão na frente da camisa de Cannon, evitando as áreas molhadas de suor. Ela piscou lentamente, apoiando o rosto no ombro dele. — Bem, depois de um tempo, você meio que se acostuma a isso — Cannon explicou, lambendo os lábios. Leanna levantou a queixo para fitar Cannon, deixando uma mancha de blush cor-derosa em sua camisa, onde tinha apoiado o rosto. Pouco antes de seus lábios encontrarem os dele, os pneus guincharam e sentimos cheiro de borracha queimada. O carro
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desviou bruscamente para a direita. Leanna gritou, enquanto eles deslizavam no banco para a esquerda, chocando os quadris, mas eu me mantive no lugar, usando minhas asas para me manter dentro dos limites da limusine. Em segundos, o motorista estabilizou as rodas, bombeou os freios e levou a limo de volta para o centro da pista. Eu tinha falhado no meu primeiro teste real como anjo da guarda. O anjo idoso de Leanna estava em pé acima de sua protegida, com uma asa desdobrada, envolvendo-a como um xale de lã, e eu estava a dois metros de distância de Cannon, com asas encostadas na divisória como uma idiota. Eu não me mexi até que o anjo fez isso, voltando à nossa posição anterior de espera. Ela não disse uma palavra, apenas sorriu, e eu estava muito envergonhada para explicar que ainda era uma alma jovem, uma alma cujo primeiro instinto era proteger a si mesma e não a vida de seu protegido. — Oh, meu Deus. Isso quase me matou de susto! — reclamou Leanna. — Você está bem? — Sim, estou. Só me assustei, nada mais. Cannon baixou o vidro que os separava do motorista. — Que diabos foi isso? — Não faço ideia, senhor Michaels. Acho que um pneu estourou. Vou encostar e dar uma olhada. No acostamento, o motorista circulou o carro, balançando a cabeça. Ele manteve a porta aberta, o que felizmente fez com que os lábios de Leanna ficassem longe de Cannon, mas a essa altura eu
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realmente já não me importava mais com isso. Eu estava furiosa demais comigo mesma para me importar. — Tudo parece em ordem, senhor Michaels. Não sei o que aconteceu. Esta estrada é muito acidentada, provavelmente só caímos num buraco, mas eu posso chamar outra limusine se achar melhor. — Ah, não, estamos quase em casa, de qualquer maneira. Acredito que vai ficar tudo bem, não acha? — Sim, os pneus estão em ordem. Penso que não vamos ter nenhum problema, mas vou dirigir devagar, por precaução. — Acho bom — Leanna sussurrou para Cannon. — Diga para ele seguir em frente e dirigir bem, bem devagar. Eu gosto de um ritmo lento e constante. — Ela lambeu Cannon abaixo da orelha e mordeu o lóbulo. — Por que você não me prepara uma bebida? — Claro, o que você quer? Acho que temos quase tudo aqui. — Cannon se atrapalhou com as minigarrafas de bebidas alcoólicas. — Tem refrigerante diet? — Tem. — Então que tal um Seven and Seven�? — Tudo bem. — Cannon preparou a bebida, mexendo com o dedo. — Aqui está. Um SevenandSeven para você e uma dose de tequila para mim. Leanna riu e ajeitou as alças do vestido antes de tomar a bebida. — Um brinde a um grande show. Tim-tim. O bater dos copos foi mais forte do que o esperado. Um respingo de uísque e refrigerante molhou o queixo de Leanna e
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escorreu pelo pescoço, empoçando na borda de sua clavícula esquerda. A reação de Leanna foi mais do que divertida, mas o resultado me deixou num estado de absoluta perplexidade. Tudo começou com um grito contrariado de Leanna, que pulou vários centímetros do banco, mas, infelizmente, terminou com Cannon decidindo secá-la com os lábios e a língua, dando a Leanna provas concretas de seu encontro: uma marca roxa no pescoço, do tamanho de uma moeda grande. Ufa! Depois de mais de dez minutos de beijos e mãos bobas, finalmente chegamos em casa. Leanna saiu da limusine primeiro. Ajeitou o vestido e limpou o batom do queixo. — Bela casa. — Obrigado. O motorista da limusine fechou a porta. — Volto às quatro da manhã, senhor Michaels? Cannon piscou por cima do ombro enquanto destrancava a porta da frente. — Sim, durma um pouco. Tenho certeza de que eu não vou. — E não o culpo. Como eu já disse antes, os homens são uns porcos. Leanna colou nele como uma sanguessuga. Não largou seu braço enquanto ele abriu a porta e tirou uma garrafa de vinho do armário, e nem mesmo enquanto a abria com um saca-rolhas. Depois subiram as escadas na direção da suíte principal, onde ele tirou duas taças de vinho de um bar embutido.
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Quando ele se preparou para encher as taças, ela continuava agarrada ao braço dele. — Eu tenho uma ideia! — E o que é? Ela colou os lábios à orelha de Cannon. — Por que não esperamos e deixamos que o vinho respire um pouco mais? — Boa ideia. — Cannon a envolveu nos braços. — Isso me dá tempo para tomar uma ducha. — Ele a soltou. — E eu prometo que vai ser rápida. — Contanto que essa seja a única coisa rápida. Ah, por favor. Fiquei parada no lugar, sentada numa cadeira com os braços cruzados, tentando pensar num plano, enquanto Cannon tomava banho. Ok, Cannon, por favor, não faça isso. Mesmo que eu fique de costas, vai ser mais do que posso suportar, e por mais de uma razão. Veja, não é apenas o fato de eu não poder ficar a mais de três metros do seu, digamos, encontro íntimo, mas também porque não quero que ela fique com você. Você nem sequer conhece essa garota. Pelo amor de Deus, o que você está pensando? Ainda molhado e nu, Cannon revirou uma gaveta embaixo da pia. Nem
pense
em
cortar
as
unhas
do
pé.
Eu
já
estou
suficientemente enojada. Ok, assim é melhor. Cannon tirou da gaveta um rolinho de fio dental ainda na embalagem. Rasgou o pacote com os dentes e usou o fio dental antes de escovar os dentes. Então entrou num closet ao lado, colocou uma camiseta, uma calça de moletom com cordão e um par
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de meias brancas grossas, em pé na frente de um espelho de corpo inteiro. Espreitando por cima do ombro de Cannon, avistei Leanna em toda sua glória antes que Cannon fechasse a porta do closet. Ela estava sentada na beira da cama com as pernas cruzadas, penteando com os dedos os seus longos cabelos tingidos, enquanto os dois copos de vinho continuavam “respirando” na mesinha de cabeceira atrás dela. Cannon girou um interruptor na parede para diminuir as luzes. — O vinho está pronto? — Eu não tenho certeza, mas sei que eu estou. — Então vou ter que ver por mim mesmo. — Cannon pegou a taça de vinho e segurou-a à luz de uma luminária pendurada acima da cama. Depois de girar a taça e fazer outra inspeção, ele levou o copo aos lábios e tomou um longo gole, quase esvaziando a taça. — Sim, está pronto. Agora deixe-me ver se você está. Minha nossa, está pior do que uma novela mexicana. Cannon envolveu Leanna com os dois braços, beijando-a longamente e puxando-a em direção a ele até que os seios siliconados estivessem espremidos contra o seu peito. Quando as mãos de Leanna deixaram os ombros de Cannon e exploraram seu peito sob a camiseta, Cannon estendeu o braço para pegar um controle remoto na mesinha de cabeceira, ao mesmo tempo em que eu me afastava da cena repugnante que se desenrolava diante de mim. A sala inesperadamente mergulhou na escuridão. Antes que meus olhos pudessem se ajustar, eu tropecei, caindo para trás, e o
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dedão do meu pé direito se projetou para a frente como uma bala, atingindo algo macio, mas sólido, antes de eu estatelar no chão. — Caramba, sinto muito! — deixei escapar na direção do anjo de Leanna, que estava sentada em silêncio num sofá com um sorriso passivo no rosto. Leanna gritou e ficou de pé num pulo, agitando os braços freneticamente. — Ei, está tudo bem. Eu só apaguei a luz — explicou Cannon. — Não, não é isso. Algo me mordeu. — Mordeu você? — Ou bateu em mim, não tenho certeza. Acenda a luz, por favor. Depressa! — ela gritou. — Rápido! — Ok, só preciso encontrar o controle remoto. — Cannon deu uns tapinhas às cegas no edredom, mas antes que conseguisse atender à exigência de Leanna, eu me levantei do chão, usando os braços e as asas, e bati acidentalmente a ponta da asa esquerda na parte superior do abajur, derrubando não apenas uma, mas as duas taças no chão com um barulho estridente de vidro se quebrando e vinho entornando. Ah, droga! Os anjos definitivamente deveriam ser equipados com visão noturna. — Ai, meu Deus! — Leanna gritou. — O que você fez? — Eu não fiz nada. Espere, acho que encontrei. Aqui. — O lustre acima da cabeça do casal brilhou primeiro com uma suave luz laranja e, depois, com um tênue âmbar quando Cannon ajustou o timmer pelo controle remoto. Tudo no quarto estava na penumbra e com uma atmosfera fantasmagórica, desde as sombras cor de ocre da lâmpada da luminária até as cortinas cor de abóbora que
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filtravam a luz natural da Lua cheia. Por ser um A.G. experiente, o anjo de Leanna tinha deixado seu posto quando Leanna gritou. Ela estava sentada agora na beira da cama, mas sem fazer com que o colchão afundasse com o seu peso. — Isso é muito estranho. Eu não acho que tenha sido uma mordida, mas parece que está meio vermelho no local — disse Leanna ao verificar a parte de trás da sua coxa. — Não estou vendo direito. Vou ligar o resto das luzes. — Oh, não! Olhe para as taças de vinho, Cannon. — Merda! Vou pegar uma toalha do banheiro. Cacos de vidro brilhavam como fragmentos de joias em meio a duas poças cor de vinho; uma das poças era do tamanho de uma moeda e a outra, um pouco maior. — Não se preocupe com isso. Não foi nada — disse Cannon, enquanto jogava os cacos de vidro no cesto de lixo do banheiro com uma mão, e usava uma toalha para enxugar o vinho com a outra. — O que você está dizendo? Eu não derrubei as taças. Ei, olhe. Está ficando um hematoma. — Leanna apontou para a coxa. — Eu sei que você não acredita em mim, mas algo me atingiu. Pode ter sido um beliscão. A prova está aqui. Cannon jogou a toalha manchada no cesto de roupa suja e foi até o banheiro para lavar as mãos. Gritando do banheiro para se fazer ouvir devido ao barulho da água corrente, ele disse: — Mas, Leanna, eu não belisquei a sua perna, nem derramei o vinho. Minha mão não estava na sua perna, e eu nem estava perto da mesa de cabeceira, mas não importa. Não foi nada. — Mas eu não fiz isso, nem imaginei. É estranho. Pense. Nenhum de nós chegou nem perto das taças de vinho. Para
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esbarrar nelas, um de nós teria que sair da cama. Mesmo que eu tivesse esticado o braço, não conseguiria alcançar as taças. — Leanna demonstrou suas habilidades de contorcionista, curvando as costas e esticando o braço na direção da mesinha, sem cair da cama. — Veja, eu ainda estou a cerca de um metro! Nós dois ficamos sobre a cama durante esse tempo todo. Mesmo que não víssemos um ao outro, podíamos nos sentir. E olha a minha perna, agora. — O local apontado por Leanna, que por acaso era do mesmo tamanho que o dedão do meu pé, tinha passado de cor-de-rosa para ameixa em questão de minutos. — Você quer que eu pegue um pouco de gelo? — perguntou Cannon, saindo do banheiro. — Não, está tudo bem. Cannon pegou a mão de Leanna. — Tem certeza? — Tenho. Só estou meio assustada. É só isso. — Bem, sei como fazer você se sentir melhor. — Cannon pegou o controle remoto e se inclinou na direção de Leanna, para lhe dar um beijo. — Espere. Cannon congelou no lugar, a meio caminho do beijo. — O quê? O que foi? — Não apague as luzes. — Eu não ia apagar. Nem ia fazer isso da última vez. Só ia diminuir um pouco mais a intensidade. Sem querer apertei o botão errado.
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— Então não diminua as luzes desta vez. Deixe tudo como está. Não mencionei antes, mas tive a impressão de que senti alguém se mexendo bem embaixo de mim quando senti a batida e os copos se quebraram. — Leanna, sem essa... — Sem essa o quê? Não estou brincando, Cannon. Se não fui eu nem você, era um fantasma, uma alma penada ou algo assim. Ah, não, não a palavra com “F”. Sinto muito, Cannon. — Sério, Leanna. Agora você está realmente me assustando. Vamos simplesmente esquecer tudo. Agora, onde estávamos? — Tudo bem — concordou Leanna, fazendo beicinho e baixando o queixo. Quando o anjo de Leanna voltou ao lugar onde estava antes, eu disse: — Hum, não se preocupe. Vou ficar fora do caminho desta vez, agora que posso enxergar. E... hum... lamento muito. Não queria assustar sua protegida. É que minhas habilidades de toque não são lá essas coisas. — Eu sei, não estou preocupada. Li a sua alma. — Ah, tudo bem, hã, obrigada. Com um movimento lento mas enérgico das asas, como Will tinha me ensinado, subi no ar e fiquei a três metros à direita da cabeça de Cannon. — Acho melhor pairar, por isso acho que vou ficar por aqui. O anjo com a aparência de anciã assentiu com a cabeça. — Olha, vou deixar o controle remoto aqui, por isso você não tem que se preocupar com as luzes. — Cannon atirou o controle sobre uma cadeira, antes de tirar a camiseta. O controle atravessou
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o colo do anjo de Leanna e aterrissou sobre o assento de veludo. Cara, se tivesse sido comigo, o controle remoto provavelmente teria caído no meu colo, dando aos nossos protegidos a impressão sobrenatural de que estava levitando a uns vinte centímetros da cadeira. Depois do que pareceu uma hora de interrupções, os lábios do casal finalmente se encontraram novamente e um beijo se seguiu a outro até que eu não consegui mais conter uma pergunta: — Então... o que fazemos se, você sabe, hum, a coisa for adiante...? O que eu tenho certeza de que acontecerá... — Observe e espere; esse é o nosso trabalho. — Tudo bem, vou tentar. Mas quando Cannon começou a beijar o pescoço e os ombros de Leanna, eu tive que virar a cabeça e ficar assim até... — Ai, droga! — Cannon deu um pulo, moveu os braços e golpeou o ar — mais de dez quilos de músculos esmagaram a minha asa esquerda. Como minha asa esquerda foi forçada para baixo, a asa direita oscilou para cima, batendo no lustre acima da cama. — O que aconteceu? Cannon se sentou na beira da cama e colocou o calcanhar esquerdo sobre o joelho direito. O culpado, um pedaço de caco de vidro, estava fincado na sola do pé sob a meia. Uma mancha vermelha se espalhou pela meia branca antes que Leanna tivesse a chance de dizer: — Não fique só olhando; arranque esse caco de vidro daí.
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Mas Cannon ignorou Leanna; ele estava olhando para o lustre, notando como ele balançava, e o barulhinho fantasmagórico dos cristais que pendiam dos seus braços de bronze. — Cannon, você não esbarrou no lustre, não é? Cannon não respondeu. Leanna se levantou, os olhos fixos no lustre em movimento. De pé, ela era apenas alguns centímetros mais baixa que Cannon, e sabia disso. Ela pulou na direção do lustre com os dois braços esticados acima da cabeça, mas as pontas das suas unhas ficaram a mais de um metro do objeto. — Cannon, quando essa casa foi construída? — 1923. — De quem ela era? — Eu não me lembro do nome dele. Algum astro do cinema mudo. — Cannon se abaixou e pegou do chão uma longa pena branca das minhas asas. Ai, não. — Ele morreu aqui? — Não tenho certeza. — Cannon, eu quero sair deste quarto agora. — Com os olhos ainda fixos no lustre, Leanna se afastou da cama lentamente, até que suas pernas tocaram a borda da cadeira. — Tudo bem, tudo bem — Cannon deixou cair a minha pena, arrancou o caco de vidro da sola do pé e foi mancando para o banheiro. — Espere, não quero ficar sozinha aqui — disse Leanna, segurando o braço dele.
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— Ah, me desculpe. Eu não sei o que está acontecendo com as minhas habilidades de toque hoje. Eu nunca devia ter esbarrado naquele lustre. Minha asa devia tê-lo atravessado. Isso era o que eu queria ter feito. — Eu sei. Você não precisa se desculpar para mim. — Os olhos do anjo brilhavam como duas pedras preciosas azuis, contra sua pele fina e enrugada. Cannon demorou o dobro do tempo para fazer um curativo e colocar outra meia com Leanna agarrada ao seu braço o tempo todo, mas finalmente eles saíram do quarto “assombrado” e desceram para a cozinha. Quando saíram, o lustre ainda estava se mexendo por causa do seu peso, Cannon explicou, mas ele ainda não podia entender por que o objeto tinha começado a se mexer. — Não é só aquele quarto, Cannon. É a casa toda. Tem alguém aqui dentro conosco. Ah, Leanna, não diga isso. Você só está deixando tudo mais difícil para ele. — Lamento muito, Leanna. Eu não sei o que dizer. Não posso explicar o que aconteceu. Ela pegou a bolsa e passou a Cannon um cartão. — Pegue. — O que é isso? — A médium que eu consulto. Minha bisavó era clarividente. Eu não tenho todos os dons que ela tinha, mas me considero espiritualista e o que eu sei é que essa casa precisa de uma limpeza espiritual. Eu até sugiro uma sessão espírita. Minha médium pode providenciar isso para você. Ela é ótima. Agora, se quer um palpite, eu diria que o espírito que vive nesta casa é infeliz; posso sentir
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isso. E os espíritos infelizes também são imprevisíveis, e às vezes malignos. — Malignos? Tá de brincadeira? — Não. Alguém ou alguma coisa não me quer aqui. — Ela pegou o telefone. — Sinto muito, mas preciso sair desta casa. Vou chamar meu motorista. Mal trocaram duas palavras enquanto Cannon esperava com Leanna no portão da frente, em vez de na cozinha, porque ela se recusava a ficar mais um minuto no interior da casa. Mas por mais que Cannon fingisse não ter dado importância à conversa de Leanna sobre espíritos malignos, ele não podia me enganar. Pobre Cannon. Estava inquieto e ficava nervoso e suspirava cada vez que olhava para a casa. Estava pensando seriamente no fantasma que não existia. — Mais uma vez eu queria dizer que lamento muito o que aconteceu esta noite. Não posso explicar. Minhas habilidades de toque nunca ficaram tão fora de controle e imprevisíveis como hoje. — Observe e espere e pratique quando puder; isso é o que precisa fazer. — O anjo de Leanna colocou a mão no meu ombro, e sua mão era tão cálida quanto o seu sorriso. A
limusine
desconfortáveis
de
minutos
Leanna depois.
encostou Antes
que
no o
meio-fio motorista
dez se
aproximasse para abrir a porta, Leanna disse: — Pode me ligar se quiser. — Ok, desculpe, Leanna. De volta à casa, Cannon jogou o cartão de visita de “Madame Monroe, médium profissional” sobre o balcão da cozinha e depois ligou para Jonathan.
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— Ei, será que você pode dormir aqui esta noite? — Esta noite? Por quê? — Conto mais tarde. Será que pode vir agora? — Cannon, já estou na cama. Estava dormindo. Só temos algumas horas de sono até a hora de o despertador tocar. — Eu sei, eu sei. Mas, por favor, faça isso por mim. — Tem algo a ver com a sua fantasmofobia? — É fasmofobia, e sim, tem. — Tudo bem, chego aí o mais rápido que puder. — Obrigado, Jonathan. Agradeço muito, muito mesmo. Cannon se encolheu no sofá com a cabeça apoiada numa mão e um uísque com gelo na outra; uma pilha de nervos levada a beber às duas da manhã graças a mim, também conhecida como menina morta, conhecida também como anjo da guarda de primeira viagem. Sinto muito, Cannon, sinto mesmo. Você não precisa ficar com medo. Eu estou aqui. Não vou deixar que nada de ruim aconteça com você. Eu flutuei para mais perto dele e o envolvi com as minhas asas, esperando que ele não pudesse me sentir.
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Onze — Então, Will, vamos ter que ficar assim o tempo todo? — Eu diria que sim. Uau. Aquilo é que eu chamava de multidão. Duzentas pessoas e seus A.G.s espremidos dentro de um avião. Will e eu e todos os outros anjos pairávamos de pernas cruzadas sobre a cabeça dos nossos protegidos, como yogues capazes de levitar. — E estamos na primeira classe. Eu sempre quis viajar na primeira classe, mas era caro demais, especialmente para uma família de quatro pessoas. Agora, eu finalmente estou viajando, mas não é a mesma coisa. E não estão me oferecendo vinho, quer dizer, refrigerante, nem jantar, nem estou com a minha família. Depois que o avião pegou altitude, alguns anjos atravessaram a cabine do avião para voar do lado de fora, ao ar livre. — Ei, Will, o que eles estão fazendo? — Ah, sim, esses são os anjos cujos protegidos estão sentados à janela ou perto das asas; esses têm a opção de voar do lado de fora do avião ou sentados nas asas, sem se afastar mais de três metros deles. — Por que eles iriam querer fazer isso? Eu não quero brigar por um lugar na asa nem ser arrastada pelo lado de fora do avião. — Porque ficar entre as nuvens os faz se lembrarem do céu e eles sentem falta dele. Muitos de nós temos uma missão atrás da 130
outra sem sermos substituídos ou fazer uma pausa. Eles vão voltar para a cabine quando aterrissarmos. — Uau, tenho certeza que não vou tentar isso, pelo menos não com as minhas habilidades de voo! Jonathan bocejou, esticando tanto o braço com a mão em punho acima da cabeça que golpeou o corpo de Will, atravessandoo até o queixo. — Pobre Jonathan. Ele não dormiu nada. Quando chegou à casa de Cannon na noite passada, nem estava com raiva; estava simplesmente cansado. Posso lhe dizer uma coisa: Cannon não teria feito a mesma coisa por ele. Will, eu simplesmente não entendo. Cannon trata Jonathan como lixo, mas Jonathan continua cuidando dele. Há quanto tempo eles se conhecem? — Eles moravam na mesma rua quando crianças. — Então brincavam juntos na infância? — Não. — Não? — Jonathan é mais velho que Cannon. Cannon tinha o seu próprio grupo de amigos. Jonathan, bem, ele não tinha muitos amigos. As crianças do bairro zombavam dele e o maltratavam na escola. Ele passava muito tempo chorando em seu quarto. — Isso é horrível! Como você suportava ver o seu protegido sendo tratado desse jeito? Não tinha vontade de fazer alguma coisa para impedir? — Por que faria isso? — Como assim, por quê? Para ajudá-lo, claro, e dar uma lição nas outras crianças.
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— Ashley, tudo o que aconteceu a Jonathan durante a vida fez dele a pessoa que ele é hoje. Não cabe a mim interferir. Jonathan tem que enfrentar as crises da sua vida do seu jeito, não do meu, e ele precisa continuar fazendo isso. — Mas, talvez, se você tivesse ajudado só um pouquinho, ele teria um pouco mais de autoconfiança, algo de que precisava para crescer mais fortalecido e enfrentar pessoas como Cannon. Cannon só trata Jonathan dessa maneira porque sabe que ele não sabe se impor. — Senhorita Ashley, eis alguma coisa em que não pensou. Talvez Cannon seja a única pessoa que Jonathan permite que o trate assim. — Permite? Hum, então você está dizendo que Jonathan é um cara durão? Só não é assim quando se trata de Cannon? Will, evidentemente, não queria julgar, por isso não disse nada. — E então você está dizendo que existem boas razões para Jonathan deixar que Cannon o trate desse jeito? E está dizendo que Jonathan é o tipo de pessoa que permite isso por causa de todas as coisas que lhe aconteceram na infância, e que ele não seria essa pessoa se você tivesse interferido? — Precisamente. — Droga, eu estava esperando que você me dissesse que uma pequena
interferência
não
era
ruim,
especialmente
se
fosse
acidental. Will ergueu uma sobrancelha e coçou a barba. — Eu estou realmente muito grato por ter vindo ontem à noite, Jonathan.
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— Afinal, o que aconteceu? Agora pode me contar o que o deixou tão assustado? — É, acho que sim. Na noite passada algo bateu na perna de Leanna e depois derrubou duas taças de vinho no chão. De início, achei que tinha sido ela, mas depois o lustre sobre a cama começou a balançar e não havia como nenhum de nós dois ter tocado nele. Ela disse que acha que a minha casa é assombrada. E até me deu o telefone de uma médium, para que ela faça uma limpeza espiritual ali. Jonathan deu uma risadinha com o punho sobre a boca. — Ah, garoto, isso certamente bastou para arrepiar seus pelos. — Mas, lembre que não foi só a noite passada. Coisas muito estranhas estão acontecendo, coisas que eu não posso explicar, como o livro e a moeda e a pena, e a garota no quarto. — Cannon, como eu já disse, existe uma explicação para tudo. — Mas Leanna disse que sentiu uma presença na casa, e eu podia jurar que vi uma garota no meu quarto na outra noite. — Cannon, fantasmas não existem. Mas, se isso faz com que se sinta melhor, me passe o cartão que Leanna lhe deu e eu vou providenciar para que a casa passe por uma “limpeza” enquanto você está fora. — Não, tudo bem. Quero estar lá quando acontecer. — Bem, e que tal uma massagem? Isso deve tê-lo deixado bem tenso. — É, uma massagem seria ótimo. Providencie para que Claire possa voar para cá.
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— Senhorita
Ashley,
a
senhorita
por
acaso
seria
o
fantasma? — perguntou Will. — Seria, mas não de propósito. Eu não sei o que havia de errado comigo. Quando Cannon apagou as luzes do quarto, eu tropecei e caí, mas veja que coisa estranha: quando caí, meu dedo bateu em Leanna e ela sentiu. Então tentei me levantar e esbarrei nas taças de vinho com a minha asa e depois quando eu estava pairando Cannon me jogou para cima do lustre com o braço. A coisa toda não fez nenhum sentido. Eu não queria que nada disso acontecesse. Meu dedo, minha asa, meu corpo… eles deviam ter atravessado essas coisas. Eu não estava usando um toque com determinação e vontade; na verdade, eu não estava nem pensando em tocar em nada. Estava tão constrangida! O anjo de Leanna viu a coisa toda. Até perdi uma pena. — E tem praticado seu toque? — Sim, tenho. Ainda não sou muito boa nisso, mas sou melhor em não tocar do que em tocar, por isso não faz sentido. Cannon disse que me viu, também, e até encontrou a minha pena. Ele não deveria me ver, não é? — Oh, não. Ele não deveria ser capaz de ver a senhorita. Tem razão, isso não faz sentido, mas, como eu já disse, a senhorita é uma alma jovem. Não é capaz de observar e aprender sobre a raça humana. A senhorita é cheia de emoções, emoções que não são equilibradas, que não pode controlar. Agora me diga, o que o seu protegido estava fazendo quando tudo isso aconteceu? — Ele estava, bem, beijando Leanna. Eles estavam sentados na cama dele. — Eu disse isso desviando os olhos e tentando não corar.
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— E como a senhorita se sentiu diante disso? — Bem, eu estava realmente nervosa. Estava achando bem difícil continuar com essa coisa de “observar e esperar”. Eu não queria observar e, para ser sincera, não queria que acontecesse o que eu achava que acabaria acontecendo, mas, juro, não tentei atrapalhar o encontro deles de propósito. Will fechou os olhos, pairando silenciosamente em profunda reflexão. — Sei que não tentou; acabei de ler a sua alma e acho que sei qual é o problema; a senhorita está se apaixonando pelo seu protegido. — Mas eu nem gosto dele o tempo todo; você sabe como ele é. É arrogante e autoritário. Bebe demais. É praticamente viciado em Oxycontin e, além de tudo, tem essa mania sem fundamento de “se achar no direito de fazer o que quiser” e isso me deixa louca. Meu protegido estava de olhos fechados, tentando esquecer o fantasma, mas não estava dormindo. Seus lábios se moviam, cantarolando uma canção que eu não conseguia ouvir, uma batida tocava através do fone de ouvido e do MP3. — Mas você viu um outro lado dele, um lado que tocou o seu coração de um jeito que não deveria acontecer com um anjo. Ter amor incondicional pelo seu protegido é uma coisa, mas amor romântico é outra bem diferente, e proibida. Na noite passada o seu verdadeiro amor por Cannon manipulou inconscientemente a sua capacidade de tocar, fazendo-a chegar a um ponto em que o resultado foi a seu favor e não a favor dele, e, nesse meio-tempo, a senhorita sem querer fez com que sua presença fosse notada. Como fez isso eu não sei. — Ah, meu Deus. Tem certeza?
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— É a única explicação. O amor verdadeiro nunca é um caminho suave. — Então, como eu faço isso parar? — Só existe um jeito. Deixando para trás essa paixão por ele. — Eu vou tentar, mas não sei se consigo. Você tem razão. Eu vi um outro lado de Cannon. O problema é que ele não só é lindo, como também é inteligente e talentoso e, ah, Will, ele foi tão doce com aquelas crianças no centro... — Senhorita Ashley, tome cuidado. O ritmo das minhas asas tinha ficado mais lento e eu me afastei alguns centímetros da cabeça do meu protegido. — Ah, nossa! O que há de errado comigo? Um bater de asas me levou para mais perto de Will. — É um amor não correspondido, senhorita Ashley, algo que eu não vejo desde a minha juventude na Terra. A senhorita precisa tomar muito cuidado, vigiar muito bem cada movimento que fizer. Não pode interferir com seus toques indevidos dessa maneira. Um acontecimento sempre leva a outro e depois a outro. A sua interferência quebrou a cadeia de acontecimentos que deveriam ocorrer. Um acontecimento pode ser indesejável, irresponsável ou até desagradável, chegando até a ser difícil de assistir, mas o trabalho de um anjo é observar e esperar e só agir quando a situação representa uma ameaça à vida. — Eu sei, e farei isso, mas eu não tenho culpa de sentir essas emoções. Não consigo evitá-las. Eu nem devia estar aqui, lembre-se. Por que Deus fez isso comigo? — Tenho pensado nisso também. O Chefão lá em cima não comete erros; isso deve fazer parte de um plano maior para você.
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— Um plano? Que tipo de plano? — Isso eu não sei, mas com certeza a senhorita não está aqui por acaso. E tem outra coisa. A senhorita quebrou a cadeia de acontecimentos predestinados que deveriam ter ocorrido na noite passada. Como eu já disse, um acontecimento leva a outro, até mesmo os que causou. A senhorita não sabe nem quais são todas as consequências dos seus atos. Ainda há muita coisa pela frente.
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Doze A segunda cidade da primeira etapa da turnê do Sendher era Phoenix, no Arizona, minha cidade natal. Eu tinha ingressos para esse show e paguei uma pequena fortuna por eles. Na verdade, esses ingressos foram suficientes para acabar com todas as minhas economias. Mas os lugares eram na seção B, assentos 20 e 21, na quarta fila, só um pouquinho à direita do centro do palco; lugares quase perfeitos, que valeram cada centavo. De qualquer maneira, Veronica, minha melhor amiga — eu a chamava apenas de Ronnie —, comprou de mim o outro ingresso, por isso íamos juntas. Ela planejava me encontrar na minha casa às seis horas, para que pudéssemos decidir o que usar, e depois do show ela iria passar a noite na minha casa. Veronica sabia onde estava o meu ingresso; eu o havia guardado no fundo da minha gaveta de meias e tinha certeza de que ainda estava lá, um símbolo tangível da nossa amizade, que continuava intacta, irredimível, irredutível, a memória da nossa amizade e a constatação de que a minha morte era dolorosa demais para que ela pelo menos abrisse a porta do meu quarto. — Phoenix, Arizona! Só faz três dias que estou longe de tudo isso, mas parece que faz três séculos! — Logo você vai perder a noção de tempo; todos os anjos perdem. 138
— Por quê? Eu não quero perder a noção de tempo. Tudo o que eu faço depende das necessidades e vontades de outra pessoa. O tempo é a única coisa que eu tenho. — Senhorita, um anjo não precisa ter tempo. Não temos compromissos, não temos horários. Nossa localização em qualquer momento é determinada pelos nossos protegidos. Somos imortais e temos uma só responsabilidade: manter os nossos protegidos vivos. — Bem, se tudo o que temos é a eternidade, eu quero pelo menos ter noção da passagem do tempo. — Pense como quiser, mas vai acabar acontecendo. Logo vai parar de consultar o relógio ou dar uma espiadinha no relógio de pulso do seu protegido. A senhorita verá — com o tempo. — Will deu uma risadinha, mas eu sorri amarelo. — Ah, Will, isso vai ser mais difícil do que eu pensava. Há tantos lugares que eu quero ir e tantas pessoas que eu quero ver. Quero ver minha família e meus amigos novamente, mesmo se eles não quiserem me ver, mas como eu disse, tudo o que eu faço enquanto estou aqui está fora de controle. É frustrante. Eu não estou mais no controle da minha vida, e não suporto isso. — Mas a sua vida, do modo como ela era, acabou, senhorita. Como um anjo da guarda, a sua missão com Cannon Michaels é a vida dele, uma vida que ele controla. — Will, de que lugar você é? — Stratford-upon-Avon. — Parece que já ouvi falar dessa cidade. Onde fica? — Na Inglaterra. — Eu nunca adivinharia. Você não tem sotaque nenhum.
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— Estou longe da Inglaterra há... bem, nem sei há quanto tempo, mas é tempo suficiente para que eu já tenha perdido tudo o que tinha de britânico, especialmente o vernáculo — o dialeto, as expressões idiomáticas e a fala coloquial da minha cidade natal. A maioria dos meus protegidos viveu nos Estados Unidos. O
avião
aterrissou
com
um
baque
violento.
Taxiou
abruptamente para a esquerda, avançando na diagonal na pista de pouso. Os pneus guincharam, arrancando gritos dos passageiros, e uma fumaça preta espiralou pelas janelas. — Fique em posição, senhorita Ashley. — O quê? Muitos dos passageiros agarraram os braços dos assentos e pressionaram os pés contra o chão quando o avião deu um solavanco. Alguns encolheram o pescoço e entrelaçaram os dedos das mãos na nuca, e eu pude ouvir uma senhora no assento em frente a Cannon sussurrando o pai-nosso. Um bebê adormecido acordou com o zunir da cauda e o solavanco do nariz do avião, quando a mãe, apavorada, abraçou o filho contra o peito e sussurrou no seu ouvido. Os anjos que estavam nas asas voaram para dentro, assumindo seus postos, e eu imitei o que Will fez, e que todos os outros anjos também fizeram. Depois de me postar atrás de Cannon, coloquei os braços em torno do seu banco e do corpo dele, arredondando os ombros. Minhas asas se projetaram para a frente, criando um escudo de penas brancas, uma redoma de penas e bravura. Era uma cena bonita de se ver — os mortais e vulneráveis seres humanos, envolvidos pelas asas imortais e invencíveis dos anjos.
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Cannon enrijeceu cada músculo do corpo e seus dedos pressionaram os braços do assento, em desespero. Não se preocupe, Cannon, eu vou proteger você. No final da pista de pouso, o avião diminuiu de velocidade e parou. Quando os anjos retraíram as asas, a maioria dos passageiros, incluindo Cannon, respirou fundo e suspirou aliviado. Algumas pessoas choravam e, na parte de trás do avião, alguém gritou um “Graças a Deus”. — Então é isso que devemos fazer, hein? Lembre-se, eu não tenho o manual de instruções do anjo da guarda. — Exatamente. — Então o que acontece quando os aviões realmente caem e todo mundo morre? Se os passageiros têm anjos para protegê-los, por que nem todos sobrevivem? — Porque era a hora de eles deixarem a Terra. Nós os protegemos da melhor maneira possível. Às vezes funciona e às vezes não. Não temos controle sobre isso. Tudo o que podemos fazer é cumprir com o nosso dever. Eu baixei a cabeça. — Então devia ser a minha hora; não havia nada que o meu anjo pudesse fazer. — É isso mesmo, senhorita Ashley. — Will, você conheceu o meu anjo da guarda? — Não. Enquanto estava viva, a senhorita e o meu protegido nunca se cruzaram. — Você acha que algum dia eu o encontrarei de novo? — Seu anjo? Senhorita Ashley, a senhorita está dizendo que nem chegou a ver seu anjo depois da morte?
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— Não. Todo mundo na fila tinha um, menos eu. Foi por isso que eu mudei de fila e acabei assim — expliquei, encolhendo as asas. — Isso é muito estranho, nunca ouvi falar, mas existe uma coisa em que eu ainda acredito: não é por acidente que a senhorita está aqui, mas trata-se de algo que eu não posso explicar. O piloto do avião fez um pronunciamento explicando que um pneu tinha estourado e, depois de se certificarem de que ninguém tinha se ferido, os passageiros foram evacuados organizadamente e enviados para a área onde recolheriam suas bagagens. Demorou vários minutos para que a cor voltasse às faces de Cannon e suas mãos parassem de tremer. — Eu ando mesmo sem sorte ultimamente — declarou Cannon. — Primeiro o fantasma e agora isto. Talvez devêssemos cancelar todos os nossos voos e alugar um ônibus. — Não podemos. — Por que não? — A programação da turnê foi organizada com base no tempo de voo e não rodoviário. Vocês têm um show amanhã em Denver. Nunca chegaríamos lá a tempo de ônibus. Se não acredita, pergunte ao diretor da turnê. — Não, acredito em você. Foi só uma ideia. — Ei, Will, acabou de me ocorrer uma coisa. Onde estão os outros membros da banda? Achei que estariam no mesmo voo. Will tirou uma pena solta do seu ombro esquerdo. — Cannon não gosta deles, não é? Vamos, Will, você pode conseguir um jeito de me explicar isso sem julgar Cannon. Só me dê os fatos e eu faço as minhas deduções. Você sabe que eu consigo.
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— Vou fazer o possível, Ashley. Veja, Carl, Jeff e Dan costumavam tocar em outra banda chamada Sofa. Sofa e The Discovery Boys pertenciam à mesma gravadora. — Sofa? Nunca ouvi falar. — Minha querida, ninguém ouviu falar. Sofa nunca gravou um álbum, mas a gravadora já tinha investido muito dinheiro na banda, um investimento que nunca recuperariam, por isso em vez de quebrar o contrato com o Sofa e processá-los, a gravadora resolveu usá-los para fazer playbacks nos seus
estúdios
de
gravação
até
os
executivos decidirem que resolveriam o dilema colocando Carl, Jeff e Dan numa nova banda, o Sendher. — O Sendher? Por quê? — Porque, quando Cannon tomou a decisão de deixar o The Discovery Boys para formar o Sendher, ele também tinha um contrato com a gravadora. Cannon queria escolher os seus próprios músicos, mas a gravadora não permitiu. Ele teve que aceitar Carl, Jeff e Dan. — Por quê? Por que não deixaram que ele fizesse o que queria? — Porque, em primeiro lugar, a gravadora não queria que o The Discovery Boys se dissolvesse. Essa banda era altamente lucrativa e os lucros iam bem, porque, além dos álbuns, vendiam brinquedos, jogos de tabuleiro, camisetas, mochilas, lancheiras, material escolar… tudo com o nome da banda. E para piorar as coisas, Cannon deixou a banda quando a gravadora estava negociando um filme. — Então é tudo uma questão comercial. — É. Os fãs do Sendher são bem mais velhos, por isso eles nunca vão conseguir o mesmo tipo de lucratividade que o The Discovery Boys com merchandising e filmes. Então, quando Cannon
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se recusou a cooperar, ele deu à gravadora somente duas opções: ou processá-lo ou alterar o contrato assinado só para agradá-lo. Obviamente, escolheram a segunda opção, mas até agora só fizeram ajustes em algumas cláusulas. The Discovery Boys ganhou um novo vocalista e Cannon, uma nova banda, o Sendher, que inclui Carl, Jeff e Dan, e uma equipe de compositores contratados pela gravadora. — Mas por que Cannon quis deixar o Discovery? Eu adorava aquela banda, todo mundo adorava. Ninguém gosta do novo vocalista tanto quanto gostava do Cannon. — Vou repetir as palavras do próprio Cannon. Ele disse que simplesmente amadureceu e não se via mais na banda. Estava pronto para fazer mais. The Discovery Boys é uma banda manufaturada, criada pela gravadora, com base no gosto e nas preferências do público. Cannon queria criar a sua própria banda, que incluía músicos selecionados por ele e músicas compostas e gravadas por ele. Infelizmente, o Sendher não é essa banda, mas existe uma que é. — O quê? — Durante a primeira rodada de negociações do contrato, Cannon iniciou uma nova banda achando que ela se tornaria o Sendher, mas as concessões da gravadora não iam tão longe; como eu já disse, Jeff, Carl e Dan foram designados para a banda de Cannon, junto com uma equipe de compositores, e Cannon não pôde fazer nada para mudar isso. — É por isso que quer quebrar o contrato. — Exatamente, e o que você não sabe, Ashley, mas logo vai descobrir, é que Cannon continuou a tocar em segredo com a sua outra banda. Ele compôs e gravou suas próprias canções num
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estúdio particular e, assim que o contrato for rompido, ele planeja gravar um álbum, com seu próprio dinheiro se for preciso. — Oh, meu Deus! Eu não fazia ideia de que tudo isso estava acontecendo. Pobre Cannon. Não me admira que ele esteja tão deprimido. — Precisamente. O aeroporto estava abarrotado de gente, anjos da guarda e bagagens. Estas últimas eram transportadas sobre os ombros, rolavam nas esteiras rolantes ou estavam espremidas sob os braços das
pessoas.
Anjos
voavam,
flutuavam
ou
caminhavam
imperturbáveis em meio à confusão do aeroporto, enquanto seus protegidos andavam apressados, colidiam uns com os outros ou corriam para seus lugares na fila, onde acabavam em pé ou sentados no mesmo lugar por horas. Com óculos escuros e um boné de beisebol, Cannon se misturou perfeitamente com a multidão até estarmos prontos para deixar o aeroporto. Um homem alto e forte, com barba e uma barriga de cerveja, atirou-se sobre nós, segurando uma câmera com uma lente teleobjetiva pendurada no pescoço. Sua camisa estava parcialmente enfiada nas calças, seu cabelo estava desgrenhado e ele usava tênis de corrida branco e laranja com meias e calças de preguinhas cáqui. — Senhorita, seu protegido acabou de ser reconhecido. — Ah, não! Assim que viu o fotógrafo, Cannon virou a cabeça e colocou a mão sobre a lente da câmera. — Não toque na minha câmera! Eu processo você se quebrar alguma coisa!
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Jonathan agarrou Cannon pelo braço. — Continue andando, Cannon. Olhe para a frente e o ignore. O gesto de levar a câmera até o rosto revelou dois círculos de suor nas axilas do fotógrafo. Uma barreira de flashes se seguiu, quando o fotógrafo corpulento pulou na nossa frente, com seu A.G. pairando acima dele. — Vamos lá, Cannon. Tire o boné. Tire os óculos e mostre à câmera os seus lindos olhos — pediu o homem com sarcasmo, enquanto tirava as fotos, uma incômoda explosão de luzes ofuscantes, bem no rosto de Cannon. — Vamos, Cannon garotão, ei, espere aí, você não é mais um garoto; agora é um roqueiro famoso e fudidão! — Você me dá nojo... Vá à... — Cannon, ignore-o. Não vê que ele está provocando você só para conseguir irritá-lo? — Jonathan puxou Cannon para mais perto dele e eles começaram a andar mais rápido, avançando em ziguezague pela multidão e mudando de direção toda vez que o fotógrafo os abordava. — Vamos, me dê um sorriso, Cannon, bonitão! — Saia do meu caminho ou vai se arrepender! — Não diga nada — Jonathan falou entredentes. — A limu está esperando. Estamos quase chegando lá e estaremos bem longe dele. Faça qualquer coisa e vai dar a ele as fotos que tanto quer. O fotógrafo, com a barriga balançando independentemente do resto do corpo, chegou mais perto e bateu com a lente da câmera no ombro de Cannon. — Ei, seu filho da mãe, está tentando quebrar a minha câmera?
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Jonathan puxou Cannon pelo braço, fazendo-o recuar, e gritou: — Saia daqui agora ou eu vou chamar os seguranças do aeroporto. — Você ferrou com a minha câmera, cara! — O fotógrafo empurrou Cannon pelo ombro com a lateral da mão. Cannon fechou o punho e tentou dar um passo na direção do fotógrafo, mas Jonathan se postou entre os dois com as mãos para cima. — Ei, pega leve e sai daqui agora. — Vou sair quando me pagarem pela minha câmera. — Não há nada de errado com a sua câmera. O fotógrafo largou a câmera sobre peito, deixando-a balançar sobre a barriga, e então deu um empurrão em Jonathan, forte o suficiente para fazê-lo se chocar contra o peito de Cannon. — Will, e se Cannon entrar numa briga? O que eu faço? Estou assustada. Odeio violência. — Observe e espere. Se a situação ficar perigosa, você pode intervir, mas só se a vida de Cannon estiver em risco. Cannon ergueu o punho fechado, mas Jonathan agarrou seu braço antes que o soco atingisse o alvo: o nariz do fotógrafo. — Não, Cannon. Vamos embora. A gente vai se livrar desse cara. Jonathan e Cannon saíram às pressas em direção à limusine estacionada na zona de embarque e desembarque, quando o fotógrafo gritou: — Eu vou processar vocês. Não perdem por esperar.
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Quando a limu se afastou, Cannon golpeou o assento na frente dele com ambos os punhos. — Você devia ter me deixado dar um soco naquele cara. Foi ele que me empurrou primeiro, teria sido autodefesa. — É, tem razão. Ele não empurrou você; ele me empurrou, e eu caí em cima de você. Mas olhe para você: 1,90 de altura, oitenta quilos, dez por cento de gordura no corpo, contra um cara de 1,70 m, corpulento, fora de forma, ali pelos 40 anos. A mídia teria um banquete com que se fartar se você tivesse batido nele. Será que ele tirou alguma foto de quando você estava prestes a dar um soco nele? — Droga, eu não me lembro. Acho que não, mas se tirou, isso só prova que não quebrei a maldita câmera. — Você não precisa de nenhuma publicidade negativa agora. Vamos só esperar que ele não entre com nenhum processo. Eu não me espantaria se ele quebrasse a própria câmera e acusasse você. Você deveria ter me deixado contratar guarda-costas. — Tudo o que eles fazem é chamar mais a atenção para mim. Na maioria das vezes, consigo passar despercebido. — Sim, mas não desta vez. É diferente quando você está em turnê; os paparazzi conhecem o seu roteiro. — A senhorita está bem, senhorita Ashley? — Sim, estou bem, eu acho.
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Treze — Este é o hotel mais chique de Phoenix. Uau, é incrível! É uma das vantagens de ser o A.G. de uma estrela do rock, eu acho. Vivi nesta cidade a minha vida inteira sem nunca pisar aqui, nem sequer uma vez. Não é legal, Will? — Apenas mais um de muitos outros, senhorita Ashley. — Cannon, eu acabei de providenciar tudo. Você vai ter um guarda-costas
enquanto
estivermos
nesta
cidade.
Se
aquele
fotógrafo aparecer no hotel, vamos conseguir tirá-lo daqui antes que ele chegue perto de você. — Que seja, mas você sabe que eu não gosto de guardacostas. Cannon, ele está apenas tentando mantê-lo seguro. Seria bom se você pelo menos se mostrasse um pouco agradecido. — Você falou com a Claire? — perguntou Jonathan. Jonathan abriu a porta da suíte dele e segurou-a aberta com o pé enquanto falava. — Sim, ela vai estar aqui esta noite. A limusine irá buscá-la no aeroporto. Eu não consegui uma suíte para ela, mas tem um quarto no quinto andar. — Então você, pelo menos, conseguiu para ela um ingresso para o show?
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— Não, ela não vai estar aqui a tempo. Todos os voos anteriores estavam lotados. — Ah, mas que droga... — Cannon colocou a chave na fechadura e abriu a porta da suíte dele. Uma onda de ar frio e aroma de flores frescas escapou pela abertura. — Também acho, mas eu tentei. Vejo você daqui a pouco — disse Jonathan, tirando o pé e deixando a porta fechar atrás dele. A suíte de Cannon era no último andar, ao lado da de Jonathan, mas quase duas vezes maior. Meu Deus, quando vi a cama de Cannon, minha vontade era dar um salto de braços abertos, caindo de barriga no colchão. O edredom tinha pelo menos dez centímetros de espessura. Mais travesseiros do que eu poderia contar, de diferentes formas e tamanhos, estavam espalhados contra a cabeceira da cama, como nuvens grandes e fofas, todos chamando meu nome, num convite irresistível. Mas Cannon leu meus pensamentos. Disparou para a frente e saltou sobre a cama no segundo em que eu me virei para inspecionar o resto do quarto. Ei, espere! A força invisível me puxou junto com ele. Ele aterrissou no centro da cama, e eu caí bem em cima de suas costas. Puxando dois travesseiros para o peito e enfiando-os sob o queixo, Cannon bocejou e fechou os olhos. Oh, não, outra vez não. Eu afundei alguns centímetros em suas
costas,
mas
antes
que
a
sensação
desconfortável
se
aprofundasse, estendi as asas e, com um único movimento, consegui me erguer. Mas que homem mais lindo! Eu fiquei onde estava, admirando o contorno de seus ombros e os músculos bem delineados das costas através da camiseta, antes de encolher as
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asas o suficiente para passar meus braços em torno de seu corpo e fingir que lhe dava um abraço. Não se preocupe. Eu não vou fazer nada para que você possa me sentir. Cannon queria tirar um cochilo, mas não havia tempo. Ele tinha entrevistas de rádio, uma após a outra; em seguida, o almoço, e depois uma entrevista numa estação de notícias da cidade. Jonathan tinha deixado tudo perfeitamente organizado, para que Cannon realmente não precisasse pensar muito a respeito, mas isso não o impediu de se queixar sobre a programação durante toda a tarde. As duas primeiras entrevistas de rádio seriam por telefone, para que ele nem precisasse sair da sua suíte do hotel, mas a terceira era na estação de rádio. Depois das entrevistas por telefone, Cannon disse: — Ei, Jonathan, ligue para a próxima estação e diga que, se querem fazer uma entrevista comigo, tem que ser por telefone. Não estou a fim de ir a lugar nenhum. Jonathan jogou as mãos para o ar. — Cannon, eu não posso fazer isso. A estação fez um concurso. Três das suas “adoráveis” ouvintes vão estar no estúdio para conhecer você pessoalmente. — Droga, eu odeio essa porcaria! — Ei, eu falei a você sobre isso meses atrás. Além disso, está no seu contrato. Na cláusula de publicidade. — Tá, tá. Esse contrato idiota mais uma vez acabou com o meu dia. Que seja.
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— O restante da banda vai estar lá também. Vocês precisam ser vistos juntos com mais frequência. O Sendher não é apenas você, Cannon. — Não brinca! — disse, de cara feia. — Vou me vestir. Jonathan tinha contratado uma consultora de moda para selecionar tudo o que Cannon vestiria durante a turnê, quando fosse visto em público, dentro e fora do palco. Uma camisa preta, de botão, com uma fileira de tachinhas prateadas ao longo de cada manga, estava pendurada no armário da suíte. Uma papeleta com a data em que deveria vesti-la estava presa à gola. — Que droga é essa? — Cannon embolou a camisa e atirou-a na minha direção. Abaixei antes que voasse através do meu rosto. — Isso é feminino demais. Só preciso de uma camisa simples, preta, de botão. O que há de errado com essa camisa? Eu acho legal. — Jonathan, você precisa dar um jeito de me arranjar uma camisa nova. Não vou usar isso de jeito nenhum. Não me importo nem se você comprar na loja do hotel. — Ok, ok, mas esteja pronto quando eu voltar. Não temos muito tempo. — Jonathan consultou o relógio. — Se chegarmos atrasados, paciência. Eles não vão querer perder a minha entrevista. Cannon, por que você tem que ser tão arrogante? — Tente ler a alma dele. A senhorita precisa praticar — disse Will enquanto deslizava porta afora, atrás de seu protegido. — Bem que eu queria conseguir ler a sua alma — sussurrei para Cannon, agitando as asas e aterrissando aos pés dele. — E eu
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gostaria que você fosse mais agradável com Jonathan. Ele faz tudo por você. Você precisa mostrar mais respeito. Prometa que vai tentar. Claro, ele não me prometia nada, mas eu gostava quando ficávamos
sozinhos,
enquanto
ele
não
bebia
nem
tomava
comprimidos. Eu podia segui-lo para todo lado e falar com ele, fingindo que ele podia ouvir, fingindo que eu era... sua namorada. Eu era uma idiota completa, eu sei, por amar uma pessoa que nem sabia que eu existia. Eu já tinha me sentido assim antes, quando viva, mas naquela época eu não estava apaixonada; era só uma paixãozinha boba. Matt Landers era um aluno do último ano da equipe de futebol, e eu estava apenas no segundo ano. Fui a todos os jogos de futebol, mesmo me sentando longe do campo, só para vê-lo jogar. Eu me desviava do meu caminho só para cruzar com ele nos corredores e, quando podia pedir para Ronnie ir comigo, eu me sentava do lado de fora do pátio dos alunos mais velhos, para poder vê-lo tomar lanche e brincar com os amigos. E, adivinhe, ele se formou sem nem ficar sabendo que eu existia, e ali estava eu fazendo a mesma coisa, mas desta vez de um jeito ainda pior. Com Matt, eu pelo menos tinha tido uma chance, caso tivesse tomado coragem para falar com ele, mas com Cannon, nunca haveria uma chance. Eu sabia disso, mas não podia deixar de amar Cannon; amálo me ajudava a esquecer que estava morta. Fique onde está, Cannon, eu não imagino como fazer isso, mas vou tentar. Vou tentar ler a sua alma. Cannon sentou-se aos pés da cama, a três metros de distância da TV, com uma mão no quadril e a outra no controle remoto, passando os canais. Eu me ajoelhei diante dele, fechei os
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olhos e abri as asas na tentativa de abafar o som de um clipe tocando na tela atrás de mim. Concentrar-me e repetir o nome de Cannon na minha cabeça como se fosse um mantra não funcionou, então levantei as asas e imaginei a minha alma se entrelaçando com a dele, nossas mentes se fundindo e se transformando numa só, mas, depois de alguns minutos de profunda meditação, as emoções de Cannon não estavam mais acessíveis a mim do que estavam antes. Eu não consegui, não estabeleci nenhuma conexão, não consegui sondar o coração de Cannon nem a sua mente, mas mantive os olhos fechados, desta vez cantando uma das canções de Cannon na minha cabeça. Ohhhh.
Cannon
moveu-se
através
de
mim,
primeiro
perfurando meu peito com o controle remoto e, em seguida, atravessando-o com o corpo inteiro quando se inclinou para a frente e pegou um guia de canais em cima da TV. A sensação de sucção veio rapidamente como sempre, mas desta vez foi diferente, agradável, em vez de incômodo, preenchendo os espaços vazios do meu corpo de anjo, fazendo-me sentir viva e humana quando seu coração bateu forte e seus pulmões se expandiram abruptamente no lugar onde meus próprios órgãos deveriam estar. Ahhhh. Cannon se afastou, deixando cair o guia de canais no chão e respirando fundo, tão surpreso quanto eu com essa experiência sobrenatural. Ele tropeçou, caindo sentado no mesmo lugar da cama, boquiaberto, as mãos tateando para encontrar o controle remoto e desligar a TV. O que aconteceu? Será que ele me sentiu da mesma maneira estranha, mas agradável, que eu o senti? Como aquilo era possível?
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Eu queria saber, mas tinha medo de perguntar a Will. Qualquer coisa que tivesse acontecido não era para acontecer, eu tinha certeza disso. Cannon foi até o chuveiro com cautela, prestando atenção em cada passo, como se estivesse andando em cima de um lago congelado. Eu fiquei na porta do banheiro, como sempre de costas para ele. No momento em que Jonathan voltou à suíte de Cannon, ele já tinha tomado banho, vestido as calças, as meias e os sapatos, e estava no banheiro, arrumando o cabelo. Cannon pegou a camisa da mão de Jonathan e leu a etiqueta. — Em que buraco você comprou isso? — Sei lá, uma loja no shopping. É exatamente o que você pediu, uma camisa simples, preta, de botão. — Esqueça. Vou usar a outra. — Cannon a jogou na cama, mas errou o alvo. Jonathan pegou-a e dobrou-a sobre uma cadeira. Ai, Cannon, eu sei que você está confuso e se sentindo estranho por causa do que aconteceu, mas não desconte no pobre Jonathan. — Tudo bem, mas se apresse. Horace e Cane estão esperando. — Horace e Cane, os caras do programa da manhã? — perguntei a Will. — Eu costumava ouvir essa rádio o tempo todo! Na verdade, o rádio estava sintonizado nessa estação quando morri. Will, eu não sei se posso fazer isso. — Mas a senhorita não tem outra escolha. Suas lembranças como mortal ainda estão frescas… frescas o suficiente para influenciar suas emoções, ao contrário das lembranças mortais de
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um anjo da guarda, que são esmorecidas, insignificantes em comparação à lembrança imortal necessária para executarmos nossos deveres. Mas não se preocupe, senhorita, com o tempo as suas lembranças humanas vão se desvanecer e a senhorita vai sorrir ao se lembrar das memórias terrenas, sem ansiar mais por sua família e amigos. Felizmente, a entrevista de rádio foi muito mais rápida do que eu esperava. Cannon estava de bom humor, gesticulava muito e exibia um meio sorriso encantador enquanto dizia a todos como estava contente por estar lá (quando, na realidade, ele preferia estar no hotel, tirando um cochilo). Além disso, ele teve que usar um par de fones de ouvido enormes e responder a perguntas bobas enquanto três adolescentes, vencedoras do concurso de rádio, sentavam-se do outro lado do vidro com sorrisos lambuzados de gloss cor-de-rosa, enrubescendo diante dele o tempo todo. No final da entrevista, um representante da rádio deu às três meninas uma dezena de fotos de Cannon, que ele tinha autografado com uma caneta metálica prata. Em seguida, as três adolescentes risonhas se levantaram e tiraram uma foto com ele. As pernas da garota mais alta bambearam quando Cannon colocou o braço sobre os ombros dela. A cor se esvaiu do seu rosto e ela desabaria no chão se não fosse amparada por Cannon, que a virou a tempo de costas e a deitou sobre o seu joelho dobrado, enquanto seu anjo se mantinha ao lado dela, sorrindo e sabendo que o coração da sua protegida ainda batia, firme e forte. A
menina
ficou
constrangida
quando
recuperou
a
consciência, recusando o copo de água e o pano úmido que o representante da rádio lhe ofereceu, mas uma coisa era certa:
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Cannon não só se tornou o seu maior ídolo naquele dia, como também o seu herói. E ela com certeza teria uma boa história para contar para as amigas pelos vinte anos seguintes. Mas esse não era o meu caso. A essa altura, eu já era mais próxima de Cannon do que a própria mãe dele, mas não havia uma pessoa para quem eu pudesse contar minhas histórias, enquanto observava os olhos delas se iluminarem de ciúmes e sua boca se abrir em descrença. Cannon era meu, era o meu protegido, mas não do jeito que eu queria que fosse. O passeio de limusine não foi como de costume, agora que Cannon tinha um guarda-costas com ele o tempo todo. Seu guardacostas era um homem alto, de ombros largos, com cara de afroamericano e uma camisa justa demais. Assim como Cannon, usava óculos de sol mesmo quando não estava ao ar livre. Seu A.G. era um garoto raquítico, branco, que parecia mal ter chegado à puberdade antes de morrer. Quando o vi pela primeira vez, eu me inclinei para Will e sussurrei: — Will, ele parece só um garoto. — Não importa, é uma alma antiga. Eu não pretendia me envergonhar na frente dele, então mantive a cabeça baixa a maior parte do tempo e não falei nem fiz perguntas, como costumava fazer quando estava sozinha com Will. Quando olhei para a frente, eu sorri, só um sorrisinho sem abrir a boca, da maneira como os anjos da guarda de verdade faziam. Acho que consegui enganá-lo. A entrevista na estação de notícias não foi muito melhor, só muito parecida com as outras. No entanto, em vez de adolescentes
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eufóricas, uma apresentadora de 30 e poucos anos, Copeland Jade, babava diante de Cannon. Ironicamente, essa era uma estação de notícias que eu costumava ouvir também. Eu gostava de Copeland Jade porque ela sempre usava roupas muito estranhas, mas elegantes, e quando ria gargalhava muito e bem alto, sem se importar com o que pensassem dela; agora, no entanto, ela me parecia muito irritante. Cada vez que Cannon respondia a uma pergunta, ela dizia: “Ah, sério? Estou impressionada!”, e dava um tapinha no ombro dele que não só era desnecessário, como uma prova evidente de que estava flertando com ele. Fiquei muito satisfeita quando tudo acabou. Havia luzes demais, câmeras demais, pessoas demais e anjos demais num espaço muito apertado. Eu estava pronta para assistir ao show na minha cidade natal.
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Quatorze Não acredito. Isso não pode estar acontecendo! Como pode? Por que vocês estão fazendo isso comigo? Eu esperava uma torrente de lágrimas, mas elas não vieram. Ronnie, o que, pelo amor de Deus, você está fazendo aqui? Quando Cannon foi para a frente do palco, os holofotes se moveram com ele, iluminando uma boa parte da multidão. Ronnie! E você trouxe Lisa? Ela nem gosta de mim. Este era o nosso show, você e eu, não você e Lisa. Como você pôde vir sem mim? A multidão se aglomerava na plateia, de modo que o A.G. de cada pessoa pairava bem acima da cabeça do seu protegido na posição vertical. Os anjos flutuaram em vários níveis a pelo menos trinta centímetros dos seus protegidos, para evitar que as asas esbarrassem
umas
nas
outras.
Se
eu
não
estivesse
tão
decepcionada, teria ficado impressionada. Eu flutuei para longe de Cannon, tanto quanto podia, até ficar quase entre Veronica e seu anjo. Gritei para ela, sobre o burburinho da multidão: — Como você pôde vir aqui sem mim? Eu pensei que nossa amizade era mais importante para você do que isto! Quando eu estava prestes a gritar com ela novamente, um sopro de ar, vindo de cima, atingiu a minha cabeça; um sopro forte 159
o suficiente para despentear o meu cabelo. O anjo de Veronica estava a menos de trinta centímetros de distância, as pontas das asas próximas o suficiente para me tocar se quisesse. Oh, meu Deus. O anjo de Veronica era lindo! Tinha talvez cerca de 25 anos de idade, cabelos castanhos ondulados e olhos azuis muito brilhantes. Havia algo de majestoso em sua figura, algo de régio e medieval, como se ele tivesse sido um príncipe quando vivo ou talvez até mesmo um cavaleiro. Eu o imaginei vestido de armadura, segurando uma lança, cavalgando um cavalo branco. Veronica é a garota mais louca por garotos que eu conheço. Se soubesse que esse cara maravilhoso estava, literalmente, ligado a ela, ela ia morrer! Quando
nossos
olhos
se
encontraram,
eu
perdi
a
concentração. Uma das minhas asas se abaixou e eu compensei batendo a outra até manter o equilíbrio. Ele era tão bonito que eu não conseguia pensar direito. Tentei não sorrir demais, mas não consegui. Ao contrário de mim, ele era como todos os outros anjos, completamente calmo, em estado pleno de felicidade, mesmo com a música ensurdecedora ao nosso redor, luzes piscando em todas as direções, as meninas gritando ao mesmo tempo, em vários graus de fanatismo, e Cannon Michaels a apenas alguns metros de distância. O único anjo afetado, mais uma vez, era eu mesma. E, como todos os outros anjos, o de Ronnie tinha um leve sorriso nos lábios, um sorriso acolhedor que dizia “olá” sem mover os lábios. Enquanto olhava no fundo dos seus olhos, eu podia sentir seu amor, um amor incondicional, inocente pelo mundo e por tudo e todos. Ele estava repleto de esperança, de paz, de compaixão
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e de perdão. Isso é o que significava ser um anjo da guarda, e eu não era assim. Agora eu estava cheia de raiva, de ciúme e de julgamento, mas simplesmente não conseguia me controlar. Eu não era um verdadeiro anjo da guarda, era mais uma adolescente com asas. — Uma adolescente com asas?! — exclamou o anjo bonito. — Você leu a minha alma. — Sim e não. — Sim e não? — Eu conheço você há muito tempo, Ashley. Cannon dançava pelo palco e eu fui sugada até ele. As penas entre meus ombros se agitaram e eu tive que flutuar no lugar e girar os ombros para trás para fazê-las voltar ao lugar. Eu nunca vou me acostumar com isso. Cannon, tente ficar no lugar um pouco mais! Agora volte para a esquerda. Eu quero falar com o anjo de Veronica. Durante a canção seguinte, Cannon finalmente voltou para o lado do palco em que Veronica estava. O A.G. dela tinha ficado me observando quase o tempo todo. — Encontrar você é tão embaraçoso... — choraminguei. — Por quê? — Porque toda vez que eu estava com Veronica, você estava lá. Veronica e eu fizemos algumas coisas realmente idiotas juntas e você viu todas elas. — Você não deve sentir vergonha, eu não a julguei na época e não vou julgá-la agora. Li a sua alma, mas não precisava. Entendo por que suas emoções são fortes. Eu fui ao seu funeral com a minha protegida. Seu trabalho como anjo da guarda é prematuro. É
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compreensível que suas emoções ainda estejam intensas e sejam difíceis de controlar. Cannon se virou na direção de Carl durante um solo de guitarra, fazendo-me voar de volta para a borda do palco. — É, eu morri há menos de uma semana, e agora Veronica está aqui com Lisa. Ela devia estar em casa chorando. Se ela morresse e fosse eu que estivesse viva, de maneira nenhuma teria vindo a este show sem ela. Eu não conseguiria curtir o show se ela não estivesse comigo, mas olhe para ela agora! Está curtindo muito tudo isso, mesmo sem mim. Veronica e Lisa tinham se levantado das cadeiras, como o resto
da
multidão.
Elas
pulavam,
cantavam,
aplaudiam,
e
golpeavam o ar com os punhos, sem nem mesmo pensar em mim. Toda vez que o canhão de luz iluminava o rosto de Lisa, eu me encolhia. Lisa tinha um rosto muito magro e alongado, o que lhe dava um aspecto meio equino. Quando ela ria ou, devo dizer, relinchava, sempre jogava a cabeça para trás e abria a boca, uma boca cheia de dentes grandes e quadrados. Veronica a julgava bonita, mas eu não. Cannon andou mais devagar até o centro do palco e começou a apresentar os outros membros da banda, cada passo no ritmo dos tambores da bateria. Quando acabou de apresentar a banda e agradeceu à multidão, o palco escureceu e o Sendher deslizou para fora do palco. — Onde está a minha água?
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— Aqui, aqui, desculpe, senhor Michaels. — Um membro do estafe jogou para Cannon uma garrafa de água, depois de pegá-la numa das caixas de gelo fora do palco. — Esta não é a marca que eu tomo. Droga! Será que ninguém aqui faz nada direito? São uns incompetentes. — Ele jogou a garrafa no chão e sacudiu as gotas de água e de gelo picado das mãos. — Aqui, Cannon. — Jonathan lhe passou a água da marca certa. — Pelo menos você acerta, Jonathan; quer dizer, na maioria das vezes. Cannon enxugou a testa com uma toalha e desabotoou a camisa. — Jonathan, me dê aquela camisa preta. — Qual delas? A que eu comprei hoje? E que você detestou? — É, eu quero usá-la agora. — Ainda bem que a trouxe comigo. — Jonathan soltou o ar dos pulmões antes de disparar em direção ao vestiário numa corrida descoordenada. Cannon passou a toalha no peito e sob os braços antes de colocá-la em volta do pescoço. Estava quase na hora do primeiro bis. Cannon observava o público dos bastidores. Dois canhões de luz passeavam pela multidão, girando esporadicamente, aumentando a expectativa do público. Toda vez que o rosto de Lisa era iluminado, o que, devo acrescentar, destacava cada sarda do seu rosto e as mechas vermelhas artificiais do seu cabelo, eu fechava os olhos sem acreditar que ela estava ali com a minha melhor amiga, e ambas curtiam o show sem mim, na seção B, fila 4, assentos 20 e 21.
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Cannon ainda abotoava a camisa preta quando voltou para o palco. Ao terminar, puxou a toalha do pescoço, girou algumas vezes sobre a cabeça, atravessando com ela o meu peito antes de atirá-la na multidão. Adivinhe quem pegou? Lisa! O canhão de luz permaneceu sobre a fã sortuda por alguns segundos, enquanto ela pulava na cadeira, segurando a toalha com ambas as mãos e esticando-a sobre a cabeça. Oh, Deus. Você está de brincadeira? Lisa apertou a toalha debaixo do nariz, cheirando-a e espremendo-a contra o peito que mais parecia uma tábua; em seguida Cannon fez algo para tornar as coisas ainda piores para mim: ele piscou para ela. O A.G. de Lisa, que realmente se parecia muito com ela, com seu cabelo laranja e queixo quadrado, sorriu para ela de um jeito esquisito e reposicionou-se ligeiramente acima do anjo com cara de modelo de Veronica, que pairava ao lado dela o tempo todo. Depois de tocar duas músicas do último álbum do Sendher, o primeiro bis terminou. Após uma breve passagem pelos bastidores, que deu a Cannon a chance de tomar mais água e trocar novamente de camisa, o Sendher estava de volta sob os holofotes, para a sua última música. Era a minha música, a minha balada: “Duas noites”. Assim como no primeiro show, o público imediatamente ficou em silêncio e se transformou num mar de pequenas luzes. Telas de telefones celulares imitavam a luz de velas, como uma vigília para alguém morto, em vez de um show de rock para os vivos. Cannon pegou um violão e se sentou num banquinho em frente ao microfone. Um grande canhão de luz fixo no teto tornou quase impossível a minha visão do público, mas, quando meus
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olhos se acostumaram, dobrei as asas, voei em direção a Cannon, e pousei, muito graciosamente, devo acrescentar, aos seus pés. Protegendo os olhos da luz, cheguei tão perto da borda do palco quanto pude para, apesar da minha raiva, poder olhar Veronica uma última vez antes de provavelmente nunca mais vê-la novamente. Mas o que era aquilo? Veronica e Lisa estavam ambas segurando cartazes. O de Lisa dizia: “Sentimos sua falta, Ashley” em letras grandes e pretas, e no de Verônica estava escrito “Ashley, você é nosso anjo, e está aqui conosco em nossos corações”. Uma auréola tinha sido desenhada em torno do “A” de Ashley, e um par de asas brancas enfeitava a palavra “coração”. Duas lágrimas umedeciam o rosto de Veronica, sobre o brilho do blush cor-derosa, produzindo duas faixas bem definidas sobre a pele nua. Eu voei para a frente tanto quanto pude. Estou bem aqui! Estou com vocês aqui e agora! Andei mais para a frente para tocálas, para fazer alguma coisa, para pelo menos lhes dar um sinal para que soubessem que eu era um anjo e que realmente estava ali, e não apenas em seus corações. Assim que os meus dedos roçaram no ombro de Veronica, senti um puxão em volta da cintura, como um elástico gigante que tivesse esticado demais. Voei para trás em direção ao meu protegido. Minha asa direita pegou impulso desajeitadamente, fazendo-me tropeçar para trás quando aterrissei no palco. Rolei através das panturrilhas de Cannon, as pernas do banquinho, e meio-caminho até a parte mais elevada do palco, onde Dan tocava bateria, antes de parar. Ufa!
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Rastejei de volta para o palco principal. Não havia razão para tentar novamente; Cannon estava muito longe das minhas amigas. Com a cabeça baixa, sentei-me aos pés de Cannon, ouvindo sua canção. Embora eu tivesse ouvido essa canção milhares de vezes, e até cantado eu mesma milhares de vezes, nunca realmente a ouvira do jeito como a ouvia agora, enquanto estava sentada ali, cheia de culpa e arrependimento. Fechei os olhos enquanto Cannon cantava: “Este é o fim. Você me deixou, não vamos nos encontrar mais fisicamente, mas eu tenho a sua alma.” Ah, meu Deus! Até agora eu não tinha realmente entendido o que a música dizia; o título “Duas Noites” se referia às últimas duas noites que um homem e uma mulher passavam juntos antes de ela morrer. Uau! A ironia disso fez a minha cabeça girar. Procurando ter o máximo de cuidado, enlacei as pernas de Cannon com os braços e pressionei a bochecha contra o seu joelho. Cannon não olhou para baixo; não mexeu a perna; não me sentiu, e eu não o senti, por mais que desejasse isso. Eu amo você, Cannon. Eu amo você, Ronnie.
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Quinze — Essa foi uma atitude arriscada, senhorita Ashley. — Eu sei, mas não pude evitar. Fiz um esforço consciente para não deixá-lo me sentir, e deu certo desta vez. — Mas pode não funcionar da próxima. Acredito que, enquanto o amor que você tem pelo seu protegido estiver atrelado a outras emoções, emoções que não condizem com as de um anjo, o seu subconsciente provavelmente manipulará a sua capacidade de tocar; então, a senhorita precisa ter mais cuidado. Fazer um esforço consciente pode não bastar. — Ok, obrigada, Will. — Vejo você pela manhã, Cannon. Serei seu despertador. Depois que Jonathan pegou o elevador, fiquei sozinha com Cannon, seu guarda-costas e o anjo do guarda-costas. Ninguém disse uma palavra. Claire, com Margaret pairando sobre ela, já estava no corredor, esperando ao lado da porta de Cannon. O guarda-costas entrou na frente de Cannon tão logo a viu. — Está tudo bem, Myron; ela é a minha massagista. Myron assentiu com a cabeça, cruzou os braços e assumiu seu posto no corredor, diante da porta de Cannon, e Claire entrou. — Estou muito feliz em vê-la novamente, Margie. — É bom ver você também, Ashley. 167
— Quanto tempo você vai ficar na turnê com a gente? — Só por uma noite. Claire tem um voo de volta para Los Angeles amanhã de manhã. — Que pena, eu queria passar mais tempo com você. — E eu adoraria passar mais tempo com você, também, minha querida. — Margie olhou para mim com aqueles olhos mágicos de anjo, olhos que não julgavam, que não especulavam, que não tiravam conclusões precipitadas; olhos que só amavam. A suíte luxuosa de Cannon tinha a sua própria sala de massagem, abastecida com óleos e loções do Day spa do hotel. Claire esperou na sala de estar enquanto Cannon se despia e se deitava de bruços, com um fino lençol cobrindo as nádegas. Quando Claire voltou, Margie sentou-se ao meu lado no chão contra a parede, e dobrou as asas da mesma forma que eu, de modo que as asas formassem uma almofada de penas atrás das costas. — Margie, posso fazer uma pergunta? — Claro. — Você não sente falta de ter emoções? — Ah, querida, os anjos ainda têm emoções, mas nossas emoções trabalham a nosso favor e não contra nós. Deixe-me explicar. Você já ouviu o velho ditado: Com a idade vem a sabedoria? — Sim. — Bem, é verdade. Mas eu não estou dizendo que os adultos nunca cometem erros ou não têm vícios. Não, nada disso. Os vícios ainda existem, mas vão diminuindo, enfraquecendo-se com a idade, exercendo menos impacto em nossos pensamentos, sentimentos e decisões. Orgulho, inveja, luxúria, ganância, autopiedade, vaidade,
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ódio: eles estão todos lá em cada pessoa, variando em graus diferentes. Só depende de quanto a pessoa deixa que cada um influencie a sua vida. — Você é uma alma jovem, uma alma de 18 anos, por isso suas emoções ainda são fortes, imprevisíveis. Eu, por outro lado, não só vivi até os 67 anos, mas estive por aí, observando a vida por mais de duzentos anos, vendo as pessoas cometerem erros e se redimirem ou não; assistindo às pessoas sofrerem por orgulho, ódio, inveja e egoísmo. Agora, eu, assim como todos os anjos da guarda, somos almas antigas. Estamos por aí há tanto tempo que esses vícios não só perderam a força, como praticamente desapareceram. — Ashley, anjos da guarda têm emoções, mas não se emocionam com as coisas que na verdade não importam, coisas que não podemos mudar, coisas que não são realmente tão importantes quanto pensamos que eram no momento. Estar vivo é uma coisa tão especial, um presente tão especial, que não importa o caminho, seja bom ou ruim, que a pessoa tome em sua vida; ser humano e trilhar esse caminho, em primeiro lugar, é que é importante. Os anjos entendem isso, de modo que não há razão para que nos tornemos emotivos com relação aos nossos protegidos. — Fiquei emotiva hoje. — Você quer me contar sobre isso? — Bem, não sei. Estou envergonhada pela maneira como me comportei. — Então não me conte, vou ler a sua alma em vez disso. Vou precisar ler profundamente.
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Margie chegou tão perto que estava quase tocando a minha testa. Ela fechou os olhos e pôs as mãos nos dois lados do meu rosto. — Raiva e ciúme são duas emoções que sentiu hoje. Você prejulgou suas amigas, fez suposições maldosas sem razão. Talvez Veronica tenha passado os últimos três dias em seu quarto chorando, sem comer ou dormir. Talvez esta tenha sido a primeira vez que saiu de casa desde que você morreu. Talvez assistir ao show tenha sido a forma que ela encontrou de celebrar a amizade entre vocês, e trazer a amiga lhe deu apoio moral. — Margie hesitou e depois disse suavemente: — Então aconteceu uma mudança em suas emoções que a levou a se arrepender e a ficar constrangida. — Sim, quando eu vi Veronica e Lisa segurando os cartazes, percebi que nunca deveria ter ficado com raiva delas. — Ashley, e se elas não tivessem trazido cartazes, mas ainda assim estivessem lá, como um meio de celebrar a sua amizade, e você não soubesse? — Então eu provavelmente ainda estaria furiosa, mesmo que elas não merecessem. — Sim, porque você teria julgado, tirado conclusões sem saber as reais intenções delas, algo que você não pode fazer na posição de anjo. — Eu sei. Sinto muito. Vou tentar não julgar, eu realmente quero, mas às vezes simplesmente não consigo evitar. — Leva tempo, baby, muito tempo, mas você vai aprender. Você vai aprender a não julgar os outros precipitadamente, e vai aprender a tentar ver as coisas do ponto de vista da outra pessoa.
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— Margie, Ronnie realmente ficou chorando em seu quarto, sem comer e dormir por três dias? — Não vou fazer conjecturas, mas posso dizer que li a alma dela. — Leu a alma dela? Como você conseguiu? — Eu a li através de você. Vocês duas são almas gêmeas. — O quê?! Eu não entendo. — É difícil explicar, mas vou tentar. Quando morreu, um pequeno pedaço de você ficou com ela, e você trouxe um pedacinho dela com você. Agora, quando digo um pequeno pedaço, eu não quero dizer, literalmente, é claro; estou falando sobre as lembranças de cada uma de vocês e tudo sobre as almas de vocês que foi moldado, impactado e influenciado por essa amizade. Com o tempo, não só você será capaz de ler almas, mas vai ser capaz de ler uma alma através de outra pessoa, como eu fiz. De repente, nesse meio-tempo, notei que Claire tinha colocado a mão no meio das costas de Cannon e sussurrado em seu ouvido: — Hora de se virar. Espero que ela não levante o lençol novamente. Cannon começou a se virar de costas. Claire segurou o lençol a poucos centímetros do corpo dele como uma massagista profissional faria, mas, assim que ele se posicionou com os olhos fechados, ela arrumou o lençol, levantando-o mais no alto, para dar outra espiada. — Não, não faça isso! — exclamei em voz alta. Claire deu um salto, ainda segurando a ponta do lençol na mão. Quando percebeu que tinha puxado demais o lençol, ela se
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esforçou para recolocá-lo no lugar, e, ao fazer isso, prendeu o sapato sob o pé da mesa de massagem. Antes que pudesse recuperar o equilíbrio, deslizou para o chão, caindo sentada sobre seu enorme traseiro. O lençol que cobria a parte da frente de Cannon subiu como uma nuvem e caiu sobre as pernas dele, deixando-o completamente exposto. — O que... ? — Cannon sentou-se e puxou o lençol até a cintura, mas percebeu que Claire já o tinha visto nu, e ela percebeu a mesma coisa. — Ai, meu Deus, Cannon, sinto muito. Mas você ouviu isso? Alguém gritou alguma coisa? Levei um susto e tropecei no pé da mesa. Eu caí quando estava me preparando para ajeitar o lençol sobre você... — Claire, está tudo bem, sério. — Oh, Cannon. Nem sei dizer o quanto lamento. Foi um acidente, juro. Você sabe que eu não faria nada para deixá-lo embaraçado. — O rosto, o pescoço e o colo de Claire estavam salpicados de manchas cor-de-rosa, a prova da culpa e da falsidade de uma pessoa sem moral. Enquanto falava, ela mantinha as mãos sobre a boca e balançava a cabeça. — Claire, não se preocupe. Você não é a primeira garota que me vê nu, você sabe. Eu não estou constrangido. A menos que, na sua opinião, você tenha visto algo de que eu deva me constranger... — Oh, não, de jeito nenhum. Quer dizer, na verdade não vi nada; aconteceu tão rápido, e eu juro que nem tentei olhar. Virei a cabeça logo... Oh, meu Deus, eu ainda não posso acreditar que isso aconteceu. Eu não queria fazer isso, juro. Eu...
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— Margie, o que aconteceu? Será que eles realmente me ouviram? — Claire, eu entendo. Eu ouvi também. Parece que alguém disse “Não” e depois “Não faça isso”. Foi o que você ouviu? — Foi, quem disse isso? — Eu não faço ideia. De início pensei que tinha sido você. — Não, não fui eu, mas parece que veio de alguém atrás de mim. — Claire olhou para trás, além da mesa atrás dela, e então olhou para a porta, na direção do outro cômodo. — Ah, não sei. Foi muito estranho. Deve ter sido alguém na sala ao lado. As paredes do hotel são sempre finas. Você quer continuar ou prefere...? — Quero, sim, vamos continuar. Tem razão. Deve ter vindo da suíte ao lado. — Cannon deitou-se outra vez na mesa e fechou os olhos. — Oh, meu Deus, Margie, o que aconteceu? — sussurrei. — Eu não achava que nossos protegidos poderiam nos ouvir conversando. Eu não queria que isso acontecesse, juro. — Eu sei que não, querida. Eu também não esperava. Sou anjo da guarda há mais de cem anos e nunca vi nada parecido antes. — Então, normalmente, eles não podem nos ouvir, certo? — perguntei, continuando a falar num tom baixo. — Certo. Claire massageava agora a perna direita de Cannon, uma perna tão musculosa que a pele mal ondulava sob as mãos dela. — Então, como ela...? — Ashley, coloque a mão na frente da boca e fale comigo. — Assim? — Eu levei a mão à frente do rosto. — Você sente ar saindo da sua boca?
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— Não, mas isso é porque eu não respiro, certo? — Certo. Ondas sonoras viajam pelo ar, por isso, quando você fala, quando se move, nossos protegidos não sentem a nossa presença. Somos as únicas que podem se tocar e ouvir uma à outra. A menos... — A menos...? — Ashley, só existe uma explicação. Quando você fala, fica muito exaltada, cheia de raiva, cheia de propósito e determinação, mesmo sem ter essa intenção. — Mas, quando falamos, achei que nunca ninguém poderia nos ouvir. — Querida, nunca é a palavra errada; ela bloqueia as possibilidades e a imaginação. O que eu sei é o seguinte: quando você fala, sente emoções fortes, emoções humanas. Você não aceitou o fato de que não é mais um ser humano de carne e osso. — Margie, eu sei que estou morta. Sei que sou um anjo. — Mas estar apaixonada pelo seu protegido faz com que se sinta humana. — Então você sabe. Sabe como eu me sinto com relação... — Baixei a cabeça e olhei para os pés, para as minhas unhas pintadas de cor-de-rosa com uma florzinha branca no dedão, que me faziam não só me sentir, mas parecer humana, viva, vibrante. — Sei. — Eu não tinha intenção de me apaixonar por ele, Margie, juro. Nem que Claire me escutasse. Embora eu desaprove o que ela faz, não faria nada para que Cannon dispensasse os serviços dela, porque isso significaria não ver mais você e eu quero vê-la sempre que for possível.
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— Ah, baby, eu sei. — Margie estendeu uma das asas em torno das minhas costas e jogou o ombro para a frente até a ponta da asa me levar para junto do seu corpo. Suas asas eram quase tão grossas quanto a sua cintura, suaves, macias e quentes como a sua pele cor de chocolate. — Você é um anjo, baby. O que sente por ele é o tipo errado de amor. Ele nunca poderá ser seu namorado. Você não faz mais parte do mundo dele, deste mundo, mas ainda faz parte da vida dele. Logo será capaz de ler a alma dele e, ao fazer isso, a sua própria alma se conectará com a dele e você verá que essa comunhão de almas é tudo de que precisa para se satisfazer como anjo. Mas, enquanto isso, evite falar ou tocar quando suas emoções estiverem muito intensas. — Oh, Margie, quero ser um bom anjo da guarda, quero mesmo. Só não consigo evitar o que sinto por ele. — Eu sei, e você saberá, você saberá.
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Dezesseis — Droga! Eu não suporto mais. É tão frustrante! Eu realmente não sei quanto tempo ainda consigo continuar assim. Talvez eu morra hoje. Então não vou ter mais que me preocupar com isso — reclamou Cannon. — Nossa! Que coisa mais mórbida para se dizer! — contestou Jonathan. — Bem, é como me sinto. Estou farto da minha vida. Estou quase desistindo. — Desistindo de viver ou de tentar alterar o contrato? — Desistindo de tudo. — Cannon! Will, ele está falando sério? — sussurrei. — É só observar e esperar, Ashley. — Então o que eu devo fazer? Internar você numa clínica psiquiátrica depois do show e dizer que está com impulsos suicidas? — Jonathan fez uma careta. — Não, não estou falando sério. Você sabe que eu nunca iria tentar me matar. — É melhor que ele não esteja mesmo falando sério — murmurei. — Espero que não. Seus advogados não estão desistindo, então você também não deveria desistir.
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— Claro, eles não vão desistir enquanto eu não parar de pagá-los. — Cannon pôs as mãos na cabeça e recostou-se no sofá. — Maldita altitude! Fico com dor de cabeça o tempo todo. — Isso é Denver, a cidade nas alturas. Basta beber muita água. A altitude me deixa doente, também. — É, eu sei. — A limusine está aqui. Vamos. No caminho para o local do show, Cannon fez uma entrevista ao vivo por celular com uma estação de rádio e, após a passagem do som, Cannon e os outros membros do Sendher participaram de um encontro com dez fãs. — Eu sempre quis fazer isso. Will flutuou para mais perto de mim. — O quê? — Participar de um encontro desses com uma banda. Para as meninas de bochechas coradas, cujos corações martelavam no peito como se participassem de uma maratona, Cannon era como um deus. Embora elas estivessem na fila para receber autógrafos de Carl, Dan e Jeff também, sorrindo e posando para fotos, era óbvio que estavam realmente lá para ver o meu protegido. Essas meninas praticamente surtavam quando estavam na frente de Cannon e, quando ele saiu, correram para a porta, surtando novamente quando o viram se afastar pelo saguão. Cannon tinha uma coisa que muita gente não tem, algo mais do que sua aparência excepcional. É difícil explicar, eu sei, mas a sua presença numa sala realmente mudava toda a atmosfera. Ele exalava um tipo especial de carisma e encanto que fazia todos
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quererem ficar perto dele e fazer qualquer coisa para chamar sua atenção e conseguir sua aprovação. Isso, combinado com seus olhos verdes sensuais, que olhavam para você através dos fios de cabelo castanho e um meio sorriso que revelava dentes brancos e perfeitos... Ah, isso me deixava caidinha também. Mesmo que eu não pudesse ler a alma dele, pelo menos ainda não, ao contrário de Margie e Will, anjos da guarda de verdade, eu ainda podia fazer suposições, julgar, e, às vezes, como agora, quando Cannon estava sentado na limusine ouvindo música com um fone de ouvido, ou quando estava deitado na cama pensando na vida e tentando dormir, eu tentava adivinhar por que ele às vezes se comportava como um idiota arrogante. Isso é o que eu pensava. A personalidade única de Cannon tinha se desenvolvido com base na maneira como ele tinha sido tratado a vida toda. Ele era sempre o garoto mais popular da classe, com os colegas fazendo qualquer coisa para serem amigos dele, as garotas se oferecendo para fazer sua lição de casa ou para lhe comprar lanches no recreio, e os meninos implorando para ficar na sua equipe, quando Cannon era escolhido, como sempre, para ser o capitão do time. Cada acontecimento da sua vida o havia tocado, moldado de alguma maneira, fazendo dele a pessoa que era agora. Olhando para o seu mundo através de seu ponto de vista, eu podia entender por que ele era tão malcriado. Tinha sido mimado, bajulado, brindado com a fama, carros de luxo e lindas mulheres muito cedo na vida, ganhando praticamente tudo o que tinha graças à sua boa estrela, à boa aparência e ao grande talento. Ora, não quero ser mal interpretada, ser uma celebridade é de fato um trabalho árduo em
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muitos aspectos, mas a recompensa é tamanha, do ponto de vista financeiro, que as coisas são obtidas com facilidade e facilmente substituídas, ofuscando o valor de se respeitar a si mesmo e valorizar a família, os amigos e tudo o que se tem. Como disse Will, um acontecimento leva a outro e outro e todos eles tinham moldado Cannon, levando-o a ser a pessoa que hoje era, e que às vezes se mostrava mal-humorada e extremamente irritante... — Ei, diga para o motorista parar. — Por quê? — Veja. — Cannon apontou para a janela. — Você quer um hambúrguer gorduroso quando tem camarão esperando por você? — Não, estou falando do hospital, o hospital infantil. — Cannon bateu com o punho no painel e apertou o botão do interfone. — Ei, preciso que você faça o retorno. Jonathan olhou para o relógio. — Nós não temos tempo. — Eu não me importo. Se eu não posso ser feliz, então pelo menos posso fazer outras pessoas felizes. A limusine deu a volta no quarteirão e deixou Cannon na frente das portas de vidro duplas do hospital. — Você vem? — Não. Vamos esperar por você no estacionamento. Cannon, não fique muito tempo. Vinte minutos, no máximo. Estou falando sério. Já tem gente demais irritada com você. Você sabe, Cannon, se vai continuar fazendo coisas como esta, deveria, pelo menos, me
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deixar contratar um fotógrafo para ir com você ou avisar um repórter. Seria uma grande publicidade. — Eu já disse muito tempo atrás: “Não”. Eu nunca iria explorar qualquer uma dessas crianças para fazer publicidade. Não é por essa razão que eu faço isso, e você sabe. — Cannon bateu a porta da limusine. — Eu tenho a impressão de que vamos ficar fora por muito mais do que vinte minutos. Vejo você daqui a mais de uma hora. Tchau, Will. — Até mais tarde, senhorita. Levou dez minutos apenas para Cannon conseguir a aprovação da equipe do hospital para uma visita improvisada à ala pediátrica de oncologia e, quando entramos, não havia maneira de Cannon ficar só dez minutos com mais de vinte crianças que sofriam de casos raros de câncer infantil. Cannon ficava tão à vontade com essas crianças! Crianças cujos anjos se sentavam ao lado de suas camas hospitalares com sorrisos recatados e devotados, e acenaram para mim quando me aproximei com Cannon. As crianças eram fãs ávidas do The Boy Discovery, mas muitas delas não conheciam o Sendher, pois haviam passado a maior parte da vida entrando e saindo de hospitais e passando de especialista em especialista. Mas todas as dores e preocupações foram esquecidas, bem como a sua breve expectativa de vida, quando Cannon tomou as mãos delas nas dele. Havia uma garotinha em particular, com provavelmente 8 ou 9 anos, que reagiu ao toque carinhoso de Cannon mais do que todas as outras. Quando ele apertou as suas mãos delicadas, ela se
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sentou na cama e se jogou nos braços de Cannon, num longo e forte abraço. Cannon pôs a mão atrás da sua nuca e beijou o topo da sua cabeça careca. O A.G. da criança, uma mulher de longos cabelos castanhos, fez uma pequena reverência primeiro para mim e depois para Cannon, algo que eu gostaria que ele pudesse ver. — Eu tenho que ir agora, meu anjo — Cannon sussurrou no ouvido da criança. — Não. — Acho que seus pais estão aqui. Olhe. A criança não se mexeu e só abriu os olhos. Um homem e uma mulher na casa dos 30 anos aproximaram-se da cama. A mulher colocou a mão nas costas da filha. — Ele tem que ir agora, querida. — Eu sei — disse ela, com resignação, ainda segurando seu ídolo nos braços. — Eu sei — repetiu, desta vez afastando-se pouco e olhando para o rosto doce de Cannon. — Obrigada por ter vindo. Eu escrevi um e-mail para você quase um ano atrás. Pensei que tivesse se esquecido de mim. — Não, eu não me esqueci. Eu jamais poderia me esquecer de você. Só lamento que tenha demorado tanto tempo. — Tudo bem. — Muito obrigado — disse o pai, apertando a mão de Cannon. O rosto do pai estava pálido e seu semblante, carregado de apreensão. Quando Cannon saiu no corredor, secou uma lágrima no canto do olho. Tenho certeza de que havia um e-mail, mas Cannon provavelmente
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nunca
o
recebeu.
O
acaso
e
um
desprezo
irresponsável pela sua banda eram as únicas coisas que o haviam levado até o hospital naquele dia.
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Dezessete Como eu já disse, Cannon estava especialmente irritado e mal-humorado nesse dia, ainda mais depois de visitar as crianças no hospital — como se ele não estivesse só com raiva da sua vida em particular, mas da vida em geral. Ele tinha obrigado o pobre Jonathan a fazer mil coisas para ele, coisas superficiais que eram na verdade desnecessárias, como providenciar para que uma camisa passada com perfeição fosse passada novamente e a garrafa de água trocada por outra marca, mais uma vez. Ah, e devo mencionar que desta vez a água era da sua marca favorita — pelo menos até o dia anterior. Agora ele já não bebia mais água dessa marca. Eu pairava sobre Cannon enquanto ele supervisionava o bar, na sala de convivência. Duas dúzias de garrafas de bebidas alcoólicas tinham sido organizadas em duas filas paralelas, de acordo com a cor, começando por vodca e terminando com vermute. Elas eram todas novas, os selos ainda intactos, assim como Jonathan tinha especificado no contrato. Eu achei tudo muito organizado, mas Cannon estava irritado. — Algum idiota separou as três irmãs. É um pecado separar as três irmãs. — Cannon levantou três garrafas idênticas de tequila pelo gargalo e colocou-as lado a lado no balcão. — Aí estão vocês, senhoritas. 183
As três irmãs eram um conjunto de três garrafas de tequila da melhor qualidade. Além de conteúdos em diferentes tons de âmbar, as garrafas também se distinguiam pelo rótulo: dourado, prateado ou metalizado. — Ei, maninha. Vou experimentar você primeiro. Cannon encheu um copo quase até a borda. A tequila dourada transbordou e escorreu pela lateral do copo, enquanto ele levava até os lábios. Suas narinas queimaram quando ele engoliu a bebida num só gole. — Ah, nossa! — exclamou Cannon lambendo uma gota de tequila da mão. — Ok, maninha número dois, você está pronta para mim? Cannon rasgou o invólucro de plástico que protegia a rolha e encheu outro copo até a borda com o conteúdo da garrafa de rótulo prateado. Esvaziou o copo num piscar de olhos e tossiu. — Uau! Desce que é uma beleza! Ok, só falta uma irmã. Está pronta para me encarar? Pousei ao lado de Cannon, cruzando os braços e as asas. Você não acha que já bebeu o suficiente? A pergunta certa aqui é: Cannon, você vai conseguir encarar toda essa bebida? Cannon engoliu um terceiro copo de tequila da garrafa de rótulo metalizado. — Eu nunca tracei três irmãs antes, uma seguida da outra. Não, espere aí, já tracei, sim. — Ele bateu o copo no balcão e riu. — Ok, agora que tal as três irmãs ao mesmo tempo? Cannon estrategicamente encheu um copo com um pouco de cada uma das três garrafas. Desta vez, precisou de dois goles para consumir o líquido âmbar.
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— Ah, que maravilha... Eu acho que nunca tracei três irmãs ao mesmo tempo antes. Não, espere aí. Já fiz isso também. — Cannon sorriu, satisfeito consigo mesmo. Cruzes! Cannon. Você é um porco. Vamos lá, Jonathan, venha aqui e o impeça de beber mais. Graças a Deus! Jonathan correu para o bar justo quando Cannon preparava outra mistura das três irmãs. — Ei, Jonathan, o que foi? Quer um encontro com uma das irmãs? — Céus! Não. — O azar é seu. — Cannon segurou o copo contra a luz, a mão trêmula derramando quase um terço do seu conteúdo antes de dar uma golada. — Nossa! Tem gente demais aqui. De onde veio toda essa gente? Quem são esses caras que acabaram de entrar? Eu não reconheço nenhum. Diga para darem o fora daqui. — Eles são da gravadora. — E daí? Diga para esperarem na sala do estafe. Eu não quero ficar no mesmo ambiente que esses cretinos. Os olhos de Cannon estavam vidrados. Estava com os dois pés apoiados no chão, mas a parte superior do seu corpo balançava,
como
se
ele
estivesse
cantando
uma
canção
mentalmente. — Por favor, não me diga que também existe uma cláusula no contrato que lhes dão o direito de ficar aqui. — Não, não está no contrato. Vou dizer que esta é uma festa particular. — Jonathan começou a se afastar, mas parou para pegar no braço de Cannon. — Eu vou falar com eles, mas você precisa parar de beber. Já extrapolou.
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Quando Cannon puxou o braço para se livrar da mão de Jonathan, cambaleou para trás, mas conseguiu recuperar o equilíbrio antes de cair. — Não se atreva a me dizer o que fazer. — Cannon pegou uma das garrafas de tequila do bar e tomou vários longos goles, virando a cabeça para trás, o pomo de adão subindo e descendo a cada gole. — Will, o que eu faço? Ele está bêbado. Eu não posso obrigá-lo a parar? Ele me assusta quando fica desse jeito. — Não, você não tem controle sobre as escolhas que ele está fazendo agora. Se houver consequências negativas em decorrência de suas atitudes, espera-se que ele aprenda com elas. Os seres humanos, até certo ponto, são senhores de seus destinos; a culpa não está nas estrelas, mas em si mesmos, que lhes são subordinados. — Mas e se ele não aprender com os próprios erros? — Todas as decisões, boas ou ruins, trazem um resultado, bom ou ruim. As boas escolhas são contempladas com recompensas; as más escolhas provocam problemas. Cannon vai ter que sofrer as consequências de suas atitudes inadequadas. — E se ele continuar fazendo escolhas erradas e acabar arruinando a própria vida? — Então não há nada que você possa fazer, exceto observar e esperar; as escolhas são dele, não suas. — Então eu só tenho que me sentar e assisti-lo beber até a morte? Will baixou os olhos e assentiu com a cabeça.
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— Não é justo! Essa coisa toda não é justa! Olhe para ele, está totalmente embriagado. Ele não sabe cuidar de si mesmo. No entanto, Will, eu cuidava de mim mesma. Não bebia. Não tomava drogas. Valorizava meus erros, porque aprendia com eles. Eu levava uma vida produtiva, era cheia de potencial. Eu ia fazer diferença neste mundo. Não desprezava a vida. Apreciei cada momento que a vida me deu. Eu não queria morrer. Não estava pronta para morrer, mas Cannon não se importa se hoje está vivo ou amanhã estará morto. Ele me deixa furiosa. Às vezes tenho vontade de não ser seu... Minhas asas se dobraram com violência nas costas e os músculos dos ombros se enrijeceram. — Eu, eu... — falei com os olhos fechados, flexionando as asas e forçando os ombros para trás. — Ashley, a senhorita o ama. — Will sorriu, seus olhos graves, mas amorosos. — Sim, mas, quando ele fica assim, eu não quero estar perto dele. É possível, Will, amar e odiar alguém ao mesmo tempo? — O que a senhorita está sentindo não é aversão, mas ressentimento. E, sim, é possível, e é também algo que terá que superar. Ele banaliza algo que a senhorita valoriza profundamente: a vida; e é difícil para a senhorita assistir a isso. — Sinto muito, Will. Eu simplesmente não posso deixar de me sentir enganada. Se pudesse ter apenas cinco minutos da minha vida de volta, eu... — Senhorita Ashley, não pode mais ficar presa ao passado; não pode mudar o passado, e a senhorita não faz mais parte desta existência. Portanto, não pode mudar nem prever o futuro. Cannon
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controla seu próprio destino, e a senhorita está aqui para observar e esperar ao lado dele. Nada além disso. — Você tem razão, Will. Eu entendo, sério, mas meus sentimentos às vezes são difíceis de controlar. Will me tocou pela primeira vez, envolvendo meu queixo com a palma da mão. Suas mãos eram pequenas para um homem do seu tamanho e seus dedos, finos e delicados, como se ele não tivesse conhecido trabalho pesado quando vivo. — Reprima sua frustração e amargura, senhorita. Não deixe que suas emoções a dominem. Ame e aceite o seu protegido; não fique furiosa com Cannon. Que língua pode o teu nome acariciar�? — A minha, Will — eu disse, colocando a mão em seu ombro. Will tirou a mão do meu rosto e pousou-a sobre o meu ombro, apertando-o delicadamente antes de se afastar. Por um breve momento, quando ele entreabriu os lábios e sorriu, lembroume do meu pai. Ele não tinha a bela aparência viril do meu pai, mas seus olhos eram os mesmos, castanhos, com vincos profundos nos cantos externos, cheios de amor e orgulho, quando olhavam para mim. — É isso aí. Chega agora, ok? Sinto muito, mas tenho que fazer isso. Não estou tentando dizer a você o que fazer. Estou tentando ajudá-lo — Jonathan marchou para trás do bar e tirou do balcão as trigêmeas de tequila, guardando-as num gabinete inferior destrancado, onde já havia dúzias de garrafas. Então se recostou no balcão e sussurrou, antes de se afastar, com Will flutuando atrás dele: — Estou falando sério, Cannon. Agora chega. Com os pés pesados, Cannon cambaleou até o sofá e se sentou, deixando a cabeça rolar para o lado. Sentei-me ao lado dele
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e, instintivamente, coloquei a mão sobre sua coxa, que felizmente logo afundou através do estofamento do sofá. Cannon, Jonathan está certo. Você não pode agir assim. Eu sei que você está deprimido, mas... — Ei, preciso de outra bebida. Alguém me arranje algo para beber. Jonathan cruzou a sala e jogou com certa violência e irritação uma garrafa de água no colo de Cannon. — Ei, cuidado aí, cara! Que droga é esta! Você chama isso de bebida? — Cannon jogou a garrafa no chão. Ela quicou sobre o tapete duas vezes, e rolou pelo chão, intacta. — Ok, já cuidei deles. Os executivos da gravadora queriam conhecê-lo, mas eu disse a eles que poderiam fazer isso depois do show. Agora, vamos lá, Cannon. Beba um pouco de água. Você tem que estar sóbrio lá em cima. A passagem de som é daqui a dez minutos. Deveria ter sido meia hora atrás, mas, graças a você, estamos atrasados. — A garrafa de água se materializou no colo de Cannon novamente, desta vez, depois de Jonathan arremessá-la com mais cuidado. — E quanto à comida, Cannon? Você precisa comer alguma coisa, também. Will, olha para ele! — Eu sei, mas tudo o que podemos fazer é observar e esperar. — Não estou nem aí para a passagem de som. — Cannon, sei que você está de mal com o mundo agora, mas esta não é a melhor maneira de lidar com isso. — Jonathan se debruçou sobre Cannon e apontou para algum lugar atrás dele. — Em menos de duas horas, haverá quinze mil pessoas aglomeradas naquela plateia e que pagaram muito dinheiro para vê-lo. Você não
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pode decepcioná-las. Não é culpa de seus fãs que a gravadora não deixe você se livrar do seu maldito contrato. — Que se danem. — Ok, vamos esquecer os fãs por um minuto. Você quer que a banda o veja assim de novo? — Assim como? Eu estou legal. — Cannon arrotou e se curvou para a frente como se estivesse prestes a vomitar. Eca. — Legal coisa nenhuma. Olhe ao seu redor, Cannon. Quem está faltando? — O que quer dizer? — Carl, Jeff, Dan. Eles não querem nem mesmo ficar perto de você. Preferem ficar com o estafe do que se sentar na sala de convivência com você, assistindo você se entupir de bebida e Oxycontin. — Ei, eu não tomei oxy. Estou sem, lembra? Você tem algum aí? — Cannon virou-se de lado no sofá e riu por trás da mão. — Isso não é engraçado, Cannon. Estou falando sério. Vou dizer a eles que não está se sentindo bem, para que possamos abreviar a passagem de som. Então você cole a bunda neste sofá e trate de ficar sóbrio. Nada mais de bebida. Estou falando sério. — Jonathan olhou para o relógio e depois para o teto. — Nós não temos muito tempo. — Teríamos se tivéssemos uma banda de abertura como eu queria, mas não, não é o que a gravadora quer, então não temos. — Cannon riu contra a almofada do sofá, um riso que se transformou numa tosse, uma tosse que se transformou em náuseas, e náuseas que, felizmente, não se transformaram em vômito.
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— Fique aqui! — No trajeto até a porta, Jonathan chamou um dos membros do estafe. — Ah, não, não se atreva a pedir para tirarem as bebidas. — Cannon rolou do sofá e quase bateu a cabeça na quina da mesa de café. Arrastou-se na direção do bar. Eu flutuava atrás dele com os braços cruzados. Cannon, o que você está pensando em fazer? Cannon deslizou para trás do bar, mantendo o dedo indicador nos lábios, e sussurrou: — Shhhhhhh. Qual é, Cannon? Não há ninguém aqui, exceto eu. Pondo-se de joelhos, Cannon abriu o armário inferior e pegou a garrafa mais próxima de tequila, a de rótulo prateado. — Ei, maninha, não diga àquele magricela de cabelo loiro que eu estou fazendo isso, ok? — Ele riu, enquanto segurava a garrafa contra o peito. Jonathan está certo, Cannon. Isso não é engraçado. Você está totalmente embriagado. Pondo-se de pé, usando o bar como apoio, Cannon se firmou sobre as pernas e foi se arrastando para um dos camarins. Havia um sofá ao lado da penteadeira. Cannon empurrou a garrafa de tequila para trás de uma das suas almofadas de veludo. — Opa! — Cannon caiu de quatro no chão e engatinhou pelo piso de cerâmica até o banheiro anexo. Quando chegou ao banheiro, levantou a tampa do vaso e vomitou. — Ai, eu me sinto um lixo. Bem, o que você esperava?,eu o repreendi, cruzando os braços e as asas.
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Depois de vários episódios de ânsia de vômito e mais nada no estômago para colocar para fora, Cannon deu descarga. Em seguida, cruzou os braços sobre o vaso sanitário e apoiou o lado do rosto na mão. Ele estava pálido e seus lábios ainda molhados de vômito. Oh, eu sinto muito, Cannon, pobrezinho. Eu faria você se sentir melhor se pudesse. Ajoelhei-me ao lado dele e, com muito cuidado para não tocálo, envolvi meu braços ao redor da sua cintura e arqueei os ombros para a frente, envolvendo seu corpo com as minhas asas. — Quem está aí? Quem é... Com um encolher de ombros, deixei as asas caírem e deslizei para trás, em direção à pia. — Espere, não vá. Me deixe ver você. A porta do banheiro se abriu com um clique. — Passagem de som, Cannon. Você tem que se levantar agora! Carl parou na soleira da porta, com Jonathan espreitando sobre um ombro, e Will e o anjo de Carl espreitando sobre o outro. — Ah, droga. — Carl correu a palma da mão pelo rosto. — Ok, vamos levantá-lo. — Carl pegou Cannon pela cintura e o colocou de pé. Os joelhos de Cannon se dobraram duas vezes, mas na terceira tentativa ele distribuiu o peso igualmente entre os dois pés. — Cannon, escute, você pelo menos precisa nos dar “um, dois, três, som”, e dedilhar um pouco o violão, ok? — Onde está a garota? — Que garota?
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— A garota que estava aqui. — Ei, escute. — Carl estalou os dedos duas vezes na frente do rosto de Cannon. — Não tem nenhuma garota aqui, mas tem uma passagem de som, e você tem que estar lá. — Passem sem mim. — Cann, você quer que todos saibam que você estava aqui vomitando as tripas? Agora vamos lá. — Carl colocou o braço de Cannon sobre o ombro, ficando lado a lado com ele, quadril contra quadril. — Agora ande, você consegue. — Aqui, beba isto. — Jonathan colocou um copo de isopor com café debaixo do nariz de Cannon, mas afastou-o depressa, quando Cannon quase o golpeou como se fosse um inseto. — Tudo bem. Então, vamos comer alguma coisa. — Um pedaço de pizza morna foi a próxima vítima da mão de Cannon, que tentou inutilmente espantá-lo como se fosse uma mosca. — Pare com isso e dê uma mordida. Cannon finalmente abriu a boca e Jonathan enfiou a pizza entre seus lábios. Cannon mastigou e engoliu-o lentamente, enquanto suas pálpebras se fechavam. — Will, você acha que Cannon estava falando de mim? Eu estava perto dele, mas tenho certeza de que não o toquei. — Não tenho certeza, Ashley. Nós apenas precisamos esperar e observar. — Ah, meu Deus. Olhe para ele. Não consegue nem andar — eu disse enquanto observava Cannon arrastar os pés no chão. — Isso já aconteceu antes?
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— Já, duas vezes, e Carl veio para resgatá-lo as duas vezes. Ele ouve Carl. — Ele ouve? — Eu pensava que Cannon não se dava bem com ninguém da banda. — Que emoção você acha que Cannon sente, quando pensa na gravadora? Eu olhei para Cannon e me concentrei. — Hum, eu diria que ressentimento. — E que emoção você acha que Cannon sente quando está com o Sendher? — Eu diria que também é ressentimento. — Você vê a conexão? — Ah, entendo. Cannon se ressente com a gravadora e, como eles o estão obrigando a usar uma banda que a gravadora contratou, também se ressente com a banda. — Precisamente. — Então por que Cannon ouve Carl? Ei, espere aí, já sei! É porque, de todos, aposto que Carl é o único que realmente entende a frustração de Cannon e reconhece que ele só bebe para fugir da depressão. E sabe de uma coisa, Will? Acho que Carl também lamenta por Cannon. Eu pude sentir isso em sua voz. — Isso mesmo. — Só espero que ele tenha condições de se apresentar. — Ok, agora vou deixar você aqui. Vai ter que ficar de pé sozinho. — Carl apertou de leve Cannon pela cintura. — Está ouvindo? — Tudo bem, eu consigo. — Cannon afastou Carl e tentou pegar o café com a mão trêmula. — Quero tomar um gole agora.
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— Mas deixe que eu seguro. — Jonathan inclinou o copo contra os lábios de Cannon. Depois de dois goles, Jonathan afastou o copo e Carl colocou as mãos dos dois lados do rosto de Cannon e olhou nos olhos dele. — E aí? Como está se sentindo agora? — Tô bem, tô bem — Cannon disse, oscilando um pouco. — Escuta. Você vai sair agora e vai sorrir. Vai ser profissional. Não vai tratar ninguém mal. Entendeu? — Entendi. — Cannon pendeu para a direita. Jonathan pegou o braço dele e colocou sobre o próprio ombro, as pernas prestes a envergar sob o peso do braço de Cannon. — Jonathan, não vou deixar que ele acabe com a minha carreira. Eu estou curtindo muito esta turnê e ele não vai arruinála, prejudicando Dan e Jeff e a mim. Coloque-o no palco em dez minutos. — Carl esfregou as mãos nas pernas da calça e voltou para os bastidores com o seu A.G. — Eu gosto do Carl; ele é um bom sujeito. Tem um bom coração. — Com certeza tem um bom coração, minha cara. A passagem do som transcorreu melhor do que o esperado. Cannon ficou sentado num banquinho em frente ao microfone a maior parte do tempo, tentando manter as costas retas e a cabeça erguida, e conseguiu cruzar o palco olhando para os pés e prestando atenção em cada passo, como se estivesse fazendo um teste para provar que estava sóbrio. Aparentemente, Jonathan disse ao estafe que Cannon talvez tivesse pegado uma gripe, pois a cada quinze minutos o gerente de palco perguntava a Cannon se ele estava com febre ou se achava que estava ficando enjoado. Cannon de fato parecia que estava
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gripado, pois suas bochechas estavam vermelhas e ele andava como se estivesse debilitado e com dores no corpo. Também estava suando mais do que o resto da banda. Quando a passagem do som acabou, o estafe se dispersou para cuidar dos últimos preparativos e Cannon foi direto para o seu camarim. Não ouse pegar aquela garrafa. Eu voei acima dele tão perto que, quando ele se encolheu, pensei que tinha esbarrado nele com uma das asas. Mas tudo o que eu podia fazer era observar e esperar e torcer para que ele parasse de beber. — Ah, que beleza é a minha maninha prateada de êxtase... — Ele tirou a garrafa do esconderijo e a colocou nos lábios. Reclinou-se no sofá e colocou as pernas sobre a mesinha de centro. Quando a maçaneta da porta começou a girar, ele escondeu a garrafa entre as almofadas do sofá. Jonathan entrou no camarim, com Will em seus calcanhares. — Bem, nem acredito, mas você conseguiu. Como está se sentindo? — Tudo bem. Eu voei na direção do teto quando Jonathan se sentou onde eu estava, ao lado de Cannon. — Você está fedendo a álcool e a vômito. — Ah, tá, Jonathan; me diga algo que eu não saiba. —
Cannon,
lembra-se
de
quando
você
começou
a
fazer shows? Você se esgueirava até a lateral do palco e ficava olhando o público encher a plateia. — Lembro. — Você fez isso durante anos. Por que não faz mais?
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Cannon apoiou os cotovelos nos joelhos e apoiou a cabeça nas mãos. — Era diferente naquela época. Era mágico. Não é mais. Você sabe que não estou onde queria estar. Minha vida está uma droga. Eu odeio isto. Provavelmente odiava naquela época também, mas era jovem e idiota demais para saber que estavam tirando vantagem de mim. — Eu sei, mas é só por mais um tempo. Vamos conseguir romper esse contrato. — É, tudo bem. Jonathan mordeu o lábio inferior. — E o rugido da multidão quando as luzes se acendem, lembra como era incrível? Você ficava nos bastidores com um sorriso enorme no rosto. — É, eu era feliz. Idiota, mas feliz. — Ah, Will, o meu pobre protegido é tão infeliz. Eu gostaria de poder ler a alma dele. Mas o que eu realmente queria fazer era embalar Cannon em meus braços, realmente segurá-lo nos braços, e dizer que eu o amava e que estaria sempre ao seu lado, não importava o que acontecesse. Ouviu-se uma batida na porta. A cabeça do gerente de palco apareceu na porta. — Está na hora. — Ok, obrigado. — Jonathan suspirou. — Vou pegar outro pedaço de pizza. Você precisa comer mais. Quando a porta se fechou atrás de Jonathan, Cannon pegou a garrafa de tequila de trás das almofadas. Tirou a rolha e a
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encostou nos lábios. Minha asa se estendeu para trás, minha mão assumiu a posição de karatê, mas eu me contive. Não. Não vou fazer isso. Não vou interferir. Vou seguir as regras, e espero que você aprenda alguma coisa com isso.
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Dezoito Com quase total desinibição graças a incontáveis doses de tequila, Cannon parecia muito mais animado no palco do que na noite anterior. Os fãs se deleitaram com muito mais gingas de quadris e improvisos na guitarra com Carl, e ali pela quarta música Cannon já estava dando um verdadeiro show no microfone. As garotas da plateia adoraram, é claro, e eu também… até uma certa altura. Cannon estava tão sensual e cantava de um jeito tão sexy que eu me peguei totalmente hipnotizada enquanto ele corria os dedos, para cima e para baixo, pelo microfone e pressionava os quadris contra a haste. Mas então me lembrei da garrafa de bebida que ele havia escondido nas almofadas do sofá, e isso foi o suficiente para quebrar o feitiço. Comecei a perceber algumas sutilezas no modo como ele se movia, falava e cantava que indicavam que ele não estava sóbrio. Seus “ss” estavam ligeiramente arrastados e o jeito como cambaleava no palco, embora ainda com alguma coordenação, era um pouco mais extravagante do que o normal. Ele suava profusamente, e eu só podia esperar que estivesse eliminando todo o álcool de seu organismo através do suor, mas, justo quando achei que podia estar ficando sóbrio, ele foi até um canto do palco e tirou dali uma garrafa de vinho, já aberta e pronta para ser consumida. 199
Ah, mas que ótimo! O palco também tinha sido abastecido. Jonathan não devia saber disso. Tomando direto do gargalo, Cannon jogou a cabeça para trás e ergueu o punho. Uma gota de vinho escapou pelo canto da boca. Ela rolou pelo seu queixo, deixando uma trilha roxa, enquanto o rugido persistente da multidão se transformou em gritos e assobios agudos. Carl virou-se para Jeff, dedilhando a guitarra e balançando a cabeça em desaprovação, enquanto Dan apertava os lábios e erguia mais os braços entre as batidas, com as baquetas espremidas nas mãos. Mas Cannon ignorou-os. Ergueu a garrafa acima da cabeça e gritou no microfone, — À sua saúde, Denver! — antes de tomar outro gole. — Me disseram que isso cura o mal-estar provocado pela altitude. Nossa, eu tinha me esquecido disso. A altitude na verdade piorava a embriaguez. Ah, por favor, não beba mais, Cannon, pedi num sussurro, consciente das minhas emoções intensificadas. Mas ele bebeu, é claro, provocando mais gritos instigantes e vaias da plateia. Quando Carl tocou a primeira nota da canção seguinte, Cannon correu para o outro lado do palco para se juntar a ele. Os vocais de Cannon continuaram bons ao longo do primeiro refrão, mas, quando chegou o solo de guitarra, as inibições de Cannon tinham praticamente sumido. Sua cabeça não só parecia inflada como um balão por causa do rugido da multidão, como a adrenalina bombeava a mil por hora em suas veias, no ritmo da batida da música. O cenário incluía a miríade habitual de spots de luz fixados acima do palco, pendurados num andaime metálico que se estendia
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para os ambos os lados do palco, e escadas negras de metal, que também serviam como pano de fundo. No centro, um pouco mais acima, estava pendurado o letreiro com a palavra “Sendher” numa combinação de luzes néon vermelhas, e uma nuvem contínua de fumaça artificial criava uma atmosfera industrial, mecânica e moderna. Eu
tenho
que
admitir
que
era
um
conjunto
muito
interessante, pouco convencional e contemporâneo, mas também posso dizer com certeza que não tinha sido projetado para que alguém o escalasse. Cannon, que diabos você está fazendo? Durante o solo de guitarra, Cannon jogou a garrafa de vinho meio vazia para uma multidão de palmas abertas na plateia e correu para o andaime no canto direito mais afastado do palco. Erguendo a mão acima da cabeça e segurando o microfone com a outra mão, ele apoiou o pé no primeiro degrau e começou a subir numa das escadas. Eu flutuava ao lado dele enquanto subia, segurando na escada com uma mão depois a outra, os pés subindo no mesmo ritmo. Mas o homem que, mesmo embriagado, demonstrara tanta coordenação motora em terra firme mostrou-se inseguro e desastrado quando seus pés pisavam, trôpegos, nos degraus estreitos da escada. De cima, pude ver os rostos preocupados dos companheiros da banda, estreitando os olhos diante do brilho ofuscante dos holofotes, enquanto observavam a escalada de Cannon. Vários membros do estafe nos bastidores avançaram até o limiar do palco, protegendo os olhos com as mãos para ver melhor a imprudência de Cannon.
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Em segundos, ele já estava a mais de três metros do chão. Desça. Não seja tolo, Cannon. Eu estava abaixo dele agora, segurando o trilho da escada com uma mão, enquanto batia as asas de leve, com movimentos longos e vagarosos. Ok, agora, o que eu faço? Estávamos muito alto e eu não podia ultrapassar meu raio de ação de três metros; estava presa ali, incapaz de me aproximar de outro A.G. e consultá-lo. Jonathan estava lá embaixo, em algum lugar na escuridão do palco, mas eu não podia vê-lo nem Will, então gritei na tentativa de que ele me ouvisse. — Will! Will! O que eu faço? Este é um daqueles momentos em que eu deveria ajudá-lo? Isso é considerado uma situação de risco de vida? Will, você pode me ouvir? Mas não adiantou. Embora fosse a hora de Cannon cantar, a banda continuou tocando, encobrindo o fato de que as acrobacias de Cannon não eram planejadas nem desejáveis, não só aos olhos do gerente de palco, mas também da banda. Não havia um anjo em todo o palco que pudesse me ouvir. Quando Cannon estava a meio caminho do topo, ele girou o corpo e colocou uma perna do outro lado da escada; depois fez o mesmo com a outra perna e as mãos, ficando de frente para o público, que o fitava através dos degraus. Agora, ele estava ainda mais longe do chão e, se caísse, não iria mais aterrissar no palco, mas atrás e embaixo dele, fora do campo de visão da plateia. Eu acho que estou por minha conta. Ok, deixa comigo. Vou considerar esta uma situação de risco de vida. Se você cair, eu vou te pegar, eu acho...
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Mas, espere um pouco. Eu não poderia pegá-lo; aos olhos da plateia, ele ficaria suspenso no ar. Eu tinha que esperar até ele chegar abaixo da linha do palco e pegá-lo nos braços a poucos centímetros do chão. Então, eu pousaria suavemente o seu corpo no chão antes que qualquer pessoa, no palco, corresse para resgatá-lo. Um toque proposital, determinado, aliado ao desejo e à necessidade. Repeti em pensamento várias vezes. Ok, Cannon, chega de se exibir. Comece a descer, por favor. Mas ele não me obedeceu. Era hora de eu assumir a minha posição. Mantendo os três metros de Cannon, voei para debaixo dele e fiquei flutuando abaixo de seus pés, enquanto ele estava empoleirado nos degraus da escada. Levantei os ombros, estendi as asas, batendo-as devagar e de modo controlado, pronta para observar e esperar. Cannon estendeu a mão e agarrou o degrau seguinte. Seu pé a seguiu, mas escapou do degrau. A multidão ofegou quando Cannon
despencou
vários
centímetros
e
ficou
balançando,
pendurado pela mão direita. Ouvi Cannon ofegar, como se tentasse erguer o corpo o suficiente para alcançar o degrau com o pé esquerdo. Cannon, já não basta? Desça. Isso é ridículo. Você está sendo compulsivo, teimoso e, além de tudo, está sendo egoísta por me colocar nesta situação. E se eu não conseguir segurá-lo? Cannon continuou a subir no andaime, chegando quase no topo. Mas a escada era uma decoração, não tinha sido projetada para que alguém a escalasse. O peso de Cannon começou a envergar a escada, fazendo-a se dobrar ao meio e forçando as tiras de metal que fixavam os trilhos no alto do andaime.
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Um dos lados se soltou primeiro e começou a oscilar para longe do palco quando Cannon tentou manter o equilíbrio, compensando a perda de estabilidade. Logo em seguida, a outra cinta arrebentou. Ouviu-se um único grito seguido de um grito do público quando a escada caiu para trás, com Cannon ainda agarrado a ela. A escada era longa demais para cair no chão sem envergar. Ela atingiu uma outra parte do andaime e ficou ali, formando um ângulo de 60 graus. Não era possível ouvir o ranger de metal contra metal em meio aos suspiros e gritos da multidão, mas eu podia sentir suas vibrações, assim como Cannon, que, a esta altura, estava a uns 15 metros do chão, agarrado com as duas mãos à escada bamba. Cannon tentou se agarrar com mais firmeza à escada, primeiro com uma mão e depois com a outra, lutando contra as palmas suadas e a coordenação deficiente por causa da tequila e da exaustão. Virando os quadris, ele deu um chute para a frente com a perna direita e flexionou os bíceps. A ponta do seu sapato alcançou um degrau, mas escorregou. A perna de Cannon voltou a se agitar no ar, deslocando o peso de todo o seu corpo. Ele tentou novamente sem sucesso e, desta vez, tinha um outro inimigo: a gravidade. Tombando para a frente, os braços perdiam a força e as pernas se agitavam no ar como se ele estivesse pedalando uma bicicleta. Esbarrando em seu traseiro, eu aterrissei e estendi os braços numa tentativa inútil de pegá-lo, mas, no último segundo, lembreime das minhas asas, que eram como um colete à prova de balas. Estendi-as o máximo possível e levei-as para a frente do meu corpo,
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cruzando as pontas enquanto me inclinava para trás, formando uma rede se segurança do tamanho de uma espreguiçadeira. Com o corpo dobrado na altura da cintura, como um “V”, Cannon aterrissou primeiro na superfície macia das minhas asas em concha e depois caiu nos meus braços, que o aguardavam. Deitei-o suavemente no chão e inclinei-me sobre ele. Seus olhos estavam fechados e seu peito arfava. Corri as pontas dos dedos pelo seu rosto, sobre os lábios até o queixo, tão suavemente que por um momento pensei que poderia realmente senti-lo. Então fechei os olhos e beijei sua testa. Sua pele estava quente e úmida, e meus lábios não afundaram na sua carne. Espere aí! Eu podia senti-lo! Acho que ele também! Oh, não, eu não devia estar fazendo aquilo, mas não pude resistir… as minhas emoções eram mais intensas que o meu bom senso. Com uma simples batida de asas, levantei-me acima do meu protegido, aumentando a distância entre os nossos rostos, mas as mangas enfunadas do meu vestido continuaram tocando o seu peito e várias mechas sedosas do meu cabelo castanho penderam sobre o rosto dele. Quando Cannon abriu os olhos, ofeguei, porque ele olhou diretamente para mim; não além de mim, não através de mim. Cannon Michaels viu a mim, o seu anjo!
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Dezenove — Chame uma ambulância, rápido, droga! — Jonathan caiu de joelhos, agarrando a mão de Cannon. — Jonathan, eu não preciso de uma ambulância. Onde foi a garota? Você viu para onde ela foi? — Que garota? Agora, não se mova. Você vai ficar bem, Cannon. Apenas aguente firme. Fique comigo. Respire fundo. Isso mesmo. Respirações profundas. — Mas a garota. Tenho que encontrá-la. — Não tem nenhuma garota aqui. Você bateu a cabeça, está confuso. — Jonathan, eu não bati a cabeça. Estou bem, sério. Olhe. — Cannon ergueu-se apoiado nos cotovelos. — Deite-se. Você pode ter uma fratura nas costas. — Jonathan pressionou a mão contra o peito de Cannon. — Minhas costas estão bem. Me deixe levantar. Vou te mostrar. — Não, fique onde está. Afastando a mão de Jonathan, Cannon ficou de pé num salto e pôs as mãos nos quadris. — Como eu disse, estou bem. Olhe, nada quebrado. — Mas isso é impossível.
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Um círculo de membros do estafe, com rostos preocupados, se fechou em torno de Cannon. Carl, Jeff e Dan estavam nos bastidores com os olhos arregalados e queixo caído. Cannon coçou o topo da cabeça e ficou na ponta dos pés para espiar acima das cabeças do estafe. —
Vamos
lá.
O
que
vocês
estão
olhando?
Temos
um show para terminar. O show deve prosseguir, não é? — Cannon correu para as escadas atrás do palco, voltando a ficar visível aos olhos da plateia. No momento da queda de Cannon, os fãs tinham afluído para o palco, acotovelando-se, esticando o pescoço para ver melhor ou tentando pular a divisória de madeira compensada que formava um fosso entre o público e o palco. Felizmente, a fila de seguranças prensada entre o palco e a divisória conseguiu cumprir a sua função e manter a ordem. Quando Cannon correu para o centro do palco com Carl, Dan e Jeff atrás dele, a plateia atônita explodiu em gritos, aplausos e suspiros de alívio. Cannon começou o refrão da última música do show, sem acompanhamento dos instrumentos, segurando a última nota até que a banda voltou a tocar de onde parou, como se nada tivesse acontecido, como se a queda de Cannon para a morte certa fizesse parte do espetáculo. Assim como eu, Cannon estava abalado com o acidente, isso era evidente. O susto foi o bastante para deixá-lo sóbrio durante o resto do show, mas seus olhos estavam injetados e os músculos das coxas pareciam contraídos, mesmo quando ele não estava se movendo. Quando cantava, suas mãos apertavam o microfone, e,
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quando não estavam cerradas em punhos, tremiam como se ele sofresse de uma desordem neurológica. Não há dúvida de que ele sabia como ninguém fingir entusiasmo, mas eu acho que foi sua paixão, sua paixão pela música, sua paixão pela profissão, que o fez seguir em frente, apesar do fracasso da sua performance à La Cirque Du Soleil. Ele continuava deixando que a paixão o impulsionasse e brilhasse forte, mesmo não querendo fazer parte do Sendher. Se Cannon de fato tinha me visto antes, ele certamente não me via no palco agora. Nossos olhos não voltaram a se encontrar, e em várias ocasiões ele teria me atravessado caso eu não tivesse saído do caminho. Antes do bis, quando a banda voltou para os bastidores e para os camarins para se refrescar rapidamente ou trocar de roupa, Cannon mal saiu do lugar, escondendo-se num dos cantos mais escuros do palco para evitar perguntas e comentários indesejáveis de Jonathan, da banda e do estafe. Entre as músicas do bis, Jonathan em nenhum momento se aproximou o suficiente de mim para que eu pudesse falar com Will, mas, à distância, ele piscou e acenou com a cabeça para mim, para me assegurar de que eu tinha feito exatamente o que deveria ao salvar Cannon. Will, como sempre, fazia com que eu me sentisse dez vezes melhor. Eu verifiquei a lista de músicas fixada no palco. Era a última canção. Graças a Deus. Quando interpretada ao vivo, a última canção pareceu durar quatro vezes mais do que o normal, graças aos solos extras de bateria e guitarra, mas, por fim, depois do que me pareceu uma hora, o concerto acabou.
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Cannon saiu do palco e seguiu diretamente para a sua limusine, com a cabeça baixa e um sorriso no canto da boca, enquanto
os
membros
do
estafe
gritavam
coisas
como
“Grande show. Que bom que está bem, Cannon!” ou “Você nos deu o maior susto, cara!” Jonathan e Will deslizaram para o banco à frente do nosso. Quando a limo arrancou e saiu do estádio, Jonathan disse: — Ok, Cannon, eu sei que você não está a fim, mas temos que conversar sobre o que aconteceu. Cannon afundou os ombros, abaixou a cabeça e olhou para o assoalho do automóvel. — Eu sei. — Quero te mostrar uma coisa. — Jonathan tirou o celular da cintura e digitou algo na tela. — Veja. — Ele segurou o aparelho na altura dos olhos de Cannon, mas ele não olhou. — Antes até de chegarmos ao hotel, sua pequena proeza foi postada
na
Internet
centenas
de
vezes
e
esse
número
provavelmente aumentará para a casa do milhar antes de chegarmos
no
próximo
semáforo.
Praticamente
todos
os
adolescentes daquele estádio com um celular ou uma câmera na mão agora têm um registro permanente da sua idiotice, Cannon. Cannon ficou em silêncio. — Olha só. Ouça isto. Esta garota está dizendo que estava na terceira fila e viu tudo desde o minuto em que você começou a subir a escada até o momento da queda. O título que ela deu ao seu comentário foi: “A Escada de Cannon quase até o céu”. Inteligente,
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não acha? Vamos dar uma olhada, não é? — ele zombou. Jonathan digitou algo na tela do celular e segurou-o diante de Cannon. Cannon afastou-o com a mão e gritou: — Vá se danar. Me deixe em paz. O telefone de Jonathan vibrou. Ele olhou para a tela sob a luz fraca. — É Brad Clark, outra vez. Eu não atendi a nenhuma das ligações dele ainda, porque não sei que diabos dizer a ele, e, com certeza, ele não será o único a ligar, por isso é melhor inventar uma boa história, e agora. — Brad Otário do Caralho, quer dizer, Clark. Vamos ver... Ele é o CEO, não é? — Não, ele é o presidente. A notícia provavelmente não chegou ao CEO, ainda. Tenho certeza de que estão esperando uma resposta nossa antes de avisar o chefão. — Divulgue uma nota à imprensa. — Como assim? — Eu disse para divulgar uma nota, droga. — E o que devo dizer? Você sabe o que todo mundo está pensando, não sabe? Que você estava drogado ou coisa parecida. — Bem, eu estava. — O quê? Que diabos você tomou? — Ah, eu diria que cerca de dez a doze doses de tequila. O álcool é uma droga, não é? — Isso não é hora de fazer graça. A imprensa não vai deixar isso passar em branco, e nem os seus fãs. Além disso, temos que enfrentar a gravadora, pois eles nunca estão muito dispostos a lidar
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com publicidade ruim, principalmente agora, com seus advogados na cola deles todo dia. — Isso é um paradoxo não é? — O quê? — Publicidade ruim. Um dia me disseram, muito tempo atrás, que qualquer publicidade é boa, não importa qual seja. — É, tem razão. — Jonathan sorriu ironicamente. — Vamos ter que rever isso. — Uma nota à imprensa. Isso é tudo de que precisamos. Fora isso, não vou falar nada. — Você tem mais de vinte entrevistas agendadas nesta turnê. Amanhã, deve estar numa das estações de notícias, e espere só até chegar a Nova York; você tem várias entrevistas em emissoras de âmbito nacional. — Tudo bem. Eu posso me dar bem nas entrevistas. — Você acha que pode, hein? — Jonathan moveu a cabeça para tirar o cabelo dos olhos e falou com um pouco mais de calma. — Ok, então temos apenas que inventar uma história, uma história que você vai ter que confirmar. Eu vou emitir uma nota para a imprensa, e você terá que encarar todas as perguntas depois. — Tudo bem, eu me viro. — Você tem certeza? A esta altura, será que posso realmente confiar no que você vai fazer? Quer dizer, eu nunca ia esperar que você fosse escalar um andaime e praticamente provocar uma queda fatal esta noite. Você não pode fazer algo assim novamente. — Eu sei, eu sei, não vou fazer. — Estou falando sério. — Eu sei. Eu já disse que não vou fazer mais, ok?
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— Como está se sentindo? Talvez seja melhor chamar um médico no hotel para examinar você. Cannon arqueou as sobrancelhas. — Cara, não precisa! Eu não estou machucado. Não preciso de um médico. Jonathan bateu na divisória e o motorista da limusine abriu o vidro. — Ei, não se esqueça de nos levar pelos fundos, para a gente subir pelo elevador de serviço. — Tudo bem. Vou ligar para o hotel agora e avisar que vamos chegar daqui a alguns minutos. — Então, Will, fiz a coisa certa? — Sim, Ashley, esse é o seu trabalho como anjo da guarda. A senhorita fez exatamente o que deveria fazer, mas há uma coisa que poderia ter feito diferente. — O quê? — Poderia ter deixado que ele se machucasse um pouco; talvez fraturado um braço, uma perna ou até mesmo batido a cabeça. — Por que eu faria isso? — Bem, como Cannon vai explicar que não só sobreviveu à queda, mas levantou-se sem um único ferimento? — Hum, eu não sei. Acho que não dá para explicar. Não há explicação. — Tem razão. Você, minha querida Ashley, fez um “milagre”. Se tivesse passado pelo treinamento adequado, teria aprendido como evitar isso, deixando que o seu protegido sofresse algumas lesões.
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— Então, quando alguém escapa ileso de um acidente horrível, e isso é considerado um “milagre”, basicamente isso significa que um A.G. fez seu trabalho com... digamos, eficiência demais? — Exatamente. Eu alisei a última pena da ponta da minha asa esquerda. Quando Cannon aterrissou no chão, seu braço bateu nela, dobrando-a e desarrumando a plumagem. — Mas parece arriscado. E se eu tentasse deixá-lo só um pouco machucado, mas ele acabasse se machucando muito? Acabasse paralítico ou com lesões permanentes no cérebro ou algo assim? — Não importa, pois ele ainda estaria vivo. — Sim, mas paralítico? — Eu acariciava as penas danificadas. — As condições do corpo ou da mente não são o mais importante. A pessoa ainda estaria viva, com uma alma ainda pulsando dentro dela, e isso é tudo o que importa. — Ok, mas e se o anjo tentasse deixar o seu protegido só um pouco machucado, mas não o protegesse o suficiente e ele acabasse morrendo de qualquer maneira? — Se o protegido morresse apesar do esforço ou da falta de esforço do anjo da guarda, isso simplesmente significaria que era hora de essa pessoa deixar a Terra. Nós, anjos, não temos nenhum controle sobre isso. — Então é ótimo que eu tenha salvado a vida de Cannon, no entanto também criei outro problema para ele, porque agora ele tem que explicar por que não se feriu. — Isso mesmo. — Will coçou a barba.
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— Cannon, prepare-se. Estamos chegando ao hotel. Dois guarda-costas estarão esperando por nós. — O telefone de Jonathan vibrou na sua mão. — Eu não vou atender, pelo menos não até que tenhamos a nossa história. Dois brutamontes nos encontraram na entrada de serviço, na parte de trás do hotel. Eu não fiz questão de conhecer seus A.G.s. Não estava com disposição para manter um sorriso amarelo. Cannon e Jonathan foram levados pelos seguranças por uma saída de emergência, na parte de trás do hotel, até um elevador normalmente usado para transportar cargas, como suprimentos, alimentos e os grandes engradados da lavanderia. O elevador cheirava a sabão em pó e pizza fria. Ninguém falou no trajeto para cima, mas, tão logo estávamos na suíte de Cannon e a porta fechada, com os guarda-costas posicionados do lado de fora, Jonathan mostrou que estava disposto a fazer mais perguntas. — Ok, Cannon. Vamos pôr as cartas na mesa. Primeiro, por que você fez aquilo? Diga-me o motivo real, eu tenho o direito de saber, e depois vamos encontrar uma história melhor para contar à imprensa. — Como você sabe que o motivo real não vai ser bom o suficiente? — Está gozando da minha cara? — Jonathan pôs o dedo no rosto de Cannon. — Porque eu tenho certeza absoluta de que o motivo real vai me irritar e, se vai me irritar, vai irritar todo mundo lá fora também. Agora, não seja idiota. Por que fez aquilo? — Eu não sei. Eu estava bêbado, ok? — Tão bêbado assim? Você disse que tinha tomado de dez a doze doses, mas eu com certeza não vi você bebendo tanto.
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— Isso é porque eu escondi uma garrafa de tequila no meu camarim. — Você é alcoólatra, Cannon. — Talvez. — E, além disso, é viciado em remédios. — Talvez sim, talvez não. Eu não tomo oxy há quase uma semana, e estou me saindo bem. — Você não está se saindo bem — censurou Jonathan. — Se estivesse não teria feito o que fez. Você precisa de ajuda, Cannon. Precisa se internar em algum lugar para fazer uma desintoxicação e pôr a cabeça no lugar outra vez. Mas infelizmente estamos no meio de uma maldita turnê. — Eu não vou me internar em lugar nenhum. Não preciso disso. — Ah, precisa, sim. Você provou isso hoje. — Olha, eu já disse que não vou fazer nada desse tipo outra vez. Eu prometo. — Ok, então você estava bêbado. Entendi. Mas o que, pelo amor de Deus, fez você subir naquela escada? — Sinceramente, não sei muito bem. Estava com a cabeça cheia de tequila. Olhei para o andaime e simplesmente pensei comigo, “Que se dane. Isso parece divertido”. — Você pensou no que poderia acontecer se você caísse? Ou se a escada não aguentasse, como não aguentou, causando a sua queda? — Não, para falar a verdade, não. Eu estava num estado de espírito do tipo, “Se eu cair, tudo bem. Minha vida está uma merda mesmo. Se morrer, morri. Quem vai ligar?”
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— O que quer dizer com “Quem vai ligar”? Que merda é essa, Cannon? Você vive dizendo que a sua vida é uma droga. Está de brincadeira? Olhe para você. Você tem tudo de bandeja na vida. Você está no topo do mundo. — Exceto pelo fato de que estou amarrado a um contrato. — E por isso vale a pena morrer? Cannon, você está tentando se matar? Porque, se está, é melhor que me diga agora. — Não, não. Só estava pensando daquele jeito porque estava bêbado. Esqueça. Está tudo bem. Eu sei o que vamos dizer. Vamos dizer que a coisa toda foi planejada. Eu estava verificando o palco durante a passagem de som e decidi acrescentar isso à minha performance; subir na escada e acabar a canção lá no alto, olhando de cima para os meus fãs. — O microfone estava com você? Não me lembro de ter visto. — Estava, estava comigo o tempo inteiro. Eu ia de fato acabar de cantar lá em cima. Só não consegui chegar lá em cima. Jonathan colocou a mão no queixo. — Espere aí. Que música você estava cantando? — “Romper do dia.” — Não tem uma frase no final que diz: “A vida de longe parece bem melhor, só dê um passo para trás e dê uma olhada”? — É, tem, sim. Bom garoto, Jonathan, meu velho! — disse Cannon com sarcasmo, balançando a cabeça e dando uma batidinha no ombro de Jonathan. — Eu não fazia ideia de que você sabia as letras do Sendher de cor. Jonathan apertou os lábios e afastou o ombro. — Tá, tudo bem. Vamos usar isso. Vou dizer que você pretendia olhar a plateia lá do alto para seguir a letra da música.
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— Muito bem colocado, Jonathan. Gostei. Fale isso. — Cannon tentou mais uma vez dar uma batidinha no ombro do empresário, mas Jonathan desviou o corpo e andou até o outro lado da suíte. — Certo, só mais uma coisa. Como vamos explicar o fato de você não ter se ferido? Ainda não entendo como conseguiu levantar e sair andando depois daquela queda. Você não tem nenhum ferimento nem nada? Cannon encolheu os ombros e balançou negativamente a cabeça. — Acho que não. — Nem um arranhão? — Não. — E nada dói? — Nada. — Inacreditável. Quando eu corri para ver o que tinha acontecido, você estava lá, deitado de costas. Foi onde caiu? — É, mas foi estranho. Parece que a queda desacelerou antes de eu bater no chão. E eu nem cheguei a bater no chão. Caí bem devagar como se, como se... — Como se o quê? Diga! — Não sei. Foi muito estranho. — Cannon se sentou no sofá com a cabeça entre as mãos. — Me diga! — Bom, foi como se alguém tivesse me segurado. — Como se alguém tivesse segurado você? Isso não faz sentido. — Eu sei, eu sei.
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Ótimo, eu disse com sarcasmo, dobrando as asas e me encostando na parede. — Bem, eu não vou enfrentar a imprensa com uma explicação ridícula como essa. — Eu sei, mas, escute Jonathan, aconteceu outra coisa. Você promete não contar a ninguém se eu disser o que eu vi? — O que você viu? Está falando sobre a garota novamente? — Você a viu? — Cannon andou depressa até Jonathan e segurou-o pelos ombros. — Não, não. Eu não vi uma garota, mas você estava perguntando sobre uma garota logo depois que caiu. — É, tinha uma garota ali, uma garota linda, a mesma que eu vi... — Tudo bem, agora eu sei que você bateu a cabeça. Precisa de uma ressonância magnética ou uma tomografia. Vou chamar o médico. — Não, não. Me deixe terminar. Não era uma garota normal. Essa garota estava toda de branco e ela brilhava, como se uma luz se irradiasse por detrás dela, deixando-a com uma aura branca em torno de todo o corpo... — E?... — E eu sei que você não vai acreditar, mas ela tinha asas. — Ai, meu Deus. Ele me viu? Como é possível? Will, eu lamento tanto! Eu não queria que ele me visse, juro! — Tudo bem, Ashley. Às vezes isso acontece. Vou explicar mais tarde, mas vamos ouvir a história dele, para que saibamos exatamente o que ele viu e o que planeja fazer.
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— Cannon, que droga é essa que está me contando? O que está tentando dizer? — Só ouça o que estou dizendo, droga! Estou dizendo que ela tinha asas, asas brilhantes que se fecharam em torno e embaixo do meu corpo. Depois as asas se dobraram em suas costas e ela me segurou nos braços e me colocou no chão. Quando você correu até mim, ela simplesmente desapareceu. Não a vi desde então. — Bem, talvez seja porque ela não existe. — Não, ela existe sim. Ela é real. É a garota mais linda que eu já vi em toda a minha vida. Ela tinha cabelos castanhos longos e seus
olhos
eram
grandes
e
azuis.
Ela
era
absolutamente
deslumbrante. — Tudo bem, Cannon, então, se essa tal garota com asas existe, quem ela é e para onde foi? Você pode explicar isso? — Posso. — Como? — Ela deve ser um anjo, o meu anjo da guarda.
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Vinte — Não se preocupe, Ashley. Como eu disse, isso acontece às vezes. Em casos extremos, o anjo pode se materializar para salvar seu protegido; é o único jeito. A proteção que oferecemos é mais forte quando usamos todas as nossas habilidades de toque e, ao fazer isso, nós nos tornamos visíveis. — Ah, entendi agora, Will. Se eu tivesse deixado que ele quebrasse um osso ou algo assim, o acidente não só teria sido mais grave como eu não estaria usando toda a minha proteção, e portanto ele não teria me visto. — É, isso mesmo. — Pronto? — Pronto, só me deixe pegar uma coisa, Jonathan. — Cannon abriu todas as gavetas da suíte até encontrar uma Bíblia. — Você não pode levar isso... — Eu sei. — Você não está convencido ainda de que um anjo da guarda salvou a sua vida, está? — Ainda não sei. Pensei em dar uma olhada nisso enquanto estivermos no avião. — Você já leu a Bíblia? — Não, na verdade, não. Mas vou tentar. Você já leu?
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— Não, eu disse a você que sou ateu. Só vou à igreja em casamentos, batizados, missas da família e dos amigos. Eu mesmo não acredito em Deus. — Mas a sua família celebrava o Natal e a Páscoa quando você era pequeno. — Sim, mas para mim só significavam presentes, velas e peru — Jonathan deu uma risadinha. — Bem, eu acredito em Deus e acredito em anjos, especialmente agora. — Cannon correu o dedo indicador pela cruz dourada gravada em relevo na capa da Bíblia. — Tudo bem, Cannon. Acredite em Deus o quanto quiser, mas a coisa do anjo é um pouco de mais. Olhe, cair de uma altura de quinze metros obviamente foi algo muito traumático. Pela lógica você deveria estar machucado ou morto, mas você não está, o que não faz nenhum sentido. Você precisava de uma explicação, então o seu subconsciente arranjou uma para você… um anjo. Foi isso que aconteceu. Se você se sente melhor pensando que o seu anjo da guarda tem algo a ver com isso, então, tudo bem, mas não diga a mais ninguém. Os jornais sensacionalistas fariam você parecer um idiota. Lembre-se, diga apenas que não sabe como não se machucou; você está em excelente forma física, tem uma boa alimentação e se cuida bem, e simplesmente teve sorte. — Eu sei, eu sei, já falamos disso a noite passada. — Ah, e não se esqueça de dizer que, depois, percebeu que não foi uma boa ideia subir naquela escada, não fará isso novamente e não quer que ninguém tente imitar o que fez. A última coisa que precisamos é de um processo porque algum adolescente
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bobão achou que podia cair de uma altura de quinze metros e sobreviver porque você conseguiu. — Tá, tá, entendi. — Cannon meteu a pequena Bíblia no bolso. — Eu soltei a nota na imprensa há menos de uma hora e você já é o assunto mais comentado em todos os canais de notícia. — Ótimo — grunhiu Cannon. — Eu deveria ter morrido, assim não teria que lidar com nada disso. — É, mas ainda tem que lidar. Não fale mais em morrer. Você vai sair dessa enrascada. — Jonathan checou o celular e deu uma batidinha nas costas de Cannon. — Ok, hora de ir. A barra está limpa. A
barra
estava
limpa
até
chegarem
ao
aeroporto.
Os paparazzi estavam esperando por Cannon no terminal. A dupla de guarda-costas, que tinha recebido reforços naquela manhã e estava acompanhada de mais dois seguranças, fez o melhor possível para abrir caminho, mas não conseguiu afastar os microfones e câmeras do rosto de Cannon. Cannon não agiu como se estivesse irritado; foi tão cordial quanto seria possível naquela situação, mas por fim disse: — Já divulgamos uma nota à imprensa esta manhã. Foi algo que deu errado. Foi um milagre eu ter saído andando dali. Tive sorte. Um repórter gritou: — Vai tentar fazer o mesmo em Las Vegas? Jonathan respondeu por Cannon. — O cenário foi consertado, mas, embora Cannon quisesse incluir essa atração no show, ele foi avisado de que seria perigoso
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demais. Teve sorte desta vez, mas pode não ter numa próxima se o cenário não aguentar. Outra repórter gritou: — Mas, Cannon, você ainda tem seis vidas! O comentário fez com que todo o bando de paparazzi caísse na risada, incluindo o próprio Cannon, que respondeu: — E como você sabe se eu ainda tenho as outras seis? — o que fez com que todos rissem ainda mais. Cannon podia ser encantador quando queria. Esse era o lado dele que os fãs viam, o lado certo. Ele era um idiota o resto do tempo, mas para mim isso não importava mais. A outra metade compensava, fazendo-me amá-lo. As
aeromoças
foram
particularmente
atenciosas
nessa
viagem, cruzando os corredores sempre com um sorriso nos lábios, como se estivessem guardando segredos que mal podiam esperar para revelar, e passando pelo assento de Cannon mais do que o necessário para atender pedidos de bebidas e oferecer travesseiros. Como a manhã estava clara e ensolarada, Will tomou a liberdade de voar do lado de fora do avião, para aproveitar o sol e as nuvens, mas eu me recusei, preferindo ficar do lado de dentro, pairando de pernas cruzadas acima da poltrona de Cannon. Cannon só tomou um copo de vinho durante o voo. Ele tomava um gole de vez em quando, enquanto folheava a Bíblia. — Encontrou alguma coisa? — Não. Mas por que o interesse, Jonathan? Você é ateu, lembra? Uma das aeromoças se aproximou sorrindo e disse: — Gostaria de outra?
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Cannon fechou a Bíblia, cobrindo o título com a mão. — Outra...? — Outra bebida. O senhor mal tocou no vinho. Posso trazer outro se não o agradou. Temos várias marcas de vinho tinto. — Ah, não, o vinho está ótimo. A princípio pensei que estava se referindo a... Ah, não esquenta. Entendi. — Temos tequila se quiser uma dose. — Não, está tudo bem, sério. Ei, por que você perguntou se eu queria tequila? — Ah, ouvi dizer que é a sua bebida favorita. — Bom, não acredite em tudo o que ouve. — Certo, senhor Michaels. — A aeromoça finalmente se afastou. — Por que ela perguntou se eu queria tequila. Isso foi estranho. Jonathan folheava uma revista. — Bem, eu não contei, mas alguém supostamente “próximo à banda” disse a um repórter que você estava bebendo tequila na noite em que caiu da escada. Cannon jogou as mãos para cima, em frustração. — Que ótimo! Será que isso não vai acabar nunca? — Não se preocupe. Eu vou abafar o caso. Sabe que vou, mas você está certo; não vai acabar nunca. Vou estar apagando incêndios o ano que vem inteiro por sua causa. A sua pequena proeza me dará um bocado de trabalho extra. — É, mas isso faz parte do seu trabalho. Você sabia que teria que fazer esse tipo de coisa quando eu o contratei. Cannon, seja gentil.
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—
Sim,
e
você
sabia
que
teria
que
aguentar
todos
os paparazzi e a imprensa quando decidiu ser uma estrela do rock. — Eu sei — murmurou Cannon. — Mas eu era só um garoto. Não me sentia pressionado como me sinto agora. Antes era tudo uma brincadeira; não parecia real. — “Cannon Michaels, o Homem que Não Morreu” ou “Cannon, o Homem Mais Sortudo do Mundo” ou “Cannon, o Milagre” — esse é o tipo de manchete estampada em todas as publicações, físicas ou virtuais, que relatam a sua queda no palco. E, evidentemente, todas vêm acompanhadas de fotos borradas ou vídeos tremidos, saídos dos celulares ou câmeras de quem estava no show. Nada disso pareceu deixar Cannon muito aborrecido, a princípio. Ele parecia perfeitamente calmo, mas, depois que teve de fugir de outro bando de paparazzi no aeroporto de Las Vegas e outros tantos no hotel, estava simplesmente exausto. Seus olhos estavam sem brilho, seus lábios já não exibiam o mesmo sorriso torto que eu tanto adorava e as linhas nos cantos dos olhos estavam mais marcadas, como se ele tivesse envelhecido uns cinco anos da noite para o dia. Vai ficar tudo bem. Você vai ver, sussurrei no ouvido dele quando tive uma chance. Ele ficou especialmente irritado quando um homem com uma câmera gritou: — Ei, Cannon, o que acha de tentar fazer o show sóbrio da próxima vez? E Cannon murmurou em resposta: — E talvez você devesse...
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Mas, antes que ele terminasse a frase, Jonathan sussurrou: — Lembre-se, o que acontece em Vegas nem sempre permanece em Vegas. Fique calmo, você está se saindo muito bem. A pedido de Cannon, Jonathan cancelou sua participação num programa de rádio. —
Por
que
uma
estação
de
rádio
local
deveria
ter
exclusividade? — perguntou Cannon. — Eu não vou mais fazer entrevistas em público nem por telefone até chegar em Nova York, onde posso falar em rede nacional. A gravadora gostou da ideia também. Cannon estava certo: qualquer publicidade era boa publicidade, pelo menos nesse caso. Depois de Cannon escapar da morte, seu novo álbum ficou em primeiro lugar nas paradas de sucesso durante toda a semana, levando com ele vários singles e fazendo as vendas de CDs dispararem. Isso deixou Cannon satisfeito e ao mesmo tempo frustrado por estar com o Sendher, e não com a banda que ele assumiria logo que conseguisse romper o contrato com a gravadora. No dia do show em Las Vegas, Cannon recebeu uma ligação de Brad Clark, um famigerado puxa-saco, dizendo-lhe o quanto todos estavam felizes por ele estar bem e lhe dando os parabéns pelo seu CD e pelo aumento das vendas. Por causa da infeliz decisão de Cannon de bancar o HomemAranha no último show, o palco desta vez estava fechado, o que significava que nenhum amigo, parente ou membro do estafe ou do pessoal autorizado podia permanecer na sala de convivência ou nos bastidores, especialmente a imprensa. Agora que Jonathan sabia do potencial de Cannon para fazer loucuras e provocar tragédias
226
quando estava sob o efeito do álcool, não ia correr o risco de deixálo estragar tudo de novo, especialmente aos olhos da mídia. Cannon preferiu ficar sozinho com Jonathan em seu camarim. Quando desligou o telefone, ele disse a Jonathan: — Eles me dão vontade de vomitar. Fui eu que quase morri e eles é que se entopem de dinheiro por causa disso. O Sendher é mais popular do que nunca agora e tudo por culpa minha. Eu sou um idiota. Merda! Eles nunca vão me deixar romper o contrato agora. Provavelmente vão tentar nos fazer assinar outro por mais dois anos e, se fizerem isso, eu vou meter o dedo na cara deles e dizer... — Cannon, espera aí, tem algo que eu preciso te dizer. Ontem à noite, Brad me ligou, e você tem razão. The Discovery Boys não está detonando — não sem você. O Sendher se tornou a maior máquina de fazer dinheiro que eles têm, especialmente agora. Ele ofereceu à banda um outro contrato. — Que vá à... — Cannon murmurou, começando a fazer um gesto obsceno com o dedo do meio e depois mudando de ideia. — Não, espere. — Jonathan levantou a mão. — Você deveria ver a proposta, ele enviou por fax para mim. Estão oferecendo a vocês milhões e muito mais liberdade desta vez. — Você está brincando? — Não, não estou. Eu sabia que Brad ia ligar para felicitá-lo hoje, então pedi que não mencionasse o contrato até eu falar com você sobre isso primeiro. Não falei nada na noite passada porque eu sabia que não ia conseguir dormir. — Ele já falou com a banda?
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— Já, pedi para esperar, mas eu não tenho autoridade quando se trata do resto da banda. Todos eles já sabem sobre a nova proposta e todos querem assinar. O empresário do Carl me ligou esta manhã. — Não acredito! Mas a banda me odeia! Você já percebeu, não gostam nem de ficar perto de mim, então por que querem ficar na banda comigo? — Eles não te odeiam, Cannon, especialmente Carl. Talvez estejam esperando as coisas mudarem. Você sabe, você nunca deu aos caras uma chance. Você já se ressentiu com eles desde o primeiro dia. Está ressentido porque, na sua cabeça, eram os seus amigos que deviam estar tocando no palco com você, não eles. Mas, Cannon, não é culpa deles que as coisas sejam como são, e você sabe disso. Eles querem que a coisa funcione, querem que a banda continue, então você precisa, pelo menos, pensar com calma. — Cannon já tem o suficiente em que pensar! — eu gritei, cruzando os braços e as asas ao mesmo tempo. — Por que eles estão fazendo isso com ele? Ele não precisa disso agora! — Senhorita, acalme-se. Se ficar muito transtornada, seu protegido poderá ouvi-la. — Sinto muito, Will, eu simplesmente não consigo me conter. — Eu entendo, mas precisa tentar. — Jonathan, você sabe que eu não vou fazer isso. Já tenho planos para minha outra banda, uma banda de verdade, e você sabe disso. — Cannon, você não precisa de outra banda. O Sendher é uma banda de verdade, uma banda de sucesso, você tem tudo de que precisa aqui mesmo.
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— Nem tudo. — Cannon baixou a voz até quase um sussurro. — Carl tem uma boa voz, ele pode liderar a banda. O Sendher pode seguir sem mim. — Cannon, eles não são nada sem você, você sabe disso, “você” é o Sendher. Os fãs vêm para ver você, não para vê-los, e eles sabem disso também. Sem você, eles não têm chance. — Podem conseguir outro vocalista, são excelentes músicos. Não precisam de mim para ganhar a vida. — Isso não é verdade, e você sabe. O que não falta por aí são músicos. É hora de começar a pensar nas outras pessoas além de si mesmo. Eu estava esperando que esta sua “experiência de quase morte” faria você valorizar um pouco mais a vida e as outras pessoas, mas eu acho que estava errado. Prevendo um empurrão ou um soco, Jonathan deu um passo para trás e se encolheu quando Cannon avançou sobre ele, mas em vez disso, Cannon baixou o punho, desabou numa cadeira e colocou o rosto entre as mãos para massagear as têmporas. Então disse em voz baixa: —
Eu simplesmente
não consigo suportar mais
isso,
Jonathan. Eu queria ser famoso. Queria fazer sucesso, mas esse não é o tipo de fama e sucesso que eu queria. The Discovery Boys cresceu demais, e agora o Sendher está estourando; a música é que é importante para mim... e com o Sendher, não se trata mais de música. Nunca vai ser música enquanto esse contrato estiver em vigor. — Então o que você vai fazer? — Eu não sei, apenas me deixe sozinho um instante.
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— A passagem de som é em quinze minutos; sei que vai ser difícil, mas tente ser cordial e flexível, ok? — Tá, vou tentar. Como um homem que tinha tudo na vida podia se sentir tão vazio por dentro? Dinheiro, carros de luxo, mulheres bonitas, boa aparência e fama nem sempre eram os ingredientes de uma vida feliz, no final das contas. Quando estava viva, eu tinha uma vida feliz, apesar de não ser uma celebridade nem ter um Porsche preto novinho na garagem, mas, agora, não estava completamente feliz. Nós somos mais parecidos do que eu pensava, Cannon. Você tem mais do que uma pessoa comum pode imaginar ter um dia, e eu também; você, na forma de notoriedade e riqueza material, eu na forma de vida eterna, mas estamos ambos sentindo falta da mesma coisa — do verdadeiro amor. O amor que eu tinha por Cannon não era recíproco, o que deixava a minha alma meio vazia, num estado constante de carência. Cannon egoisticamente procurava satisfazer o seu ser com vontades e relacionamentos superficiais com mulheres, que eram físicos em vez de emocionais. Eu continuava querendo que ele aceitasse o meu amor, mesmo sabendo que isso nunca seria possível. Você precisa de mim, Cannon; eu entendo você. Sua depressão não é só porque está vinculado a um contrato com uma gravadora. Álcool, drogas e um comportamento imprudente não são a solução, a satisfação que trazem é temporária, não eterna como o amor verdadeiro. Eu te amo, Cannon, e preciso que você me ame. Por um minuto, quando eu estava em pé na frente dele, olhando no fundo dos seus olhos, olhos que olhavam através de
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mim, achei que estava quase lendo sua alma, mas perdi a concentração quando um membro do estafe veio chamar Cannon. Cannon não demonstrou praticamente nenhuma emoção durante a passagem de som. Embora seus vocais fossem bons, ele mal sorriu e, quando alguém perguntou se ele estava bem, ele desviou os olhos e respondeu: — Tudo bem — numa voz tão baixa que mesmo eu tive que ler seus lábios. Oh, Cannon. Eu te amo tanto; não quero que você fique tão triste, murmurei perto da orelha dele, abraçando-me com as minhas próprias asas, fingindo que estava abraçando Cannon. Minhas asas podiam salvá-lo de uma queda, mas não podiam salvá-lo do desespero que, aos meus olhos, era totalmente desnecessário. Tudo o que você tem a fazer é seguir o fluxo, Cannon, e ver aonde o destino vai levá-lo. Não deixe que isso o destrua por dentro. Eu mesma estava destroçada, pois fora arrancada da minha própria vida. Arrancada dos meus pais, da minha irmã, dos meus amigos e, agora que eu estava finalmente começando a aceitar onde a morte tinha me levado, tinha feito tudo errado. Eu tinha me apaixonado. A banda foi excepcionalmente amável com Cannon. Eles estavam agindo com companheirismo, como se fossem amigos de longa data. Carl ainda convidou Cannon para ir com eles no cassino depois do show, e Dan sugeriu que fossem todos para um bar
de topless.
Estavam
definitivamente
tentando
tentando persuadi-lo a assinar o novo contrato.
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agradá-lo,
A sugestão do bar de topless fez Cannon sorrir, mas não a mim. Pousei ao lado de Will e disse em voz baixa, mas com raiva: — Não vou de jeito nenhum a um clube de striptease. O que devo fazer, Will? — O que deve fazer? Observar e esperar, Ashley. Mas aquela era a última coisa que eu queria ver — a dança em volta do mastro, o dinheiro enfiado na calcinha, strippers e anjos no mesmo palco. Isso parecia totalmente errado para mim, totalmente estranho. Se eu tivesse que ir lá e testemunhar isso, ficaria completamente mortificada. Agora, espere aí, eu não estou dizendo que strippers não merecem a proteção dos anjos, porque claro que merecem, mas seria
muito
desconfortável
e
estranho
para
mim
estar
lá,
especialmente se Jonathan fosse e eu tivesse que ficar ao lado de Will o tempo todo. Felizmente, Cannon não aceitou o convite. — Acho que já tive publicidade suficiente por um tempo — ele respondeu a Dan. — A imprensa iria noticiar que eu estava lá para pegar uma garota de programa ou coisa assim. Acho que, em vez disso, vou subir até o topo do Luxor esta noite. Ouvi dizer que a vista lá de cima é incrível. O que vocês acham? Até o comentário de Cannon, qualquer coisa associada ao show de Denver tinha sido tabu, mas agora todo mundo tinha começado a relaxar um pouco e a tensão na sala se dissipou. — Eu aposto que a vista é melhor do que a do hotel Stratosphere — disse Jeff.
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Dan pulou de trás da bateria, e disse com seu pesado sotaque de irlandês: — Ei, rapazes, acho que a gente devia fazer isso esta noite. — Fazer o quê? — Dar uma volta no Insanity, no topo do Stratosphere. Eu sempre tive vontade. Quem topa? — O que é o Insanity? — É um brinquedo que gira numa velocidade incrível. Fica na cobertura do hotel. Carl topou imediatamente, mas Jeff hesitou. — Não sei. Não gosto muito de altura. Fico meio zonzo. — Apenas feche os olhos, você vai ficar bem. E você, Cannon, topa? Cannon estava no meio de um bocejo. — Ah, claro, por que não? Ok, Cannon, mas espero que não tomem isso como um sinal de que você está pensando em se dedicar à banda e assinar o contrato. Não dê a eles falsas esperanças. Quando a passagem de som acabou, Cannon saiu do palco com o resto da banda, conversando e brincando, em vez de correr para o bar da sala de convivência e agir como se fosse fazer o show sozinho. Ele encontrou Jonathan na sala de convivência segurando uma lata de refrigerante, em vez de uma garrafa de tequila. — Ei, Will, você ouviu o que eles estavam falando? Cannon vai dar uma volta no Insanity, na cobertura do Stratosphere. — Sim, eu ouvi.
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— Espero que Cannon convide Jonathan, para que possamos sair juntos. Esta é a primeira vez que venho a Las Vegas. Estou ansiosa para conhecer o Insanity. — Jonathan, você vai sair com a gente hoje à noite após o show, não vai? — Não, de jeito nenhum, você sabe o quanto eu detesto Las Vegas. Além disso, temos que acordar muito cedo amanhã. Enquanto vocês estão fora, passando mal num brinquedo idiota, eu vou estar no meu quarto, em paz, assistindo a um filme. E, se quer o meu conselho, você não devia ir também. Eu gosto da ideia de você sair com a banda, mas não gosto da ideia de você vagando por aí, pelas ruas. Você precisa ficar de molho por um tempo. — Bem, que pena. Eu estou indo. Vou garantir que ninguém me reconheça. — Will, eu não posso acreditar que Jonathan vai ficar no hotel. Eu tinha certeza de que ele ia querer ficar de olho em Cannon. — Jonathan já pediu para Carl manter Cannon longe dos problemas e não deixá-lo beber muito. — Você acha que Carl vai conseguir? — Não posso garantir, mas posso dizer que Carl já evitou que Cannon cometesse muitos erros no passado. — Então, ele consegue controlar Cannon mesmo em Las Vegas? — Exatamente. — Então eu acho que ele não estará por conta própria como eu. — Ashley, a senhorita nunca está realmente sozinha. Ninguém nunca está realmente sozinho, e eu não estou falando apenas dos
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anjos. Há sempre alguém lá fora para oferecer amor e apoio, mesmo que você não seja capaz de ver quem é no momento. — É, você tem razão. Obrigada, Will. Durante o show, assumi minha posição habitual, enquanto Cannon se apresentava; pairei acima dele, com as asas batendo, e endireitei as costas, de modo que ficasse praticamente de pé acima da cabeça dele. A multidão era impressionante aquela noite: os anjos em silêncio flutuando e brilhando acima de seus protegidos. Os rostos dos fãs hipnotizados, em completo estado de deslumbramento, o murmúrio da multidão soando como uma canção indistinta. Todos esses seres humanos eram diferentes, únicos à sua própria maneira; eram pessoas especiais, de valor inestimável, um tanto falhas, mas todas lindas e encantadoras. A apresentação da banda também foi incrível. As interações de Cannon com a banda eram mais genuínas do que ensaiadas. Ele colocou todo o seu coração no show, como se fosse a última apresentação que fariam juntos, e não a primeira etapa de uma turnê. A certa altura, Cannon até colocou o braço nos ombros de Carl, ao cantarem em dueto, e, quando a música “Romper do Dia” começou, Cannon olhou para uma das laterais do palco e brincou ao microfone: — Ei, essa escada está bem presa? Vai aguentar 80 quilos desta vez? — Então ele riu e disse: — Brincadeira. Não vou fazer aquilo de novo sem uma rede de segurança. Antes do segundo bis, Cannon disse à multidão que tinha praticado paraquedismo e bungee jumping naquela manhã. Flutuei
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por trás de Cannon e pensei: É melhor não querer bancar o comediante... Depois do show, Cannon foi escoltado até uma limusine, mas desta vez na companhia de Carl, Dan e Jeff, e Jonathan tomou um táxi. De volta ao hotel, Cannon tomou um banho e vestiu uma camiseta branca, calças jeans e tênis de cano alto. Colocou um boné de beisebol, prendeu o cabelo num rabo de cavalo baixo e colocou óculos com lentes sem grau sobre o nariz. Jonathan estava à espera de Cannon no corredor. — Por favor, me diga que você decidiu levar os guarda-costas. — Não faz parte dos planos. — Não faça essa bobagem. — Ninguém vai me reconhecer, especialmente com isto. — Cannon deixou os óculos deslizarem até a ponta do nariz, segurando uma lente como um monóculo. — Não pareço um nerd? — Sim, um grande nerd idiota. — Bom, esse é exatamente o visual que eu queria. Relaxa, vou ficar bem. Ninguém vai descobrir quem eu sou. Jonathan pegou o braço de Cannon. — Ei, só me responda uma pergunta. Será que você pensou sobre o que eu disse? Está considerando a oferta de Brad? Quando falo do seu futuro, não estou só pensando em mim, nem só pensando em você. Você precisa olhar o quadro maior e fazer o que é melhor para a maioria dos envolvidos. Você sabe que estarei com você, não importa o que decida fazer com a sua carreira, mas ficar com a banda, ser leal à gravadora, bem, essa é simplesmente a coisa certa a fazer. Olhe, deixe-me mostrar o contrato.
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— Não, não quero ver agora, mas, se vai fazer você se sentir melhor, vou pensar a respeito, ok? Tenho que ir. — Cannon puxou o braço, soltando-se da mão de Jonathan, e saiu no corredor com Carl. — Que nome você quer usar hoje à noite, Cannon? — perguntou Carl, no elevador. — Acho que eu vou ser Jack. — Hum, que tal Jonathan? Ambos riram e brincaram sobre isso até chegarem à calçada, quando contaram para o resto da banda sobre seus nomes falsos e se cumprimentaram pelas roupas intencionalmente nerds. Eu sabia que deveria estar feliz por Cannon agora, satisfeita com o fato de ele estar com seus companheiros de banda e até mesmo pensando em renovar o contrato do Sendher, mas havia algo com relação ao comportamento dele que me incomodava. Eu não conseguia identificar muito bem o que era, mas, desde que Jonathan mencionara o contrato pela segunda vez, algo no comportamento de Cannon parecia não estar certo, estar fora do lugar, de um modo não natural. Seu rosto estava impassível; seus movimentos, robóticos; seu riso visivelmente forçado. Isso me deixou preocupada, mas decidi não pensar a respeito, afinal eu precisava manter as minhas emoções sob controle. Então, esta era a Cidade do Pecado. Uau! O tráfego rugia, as buzinas berravam, os letreiros de néon piscavam, as moedas tilintavam e máquinas caça-níqueis tocavam suas musiquinhas viciantes e giravam. E tudo isso acontecia ao mesmo tempo que anjos brilhantes sorriam agradavelmente para os seus protegidos, estivessem eles bêbados, viciados nas mesas de jogos ou vendendo
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o próprio corpo. Sim, a Cidade do Pecado com certeza era diversificada! — Aí está. — Carl apontou para um ponto mais adiante, rua abaixo. — Veja, Jeff, não é tão alto. O edifício só parece muito alto quando visto de longe. Jeff estava girando uma ficha de pôquer na mão, ao longo dos dedos. — Não sei. Acho que não vou nessa. Você não disse que o brinquedo rodopiava no ar, sobre a rua! — Não seja maricas — provocou Carl. O A.G. do taxista já estava no banco do passageiro quando ele encostou no meio-fio. Quando se tratava de regras de etiqueta angélica, eu, claro, não sabia muito, e não queria ser rude nem me comportar como uma idiota; então deixei os outros A.G.s decidirem como e onde queriam viajar. Portanto, basicamente, me restaram duas opções: pegar uma carona sobre o capô ou voar acima dele. Eu escolhi me sentar, visto que minhas habilidades de voo ainda eram medíocres, na melhor das hipóteses, e a ideia de ser arrastada por todo o trajeto, se eu me afastasse mais de três metros de Cannon, me fez estremecer. Nossa, o trajeto foi um pesadelo! Meu cabelo não parava de entrar na minha boca e, toda vez que eu tentava tirá-lo, o vento fazia a manga da minha túnica bater no meu rosto. Além disso, eu também tinha que manter os músculos das asas tensos o tempo todo para evitar que abrissem com o vento. Eu me sentia como uma completa idiota, especialmente na frente do A.G. de Jeff, que parecia perfeitamente bela e serena, enquanto seu coque saltava
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ritmicamente com o vento. Só senti alívio quando o táxi estacionou na calçada em frente ao Stratosphere. Quando estávamos na calçada em frente ao hotel, Jeff cruzou os braços, deu uma olhada para cima, na direção do brinquedo, e disse: — Ok, eu topo, mas vou ter que tomar um drinque primeiro, e talvez não apenas um. Talvez eu precise de dois ou três. — Eu também vou nessa — disse Dan. — Há um ótimo bar a poucos quarteirões daqui. Mas
Carl
hesitou,
lembrando-se
de
sua
promessa
a
Jonathan. — Ei, nada de covardia. Vamos sóbrios. O que acha, Cannon? — Para mim tanto faz. — As mãos de Cannon estavam enfiadas nos bolsos, os ombros caídos. Eu preciso saber o que você está pensando, Cannon. Se ao menos eu pudesse ler sua alma. — Então você é minoria, Carl. Vamos lá! — comemorou Jeff, batendo palmas. Dentro de minutos, os integrantes de uma das bandas mais famosas do mundo estavam num dos pontos mais quentes e badalados da noite de Las Vegas, sem que nenhum dos clientes se desse conta disso. — Este lugar tem cheiro de cinzeiro — reclamou Cannon. — Isto é Vegas. O que você esperava? — Dan disse com uma piscadela. Demorou pelo menos quinze minutos para uma garçonete se aproximar da nossa mesa. Ela sorriu, empinando os seios enormes, e disse:
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— Estão em Vegas para a convenção de quadrinhos, meninos? Os rapazes riram e Cannon respondeu, sem sorrir: — É, estamos. Como você sabe? — Ah, não foi difícil. Você tem aquele estilo Clark, hum, qual era mesmo o nome dele? Sabe, o repórter do filme do SuperHomem. — Kent — Dan deduziu. — É, Kent. Você tem aquele jeito do Clark Kent, tipo, o cara sexy disfarçado — disse ela, jogando os quadris para um lado. As bochechas de Cannon ficaram vermelhas quando Carl deu um soco de brincadeira no braço dele à maneira que os homens se cumprimentam. Ela estava certa. Cannon era um nerd sexy. — Agora, meninos, deixe-me adivinhar... Quatro Galactic Freezes, certo? — ela perguntou, mascando o chiclete verde-néon. Cannon coçou a cabeça por cima do boné. — Galactic Freeze? Nunca ouvi falar. — Está brincando! É a nossa especialidade: blue curaçao, chartreuse verde, triple sec, curaçao laranja, grenadine, suco de abacaxi, rum, alguma outra coisa, eu não me lembro agora, sobre um cubo de gelo seco. Parece com aquilo. — A garçonete apontou para um casal do outro lado da sala, debruçado sobre dois copos de bebida colorida, que fumegava como o caldeirão de uma bruxa. — É bem frutal, muito bom. Vocês vão adorar, sério. O homem para quem ela apontou usava óculos com aros de metal, um colete xadrez, calças de pregas e mocassins. A garota com quem ele estava usava sapatilhas, uma saia justa e uma blusa
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com laço na gola. Ambos ostentavam divisas douradas de almirante, brindes do filme de ficção científica mais recente. — É, parece legal. Traz quatro — disse Cannon sem muito entusiasmo. Quando a garçonete se afastou, Carl disse: — Você deve estar brincando... Quer que a gente pareça com eles? — Ele apontou para o casal. Uma fumaça fria girava em torno das narinas do homem enquanto ele tomava o drinque. — Essa garçonete não só pensa que somos um bando de nerds, como também pensa que somos gays. Você ouviu como ela enfatizou a palavra “frutal”? — Ah, quem se importa? É divertido. Eu gosto de ser um zéninguém de vez em quando, mesmo que isso signifique que tenho que ser um zé-ninguém nerd e gay. — Foi rápido. Lá vem ela com quatro daqueles drinques malucos — disse Jeff, explodindo numa gargalhada. A garçonete piscou. — Aqui estão, rapazes, quatro Galactic Freezes. Espero que gostem. — Quando ela colocou as bebidas na mesa, praticamente esfregou o decote no rosto de Cannon. Seu anjo era uma coisinha pequena, flutuando perto dela como um duende, enquanto sua protegida seguia para a próxima mesa. Rindo, Dan ergueu a sua taça “intergaláctica” e brindou: — Que a melodia do riso irlandês alivie todos os fardos. Que a névoa da magia irlandesa encurte todos os caminhos e que os seus amigos possam se lembrar de todos os favores que você lhes fez! Que os vizinhos possam respeitá-lo, que os problemas passem longe
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de você, os anjos o protejam, o céu o aceite. Aqui vamos nós: Jack, Jonathan, Dirk e eu, Eugene. Ah, que coisa mais fofa! Que os anjos o protejam? Eu adorei a ironia do brinde de Dan. A garçonete deu meia-volta: — Ei, parece que estão comemorando alguma coisa. Posso tirar uma foto de vocês, se quiserem. — Claro! Pegue aqui. — Dan prontamente preparou seu telefone e entregou-o à garçonete. — Sorriam, meninos. Houve um flash, várias risadas e depois eles beberam seus drinques muito frutados e, em seguida, uma rodada de tequila, apesar dos protestos de Carl. Em poucos minutos, Dan fez outro pedido, oferecendo a todos mais uma rodada de tequila. Carl, você não está cumprindo a sua promessa. Os olhos de Carl estavam vermelhos por causa da fumaça e brilhantes por causa da tequila. — Bem, acho que eu estou pronto. Vamos lá. O trajeto de elevador até o topo do edifício foi suficiente para fazer Jeff mudar de ideia, mas, depois que a banda entrou na fila e Jeff viu algumas crianças esperando para andar no brinquedo, ele se animou um pouco mais. Eu assistia ao brinquedo dando voltas e mais voltas no ar, enquanto os passageiros elevavam-se em seus assentos até um ângulo de setenta graus e seus A.G.s voavam muito rápido ao lado deles, para acompanhar os seus protegidos. Era rápido, muito mais rápido do que eu já tinha voado antes. Mas o voo era a única opção,
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visto que não havia lugar para sentar ou nenhum lugar onde um anjo pudesse se segurar. Cada assento, que levava dois passageiros, pendia de uma das hastes do brinquedo, partindo de um eixo central, como os tentáculos de um polvo. Esse polvo estendia-se uns vinte metros além da borda do edifício, deixando os passageiros a quase trezentos metros do solo. Cannon estava com um humor muito estranho naquela noite. Às vezes ele sorria quando deveria rir ou ria quando deveria sorrir. Às vezes estava com um sorriso fixo ou olhava para a frente com uma expressão vazia. Outras vezes, era expressivo quando os outros brincavam, sua risada acompanhada por tapas nos joelhos; e outras vezes mal sorria, os lábios apertados contra os dentes. Fique feliz, Cannon, por favor, sussurrei em meio ao seu cabelo. À medida que a noite passava, ele pareceu ficar mais deprimido do que alegre. Contava algumas piadas de vez em quando e fazia todos rirem, mas, entre as piadas, ele parecia um zumbi, alheio a qualquer coisa acontecendo ao seu redor enquanto estávamos na fila. Havia uma garota baixinha num vestido curto, pulando para se manter aquecida; uma criança rolando no chão aos pés dos pais, chorando porque não tinha altura suficiente para andar no brinquedo; e um grupo de adolescentes brincando de jogo da verdade para matar o tempo e em alto e bom som para todo mundo ouvir, mas Cannon não reagia a nada disso, nem mesmo com um sorriso no canto da boca ou um encolher de ombros. Estalei os dedos na frente do rosto dele. Vamos, Cannon, baby, acorde! Mas era como se a sua personalidade estivesse
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desligada. Havia vários casais na nossa frente na fila e, à medida que
nos
aproximávamos
mais
do
brinquedo,
três
garotas
começaram a se comportar do mesmo modo. Abraçavam forte seus namorados e descansavam a cabeça nos ombros deles. Eu até ouvi um rapaz dizendo: — Não precisa ter medo. Você está comigo, lembra? Vou te abraçar o tempo todo. Prometo. Que palavras doces... Aposto que Cannon diria a mesma coisa para mim se eu fosse a sua namorada. Ignorando o A.G. de Jeff, fiquei bem próxima de Cannon, fingindo que estávamos de braços dados e inclinei a cabeça, imaginando que éramos um casal de verdade e todos pudessem nos ver juntos. Quando chegou a nossa vez na fila, Carl gritou: — Finalmente, vamos ver como é essa coisa! Relaxado por causa da tequila, Dan mostrou o mesmo entusiasmo de Carl. — É, vamos nessa! — Ele bateu forte nas costas de Cannon quando se sentaram no brinquedo, e espremeu os ombros contra os dele quando estavam presos com a barra de segurança “à prova de fuga”, como disseram. — Que bom que está aqui, Cannon. — É, também acho. Mas você acha mesmo, Cannon? Ah, como eu queria poder ler a sua alma! Eu te amo, eu disse sem emitir nenhum som. Imitei os outros A.G.s, posicionando-me ao lado de Cannon com as asas abertas, antecipando minha decolagem enquanto os mecanismos do Insanity começavam a ser acionados. Ok, eu posso fazer isso. Eu posso fazer isso.
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Quando os braços do brinquedo começaram a girar sobre a borda do edifício, os anjos bateram as asas, deram um salto para a frente e assumiram as suas posições no ar, acima ou abaixo dos seus protegidos. Ai, Deus. Era a minha vez. Contraindo os ombros, eu bati as asas com força e pulei, enquanto meus pés saíam do chão. Felizmente, o anjo de Dan se posicionou um pouco abaixo, então eu me segurei no suporte superior e o observei para me orientar, mas ainda me sentia insegura e ansiosa, enquanto os passageiros embarcavam no brinquedo. Quando os passageiros deixaram a segurança do teto do hotel para se pendurar a quase trezentos metros do solo, alguns começaram a gritar, muitos deles com os punhos no ar, mas Cannon parecia indiferente, como se estivesse sentado no sofá da sua sala de estar. Bem, se alguma coisa vai tirar você desse torpor, Cannon, com certeza é isto. O Insanity girou lentamente no início, mas, à medida que acelerava, a força da rotação fez cada braço se erguer, levando o corpo do passageiro a assumir um ângulo agudo com relação ao solo. Eu tive que me esforçar para me manter equilibrada. A sessenta quilômetros por hora, mantive o corpo rígido e os braços estendidos na minha frente como o Super-Homem, na esperança de não ultrapassar a distância de três metros nem ser puxada e sugada para o meu protegido. Que horror! Como eu já disse centenas de vezes, eu odiava aquela sensação, por isso fiz todos os ajustes necessários para evitá-la. Para fazer as curvas de forma rápida e acentuada, tive que virar o corpo na direção do eixo
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do brinquedo, usando os braços para isso. Foi bem trabalhoso; trabalhoso até demais! Pode apostar. Fiquei muito feliz quando o brinquedo perdeu a velocidade e os bancos baixaram. Depois disso eu pude baixar os braços também e flutuar sem ter que pensar muito. Eu na verdade não podia ver o rosto de Cannon muito bem enquanto voava e girava, mas o que eu notei foi que, depois do passeio, ele não estava apenas inexpressivo, mas também mortalmente pálido. Quando Dan saiu do brinquedo, ele lamentou: — Ah, merda, acho que vou vomitar. Carl fingiu dar um soco no estômago dele. — Não seja tão maricas, Dan. — Ei, não enche, estou falando sério. Olhe para Cann, quero dizer, Jonathan. Ele está prestes a vomitar também. Mais verde que um limão, Cannon cambaleou até a lixeira mais próxima com a mão na boca e vomitou várias vezes. Eu me virei, para ter apenas que ouvir e, Céus!,sentir o cheiro. Que nojo! Oh, meu pobre bebê. Você vai se sentir melhor agora. Eu queria ser a namorada dele para esfregar as suas costas enquanto voltávamos para o hotel. Queria ser sua namorada para tirar os seus sapatos e meias, deixá-lo só de cueca e me deitar ao lado dele na cama, com os lábios no seu ombro, enquanto ele dormia e se curava do enjoo e dos efeitos do Galactic Freeze e da tequila com o estômago vazio. Eu queria desesperadamente fazer essas coisas. Se eu pudesse... Assim que Cannon levantou a cabeça da borda da lata do lixo, um cara embriagado passou por ele e disse: — Que frescura...
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Espere, Cannon, não faça isso! Não! O punho de Cannon apareceu do nada e golpeou com um soco o queixo do sujeito. Enquanto o homem se levantava do chão, a namorada dele teve um chilique e bateu em Cannon em todos os lugares que pôde, primeiro com as mãos abertas, e, depois, com os pequenos punhos fechados. Os bicos finos dos seus sapatos vieram em seguida, quando ela chutou forte as canelas de Cannon enquanto gritava: — Seu cretino! Então, ao dar um golpe com o punho direito, Cannon se abaixou e ela tirou seu boné de beisebol, agarrando um tufo do seu cabelo. Cannon protegeu o rosto com a mão e agarrou um dos pulsos da menina, girando seu corpo para obrigá-la a se deitar no chão, enquanto seu anjo da guarda girava também acima dela. Carl se colocou entre eles. — Deixa pra lá. Rápido, antes que os seguranças cheguem. Temos que sair daqui. Quando ela afrouxou a mão em garra, Cannon correu com os membros da banda escoltando-o dos dois lados. Carl empurrou Cannon por trás, gritando: — Rápido! Vai, vai! A menina não os seguiu; ela estava de joelhos, debruçada sobre o namorado, gritando para chamar os seguranças. Como entramos no elevador sem levantar suspeita, eu não sei, mas conseguimos atravessar o saguão do hotel apesar de Cannon e a banda serem as únicas pessoas ali que estavam ofegantes e molhadas de suor; quatro nerds transpirando, ofegantes, puxando
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os colarinhos para cobrir o rosto, como criancinhas fugindo depois de quebrar a janela de um vizinho. No cassino, os quatro desaceleraram o passo, passando para uma caminhada num ritmo rápido, ziguezagueando entre as pessoas, as mesas de pôquer e os caça-níqueis. Carl deu um tapinha no ombro do Cannon. — Nós não escapamos ainda. Precisamos sair daqui o quanto antes; não dá para evitar as câmeras do cassino. Se quiserem nos encontrar, eles encontrarão. Vamos direto para a saída. Não diminuímos o ritmo para um passeio casual até estarmos outra vez na calçada. Cannon piscou ao ver as luzes néon. — Desculpe, galera. Eu não pude evitar. O cara realmente me irritou. Carl respirou fundo. — Bem, Jonathan, ainda bem que o Jonathan de verdade não está aqui, porque ele ficaria bem mais irritado com a gente. Dan levantou um braço e depois o outro, inspecionando as auréolas de suor nas axilas, e deu uma sopradinha quando achou que ninguém estava olhando. — Vamos pegar um táxi para o hotel. Acho que por hoje chega de aventura. — Também acho — concordou Cannon, baixando a cabeça, a expressão grave e o olhar distante. — Ei, Cann, quero te dizer uma coisa. — Carl engoliu em seco e disse numa voz suave: — E quero que saiba que eu estou falando pelo resto dos caras também. Ai, não. Lá vem. Carl colocou uma mão sobre um ombro de Cannon.
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— Cann, sobre o Sendher, sabemos que as coisas não acabaram do jeito que você queria. Sabemos que, quando saiu do Discovery, esperava que as coisas fossem diferentes. Você queria que fossem diferentes e, quando acabou sendo obrigado a cantar conosco e gravar músicas escritas por outras pessoas, você odiou a gravadora e, por tabela, nos odiou também. Os olhos de Carl fitavam Cannon com intensidade e preocupação, sem o ressentimento que Cannon geralmente via nos olhos de todos os membros da banda. — Você acabou descarregando toda essa raiva em nós, cara, mas uma coisa que você esqueceu é que estamos no mesmo barco, cara. Também não pedimos para acabar nessa situação. Um dia estávamos tocando só em gravações do estúdio e no dia seguinte fazíamos parte de uma banda. Mas, em vez de ficarmos com raiva, decidimos tentar fazer com que as coisas dessem certo. Mas, cara, é difícil quando alguém do grupo não está disposto a fazer a mesma coisa. Carl colocou a outra mão sobre o outro ombro de Cannon, ficando de frente para o líder da banda. Com as pernas afastadas sobre o pavimento, Cannon estava quase da mesma altura que Carl, e com uma luz verde sobre eles, fazendo a sua pele adquirir o mesmo tom, eles podiam ser tomados por irmãos. Carl tentou fazer contato visual com Cannon, baixando mais a cabeça e observando seu rosto, mas Cannon mal ergueu o queixo. — Cann, a gente consegue. A gente consegue levar essa banda. Consegue seguir em frente. Com o tempo, Brad vai nos dar liberdade para escrever as nossas próprias músicas. Eu sei que vai. Ele já disse isso. Olha as multidões que a gente atrai. Olha as
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vendas. Olha os nossos fãs. Eles nos adoram. Podemos fazer esse trabalho. Mas precisamos de você, Cann, precisamos que queira seguir com a gente e fazer isso por todos nós. Você não vê a sorte que temos? Não sabe quantas bandas por aí dariam tudo para ter a oportunidade que a gente tem? Carl apertou os ombros de Cannon e o sacudiu pela última vez. — A gente se divertiu esta noite, hein? Precisamos fazer isso mais vezes. Passar mais tempo juntos, fora do Sendher. Cannon deu um meio sorriso, olhou para o chão e cerrou os maxilares. — Olha, não queremos que você tome nenhuma decisão esta noite; só queremos que pense a respeito do que eu disse, sobre pôr a raiva de lado e se dedicar ao Sendher. Esse contrato que Brad nos mandou não está escrito em pedra; a gente tem mais espaço para negociar desta vez e, com o sucesso desta turnê, vamos ter mais ainda. Pense nisso, ok? Isso é tudo que a gente está te pedindo agora. Cannon deu um tapa nas costas de Cannon quando um táxi parou no meio-fio. — Cannon, é só isso que a gente está pedindo — acrescentou Jeff. — Sabemos que está tentando cair fora, mas a gente precisa de você. Cannon, com o rosto inexpressivo, foi o primeiro a deslizar para o banco de trás do táxi, seguido por Carl, Jeff e Dan. O anjo de Dan voou para cima do porta-malas. Agora eu tinha que me juntar aos outros A.G.s e voar sobre o capô. Graças a Deus o trajeto era curto. No hotel, ninguém abriu a
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boca dentro do elevador até a cobertura, mas, assim que chegaram ao corredor do andar, Carl deu a entender que ainda tinha algo a dizer e pegou o braço de Cannon. — Foi divertido, cara. Precisamos fazer isso com mais frequência. Três cidades já foram e... — Carl olhou para o teto — faltam o quê? Vinte e uma, vinte e duas. Vamos dar o melhor de nós nesta turnê. Temos muita diversão pela frente, certo? — Certo — Cannon falou por fim. Foi só uma palavra, só uma, mas deixou a banda com uma pequena esperança e eu me sentindo um pouco melhor com relação ao seu humor tão pouco usual. Quando Cannon entrou na suíte, não pulou na cama como eu esperava que ele fizesse. Eu queria me deitar ao lado dele e imaginar que ele sabia que eu era real e que me amava, mas em vez disso ele ficou em pé atrás da porta por um instante e depois abriu uma fresta na porta e espiou o corredor. O resto da banda já não estava lá. O que, afinal, você está tramando? E por que não tem nenhum guarda-costas na porta, Jonathan? Ótimo trabalho!, reclamei com um sorriso falso. Voltamos para o corredor e entramos no elevador. Onde, pelo amor de Deus, você está nos levando, Cannon? Eu detestava andar de elevador. Na verdade, eu detestava elevadores lotados. Quando um elevador estava cheio, só havia duas opções para os A.G.s: ou eram obrigados a afundar dentro do corpo dos seus protegidos, e suportar a sensação de sucção, ou ficar sobre a cabine do elevador. Com Cannon parecendo tão alheio a tudo, eu estava preocupada
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demais para correr o risco de ele me sentir, por mais que eu ansiasse por outra conexão proibida. Eu já tinha arranjado um lugar bem ao lado de Cannon, mas o elevador começou a ficar lotado à medida que descia, por isso acabei optando por voar através do teto e encontrar um lugar ali em cima. Quando chegamos ao saguão do hotel, havia pelo menos uns vinte anjos junto comigo. Onde está indo, Cannon? Eu atravessei a porta do hotel junto com ele e o acompanhei até a calçada. Cannon andava com a cabeça baixa e as mãos nos bolsos. Seus lábios estavam apertados. A princípio, pensei que estava assobiando, mas, quando o nível de barulho na rua diminuiu, notei que não estava emitindo nenhum som. À medida que passávamos pelos hotéis da avenida — espetáculos de animais mecânicos a céu aberto, luzes ofuscantes, fontes coloridas, vulcões entrando em erupção e até espetáculos ao vivo —, as pessoas se aglomeravam para assistir, mas Cannon não. Ele estava determinado a chegar a algum lugar, totalmente alheio aos fogos de artifício ou às pessoas aplaudindo. Mesmo já tendo passado da meia-noite, as ruas estavam abarrotadas com pessoas e anjos da guarda, tornando mais difícil para mim acompanhá-lo. Às vezes eu voava sobre a sua cabeça, outras vezes conseguia ficar no chão, seguindo-o de perto. O Stratosphere surgiu na nossa frente. Você está voltando ao Stratosphere? Aquele cara já nem deve estar mais lá. Você não está querendo encontrá-lo para terminar a briga, está? Passamos pelo hotel e continuamos na calçada, em direção à cidade baixa de Las Vegas. Não, acho que não.
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Cannon diminuiu o passo para olhar a vitrine de um estúdio de tatuagens, mas só parou por alguns segundos e continuou seguindo em frente. Ao vê-lo virar à direita, eu voei sobre ele. Freemont Street — é aí que você está nos levando? A Freemont Street Experience, um espetáculo de luzes e sons projetado sobre a rua, já tinha começado, por isso a rua estava cheia de gente. Com todos os anjos pairando em diferentes alturas sobre os seus protegidos, era difícil para mim ver o espetáculo. Cinco
quarteirões
de
animação,
videoclipes
e
música
dominavam o ambiente. Era muito, muito legal. As pontas dos meus pés roçavam na cabeça de Cannon enquanto eu pairava no lugar, fascinada, esticando o pescoço para ver o espetáculo, mas, então, eu me sentia puxada para ele. Ei, Cannon, espere por mim. Estou indo. Cannon abria caminho pela multidão, tentando ter uma visão melhor do espetáculo ou, pelo menos, era isso o que eu pensava. Mas, quando olhei abaixo dos meus pés, descobri que Cannon não estava nem um pouco interessado no espetáculo. Ele estava conversando com um sujeito qualquer, que usava uma jaqueta preta, jeans e botas pretas. Era assustador. Não estava frio. A maioria das pessoas usava shorts e chinelos de dedo. Eles apertaram as mãos e, com um aceno de cabeça, Cannon deslizou pela multidão e voltou pela Freemont, seguindo na mesma direção de onde viera. Agora me conte, Cannon, o que significa tudo isso? Depois que voltamos para a avenida, Cannon pegou o caminho de volta para o hotel. Quando chegou ao hotel Mirage, parou diante da exibição dos tigres brancos, o que não fazia
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nenhum sentido, porque os tigres não estavam sendo exibidos ou estavam longe dos olhos do público. As mãos dele estavam nos bolsos outra vez e seu queixo, quase encostado no peito. No que você está pensando, meu bem? Você parece tão triste, tão perdido em pensamentos... Eu queria envolvê-lo com meus braços e as minhas asas e pressionar meu rosto sob o seu queixo. O telefone de Cannon tocou; ele olhou a tela e viu quem estava chamando. Depois enfiou o celular de volta no bolso e recomeçou a andar. Só tive tempo de ver o nome de Jonathan na tela. Havia um estúdio de tatuagem na esquina seguinte. Cannon espiou pela vitrine, como tinha feito da outra vez, mas desta vez ele entrou. A loja era pequena e limpa, e cheirava a alvejante e desodorizante. Atrás do balcão, um homem careca com uma camiseta regata estava sentado num banquinho alto, fazendo uma tatuagem nas costas de uma garota. Ela parecia ter a minha idade, assim como seus amigos, que estavam ao redor dela, rindo cada vez que a menina gemia de dor e cerrava os dentes. Havia outro homem atrás do balcão, com dois piercings em cada sobrancelha, brincos nas orelhas e outro piercing no lábio inferior. Quando ele falou, pude ver que tinha um piercing na língua também. — Interessado numa tatuagem? Cannon ajeitou os óculos no nariz e limpou a garganta antes de falar. — É, estou. — Tem alguma ideia ou precisa dar uma olhada por aí?
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As paredes da loja eram forradas com milhares de desenhos de tatuagens, que iam desde flores e golfinhos até esqueletos e mulheres nuas. — Eu já sei o que quero. — Tudo bem, então no que está pensando? — Quero duas palavras, “Me desculpe”, tatuadas bem aqui. — Cannon apontou para a parte interior do braço. — Do cotovelo até o pulso. Me desculpe? Como assim? Desculpe pelo quê? Se ele queria se desculpar por não querer continuar na banda, era só dizer. Eles iam entender. Não esperavam que ele imortalizasse isso no braço. E Jonathan aceitaria uma simples desculpa; Cannon não precisava de uma tatuagem. — Pode deixar. Você só precisa escolher um tipo de letra. — O homem apontou para uma parede à direita. Seu anjo, uma senhora pequena, com um nariz avantajado, estava sentada no balcão atrás dele. — Só quero uma coisa simples, como isso. A letra que Cannon escolheu parecia algo que se veria num livro
didático
ou
num
romance.
Era
simples,
legível,
personalidade. — Em minúsculas? Maiúsculas? As duas coisas? — Tudo em maiúsculas. — Tinta colorida? — Preta. — Ok, vamos nessa.
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sem
Tem certeza de que você quer fazer isso? Não faz nenhum sentido para mim. O telefone de Cannon vibrou novamente no bolso, mas ele não atendeu. O tatuador deu o preço a Cannon. Ele preencheu alguns formulários e então eles finalmente apertaram as mãos e o homem se apresentou como Ed. Em seguida ele fez um desenho da tatuagem num papel e o reproduziu no braço de Cannon. Logo Cannon estava sentado com o braço posicionado e o homem estava inclinado sobre ele, tatuando as duas palavras. Não demorou muito, menos de uma hora, e Cannon nem chegou a se contrair, tensionar o braço, gemer ou reclamar como a garota na mesa de tatuagem ao lado. A certa altura, uma das amigas da garota se virou e disse: — Me desculpe? Está se desculpando por ser um nerd? Ah, se ela soubesse com quem estava falando e se eu ao menos estivesse viva, poderia lhe dizer uns desaforos! Cannon nem olhou para ela, mas Ed chegou mais perto e disse a Cannon: — Ignore; ela está chapada. Ed fez um grande curativo sobre a tatuagem de Cannon e ele, o nerd, uma estrela do rock disfarçada, saiu pela porta, ganhando a rua. Quando chegou nos fundos do hotel, um guarda-costas estava esperando por ele; por ordem de Jonathan, com certeza. Na suíte de Cannon, o guarda-costas se postou do lado de fora da porta, enquanto entrávamos. Cannon se sentou na beira da cama e tirou o curativo do braço. Examinou a tatuagem à luz do abajur, virando o braço de um lado para o outro. O telefone vibrou novamente e desta vez ele atendeu.
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— Alô. É, estou de volta. Nada. Só queria brincar um pouco nos caça-níqueis lá embaixo. Não, Jonathan, não tem necessidade nenhuma de você vir aqui. Estou bem, só queria jogar um pouco antes de ir embora amanhã. Só isso. Nada. Eu te disse, estou bem. É, Carl falou comigo. Ele não sabe que eu já tenho outra banda pronta para começar, sabe? Não, não, eu não disse. Eu teria dito eu mesmo se quisesse que ele soubesse. Estou cansado. Vou dormir. Não, já liguei para o serviço de despertador do hotel. Certo. Boa noite. Agora, o que você vai fazer? Cannon
tirou
seu
disfarce
de
nerd,
dobrou
o
jeans
cuidadosamente sobre a cama e foi para o chuveiro. Ficou um longo tempo embaixo da água quente com a cabeça baixa, a posição em que tinha ficado quase a noite toda. Você não decidiu ainda o que fazer, não é, Cannon? Minhas emoções não estavam intensas, mas mesmo que estivessem eu não conseguiria fazê-lo me ouvir por causa do barulho do chuveiro. Você está se sentindo puxado em duas direções opostas. Carl, Dan e Jeff — são caras bacanas, talentosos. Você não quer magoá-los e prejudicar a carreira deles, mas tem também a outra banda, a banda que eu nunca vi, que nem conheço, formada pelos seus amigos, e para a qual você compõe secretamente e grava suas músicas. Você tem que fazer uma escolha e não quer. Quando Cannon saiu do chuveiro, colocou o roupão do hotel, parou em frente à pia e secou o cabelo com uma toalha. Então colocou uma cueca e uma camiseta branca. O jeans que tinha usado ainda estava dobrado sobre a cama.
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Cannon enfiou a mão no bolso da calça, sobre a cama, e a princípio pensei que ele estava procurando o celular, que se encontrava sobre a mesinha de cabeceira. Quando tirou a mão do bolso, sua mão estava fechada. O que é isso, Cannon? Ele jogou na boca o que quer que estava em sua mão. O que você tomou? Fosse o que fosse, parecia branco; pude ver fragmentos de alguma coisa em sua língua quando ele fez uma careta. Pegou uma garrafa de água sobre a mesinha de cabeceira, tirou o lacre e tomou um gole. Lambendo os lábios, ele voltou a enfiar a mão no bolso da calça. Quando tirou a mão, alguma coisa rolou pelo chão, algo pequeno e branco. Fiquei olhando enquanto a coisinha branca rolava no carpete até parar perto de uma cadeira. Cannon pôs na boca o que estava na sua mão, enquanto se agachava. Com o rosto encostado no carpete, só pude adivinhar o que seria a tal coisa. Era um comprimido, redondo, com o número 80 inscrito nele. Embora eu não pudesse ver o comprimido muito bem, dei um peteleco nele com o dedo. Do outro lado estava escrito “OC”. Ah, não, Cannon. Foi isso que você foi fazer na Freemont Street! Foi comprar Oxycontin e sabe-se mais o que daquele cara, não foi? Quantos desses comprimidos você tomou? Eu precisava me acalmar ou ele me ouviria. Sua palma foi novamente até os lábios. Eu vi três ou quatro comprimidos azuis alongados na sua língua antes que ele os engolisse com outro gole de água. Engoliu tão rápido que chegou a engasgar.
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Será que eu deveria intervir? Seria essa uma situação que colocava a vida dele em risco? Cuspa isso, por favor, implorei enquanto lágrimas invisíveis escorriam pelo meu rosto, lágrimas que nunca vieram. Cannon, porém, parou de tossir e engoliu os comprimidos. Então ele ficou de joelhos, desesperado para encontrar o comprimido que tinha caído no chão, mas não procurou por muito tempo, pois o coquetel de comprimidos já estava começando a surtir efeito sobre o seu corpo. Ele ficou de pé, trôpego como alguém embriagado, e caiu de costas sobre a cama. Suas bochechas estavam anormalmente vermelhas, as bordas dos seus olhos anormalmente brancas e suas pálpebras fechadas. Não, não, Cannon, o que você fez? Por quê, por quê? Então o “Me desculpe” era o seu aviso ao mundo de que ia tirar a própria vida? Eu deveria saber. Por que não previ isso? Por que não posso ler a sua alma? Cannon, oh, Cannon! Seus olhos estavam fechados. Tentei dar uma batidinha na sua bochecha com a mão, mas a minha mão atravessou sua carne e seus ossos como a mão de um fantasma. Um toque determinado e cheio de propósito, aliado ao desejo e à necessidade. Um toque determinado e cheio de propósito, aliado ao desejo e à necessidade. A instrução ecoava dentro da minha cabeça até que eu achei que começaria a gritar. Desta vez, quando minha palma encontrou seu rosto, eu fiz contato. Os olhos de Cannon se abriram. Ele piscou e abriu a boca. — Quem é você? — ele perguntou. Então, seus olhos voltaram a se fechar.
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Cannon, acorde, por favor. Fique acordado. Você tem que se manter acordado. Vamos! Ele estava totalmente grogue, letárgico, com o corpo flácido e imóvel. Eu precisava dar um jeito para que Jonathan viesse ao quarto dele. Dei dois passos rápidos e tentei atravessar a parede que separava a suíte de Cannon da de Jonathan, ignorando a sensação de sucção ao me mover através de algo sólido. Mas era inútil! Fui puxada de volta antes de atravessar a parede. Cannon estava longe demais. Eu tenho que fazer você chegar mais perto, Cannon. Mas a quem eu queria enganar? Eu não conseguia nem erguer um livro do chão, o que me fazia pensar que conseguiria erguer um homem de oitenta quilos da cama, mesmo estando com as emoções a mil por hora? Eu mal conseguia erguer suas pernas do colchão e, quando tentei me apoiar na cabeceira da cama e empurrá-lo com os pés, seus ombros mal se moveram um centímetro e o resto nem saiu do lugar. Eu me elevei sobre Cannon, batendo as asas de maneira irregular. O que vou fazer? O que vou fazer? Pense, pense, PENSE! A respiração de Cannon estava arrastada, seu peito subindo e descendo irregularmente e cada vez mais devagar. Eu me sentei ao lado dele e, depois de três tentativas, consegui segurar sua mão na minha e acariciar a parte de dentro do seu braço com os dedos. Li as palavras enquanto meu dedo acariciava seu braço. Me desculpe. Me desculpe. A pele sob as palavras estava inchada e tão vermelha quanto as bochechas, as
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bordas levemente inchadas em comparação ao resto da pele do braço. Era eu que devia pedir desculpas; eu não sabia o que fazer. Cannon, meu amor, Cannon. Eu te amo tanto. Encostei meu rosto no dele. Seu hálito morno mal tocava a minha pele. Beijei sua testa, que estava úmida de suor, mas não me importei. Meus lábios fizeram contato, pressionando gentilmente antes de afundar na sua pele. Quando me afastei, os olhos de Cannon se abriram e se fecharam. — Meu anjo? Sim, sou eu. Estou aqui. Cannon, abra os olhos outra vez, por favor. Oh, Deus, o que eu faço? Então eu pensei — já sei, 911, o serviço de emergência. Com as costas da mão bati no fone sobre a mesinha de cabeceira e fiquei de joelhos. Mas mesmo com uma vontade determinada e cheia de propósito, meus dedos não conseguiram apertar os botões do telefone. São só três números. Eu posso fazer isso. Eu posso fazer isso. E acabei conseguindo. — 911, qual é a sua emergência? — Mande uma ambulância, rápido! — Alô, é uma emergência? — Sim, pode me ouvir? — Você precisa falar mais alto. É uma emergência? — Sim. —
Já
tenho
sua
localização.
ambulância. Fique no telefone se possível.
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Estou
enviando
uma
Mas eles chegariam a tempo? Meu Cannon estava morrendo e eu tinha que mudar o destino. Eu tinha que salvá-lo. Will, Will, está me ouvindo? Ah, essas paredes à prova de som... Will! Cannon estava longe demais para que eu pudesse atravessar a parede até o quarto de Jonathan, mas eu podia me jogar contra a parede, em vez disso, fazendo barulho para alertá-lo. Corri pelo quarto com desejo e propósito, deixando que a lateral do meu corpo batesse na parede, mantendo as asas fora do caminho. Fiz isso uma, duas, três vezes. “Bang! Bang! Bang!” Então sentei-me numa cadeira, empurrando-a com o ombro para que batesse contra a parede, antes de chutar uma lata de lixo contra a porta da frente numa tentativa desesperada de chamar a atenção dos guardacostas postados do lado de fora. Vamos,
Cannon,
fique
comigo. Sua
respiração
estava
superficial demais, tão fraca que mal era perceptível aos olhos de um ser humano. Eu abri as asas e me deitei sobre ele, as pontas das penas envolvendo gentilmente o seu corpo.
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Vinte e um — Cannon, você está bem? Afinal, que tanto barulho é esse? A voz começou como um sussurro e a batida na porta foi suave, mas à medida que os segundos se passavam sem que houvesse uma resposta, a voz foi ficando mais alta e cheia de pânico e a batida se transformou em murros contra a madeira da porta. — Cannon! Cannon! Abra a porta! Eu estava na porta, os dedos na fechadura, prontos para virar a chave e deixar a pessoa do outro lado pensando que a porta estava destrancada, mas eu não precisei fazer isso. Outra voz, uma voz diferente, soou: — Chamaram a emergência deste quarto. Todas as chamadas para 911 são monitoradas pela segurança do hotel. Com um clique, a porta foi destrancada e aberta. Jonathan estava ao lado de um homem de terno e gravata. Os guarda-costas estavam atrás deles. — Cannon! Cannon! — Jonathan correu para a cama, agarrou Cannon pelos ombros e sacudiu-o levemente. Então ele se voltou para os guarda-costas, apontando o dedo para eles, os lábios contraídos, o olhar ardente. — Não deixem ninguém chegar perto deste quarto, exceto os paramédicos, e não abram o bico! 263
Will flutuava perto do teto acima de Jonathan e eu me juntei a ele. — Will, que bom te ver. Eu não sabia o que fazer — sussurrei. — Não há nada que possa fazer a não ser observar e esperar, e manter suas emoções sob controle. Parece que ele deu o seu último suspiro. — Não, não, ele não pode morrer! Ainda precisa fazer muita coisa na vida. Não pode simplesmente deixar para trás todos os problemas não resolvidos desse jeito. Isso não é justo com ninguém. Não é justo comigo. Um tempo atrás, achei que Jonathan era um covarde, mas agora vejo que é Cannon quem tem medo de enfrentar o mundo. Jonathan colocou dois dedos no pulso de Cannon. — Não sei dizer se ele tem pulsação. Droga, não sei como se faz isso. — Ele colocou a mão na frente das narinas de Cannon. — Não sei nem se está respirando. — Jonathan deu uma batidinha na bochecha de Cannon. Depois ergueu o braço dele, leu a tatuagem e deixou o braço cair, flácido, sobre a cama. — Espere no corredor, por favor! — Jonathan gritou para o homem de terno. O homem obedeceu com relutância. Uma das malas de Cannon estava no chão, parcialmente aberta. Jonathan vasculhou a mala e tirou dali uma camiseta de mangas compridas. — Que diabos está tentando fazer? Droga, Cannon! O corpo sem vida de Cannon tornou a tarefa duas vezes mais difícil, mas Jonathan finalmente conseguiu tirar a camiseta de
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mangas curtas e vestir a outra, que cobria a nota de suicídio tatuada. Um policial apareceu na porta. — Uma ambulância está a caminho. — Os lábios dele estão ficando roxos. O policial correu para a cama. — O que aconteceu? — Eu não sei. Acabei de encontrá-lo assim. — Faça uma respiração boca a boca, Jonathan. Vamos. Faça algu- ma coisa. — Calma, Ashley. Só observe e espere. Jonathan delicadamente colocou a cabeça de Cannon para trás e apertou o nariz dele, mas antes que cobrisse os lábios de Cannon com os seus, dois paramédicos irromperam no quarto. Jonathan deu um salto para trás e gritou: — Ele não está respirando! Em minutos, os paramédicos abriram as vias aéreas de Cannon, colocaram uma máscara de oxigênio sobre seu nariz e boca e inseriram uma agulha intravenosa no braço onde não havia tatuagem. Enquanto os paramédicos trabalhavam para estabilizar Cannon e o colocaram sobre a maca de transporte, o policial ficou no canto do quarto com Jonathan. A certa altura balançou a cabeça, consternado. — Nem posso acreditar. Cannon Michaels. Minha filha estava no show esta noite. Jonathan começou a falar, mas o policial levantou a mão e disse:
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— Não se preocupe. O hospital já está preparado para recebêlo. Ele vai receber tratamento VIP, que inclui um quarto particular, total confidencialidade e guarda-costas. A imprensa nem chegará perto dele. O policial tirou do bolso um bloco e uma caneta. — Então foi o senhor que chamou a emergência? — Não, não faço ideia de quem tenha chamado. — Quando chegou ao quarto, tinha alguém com ele? — Não, o quarto estava trancado. Foi o segurança do hotel que abriu. Cannon deve ter feito a ligação. — O senhor tem ideia do que aconteceu com ele? — Não, nenhuma ideia. — Agora eu tenho que fazer uma pergunta. Ele podia estar sob efeito de alguma coisa, álcool, drogas ou medicação? — Hum, nada ilegal. — Jonathan limpou a testa com as mãos trêmulas.
—
Ele...hã...
sofreu
um
acidente
ontem.
Você
provavelmente ouviu a respeito. Não sofreu nenhum ferimento grave, mas pode ter tomado algum medicamento para a dor. — É, ele caiu de uma escada, não foi? — Isso mesmo, e saiu com a banda depois do show de hoje à noite. Não sei aonde foram, mas acho que voltou faz mais ou menos uma hora e meia. Ele reclamou hoje de que estava com dor nas costas, então provavelmente tomou alguma coisa. Jonathan cruzou os braços e suspirou. Os paramédicos ergueram Cannon na maca, prendendo suas pernas com um cinto. Jonathan franziu a testa e perguntou quando estavam saindo pela porta. — Ele vai ficar bem?
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Um dos paramédicos olhou por sobre o ombro para responder: — Não sabemos. Vamos fazer tudo o que pudermos, senhor. Enquanto levavam a maca, eu flutuava acima dela. O corredor estava vazio, apesar de Las Vegas ser a cidade que nunca dorme. Eles usaram o elevador de serviço para preservar a identidade de Cannon dentro do hotel, mas havia um grupo de curiosos postados perto da ambulância estacionada, esperando para ter um vislumbre de alguma tragédia, qualquer uma que fosse, envolvendo alguém que eles nem sequer conheciam. Com a máscara de oxigênio sobre o rosto e um cobertor cobrindo-o até o peito, Cannon estava irreconhecível. Os curiosos cercavam a ambulância, com a mão na boca, observando, especulando sobre o que poderia ter acontecido. Um jovem, com ar de universitário, apontou e disse de um jeito presunçoso: — Viu? Eu estava certo, é um homem. Você me deve cinco pratas. O homem levado pela ambulância podia ter sido vítima de um ataque cardíaco. Podia ter escorregado no chuveiro e batido a cabeça ou até se engasgado com um osso de frango. Ninguém sabia que era Cannon Michaels e que ele tinha tentado o suicídio naquela noite e quase conseguido o que pretendia.
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Vinte e dois Existem anjos em todos os lugares, é claro, mas os anjos cujos protegidos são pacientes de hospitais têm algo diferente. Esses anjos estão em profunda meditação. A cabeça quase encostada no peito e as palmas das mãos juntas, em prece constante. Quando cheguei perto, pude ouvir o que eles diziam; estavam rezando pelos seus protegidos, rezando silenciosamente num ritmo que fazia cada prece parecer uma pequena canção. Imaginei que eu deveria rezar por Cannon, mas eu não estava acostumada a rezar. Só tinha feito isso algumas vezes, e pelos motivos mais frívolos possível, como pedir para um time ganhar um jogo de futebol ou ser escolhida para participar de um encontro de ex-alunos, mas o mínimo que eu podia fazer era tentar. No pronto-socorro, tiraram as roupas de Cannon, mas não sua dignidade. Os médicos e enfermeiras tomaram todo cuidado ao tirar seu sangue e checar seus sinais vitais, todas as vezes em que foi preciso. A movimentação era febril — embora controlada e organizada —, incluindo as ordens dadas aos gritos, a maioria incompreensível para mim. Mas eu entendi realmente o que estava acontecendo quando o bipe da máquina a que Cannon estava ligado tornou-se uma linha
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contínua, sem interrupção, enquanto atravessava a tela. Um desfibrilador foi arrastado até o lado da maca. O médico que segurava as placas metálicas do aparelho gritou para que todos se afastassem e ouviu-se um som surdo, enquanto o peito de Cannon dava um salto ao receber a descarga elétrica. Em seguida, outro grito do médico e outro choque. Havia muitas pessoas e muitos anjos no cubículo estéril, com um forte cheiro de desinfetante. Eu fui me abaixando devagar até me sentar no chão, perto da máquina que bipava, enquanto observava a linha dar um salto depois de cada choque. Na terceira vez, a linha subiu e desceu e os bipes recomeçaram. O coração de Cannon estava batendo; estava irregular, mas pelo menos estava batendo. Antes de eu perceber o que estava fazendo, vi que eu estava com a cabeça abaixada, as mãos juntas, repetindo sem parar: Por favor, viva, Cannon. Por favor, Deus, deixe-o viver. Nos dez minutos seguintes, os médicos fizeram mais testes, colheram mais amostras de sangue, e o diagnóstico acabou chegando. Cannon passou por uma lavagem estomacal e recebeu medicação intravenosa para combater as drogas que o organismo já tinha absorvido. Observar e esperar — foi isso o que eu fiz, assim como Will disse que eu deveria fazer. Cannon ficou dormindo ou inconsciente durante toda a noite, mas antes de o Sol nascer ele bocejou e abriu os olhos. Eu pairei sobre ele, a uns trinta centímetros do seu corpo, enquanto as mangas da minha túnica e vários fios do meu cabelo roçavam nos lençóis.
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Cannon piscou duas vezes antes de seus olhos encontrarem os meus. Quando ergui a mão e pousei no rosto dele, ele falou: — Estou sonhando? — Não. Seus dedos tocaram meu rosto pela primeira vez. Eu virei o queixo na direção da sua palma, fechei os olhos e deixei que meus lábios abertos roçassem no seu punho. — Você é tão linda... Quando abri os olhos, tudo à minha volta estava mergulhado em luz: meu corpo, minha túnica, minhas asas, e eu me sentia pesada e viva. Ofeguei e, quando pus a mão sobre o ombro dele, senti ar saindo da minha boca pela primeira vez depois da minha morte. Mas a coisa não parou aí. Corri a mão pelo peito dele, em direção ao umbigo, e depois para cima outra vez, parando sobre o coração para sentir o peito subindo e descendo, e o batimento contra a minha mão. — Você é meu anjo? — ele disse, fracamente. — Sou. — Fique comigo. — Seus olhos se fecharam. — Vou ficar — sussurrei, batendo as asas devagar, trazendo os lábios para centímetros dos dele, mas, um segundo antes do nosso primeiro beijo, Cannon voltou a adormecer. Ele acordou ali pelo meio-dia, mas desta vez, quando abriu os olhos, só viu Jonathan dormindo na cadeira próxima à cama, não me viu mais. Jonathan tinha ficado a noite toda entrando e saindo do quarto de Cannon, desde que ele tinha sido transferido da UTI. Ele
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teve permissão para ficar com o amigo, pois Cannon não tinha familiares
em
Las
Vegas.
Eu
ouvi
todas
as
conversas,
evidentemente, entre Jonathan e os médicos. Estava extremamente grata por Jonathan estar ali, pois eu precisava ficar perto de Will. Jonathan se mexeu na cadeira e abriu os olhos no segundo em que Cannon acordou. — Ei, como está se sentindo? Cannon molhou os lábios secos. — Péssimo. — Você quase morreu. — É, é assim que eu me sinto. — Cannon tossiu, sem levantar a mão para cobrir a boca. — Sinto como se fosse vomitar e meu peito dói. — Você quer se sentar? — Jonathan pôs sua cadeira mais perto da cama e, apertando um botão na cabeceira, colocou Cannon na posição sentada. — Tome aqui. Use isto caso precise vomitar. — Jonathan colocou um recipiente plástico sem tampa no colo de Cannon. — Obrigado. — Eu vi a tatuagem. Então era esse o seu plano, hein? Tudo aquilo de sair com a banda e se divertir, agindo como se estivesse pensando na possibilidade de assinar o contrato. Aquilo foi tudo encenação, não foi? Só estava agindo assim para pôr panos quentes antes de realizar seu plano. — Jonathan cruzou os braços e se reclinou na cadeira, rígido. — Você devia ter me deixado morrer. — Vá se danar, Cannon! Você não tem ideia do quanto estou de saco cheio de você. Você é tão egoísta! Já pensou em todas as
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pessoas que magoaria, sua família, seus amigos, seus fãs? Será que a sua vida é tão ruim assim? Pense em todas as pessoas no mundo que não sabem onde vão arranjar sua próxima refeição e nas pessoas sem trabalho ou sem ter onde morar. Cannon, você tem tudo! — No começo não estava me sentindo assim. — O quê? — Eu só estava pondo panos quentes para tranquilizar a banda, você tem razão. No começo era fingimento, mas depois comecei a me sentir mal com relação a isso. Você está certo. Eu me ressinto com Carl, Jeff e Dan por algo que nem é culpa deles. Eles na verdade são caras legais, decentes, mas, não se esqueça de que eu tenho outra banda. Também não podia deixar esses caras na mão. Não importa o que eu decidisse fazer, estaria ferrando alguém, pessoas com quem me importo. Não queria magoar mais ninguém. — Pobre Cannon... — Observe e espere, senhorita. — Eu estava tão cansado de tudo isso! Simplesmente não conseguia mais aguentar. De vez em quando, parava para dar uma olhada em mim mesmo e não gostava do que via, não gostava do que eu havia me tornado, e o oxy, cara, eu precisava do oxy. Tentei parar, mas não consegui. Precisava tomar para conseguir chegar ao fim do dia. Tentei usar o álcool como substituto e olha aonde isso me levou. — Cannon cobriu o rosto com as mãos. — Eu não conseguia mais viver assim. Não queria mais agir assim. Eu me odiava. Odiava a minha vida. Me desculpe, Jonathan. — Cannon baixou o braço direito e inclinou o interior do antebraço de modo
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que Jonathan pudesse vê-lo. A tatuagem estava coberta com gaze. — Esta mensagem é para você, Jonathan. Sinto muito por tudo. — Cannon, podemos consertar as coisas, eu prometo. Não vale a pena pôr fim à sua vida por causa disso. Nós vamos conseguir a ajuda de que precisa. — Eu já ferrei com tudo. É tarde demais. — Nunca é tarde demais — discordou Jonathan. — Meus fãs vão me odiar depois disso, todo mundo vai me odiar. — Cannon, ouça. Eu já cuidei de tudo para você. — Cuidou como? — Primeiro, você está se recuperando de uma overdose acidental de medicamentos, não uma tentativa de suicídio. — O quê? — Eu já divulguei uma nota à imprensa. Tive que fazer isso; de alguma forma eles conseguiram acesso ao relatório toxicológico. Você tinha doses letais de Oxycontin e pílulas para dormir em seu organismo. Na minha nota, eu disse que você estava tomando Oxycontin devido aos ferimentos sofridos durante o show em Denver, e eu disse que periodicamente sofre de insônia, e que tinha piorado depois da queda. Eu disse que você estava com muita dor e não conseguia dormir e, na tentativa de obter algum alívio, acidentalmente tomou muito de ambas as medicações, visto que as doses mais baixas que tomou anteriormente pareciam ineficazes. Você tem receitas médicas dos dois remédios, certo? — Tenho, mas elas já perderam a validade, lembra? — Onde você conseguiu os comprimidos que tomou? Os policiais não encontraram comprimidos ou frascos no seu quarto.
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— Um cara na rua. — Ele sabia quem você era? — Não, de jeito nenhum. — Bom, então podemos dizer que os comprimidos que você tomou foram os prescritos pelo médico. — E a tatuagem? — Cannon flexionou os músculos do antebraço e fez uma careta. — Você está promovendo uma nova canção. — Uma nova canção? — É, uma música inédita chamada “Me desculpe”. — Brenda Lee já não tem uma? —
Provavelmente
devem
existir
dezenas
de
canções
chamadas “Me desculpe”, então, dane-se, qual o problema se existir mais uma, certo? Esta é uma música pela qual você está realmente apaixonado, uma canção que você acha que será sua obra-prima, por isso tatuou o título em seu braço para dar sorte e fazer publicidade. — Eu não sei. Você acha que vão acreditar nisso? — Claro, você ligou para o serviço de emergência quando percebeu que estava em apuros. Por que faria isso se estivesse tentando se matar, não é? — Eu não liguei para a emergência. — O quê? Você ligou, sim. Não havia mais ninguém no quarto. — Jonathan levantou-se e circulou a cama, parando do outro lado. — Não, não liguei. — Bem, alguém pegou o telefone do gancho, discou 911 e respondeu “sim” quando o operador perguntou se havia uma
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emergência. Os noticiários estão falando disso o dia inteiro. Tem que ter sido você. Você só não se lembra. — Não, não fui eu. — Cannon se inclinou para a frente, apoiando-se nas mãos. — Como era a voz? Era uma mulher? Eu podia ouvir as asas de Will batendo ao meu lado, mas um pouco acima. Virei-me um pouco, então ele não pôde ver o meu rosto. — Oh, Deus, você não acha que ainda há uma garota misteriosa seguindo você por aí, acha? — Apenas me diga. — Eu não sei. A voz era quase inaudível, apenas um sussurro. Cannon, tinha que ser você. Não deixe o seu medo de fantasmas deixá-lo paranoico a respeito disso agora. Se não se lembra de ter ligado, ah, bem, você vai dizer às pessoas que ligou quando percebeu que tinha tomado mais comprimidos do que devia, mas estava muito chapado para falar. — Mas eu a vi novamente. — Quem? — Aquela garota bonita, aquela que estava no show quando caí da escada. Ela estava sobre a minha cama. Ela deve ter chamado o 911. E então eu a vi de novo neste quarto. — Cannon, você estava sonhando. Essa garota não existe. Pense nisso, toda vez que você a viu, estava meio sonolento ou sob a influência de algo. Ela é apenas a sua imaginação. Temos coisas mais importantes para nos preocupar. — Mas quase em todas as vezes que eu a vi, eu também estava em dificuldades e precisando de ajuda.
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— Sim, e são em momentos como esse que se fica mais propenso a alucinações e fantasias. — Ok, esqueça que eu disse qualquer coisa sobre ela. Você nunca vai acreditar em mim. — Cannon cruzou os braços e mordeu o lábio inferior. — E... e a banda? — ele gaguejou. — Não se preocupe com a banda agora. Vou cuidar disso também. O importante agora é você receber a ajuda de que precisa. Jonathan cruzou o cômodo e sentou-se na cadeira, quando o médico entrou para examinar Cannon. — Will, Jonathan é um gênio. Ele realmente pensou numa maneira de tirar Cannon dessa confusão. Will flutuou para o chão ao meu lado e cruzou as asas. — Ashley, a senhorita teve alguma coisa a ver com essa ligação para o 911? — Claro! Do contrário ele teria morrido. Era uma situação de vida ou morte, certo? Will levantou uma sobrancelha. — Mas, Will, é minha função protegê-lo contra danos físicos que a meu ver vão resultar na morte do meu protegido, assim como quando eu o salvei da queda. Por que isso é diferente? — Porque você só deve usar o seu corpo e suas asas para salvaguardar o protegido, não um telefonema. Mas isso não importa agora. Você vai saber em breve se tinha chegado a hora dele ou não. — Chegado a hora dele? O que quer dizer com isso? — Minha querida Ashley, uma vez que interferiu, usando mais do que apenas suas asas, não sabemos se era a hora de Cannon Michaels morrer, mas, como eu já disse, eu acho que em breve saberemos.
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— Como? Por quê? Ainda não entendi. Mas eu nunca obtive uma resposta. Jonathan saiu da sala, enquanto uma enfermeira removia o cateter de Cannon.
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Vinte e tres — Cann, como está se sentindo? — Não muito bem. Estou bem cansado e meu corpo todo dói, principalmente a cabeça. — Eles estão te dando alguma coisa para a dor? — Querem dar, mas eu disse que não. Acho que já tomei analgésicos para a minha vida inteira, não acha? — Acho. — Carl começou a se sentar na borda da cama, mas parou antes disso. O anjo de Carl flutuava no canto da sala. — Tudo bem se eu me sentar aqui? — Claro, à vontade. — Cannon, tem uma coisa que eu preciso te perguntar. Sei que foi uma overdose acidental. Jonathan garantiu isso à banda, mas não posso deixar de me perguntar se eu fiz alguma coisa naquela noite que o tenha deixado aborrecido, se fiz algo que o levasse a querer esquecer, a não ligar para o que podia acontecer se exagerasse nos remédios. — Carl levantou a mão. — Mas não me interprete mal. Não estou insinuando que a overdose tenha sido intencional, estou apenas querendo saber se eu fiz algo para, sabe, você não pensar e só querer sair do ar. Eu pressionei você demais, naquela noite, pressionei demais para ficar com a banda, e eu sinto muito. 278
— Carl, você não precisa se preocupar. Sou eu quem tem que pedir desculpas. Eu fui um idiota. Estraguei nossa turnê inteira; e não apenas estraguei tudo para mim, mas estraguei tudo para você, Dan, Jeff e Jonathan, e todo mundo que está envolvido nesta turnê. — Mas eu fiz alguma coisa para te chatear? — Claro que não. Carl, você não deve se preocupar se estou ou não chateado com você. Você é que devia estar chateado comigo. Quando tomei aqueles comprimidos, estava só pensando em mim mesmo. — Então você está dizendo que... — Ah, não, droga, não, eu estava com tanta dor e estava tão cansado que não conseguia pensar direito. Não liguei para nada. Só engoli. Não estava pensando no que poderia acontecer. E arruinei tudo. O que vamos fazer com a turnê? — Ei, Cann, não pense no amanhã. O amanhã não importa agora. Pense apenas em chegar até o final do dia de hoje. — Como você pode ser tão gente fina comigo? Lágrimas brotaram dos olhos de Cannon. Ele piscou até desaparecerem. — Não é difícil, Cann. Eu me importo com você, você sabe. — E Jeff e Dan? Como eles se sentem com relação a tudo isso? — Bem, é claro, eles estão felizes que você esteja se recuperando, mas eu não vou mentir para você, pois no começo ficaram realmente furiosos, e nem um pouco surpresos. Dan disse que você faria qualquer coisa, até morrer, para se livrar da turnê e desse contrato.
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— Mesmo depois de ontem à noite? Mesmo depois que todos saímos juntos? Carl encolheu os ombros. — Acho que sim. — Você sabe, Carl, antes de ontem à noite, eu estava pronto para sair dessa banda, eu não me importava em quebrar o contrato, em deixar vocês na mão, mas quando estávamos naquele passeio... Não sei. Algo aconteceu em mim. Naquele momento, percebi que não poderia deixar vocês mal, e existem os outros caras, também, que eu não poderia deixar na mão. — Outros caras? Quem? Isso mesmo, Cannon. Você precisa contar a ele sobre a sua outra banda. — Cannon, querido? Uma mulher de cinquenta e poucos anos entrou no quarto. — Como está o meu menino? — Estou bem, mãe. — Seu pai está a caminho. Ele estava visitando a tia Patty, na Flórida. Ela caiu e quebrou o quadril há dois dias. — A mulher se inclinou sobre Cannon e deu-lhe um beijo na testa, enquanto segurava um trio de pulseiras de plástico que tilintavam. — O quê? Por que você não me contou sobre a tia Patty? — Porque ela está bem agora, e você tinha acabado de começar sua turnê; eu não quis incomodá-lo com isso. Carl deu um passo na direção à porta. — Eu volto mais tarde, Cann. — Já está indo? — Estou, mas volto mais tarde com o resto da banda.
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— Ok. O sorriso do anjo da senhora Michaels se ampliou no momento em que viu Cannon. Sendo o A.G. de sua mãe, esse anjo, muito bonita e roliça, conhecia Cannon desde o dia do seu nascimento. Ela o amava como se fosse o seu próprio protegido. — Você não é Nigel. — A voz do anjo retinia como um sino. — Não, sou sua substituta. — E você andou bem ocupada nos últimos dias...— Ela piscou. — É, andei. — Foi bom ver o Velho Bardo de Avon novamente. — Quem? — Ele está no corredor com o seu protegido. — Mãe, então me conte mais sobre a tia Patty. — Ela está bem, meu amor. Estou mais preocupada com você. As pessoas estão falando. Estão dizendo que talvez você... você tenha tentado se matar. — A senhora Michaels vasculhou a bolsa até encontrar um lenço. — Por favor, me diga que não é verdade. — Ela limpou os cantos dos olhos com o lenço. — Mãe, é claro que não é verdade. A mídia só gosta de pegar uma história e distorcê-la até ficar muito pior do que realmente é. Você sabe disso. — Então o que aconteceu? — Foi descuido meu. Minhas costas doíam e eu não conseguia dormir, e não me lembrava de quanta medicação já tinha tomado; antes que eu percebesse o que estava acontecendo, já tinha tomado demais.
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— E o que foi aquela queda no show? Seu pai e eu estávamos com sua tia no hospital; só ouvimos a notícia ontem à noite. É como se você tivesse um desejo de morte ou coisa assim. — Não, só fui burro, outra vez. Não chore, mãe, eu estou bem — disse Cannon, acariciando o braço da mãe. — E você não vai voltar a fazer essas tolices? — Não, não, mãe. Já tive emoções suficientes ao longo dos últimos dias. Eu prometo que vou ser mais cuidadoso. A porta do quarto de Cannon se abriu e se fechou mais vezes naquele dia do que eu pude contar. Além dos enfermeiros e médicos, Carl voltou com Jeff e Dan e um cartão assinado por alguns fãs, mas Cannon já estava sonolento àquela altura, então a conversa foi leve e não incluiu nenhum comentário sobre o futuro da banda. A senhora Michaels acabou ganhando a companhia do senhor Michaels e os dois ficaram ao lado da cabeceira de Cannon a maior parte da tarde, mesmo enquanto ele dormia. Assim, quando um
representante
da
gravadora
apareceu
para
uma
visita,
simplesmente deixou um arranjo de flores e falou rapidamente sobre o quanto a gravadora se preocupava com Cannon, como estavam felizes por ele estar bem e que, se precisasse de alguma coisa, bastava informá-los. — Ok, tudo bem — Cannon respondeu de má vontade, quando o representante deixou o quarto. Eu mantive o meu posto ao lado da sua cama, uma guardacostas dotada de asas, observando o número de buquês e balões se multiplicar a cada visitante, e só me movia quando alguém chegava
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perto o suficiente para atravessar o meu corpo com a mão, ao fazer um gesto. As conversas entre Cannon e as visitas foram amenas até Jonathan voltar na manhã seguinte, segurando um saco de papel pardo. — Que bom que você está de volta, Will, quero dizer, o Bardo de Avon. — Eu pisquei. — Então a senhorita falou com Theresa, o anjo da senhora Michaels. — Sim, eu a vi hoje cedo. Por que ela o chama de Bardo de Avon? — Theresa e eu nos conhecemos há muito tempo; antes de sermos anjos. — O quê? Eu não achava que fosse possível. — É possível, mas também muito raro, tão raro que parece uma impossibilidade. Com tantas pessoas, tantas almas e tantos anjos, é altamente improvável que duas pessoas que se conheciam quando vivas voltem a se encontrar como anjos e que os seus protegidos se conheçam. — Ah, então ela costumava chamá-lo de Bardo quando estavam vivos? — Não, na verdade, quando ela me chama de Bardo, está zombando de mim. Eu só fui chamado de Bardo de Avon centenas de anos após a minha morte. — Eu sei que você foi criado em Stratford Upon Avon, então, quando morava em Avon, você era poeta? — Sim, e dramaturgo.
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— Dramaturgo?
Oh,
meu
Deus.
Will,
você
é
William
Shakespeare! — exclamei, apertando as asas nas costas. — Eu sabia que havia alguma coisa familiar em você — Precisamente. — Por que não me contou? Isto é absolutamente incrível. Estudei muitas das suas peças, e adorava todas elas — eu disse, entusiasmada. — Minha professora de Inglês do colegial morreria por uma oportunidade como esta. Tenho toneladas de perguntas para fazer. Will colocou a mão no meu ombro. — Minha querida Ashley, minha vida na carne acabou. Guardar o meu protegido; essa é a única coisa que me importa agora. Por favor, poupe-me das perguntas, pelo menos por ora. Eu prometo que um dia poderemos falar sobre a minha carreira terrena. — Ok, acho que posso esperar, mas, Will, tenho uma pergunta que quero que responda agora. Não tem nada a ver com Shakespeare. — Vá em frente. — Você se lembra da última coisa que você me disse antes de ir embora, ontem, sobre saber em breve se eu fiz ou não a coisa certa? — Sim, eu me lembro. — Bem, você não teve chance de me explicar o que quis dizer. Eu estive pensando muito nisso, tentando descobrir. — Ah, Ashley, me desculpe. Minha intenção não era deixá-la confusa, pois não há nada que descobrir; era só um comentário. Esqueça. — Tem certeza?
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— Tenho. — Você já assistiu ao noticiário, Cannon? — Claro que não, Jonathan. Essa é a última porcaria que eu quero ver. Você pode me contar o que estão dizendo. Ou será que não vou querer saber? — Você vai querer saber, sim. — Jonathan colocou sua valise sobre a mesa, perto da cama de Cannon. — Existem especulações, é claro, de que foi uma tentativa de suicídio, mas os médicos estão dizendo que a overdose foi acidental. Carl falou em nome da banda numa entrevista ontem à noite, garantindo ao público que foi realmente um acidente. Ele disse que passou um tempo com você na noite anterior e não percebeu nenhum indício de que estava pensando em se suicidar. Ele disse que você estava feliz com a sua vida, tinha muito para viver e não havia nenhuma chance de ter tomado comprimidos demais de propósito. — Seus amigos estão agindo a seu favor, estão apoiando você. Ei, você vai adorar isso! Leanna estava no noticiário esta manhã, dizendo que estava com você após o show em Los Angeles e você estava feliz e saudável e, como ela mesma disse, “de muito alto astral”, e não havia nenhuma chance de você ter tentado o suicídio. Ouça isso: ela também disse que, se você estivesse chateado com qualquer coisa, teria contado a ela naquela noite, e ela o teria ajudado a melhorar. — Ah, claro — Cannon zombou. — Ah, e ela também disse que a médium dela previu que você teria uma recuperação rápida. — Ótimo, ela está me fazendo parecer um pirado.
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— Cannon, não se preocupe com ela, sério. Foi realmente uma entrevista decente. Ela só falou bem de você. — Qualquer outra coisa que eu precise saber? — Bem, algumas coisas que vazaram durante a noite. — Como o quê? — Você está pronto para isso? — Jonathan tirou uma garrafa de um saco de papel. — Não se preocupe, é sidra espumante — disse ele, sorrindo. — O que há para comemorar? Eu me sinto um merda e cavei para mim mesmo um buraco de onde não consigo sair. — Não, existe uma saída. O buraco acabou de se abrir para você sair. — Como é que é? Só não vá me dar falsas esperanças, ok? Jonathan abriu a garrafa e tirou dois copos de plástico da embalagem. Jogou a rolha para Cannon, que a apanhou no ar com a mão esquerda. — Cannon, você vai querer guardar essa rolha. Use um marcador permanente para escrever nela a data de hoje. — Na rolha de uma garrafa? Jonathan, sério! Você está ficando estranho. Depois que Jonathan encheu os dois copos, entregou a Cannon o mais cheio e ergueu-o na direção do teto. — Will, você sabe o que está acontecendo? — Eu acho que sim. — Diga-me. — Paciência, Ashley. Basta ficar ouvindo, a senhorita vai descobrir em breve.
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Baixei as asas e flutuei para baixo até ficar ao lado de Will, do outro lado da cama de Cannon. — Você está fora, cara. — Eu estou fora? De quê? — Do seu contrato. Eles o liberaram. — Você está brincando? — Não, está aqui. Jonathan puxou um maço de papéis dobrados do bolso interno da jaqueta. — Me deixe ver. Nem posso acreditar. Cannon deslizou para o lado da cama, pegou os papéis da mão de Jonathan e desdobrou-os. — Ah, meu Deus! Eles realmente me liberaram! — Cannon folheou as páginas, com os olhos percorrendo as palavras freneticamente. — Por que decidiram fazer isso? — Bem, nas últimas 24 horas, comentou-se nos noticiários sobre a sua batalha com a gravadora. De alguma forma, isso vazou na mídia. Acho que a gravadora não quis ficar mal aos olhos do público. Tudo o que você tem a fazer é assinar aqui. — Jonathan tirou uma caneta do bolso da jaqueta e a estendeu para Cannon. — Espere aí, não sei se quero isso agora. — Cannon, o que está dizendo? Você quase me enlouqueceu por causa disso durante meses, e agora não sabe se quer assinar? É por isso que você... — Jonathan, é mais complicado agora. Tem razão, um mês atrás, quer dizer, apenas alguns dias atrás, eu teria assinado este contrato sem pensar duas vezes, mas tive tempo para pensar agora. Você está certo, eu preciso pensar nas outras pessoas além de mim.
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— Ora, espere aí, esqueça o que eu disse. Eu não quis dizer que você tem que ficar se culpando até chegar ao ponto de querer acabar com a própria vida. Eu sinto muito por isso. Sinto muito. Isso podia nunca ter acontecido se... — Não, Jonathan, você não tem nada a ver com isso. Eu só comecei a pensar sobre o que era realmente importante na vida. Quando estava deitado na cama olhando para aquele anjo lindo, percebi o quanto o nosso tempo neste mundo é precioso e que eu deveria utilizá-lo melhor, sem importar as circunstâncias; e, em vez de tornar a vida dos outros um inferno, só satisfazendo os meus próprios desejos infantis, agora eu sei que preciso fazer o que é melhor para todos. Não só para mim. — Uau, Cannon, nem parece você falando. Eu acho que nunca vi esse Cannon antes, nem mesmo quando éramos crianças. — Então eu tenho agido errado durante toda a minha vida. Agora tenho que fazer o que é certo. — Eu ainda não acredito em anjos, Cannon, mas acredito em você. — Will, você pode acreditar nisso? Ele realmente é um Cannon diferente. — Há sempre dois lados nas pessoas; por um longo tempo Cannon mostrou um dos lados com mais frequência, enquanto a maioria das pessoas alterna entre um e outro ao longo da vida. Aparentemente, você ajudou Cannon a perceber isso. — Ah, eu fiz a coisa certa, não foi? — Will não respondeu, mas coçou a barba, sorrindo e balançando a cabeça. — Cannon, tem mais uma coisa. Dan me disse ontem à noite que ele está deixando o Sendher, está voltando para a Irlanda para
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ficar com a família. Seus pais estão ficando velhos para se cuidarem sozinhos, ele quer estar lá ao lado deles. Ele achou que este seria um bom momento para dizer isso. Você sabe, enquanto a gravadora está sendo tão generosa. Eles o liberaram também. — E Carl e Jeff? Será que sabem disso? — Cannon acenou para o contrato. — Sim, e estão um pouco nervosos, imaginando o que você vai decidir fazer. Querem continuar com a banda mesmo sem Dan. — Jonathan, eu tenho uma ideia, mas preciso fazer alguns telefonemas primeiro. Eu preciso de um tempo, um tempo sozinho, por favor. — Cannon não foi o único que aprendeu muito ao longo dos últimos dias. — O que quer dizer, Will? — Você, minha cara Ashley, não é o mesmo anjo que eu conheci naquele dia na cozinha. — Não, acho que não sou. — Um brinde, milady! Will levantou um copo imaginário na mão enquanto deslizava para fora do quarto com Jonathan. Muito bem, Cannon, o que você está planejando fazer agora?
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Vinte e quatro — Então, o que acham? — Cannon estava em pé ao lado de um grande cartaz apoiado num cavalete. Bem, só sei que “eu” gosto. Carl pôs as mãos nos quadris e balançou a cabeça: — É isso aí, na mosca. — Não poderia ser melhor. E você sugeriu um nome e tanto, Cannon. — Marcus sorriu orgulhosamente. — Ei, não me dê todo o crédito. Só pensei na parte do “Angel”. Foi ideia sua acrescentar o “her”. — É, Angelher, adorei. — Neil se aproximou do cartaz e espanou um fiapo grudado no canto. A letra do nome da banda era curvilínea, mas masculina. A palavra “anjo” estava escrita em branco com contorno em preto, e a palavra “her” estava escrita em preto e delineada em branco. Sob o nome “Angelher” havia um par de asas, asas de anjo. A asa sob a palavra “Angel” era preta, e a que estava sob a palavra “her” era branca, dando ao desenho todo um efeito yin e yang, os opostos complementares, fazendo-me pensar também nas pessoas e em seus A.G.s. Eu adorei, de fato, e Will adorou também. A primeira vez que ele viu o desenho, disse que era “agradavelmente apropriado”. E de fato era “agradavelmente apropriado”, visto que Angelher era a combinação de duas bandas: Cannon, Carl e Jeff do Sendher e Marcus e Neil, membros da banda secreta de Cannon, que nem
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tinha ganho um nome ainda. Unir as bandas foi a solução perfeita. Era uma banda grande, mas não tão grande quanto teria sido se Dan não tivesse desistido, mas eles coletivamente achavam que ia ser um sucesso. Marcus substituiu Dan na bateria e Jeff, que costumava
alternar
entre
o
baixo
e
o
saxofone,
tornou-se
exclusivamente saxista, enquanto Neil se juntou à banda para ser o baixista. “Angelher”, eu não podia deixar de pensar que eu tinha algo a ver com a parte do nome da banda que Cannon tinha sugerido. Eu era seu anjo, afinal de contas. -- Ok, preparem-se. Vou mostrar agora o esboço da capa do álbum. — Neil não era apenas músico, mas também artista. O novo contrato do Angelher com a mesma gravadora permitia que a banda criasse a capa do novo álbum. Na primeira reunião da banda, Cannon sugeriu que fizessem algo
inspirado
na
capa
do
lendário
disco
dos
Beatles,
SergentPepper, uma foto da banda na parte inferior, com uma colagem de números e imagens aleatórias de vários tamanhos mais acima. Todo mundo adorou a ideia, pois todos os membros poderiam contribuir com a colagem. Neil mostrou outro cartaz que estava por baixo do primeiro e ajustou-o na parte da frente do cavalete. — Tchan-tchan! — Incrível! Mas está faltando uma coisa... — Cannon puxou a carteira do bolso de trás da calça. Dobrada como uma cédula, havia um pequeno pedaço de papel com um desenho. Carl tentou ver o que era por cima do ombro de Cannon. — O que é,Cann?
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— Bem, estou com essa imagem na cabeça há muito tempo e, ontem à noite, por alguma razão, a imagem ficou mais nítida do que de costume, então saí da cama às duas da manhã e desenhei. — Cannon abriu e alisou o papel sobre o esboço da capa do álbum e segurou-a com dois dedos, acima da sua cabeça na foto. Era um anjo, mas não qualquer anjo; era eu. Cannon, então era isso que você estava fazendo! Que honra, que homenagem; eu estava atordoada. — Ela é linda, quem é? — É ela: Angelher.
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Vinte e cinco Eu sei que a maioria das pessoas adoraria poder me ouvir dizer que tudo acabou bem depois disso. Que essa nova banda de Cannon foi um sucesso total, que ele fez terapia e obteve a ajuda de que precisava, que Jonathan continuou a ser seu empresário, que a relação entre Jonathan e ele deixou de ser como era devido ao egoísmo de Cannon, e que Cannon continuou sendo o “novo Cannon”. Tudo começou assim, porém... Era o dia da estreia do primeiro álbum do Angelher. A banda estava em Nova York para uma sessão de autógrafos do CD. Depois de
quatro
horas
autografando,
Cannon
e
os
outros
ainda
conseguiam sorrir para os fãs, apertar as mãos de todo mundo e suportar o brilho dos flashes das câmeras. Não uma, mas duas limos chegaram quando a sessão de autógrafos terminou. Carl, Dan, Marcus, Jeff e Neil entraram juntos numa limusine para voltar ao hotel, e Cannon e Jonathan entraram em outra. Era o aniversário de Jonathan, e ele ia comemorar jantando com os pais. Evidentemente, convidou Cannon, seu melhor amigo, para comemorar com eles. Nós já estávamos atrasados, pois a banda tinha se disposto a assinar todos os CD até se esgotarem e não deixar ninguém sair sem autógrafo.
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O trânsito estava horrível como sempre é nessa cidade. A limusine estava dentro do limite de velocidade; não havia outro jeito com todo aquele tráfego. O motorista pegou uma saída e seguiu na direção da interseção que levaria à autoestrada. Jonathan olhou o relógio várias vezes e repetiu que não poderia chegar atrasado ao jantar, pois os pais tinham feito reservas no restaurante favorito de Jonathan. O semáforo no final da rua estava vermelho, mas assim que a limo desacelerou, ele ficou verde. Lembro-me de ter pensado: “Uau, é o aniversário de Jonathan, por isso é seu dia de sorte! Se alguém merece este semáforo verde, com certeza é ele”. Mas, assim que a limusine acelerou para atravessar o cruzamento, tudo aconteceu como em câmera lenta. Will e eu estávamos sentados bem na frente dos nossos protegidos. Eu vi Will se mover primeiro, então estendi as asas e me lancei para a frente, aconchegando Cannon em meu peito. Com os braços e asas firmemente em torno do seu corpo, voamos para a frente da limusine e minhas costas bateram no encosto do assento do passageiro, mas eu não o soltei do meu abraço. Quando a limusine sofreu o impacto da batida, desabamos outra vez no banco de Cannon. Minhas asas se amassaram e se abriram diante de mim quando o corpo de Cannon foi jogado de encontro a elas. Eu não soltei Cannon dos meus braços até que tudo ficou em silêncio e, quando o fiz, vi que o seu corpo estava flácido e ele estava caído no banco com a cabeça tombada para o lado. Um filete de sangue escorria pelo canto da boca e os olhos estavam fechados.
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Will estava debruçado sobre Jonathan, que gemia baixinho e virava a cabeça de um lado para o outro. — Ele vai ficar bem. Sim, ele vai ficar bem. — Mas Will, e Cannon? Will balançou negativamente a cabeça. — Eu lhe disse que iríamos saber no devido tempo. — O que quer dizer com isso? Você me disse para eu não me preocupar com o que você tinha falado. — Eu
sei.
Eu
estava
poupando-a
de
se
preocupar
desnecessariamente até que chegasse o momento. Quando a senhorita salvou Cannon, chamando o serviço de emergência, interferiu de uma forma não apropriada. É óbvio agora que ele deveria ter morrido naquela ocasião. Era a hora dele e, como ele não morreu, então a morte teve que finalmente ir ao encontro dele, como hoje aconteceu. — Então ele vai morrer? Não há nada que eu possa fazer? — Receio que não. Basta esperar e observar, isto é tudo que a senhorita pode fazer. “Tão sábio e tão jovem, como dizem, nunca haverá longa vida.�” — Quem disse isso? Isso não é justo. Ele não pode morrer. Ainda tem muito o que fazer, seu álbum só saiu hoje. A banda está ansiosa pela turnê que vão fazer juntos. Ele não pode morrer! Ainda não! Peguei o pulso de Cannon, facilmente desta vez e sem nem ter que pensar a respeito. Oh, Cannon, meu doce Cannon. Cannon abriu os olhos e olhou para mim. Inclinei a cabeça. Alguma coisa estava acontecendo, eu podia senti-lo, sentir sua
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alma. Senti sua raiva, sua tristeza, sua felicidade, sua dor. Eu estava sendo bombardeada com cada emoção, cada sensação e cada experiência pela qual ele já tinha passado ao longo da vida. Meu corpo formigava; respirei fundo, pela segunda vez desde a minha morte, absorvendo a essência de Cannon. Eu tinha conseguido, lido a sua alma. Então seus olhos se fecharam e estávamos em outro lugar, mas num lugar que eu reconheci.
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Vinte e seis — Por aqui, monsieur. — Monsieur? Está falando comigo? — Cannon apontou o dedo para o próprio peito. Um peito sem batimento cardíaco. — Sim, por aqui. É hora de se juntar aos outros na fila número três. O homenzinho ajeitou a gola de babados. — Mas onde estou? — Assim que Cannon falou, três filas de pessoas apareceram na frente dele. Cannon se virou lentamente para dar uma olhada no lugar, uma sala cheia de luz pura e brilhante. Quando ele estava prestes a caminhar na direção da segunda fila, eu peguei no braço dele. — Fila errada, Cannon. É hora das suas Boas-Vindas. “Esta” é a sua fila. — Mas onde estou? — Está num lugar seguro, um lugar cheio de amor e paz. Você não é mais um ser mortal de carne e osso. Fez a travessia final da mortalidade terrena para a imortalidade celestial. Cannon — eu disse suavemente — você está no meu mundo agora. — Eu o levei até a terceira fila, atrás de uma criança de pijama de flanela que segurava a mão de um anjo com a aparência de um vovô. Meu corpo formigou quando nos tocamos, a sensação começando na ponta dos dedos e chegando até o ombro.
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— Ah, Cannon, eu queria tocar você há tanto tempo! E agora posso tocá-lo sem nenhum impedimento! — Inclinei a cabeça e pisquei. Então limpei o sangue no queixo dele com os dedos. Ele precisava se barbear. Seu queixo estava áspero como uma lixa. — E você, pode me sentir? — Sim, posso sentir você. Quero sentir você. Quero tocar em você — disse Cannon, pondo a mão sobre a minha quando meus dedos deslizaram pelo seu queixo. Dois
passos
à
frente
e
estávamos
a
apenas
alguns
centímetros de distância um do outro. Hipnotizada, estendi os braços sobre os ombros dele até minhas mãos chegarem à sua nuca, mergulhando meus dedos em seus cabelos. Ele me puxou contra o peito, enlaçando meu corpo por baixo das asas, pressionando seu corpo contra o meu febrilmente. Eu rocei os lábios na lateral do seu pescoço e beijei sua bochecha, logo acima do queixo. Ele correspondeu ao beijo, um beijo suave nos meus lábios, antes de descansar o queixo sobre o meu ombro e apertar os braços em torno da minha cintura. Então sussurrou no meu ouvido: — Mas isso parece um sonho — ele disse, beijando meus lábios e afastando-se lentamente, ao acrescentar: — Eu não quero que isso acabe. — Isso não é um sonho, Cannon. Você já está acordado. Cannon fechou e abriu os olhos quando coloquei uma mão em cada lado do seu rosto. Pela primeira vez, notei que o verde profundo das suas íris tinha minúsculos pontos castanhos. Ele entreabriu os lábios corados e tentou respirar. Pequenas linhas se
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formaram entre as sobrancelhas enquanto ele se esforçava para entender o seu novo ser. — Cannon, está tudo bem. Não se assuste. — Mas eu não consigo entender. — Cannon, me escute com atenção. — Peguei suas mãos firmemente nas minhas. — Você estava numa limusine com Jonathan, lembra? Cannon piscou. — Lembro. -- Vocês iam se encontrar com os pais de Jonathan para jantar, mas nunca chegaram àquele restaurante. Aconteceu um acidente, e você está... — Eu apertei as mãos de Cannon. — E você não sobreviveu. — Então, você está dizendo que estou... morto, e que isso é... — Cannon relaxou as mãos nas minhas. — Sim, mas não se preocupe. Não tenha medo. Tudo será explicado a você durante as suas Boas-Vindas. Elas vão lhe trazer felicidade eterna, contentamento e uma total compreensão do universo. — Só não me deixe, ok? — Cannon me aconchegou em seu peito novamente, colocando os braços sob as minhas asas e em torno da minha cintura. Esse beijo durou mais do que os outros. Eu entreabri os lábios para aceitar a sua língua antes de ele se afastar. — Eu sei quem você é — Cannon pegou sua carteira no bolso, abriu-a e tirou dali duas penas brancas, uma um pouco menor do que a outra.
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— Eu não sabia que você as tinha guardado. Não vi você fazendo isso. — Posso ficar com elas? — Claro que pode! — Eu corei sem que as minhas bochechas ficassem vermelhas. — Você é meu anjo da guarda, não é? — Cannon guardou as penas no bolso do jeans e descartou a carteira. — Sim, meu nome é Ashley. Eu era o seu anjo da guarda, mas fiz mais do que apenas proteger você; eu me apaixonei por você, Cannon, de uma forma que um anjo não deveria amar o seu protegido — confessei lentamente. — E eu me apaixonei por você. Acho que te amei desde a primeira vez que te vi, mesmo pensando que você fosse alguém que eu tinha apenas imaginado. Tentei me convencer de que você não existia, mas não conseguia parar de pensar no seu rosto. Quanto mais eu pensava, mais real você ficava, e então vi você de novo quando estava no hospital, e eu soube. Cannon levou as minhas mãos até os lábios e beijou-as. Inclinei-me para ele, deixando seus lábios voltarem a cobrir os meus e ele os prendeu suavemente. — Cannon, vou ficar com você enquanto for possível, mas eu sou um anjo da guarda, eu... Um anjo com cabelos grisalhos e encaracolados e barba de Papai-Noel irrompeu da primeira fila e correu para a terceira fila para puxar a minha asa. — Ashley. — De uma forma estranha, ele parecia familiar, mas eu sabia que nunca o tinha encontrado pessoalmente. Ele era mais como alguém que eu vira num sonho.
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— Quem é você? Espere aí. Acho que sei quem você é. Você era o meu anjo da guarda. — Isso mesmo, e na verdade devo pedir desculpas por minha ausência após a sua morte, mas garanto que nada foi por acaso. Na verdade, foi intencional. — Intencional? Por quê? — Não é preciso uma explicação, pois estou satisfeito com o resultado. Agora venha comigo para a fila número um. — Mas eu quero ficar com o meu protegido todo o tempo que puder. Ele precisa de mim. Eu quero dar a ele o que eu não tive. — É hora das Boas-Vindas dele. Este é o lugar onde o relacionamento entre vocês termina. — Meu ex-anjo apontou para a frente. O anjo com aparência de avô na nossa frente na fila abraçou o seu protegido, antes de se retirar e a criança desaparecer. — Ashley, não me deixe, por favor! — Cannon implorou, ainda segurando a minha mão. Meu ex-A.G. me puxou de novo pela asa. — Ashley, é hora de ir. — Mas, eu não quero deixá-lo também. Nos dê só mais um tempo juntos, por favor, ou me deixe ir com ele. Talvez eu possa descobrir uma maneira de... — Ashley, o que você quer é impossível. Você é um anjo da guarda, tem um dever, tem uma obrigação com o seu novo protegido, não com o antigo. Agora, por favor, é hora de ir. — Mas, eu... Meu ex-anjo cruzou os braços e balançou a cabeça.
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— Ashley, seu relacionamento com o seu ex-protegido deve acabar aqui. Não há outra escolha. Você sabe disso. Você tem uma nova responsabilidade. — Oh, Cannon, me desculpe. Sinto muito. Eu quero ficar com você, sabe que quero, mas não é permitido. Eu não posso ser mais o seu anjo da guarda — eu disse, seguindo o meu antigo A.G. e entrando na fila ao lado da de Cannon. — Agora, fique aí na sua fila e tudo ficará bem. Eu prometo. Eu te amo, Cannon. Eu vou sempre te amar, lembre-se disso. — Ashley, espere! — Cannon gritou, pegando minhas penas do bolso enquanto meu ex-anjo da guarda se desvanecia. — Cannon, não! — Senti um puxão na minha asa, um puxão frenético vindo de dedos desesperados e uma mão forte. — Cannon! — eu gritei através de um flash de luz ofuscante. Então, numa lenta espiral, sem sentir o peso do meu corpo, caí de volta na Terra em meio a um feixe de névoa e luz, como se eu estivesse de pé no topo de um balão gigantesco, arrastado para o chão por alguém que o puxava pela corda, enquanto era levada até a minha nova missão.
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