The Mechanical House: Architecture as a Machine

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A CASA MECÂNICA

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A MÁQUINA SOB A FORMA DE ARQUITECTURA


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N I V E R S I D A D E

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I S B O A

Faculdade de Arquitectura e Artes Mestrado Integrado em Arquitectura

A CASA MECÂNICA: A máquina sob a forma de arquitectura

Bruna Isaque Serralheiro

Lisboa Dezembro 2011



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I S B O A

Faculdade de Arquitectura e Artes Mestrado Integrado em Arquitectura

A CASA MECÂNICA: A máquina sob a forma de arquitectura

Bruna Isaque Serralheiro

Lisboa Dezembro 2011



Bruna Isaque Serralheiro

A CASA MECÂNICA: a máquina sob a forma de arquitectura

Dissertação apresentada à Faculdade de arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa para a obtenção do grau de Mestre em Arquitectura.

Orientador: Profº Doutor Arqtº Joaquim José Ferrão de Oliveira Braizinha Assistente de orientação: Arqtº Jorge Virgílio Rodrigues Mealha da Costa

Lisboa Dezembro 2011


Ficha Técnica Autora Orientador Assistente de orientação

Bruna Isaque Serralheiro Profº Doutor Arqtº Joaquim José Ferrão de Oliveira Braizinha Arqtº Jorge Virgílio Rodrigues Mealha da Costa

Título

A casa mecânica: a máquina sob a forma de arquitectura

Local

Lisboa

Ano

2011

Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa - Catalogação na Publicação SERRALHEIRO, Bruna Isaque, 1986A casa mecânica : a máquina sob a forma de arquitectura / Bruna Isaque Serralheiro ; orientado por Joaquim José Ferrão de Oliveira Braizinha, Jorge Virgílio Rodrigues Mealha da Costa. - Lisboa : [s.n.], 2011. - Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa. I - BRAIZINHA, Joaquim José Ferrão de Oliveira, 1944II - MEALHA, Jorge, 1960LCSH 1. Edifícios - Equipamento Mecânico 2. Arquitectura de Habitação - Inovações Tecnológicas 3. Máquinas - Aspectos Sociais 4. Sistemas Homem-Máquina 5. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Teses 6. Teses – Portugal - Lisboa 1. 2. 3. 4. 5. 6.

Buildings - Mechanical Equipment Architecture, Domestic - Technological Innovations Machinery - Social Aspects Human-Machine Systems Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Dissertations Dissertations, Academic – Portugal - Lisbon

LCC 1. TH6010.S47 2011


DEDICATÓRIA

Para a minha querida Mãe que tanta paciência teve e tanto apoio me deu, mesmo quando era impossível. Para meu estimado Pai que, apesar de muitas

vezes

longe

e

distante

fisicamente, esteve sempre presente no seu apoio, mas acima de tudo no coração.



AGRADECIMENTOS Agradeço à minha familía, amigos, colegas e professores pela força, motivação e dedicação ao longo do desenvolvimento deste processo de investigação. A vossa experiência e contribuíção a nível familiar, emocional e académica foi preciosa para mim. Os meus mais sinceros agradecimentos a todos vós. Gostaria de agradecer à minha Mãe e ao meu Pai pelo apoio incondicional que sempre me prestaram, à Simone Lopes, uma amiga e um apoio sempre presente, à minha querida amiga Cátia Cabaceira pela ajuda preciosa neste percurso, à minha prima Sofia pela paciência e companheirismo, à minha amiga de infância Sara Faria pelo apoio na dissertação e, por fim, ao Profº Doutor Arqtº Joaquim José Ferrão de Oliveira Braizinha e ao Profº Arqtº Jorge Mealha da Costa pela ajuda e coordenação que me prestaram.


A Casa Mec창nica


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EPÍGRAFE

“Deus criou o Homem mortal. O Homem criou a Máquina imortal. Deus retirou-se.” Simone Antunes Lopes, 2011


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APRESENTAÇÃO A Casa Mecânica Bruna Isaque Serralheiro

A arquitectura como meio de expressão do Ser Humano tem sido um veículo de informação que procurou apresentar soluções para problemáticas subjacentes às necessidades do Homem ao longo da sua evolução natural. Esta dissertação tem por objectivo estudar a forma como o conceito de arquitectura evoluiu, associando-a ao pensamento racional, onde o homem, enquanto protagonista, tenta de forma cerebral retirar partido do seu raciocinio para desenvolver mecanismos que caracterizem as funções do seu dia a dia. Desta forma, surge o conceito de máquina que cedo se associou às premissas da arquitectura, pois as estruturas são produtos do seu tempo onde a evolução tecnológica dita a própria linguagem das formas e as funções para as quais foram concebidas. Estando o homem a evoluir individualmente e em simultâneo como elemento de uma sociedade erguida e sustentada por sistemas mecânicos, procura-se explorar o modo como a arquitectura retira partido dessa tecnologia enquanto disciplina dinâmica, construíndo um contexto interactivo que determina o modo como o homem habita as cidades e as suas variações num âmbito urbano e público, e as suas habitações na esfera mais privada reflectindo a sua identidade.

PALAVRAS-CHAVE: Homem, Máquina, Mecânica, Tecnologia, Utopia e Evolução.


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PRESENTATION The Mechanical House Bruna Isaque Serralheiro

Architecture is the way of expression of the Human Being and has been a vehicle of information, which has tried to provide solutions to issues underlying human needs throughout our evolution. This thesis aims to study how the concept of architecture evolved associating it with rational thought, where the man as the protagonista, tries, in a cerebral way,

to take advantage

of his

reason to

develop new

mechanisms that

characterize the functions of your day to day. Thus, arises the concept of machine that joined early to the premises architecture, because the structures are products of their time, where the technological change dictates the language of forms and functions for which they were designed. The Man is evolving simultaneously as part of a society built and sustained by mechanical systems, attemps to explore how architecture takes advantage of this technology as a dynamic discipline, building an interactive contexto that determines how the Man lives the cities and their variations in the urban and public domains, and their homes in the private sphere that reflect their identify.

KEYWORDS: Man, Machine, Mechanics, Technology, Utopia and Evolution.


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LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 1 –“O Nascimento de Vénus” de Sandro (1482-1486), exposta na Galleria degli Uffizi em Florença, na Itália. Fonte:www.wikipedia.org ...............27 Ilustração 2 - Allen Jones com Philip Castle, Calendário Pirelli, 1973. Fonte:www.ricardofalchi.blogspot.com ..............................................................28 Ilustração 3 - Tábua de máquinas simples, de Cyclopedia de Chambers, 1728. Fonte: www.wikipedia.org/ .................................................................................31 Ilustração 4 - Da esquerda para a direita: (A) Elisha Otis no Palácio de Cristal, 1853, (B) Pistão Otis do levador hidráulico, e (C) Máquina a vapor..................32 Ilustração 5 – Desenho da Prensa Mecânica desenvolvida por Gutenberg. Fonte: www.Wikipedia.org .................................................................................34 Ilustração 6 - Frontispício da Encyclopédie (1772), desenhado por CharlesNicolas Cochin e gravado por Bonaventure-Louis Prévost. Esta obra está carregada de simbolismo: a figura do centro representa a verdade – rodeada por luz intensa (o símbolo central do iluminismo). Duas outras figuras à direita, a razão e a filosofia, estão a retirar o manto sobre a verdade. Fonte: www.wikipedia.org ..................................................................................36 Ilustração 7 - Filippo Tommaso Marinetti. Fonte: www.invisibilemag.com/tag/filippo-tommaso-marinetti ......................................38 Ilustração 8 - Manifesto Futurista publicado no Jornal Le Fígaro de Paris (20/02/1909) Fonte: www.robertovitarelli.wordpress.com/2009/03/08/il-futurismo ............................40 Ilustração 9 - Giacomo Balla, Dynamism of a Dog on a Leash, 1912. Oil on Canvas. Fonte: www.bittleston.com/artists/giacomo_balla...............................42 Ilustração 10 - Orpheu Nº 1, Revista Trimestral de Literatura, 1915 N.º 1 Janeiro - Fevereiro - Março. Fonte:www.pt.wikipedia.org .................................44 Ilustração 11 - William R. Leigh, “Great City of the Future”, Cosmopolitan, November 1908. Fonte: www.skyscraper.org/EXHIBITIONS/FUTURE_CITY/new_york_modern.htm ...46 Ilustração 12 – Cartaz do filme “Metropolis” de Fritz Lang, 1927 Fonte: www.habitarpostindustrial.blogspot.com/2011_02_01_archive.html ......47 Ilustração 13 – Rotwang, o Inventor, prepara para transferir a semelhança de Maria para a máquina. Cena do filme “Metropolis” de Fritz Lang, 1927. Fonte: www.metropolis1927.com..................................................................................49


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Ilustração 14 – Imagem da magnificência urbana de “Metropolis”. Fritz Lang, 1927. Fonte: www.metropolis1927.com ............................................................50 Ilustração 15 – Cena do filme onde Freder e Maria reúnem as crianças para as salvar de uma inundação que ameaça destruir o submundo de “Metropolis”. Fritz Lang, 1927. Fonte: www.metropolis1927.com ..........................................51 Ilustração 16 – “Metamorphosis”, 1967-68 na exposição de design para “The Greater Number Problem” na secção internacional da Trienal de Milão apresentando muitos projectos de Archigram. Fonte:www.archigram.westminster.ac.uk ..........................................................53 Ilustração 17 – Primeira revista Archigram, publicada em Maio de 1961. Autores: Peter Cook, David Greene e Michael Webb. Fonte:www.archigram.westminster.ac.uk ..........................................................55 Ilustração 18 – “Walking City in New York” de Ron Herron, colagem colorida de 1964. Fonte: www.archigram.westminster.ac.uk ...............................................57 Ilustração 19 – Desenho de Ron Herron das “Walking cities”, Archigram 1964 Fonte:www.archigram.westminster.ac.uk ..........................................................58 Ilustração 20 - Plataformas antiaéreas Maunsell da Segunda Guerra Mundial localizadas no estuário do rio Tamisa. Fonte:www.wikipedia.org .....................62 Ilustração 21 – Plug-in City de Peter Cook 1962-64. Fonte:www.archigram.westminster.ac.uk ..........................................................63 Ilustração 22 - Torre Nagakin Capsule, em Tóquio, no Japão, de Kisho Kurokawa em 1971. Fonte: Internet ..................................................................64 Ilustração 23 – Plug-in City de Peter Cook 1962-64. Fonte:www.archigram.westminster.ac.uk ..........................................................66 Ilustração 24 – Plug-in City de Peter Cook 1962-64. Fonte:www.archigram.westminster.ac.uk ..........................................................67 Ilustração 25 – Casas Capsula desenvolvidas pelo grupo Archigram, 1966. Fonte: www.archigram.westminster.ac.uk .........................................................69 Ilustração 26 – Desenhos das máquinas voadoras projectadas e pensadas por Leonardo Da Vinci em 1510. Fonte:www.wikipedia.org ....................................71 Ilustração 27 – Imagem ilustrativa do parque automóvel de Skycar city do grupo MVRDV, 2006. Fonte: Skycar City, A Pre-emptive History. Winy Maas & Grace La ............................................................................................................73


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Ilustração 28 - Imagem ilustrativa do ambiente urbano de Skycar city do grupo MVRDV, 2006. Fonte: Skycar City, A Pre-emptive History. Winy Maas & Grace La .......................................................................................................................74 Ilustração 29 – Torre Tatlin projectada por Vladimir Tatlin em 1919 para a Terceira Internacional. Fonte: wikipedia ............................................................75 Ilustração 30 – Desenho e corte tridimensional da Casa Dymaxion, Richard Buckminster Fuller, 1928. Fonte: Wikipedia ......................................................81 Ilustração 31 – Máquina para habitar Dymaxion, Wichita, Kansas, EUA, Richard Buckminster Fuller, 1944. Fonte: Wikipedia .........................................82 Ilustração 32 – Villa Girasole projectada por Angelo Invernizzi em 1929. Fonte: Wikipedia ...........................................................................................................83 Ilustração 33 – Rogers Centre, Ran Consortium Architects and Engineers, Toronto, Canada 1989. Fonte: Internet .............................................................84 Ilustração 34 – Planetário da Cidade das Artes e da Ciência, Santiago Calatrava, Valência. Fonte:Internet. ..................................................................85 Ilustração 35 – Cortes e Alçado principal da Suitcase House Hotel, Howard Chang e Gary Chang, 2001. Fonte: Internet .....................................................86 Ilustração 36 – Fotografias do interior da Suitcase House Hotel, Howard Chang e Gary Chang, 2001. Fonte: Internet .................................................................87 Ilustração 37 – Arco Hoberman, Chuck Hoberman, Salt Lake City, 2002. Fonte: Robert Kronenburg, “Flexible – Une architecture pour répondre au changement”, 2007, p. 154-155.........................................................................87 Ilustração 38 - Teatro Bengt Sjostrom/Starklight, Studio Gang Architects, 2003 Fonte: Robert Kronenburg, “Flexible – Une architecture pour répondre au changement”, 2007, p. 146-147.........................................................................89 Ilustração 39 – Brill Residence, Jones Partners, Silverlake, California, 1999. Fonte: Robert Kronenburg, “Flexible – Une architecture pour répondre au changement”, 2007, p. 172-173.........................................................................90 Ilustração 40 – Residência do Arquitecto Gary Chang, Hong Kong, 2007. Fonte: Internet ...................................................................................................91 Ilustração 41 – R129, Werner Sobek, 2004. Fonte: Kronenburg, “Flexible – Une architecture pour répondre au changement”, 2007, p. 222-223.................91


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Ilustração 42 – Base Antarctica Britânica Halley VI, Hugh Broughton Architects, 2005 Fonte: Robert Kronenburg, “Flexible – Une architecture pour répondre au changement”, 2007, p. 186-187.........................................................................92 Ilustração 43 – Esquema de algumas formas possíveis da Dynamic Tower, David Fisher, 2008. Fonte: Wikipedia ................................................................93 Ilustração 44 – Secção vertical pelo núcleo da Dynamic Tower, David Fisher, 2008. Fonte: Wikipedia ......................................................................................93 Ilustração 45 – Secção vertical do projecto académico “Cidade Linear”, Bruna Serralheiro. Fonte:Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura .....96 Ilustração 46 – Plantas do projecto académico “Cidade Linear”, Bruna Serralheiro. Fonte: Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura ....97 Ilustração 47 – Corte diagramático do projecto académico “Cidade Linear”, Bruna Serralheiro. Fonte: Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura ........................................................................................................98 Ilustração 48 – Imagem tridimensional da rua suspensa que liga habitação e comércio/lazer do projecto académico “Cidade Linear”, Bruna Serralheiro. Fonte: Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura ......................100 Ilustração 49 – Imagem tridimensional da rua suspensa que liga habitação e comércio/lazer do projecto académico “Cidade Linear”, Bruna Serralheiro. Fonte: Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura ......................100 Ilustração 50 – Plantas do piso 0, 1 e 2 da Casa Push Pop do projecto académico “Cidade Linear” Fonte: Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura de Bruna Serralheiro....................................................................101 Ilustração 51 – Corte longitudinal da Casa Push Pop do projecto académico “Cidade Linear” Fonte: Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura de Bruna Serralheiro .............102 Ilustração 52 – Corte conceptual da cidade de Almada, trabalho de grupo de Bruna Serralheiro, Daniela Mendes, Gonçalo Leitão e Simone Lopes (Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura) ..............................................107 Ilustração 53 – Planta de Implantação Urbana da Cidade Mecânica. Bruna Serralheiro, 2009 Fonte: Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura ......................................................................................................108 Ilustração 54 – Planta da maré baixa da Cidade Mecânica. Bruna Serralheiro, 2009 Fonte: Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura .............109


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Ilustração 55 - Planta da maré alta da Cidade Mecânica. Bruna Serralheiro, 2009 Fonte: Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura .............109 Ilustração 56 – Pormenor da cidade e relação com a malha existente. Cidade Mecânica. Bruna Serralheiro, 2009. Fonte: Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura .......................................................................................110 Ilustração 57 – Corte da cidade e relação com a malha existente e com a água. Cidade Mecânica. Bruna Serralheiro, 2009. Fonte: Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura ..................................................................111 Ilustração 58 - Pormenor da cidade e diagrama da vegetação presente no parque urbano penteado. Cidade Mecânica. Bruna Serralheiro, 2009. Fonte: Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura .................................111 Ilustração 59 - Fotomontagem da Cidade Mecânica. Bruna Serralheiro, 2009. Fonte: Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura ......................112 Ilustração 60 – Fotomontagem, Cidade Mecânica. Bruna Serralheiro, 2009. Fonte: Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura ......................112 Ilustração 61 – Cubo de Rubik, Fonte: Wikipedia...........................................113 Ilustração 62 - Cidade Mecânica. Bruna Serralheiro, 2009. Fonte: Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura ...............................................114 Ilustração 63 – Diagrama com plantas e cortes das três torres, Cidade Mecânica. Bruna Serralheiro, 2009. Fonte: Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura .......................................................................................114 Ilustração 64 – Interior da habitação da torre mecânica – Cubo Biblioteca Cidade Mecânica. Bruna Serralheiro, 2009. Fonte: Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura ...........................................................................115 Ilustração 65 - Estrutura metálica e sistema mecânico hidráulico - Cidade Mecânica. Bruna Serralheiro, 2009. Fonte: Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura .......................................................................................116 Ilustração 66 – Pormenor do nó entre paredes e pavimentos - Estrutura metálica e sistema mecânico hidráulico - Cidade Mecânica. Bruna Serralheiro, 2009. Fonte: Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura ............117 Ilustração 67 - Interior da habitação da torre mecânica – Cubo Jardim - Cidade Mecânica. Bruna Serralheiro, 2009. Fonte: Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura ..................................................................118


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Ilustração 68 - Montagem gráfica com a Isopoda e Campo de Ourique, Casa Isopoda, Bruna Serralheiro, 2007. Fonte: Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura .......................................................................................120 Ilustração 69 - Montagem diagramática e esquema de materiais, Casa Isopoda, Bruna Serralheiro, 2007. Fonte: Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura .......................................................................................121 Ilustração 70 - Montagem com maquetes e 3D, Casa Isopoda, Bruna Serralheiro, 2007. Fonte: Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura ......................................................................................................122 Ilustração 71 - Montagem gráfica, Casa Mecânica, Bruna Serralheiro, 2008. Fonte: Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura ......................124 Ilustração 72 - Montagem gráfica do alçado e da localização, Casa Mecânica, Bruna Serralheiro, 2008. Fonte: Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura ......................................................................................................125 Ilustração 73 - Cortes longitudinais, Casa Mecânica, Bruna Serralheiro, 2008. Fonte: Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura ......................125 Ilustração 74 - Planta esquemática, Casa Mecânica, Bruna Serralheiro, 2008. Fonte: Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura ......................126 Ilustração 75 – Imagens tridimensionais, Casa Mecânica, Bruna Serralheiro, 2008. Fonte: Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura ............127


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SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................................25 2. ESTRATÉGIAS MECÂNICAS CONFLUENTES NA GENÉTICA DAS SOCIEDADES .........27 2.1 GÉNESE DO BELO SOB A FORMA DE MÁQUINA ........................................................................27 2.2 DO METABOLISMO DO SONHO À GERAÇÃO TECNOLÓGICA .......................................................35 2.3 A EMOÇÃO DA TRANSFERÊNCIA TECNOLÓGICA ......................................................................76 3. DA COMPOSIÇÃO URBANA À COMPLEXIDADE DA MÁQUINA .......................................95 3.1 A FLORESTA, A LINHA E O CENTRO = CIDADE CONTÍNUA ........................................................95 3.1.1 casa “push pop” ..........................................................................................................101 3.2 A CIDADE E A ÁGUA = CIDADE MECÂNICA ...........................................................................104 3.2.1 Casa Rubik ................................................................................................................112 4. A MECÂNICA ENQUANTO ESTÉTICA ESTRUTURAL DA HABITAÇÃO ..........................119 4.1 A METAMORFOSE, A JANELA E O HABITAT ...........................................................................119 4.1.1 Casa Isopoda .............................................................................................................119 4.2 O BAIRRO, A MÁQUINA E O PÚBLICO ...................................................................................123 4.2.1 Casa Mecânica ............................................................................................................123 5. CONCLUSÃO .......................................................................................................................129 6. BIBLIOGRAFIA .....................................................................................................................131

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1. 1. INTRODUÇÃO

"Os grandes jardins do mundo da literatura e da poesia, da pintura e da música, da religião e arquitectura, todos se tornam tão claros quanto possível: A alma não pode prosperar na ausência de um jardim. Se não queremos o paraíso, 1 não somos humanos, e se não somos humanos, não temos alma." Thomas Moore

A arquitectura manifesta-se na sua crescente necessidade de ritmo e mutação acompanhadas pela constante metamorfose das sociedades. A cidade muda e o homem transforma-se, a cidade adapta-se e o homem seduz-se, a natureza evoluí e o homem emociona-se. É inevitável mudar e acompanhar o ritmo da natureza e do Homem, que é parte da mesma. É fatal que essa mudança se adapte na morfologia do habitat humano. Na verdade, a existência humana alimenta-se do sonho e da utopia. Não têm todos os homens o sonho do futuro e dos seus sedimentos nas futuras cidades? Como vão crescer? Como serão? Como se percorrem? Como se irá observar a cidade no futuro? Como se vai habitar? Como é que estes elementos metamorfos urbanos se irão adaptar a grandes eventos? De que forma o aquecimento global pode afectar o habitat humano? Quais serão as futuras tecnologias?

Este tipo de especulações é

frequentemente estudada e abordada fora do âmbito da arquitectura, como no mundo do cinema e da literatura, áreas que se abordam nesta dissertação, pois sonhar é a essência humana. Mais do que o nosso habitat, o Homem precisa de mudança. Esta mudança está sempre associada às novas tecnologias e à sua trajectória. A ciclos, a eras e equilíbrios. Actualmente, a sociedade tende para um mundo cada vez mais tecnocrático, onde a máquina ocupa o espaço e a função do Homem, onde vivemos em cidades estruturadas e pensadas para as pessoas e sufocadas por veículos que aparecem mais tarde na história. As cidades que agora se definem como meios urbanos, afirmam-se cada vez mais tecnológicas com complexas redes derivadas das crescentes necessidades a todos os níveis. À medida que o tempo passa, o Homem quer chegar mais rápido a casa, não quer perder tempo no trânsito, pretende alimentar-se rápido e com qualidade, trabalhar num 1

“The many great gardens of the world of literature and poetry, of painting and music, of religion and architecture, all make the point as clear as possible: The soul cannot thrive in the absence of a garden. If you don't want paradise, you are not human; and if you are not human, you don't have a soul.” Thomas Moore, The Re–Enchantment of Everyday Life, 1996, p. 101 Bruna Isaque Serralheiro!

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espaço confortável a fazer o que gosta, de fácil acesso, perto de sua casa, quer chegar a casa e ter tudo ao seu dispor, sair de casa e rapidamente encontrar o que precisa, sendo

um Homo Sapiens Sapiens multifacetado. Na verdade, o sonho

utópico de uma existência perfeita onde tudo funciona integralmente acaba por se tornar dominante na busca humana, o comodismo e o controlo obsessivo do mundo natural e construído passou a definir o Ser Humano. Desta forma, os pátios, as praças, as ruas, os mercados, os bairros, os anfiteatros, os jardins orgânicos, os becos e os habitantes/vizinhos, sofreram ao longo do tempo mutações e tornaram-se elementos urbanos metamorfos, chegando ao tempo presente pela forma de vias, túneis, blocos comerciais massificados, edifícios de 500 habitações onde a noção de vizinhança é escassa ou nula, áreas verdes com número específico de vegetação, viadutos e, finalmente, aqueles que antes habitavam e viviam a cidade converteram-se em utilizadores deixando para trás o antigo conceito de vizinhança. Por Metamorfose ou Alomorfia entende-se a mudança na forma e na estrutura do corpo, bem como um crescimento e uma diferenciação. A importância da caracterização do metabolismo da cidade advém do seu criador, o Homem. A existência Humana é cíclica e toda a envolvente física afecta e é afectada pelo homem, as cidades são o espelho da humanidade. Tal como a Arte, reflectem a época em que são criadas retratando ao mesmo tempo os seus criadores, vão sofrendo mutações em proporção à metamorfose constante do Homem, daí serem classificadas como elementos metamorfos. Assim, através de cidades que vivem em constante metamorfose, quer no âmbito social, como na sua essência urbana, porque não transferir essa natureza para o carácter estrutural da cidade? Porque não pensar a nossa a habitação, os serviços, as redes viárias/sociais, os equipamentos de lazer, etc., para tal efeito? Esta dissertação pretende estudar abordagens de alguns autores, assumidos como referências para alguns dos projectos elaborados durante todo o percurso académico que exploraram conceitos de movimento, velocidade, privacidade e mecânica quer no âmbito tecnológico como social, associados à própria estrutura das cidades, bem como à sua visão de cidades definidas por sistemas de redes e núcleos de trocas, de ritmos de chegada, permanência e partida. Acabamos por viver de forma mecânica e a arquitectura, como arte e ciência, nasce como reflexo das sociedades.

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2. ESTRATÉGIAS MECÂNICAS CONFLUENTES NA GENÉTICA DAS SOCIEDADES

2.1 GÉNESE DO BELO SOB A FORMA DE MÁQUINA Reflectir sobre o belo é analisar uma parte fundamental do percurso do Homem na História da Humanidade e pensar no caminho do conceito ou do ideal de beleza. Isto talvez seja a solução para alcançar a função, pois o belo não se resume apenas à imagem material, ao sublime, ao maravilhoso ou ao soberbo: o belo ultrapassa a sua própria capacidade de encantar, podendo associar-se à nossa paixão mais profunda. A máquina2 pretende alcançar o estímulo máximo imediato e cativar a busca do belo, aquilo que nos demove. Passar a harmonia do belo para o conceito da máquina implica procurar o belo no outro corpo, adaptando o belo à maquina, a máquina tem que funcionar e ser bela por isso, e a arquitectura enquanto máquina tem igualmente de funcionar. O belo não existe para ser apenas contemplado, mas sim utilizado.

Ilustração 1 – “O Nascimento de Vénus”, de Sandro Botticelli (1482–1486), exposta na Galleria degli Uffizi em Florença, na Itália. Fonte:www.wikipedia.org

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O termo máquina aplica-se geralmente a um conjunto de peças que operam juntas para executar o trabalho. Geralmente estes dispositivos diminuem a intensidade de uma força aplicada, alterando o sentido da força ou transformando um tipo de movimento ou de energia noutro.

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O belo é uma premissa, pois no fundo é a personagem principal da busca humana. Muitas vezes associado ao bom e ao bem e outras ao mal e ao mau, o belo provoca o desejo de posse, coisas que o Homem quer possuir, algo que o transforme, que o satisfaça e estimule...

Ilustração 2 - Allen Jones com Philip Castle, Calendário Pirelli, 1973. Fonte:www.ricardofalchi.blogspot.com

O equilíbrio do belo sustenta-se, por outro lado, com a dor, como a morte gloriosa de um herói e com o sacrifício de uma causa nobre. No entanto, nestes casos o Homem prefere admirar a realizar, prefere falar a mostrar, prefere imaginar a sentir... Se reflectirmos de forma algo distante sobre o belo, como um bem que não suscita o nosso desejo, compreendemos a própria mecânica e essência do belo, a beleza. Falar de beleza implica não só gostar, mas analisar na sua essência e génese, implica gozar algo por aquilo que é, independentemente do facto de a possuir ou não. É belo aquilo que, se fosse nosso, nos faria felizes, mas que continua a sê-lo mesmo pertencendo a outrem. É belo mesmo aquilo que não entendemos como belo, mas que na época em que foi criada seria entendido como tal. Estas formas de paixão, ciúme, vontade de posse, inveja ou avidez, não estão relacionadas com o sentimento do belo... O sentimento de beleza é diferente do desejo. Pode-se achar algo belo mas não se desejar. A beleza implica respeito e admiração. Neste sentido, a ideia de beleza através dos séculos vive também da relação entre o Homem e a Natureza, e da busca constante para alcançar a natureza, mesmo que de forma artificial.

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O belo permanece na origem da busca humana, facultando ao Homem a capacidade de ultrapassar desafios e construir todos os meios necessários para alcançar o belo ou o belo de cada ser humano. A sua mudança é constante, transforma-se ao longo da história acabando por definir e caracterizar o Homem. Entende-se que, em momentos de consciência e raciocínio magnificentes, a sociedade associou e associa o nu e a natureza humana ao belo (Ilustração 1 e 2 com quinhentos anos de diferença entre cada uma). No entanto, noutras épocas ou culturas menos prósperas da nossa história, o Homem considerou o corpo nu como um símbolo pagão, associado ao pecado e à blasfémia, etc. O equilíbrio do belo está no antagonismo do seu berço, onde a beleza não existe sem a torpeza. A importância do belo caracteriza o Homem e introduz esta génese para dissecar o homem. Na verdade, todo o ser humano pretende o mesmo: alcançar o seu belo. Desta forma, entendeu-se relevante viajar no tempo e interpretar a razão que está por detrás da primeira máquina construída seleccionada e interpretada. Qual o seu objectivo? Porquê? Apesar de sofrer transformações, a máquina existiu sempre, desde que existe o Homem. Entendida como um automóvel ou como um computador, a máquina foi, em tempos remotos, celebrada pela sua eficiência racional como máquina a vapor no percurso oitocentista, entendida como engenhos artificiosos criados para a produção de efeitos estéticos produzindo cenários fantásticos ou arquitecturas belíssimas e admiráveis, como jardins repletos de fontes miraculosas durante o período áureo barroco, interpretada na idade média como máquinas de construção pela adopção do jugo e dos moinhos de vento, na área dos transportes a máquina foi associada à invenção do leme móvel de popa... Ainda na Idade Média, Hugo de São Victor recordava no “Didascalicon” 3 que mechanismus 4 derivava de moechari, que significa cometer adultério, ou de moechus, adúltero em Latim. A máquina adúltera quando se move e muda de forma. Ao longo da história a máquina foi sempre associada ao Homem, à mão que a faz funcionar e à força humana que a mantém sempre viva, no entanto, há uma máquina que não tem qualquer relação física directa com o Homem nem que

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Hugo de São Vitor (Hugues de Saint-Victor em francês) (1096 - 11 de Fevereiro de 1141) foi um filósofo, teólogo e autor místico da Idade Média. O seu tratado intitulado "Didascalicon" serviu como referência tanto aos estudantes como aos professores das recém-abertas escolas catedráticas da Europa medieval. O tratado divide e classifica, sistematicamente, as formas de conhecimento.

4

Mecanismo ou Mechanismus do Latim, representa ou significa um conjunto de elementos rígidos, móveis uns relativamente a outros, unidos entre si mediante diferentes tipos de junções, chamadas pares cinemáticos (pernas, uniões de contacto, passadores, etc.), cujo propósito é a transmissão de movimentos e forças. São, portanto, as abstracções teóricas do funcionamento das máquinas. Bruna Isaque Serralheiro!

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imitava a forma humana: a Roda e a sua Era. Estava sim relacionada com a forma do Sol e da Lua, com o círculo perfeito e sempre lhe esteve associado o cariz religioso. A Roda foi e é a base do pensamento tecnológico e virtual. Para muitos cientistas a roda é o maior invento de todos os tempos. O vestígio mais antigo da utilização da roda é o desenho de uma carroça numa placa de argila encontrada na Suméria (Mesopotâmia, actual Iraque), de 5.500 a. C. Ao que tudo indica, tratava-se de um carro fúnebre com rodas compostas: duas tábuas arredondadas presas de ambos os lados de uma tábua central. Em 2.000 a. C., os sumérios colocaram raios no lugar da estrutura maciça. Esse projecto, mais apropriado para ser atrelado à rapidez do cavalo do que à força do boi, foi aplicado primeiro nos carros de guerra. Em cerca de 1.500 a.C., os egípcios construíram bigas leves, com quatro rodas. Por volta de 1870 d. C., foram introduzidos os raios de arame na roda de bicicleta. Na década seguinte já se usava o pneu cheio de ar, com uma cobertura de couro, para cobrir as rodas. Mais tarde vieram os aros de madeira, os de ferro fundido e, no início do século XX, os de aço. Todos são usados nas rodas de diferentes veículos até aos dias de hoje. A roda é também o princípio básico de todos os dispositivos mecânicos e é considerada uma das seis “máquinas simples”5 (ilustração 3) , sendo caracterizada pelo movimento rotativo no seu interior. A roda transmite de maneira amplificada para o eixo de rotação qualquer força aplicada na sua borda, reduzindo a transmissão tanto da velocidade quanto da distância que foram aplicadas. As “máquinas simples” são dispositivos que, apesar de sua absoluta simplicidade, trouxeram grandes avanços para a humanidade, tornando-se a base para todas as demais máquinas criadas ao longo da história. As máquinas simples são dispositivos capazes de alterar forças ou de mudar de direcção e sentido.

5

Tábua de máquinas simples, de Cyclopedia de Chambers, 1728. [1] Máquinas simples constituem, numa analogia, um "vocabulário básico" do qual de compõem todas as demais máquinas, mais complexas. Bruna Isaque Serralheiro!

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Ilustração 3 - Tábua de máquinas simples, de Cyclopedia de Chambers, 1728. Fonte: www.wikipedia.org/

O termo "máquina simples" refere-se às seis máquinas simples clássicas, conforme definidas pelos cientistas renascentistas: a alavanca, a cunha, a engrenagem, a mola, a polia e por fim a Roda. Tal como a Roda, também o ábaco6 teve a sua origem na Mesopotâmia por volta de 3500 a. C.. Sendo considerado o mais antigo instrumento de cálculo é, na verdade, a base do mundo virtual pois a sua invenção há 5500 anos atrás permitiu a invenção da principal ferramenta actual de trabalho: o computador. À semelhança da importância do ábaco, o matemático indiano Pingala inventou, por volta de 300 a. C., o sistema de numeração binário. Este sistema estabelece e define que sequências de uns e zeros podem representar qualquer número. Tal como o ábaco, o sistema de numeração binário é a base do computador e é ainda hoje utilizado no processamento de todos os computadores modernos. Uns anos depois, segundo o tratado do arquitecto romano Vitruvius, Arquimedes constrói o primeiro elevador, provavelmente, em 236 a.C. Arquimedes nasceu por volta de 287 a.C. na cidade-estado grega independente de Siracusa (Sicília, actualmente pertencente à Itália) e foi morto por um soldado romano, que não sabia

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O Ábaco é uma moldura com bastões ou arames paralelos, dispostos no sentido vertical, correspondentes cada um a uma posição digital (unidades, dezenas, !) e nos quais estão os elementos de contagem (fichas, bolas, contas, !) que podem fazer-se deslizar livremente. O ábaco pode ser considerado como uma extensão do acto natural de se contar nos dedos. Emprega um processo de cálculo com sistema decimal, atribuindo a cada haste um múltiplo de dez. Este instrumento ou máquina de cálculo é, ainda hoje utilizado para ensinar às crianças as operações de somar e subtrair. Bruna Isaque Serralheiro!

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quem ele era, em 212 (ou 211) a.C. durante o saqueamento

decorrido após a

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conquista desta cidade por Roma na Segunda Guerra Púnica . Arquimedes ficou famoso na sua época pela invenção de várias máquinas usadas na defesa de Siracusa contra a invasão dos romanos, durante as duas primeiras Guerras Púnicas. É considerado por alguns historiadores da matemática como um dos maiores matemáticos da história, juntamente com Newton, Euler e Gauss. Os elevadores de Arquimedes são mencionados como espaços de transporte puxados à mão ou por meio de animais. São portanto, máquinas de elevação. Supõe-se que estes elevadores estiveram instalados no Mosteiro Sinai do Egipto.

Ilustração 4 - Da esquerda para a direita: (A) Elisha Otis no Palácio de Cristal, 1853, (B) Pistão Otis do levador hidráulico, e (C) Máquina a vapor

Em 1901, foi encontrada a chamada Máquina de Anticítera8 entre as ilhas de Citera e a de Creta. Este artefacto, datado de 87 a. C., acredita tratar-se de um mecanismo para auxílio à navegação. Em 1902 o arqueólogo Spyridon Stais verificou que uma das peças de pedra possuía uma roda de engrenagem. Quando o aparelho foi encontrado estava muito corroído e danificado. No entanto, são perceptíveis as rodas denteadas de diferentes tamanhos com dentes triangulares cortados de forma precisa. O artefacto parece um relógio, mas isso era pouco provável. O

7

primeiro relógio

Uma das três guerras entre Cartago, actualmente pertencente à Tunísia, e Roma.

8

O mecanismo original está exposto na colecção de bronze do Museu Arqueológico Nacional de Atenas, acompanhado de uma réplica. Outra réplica está exposta no Museu Americano do Computador em Bozeman (Montana), nos Estados Unidos da América. Bruna Isaque Serralheiro!

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mecânico foi inventado em 725 d. C. pelo monge budista e matemático Yixing (683727) e pelo engenheiro Liang Ling Zan (Liang Leung- Taxam). Este relógio era mais do que um simples relógio, pois era um instrumento astronómico. Tal como o relógio de água pré-existente ou a clepsidra9, o relógio de Yixing 10 estava sujeito às vicissitudes do tempo. Nos relógios de água normais e anteriores a este eram colocadas lanternas a arder ao lado destes relógios, de forma a impedir que a água congelasse. O relógio de Yixing surge a partir do relógio de água ou clepsidra. No entanto, os chineses transformaram essa invenção num instrumento de maior precisão, conferindo-lhe o carácter mecânico. Pela primeira vez surge um relógio mecânico ou uma clepsidra mecânica dotada de um escapo11 encarado como vital nos relógios mecânicos. Por volta de 1400 nasce Johannes Gutenberg 12 em Mainz inserido numa família abastada que privilegiava a cultura e a formação. O gosto pela leitura levou Gutenberg a ler todos os livros que tinha em casa. É importante referir que os livros, na época, eram escritos à mão, por monges, alunos e escribas e cada livro demorava meses a ser preparado, sendo o seu preço elevadíssimo e impossível de suportar para a maioria das pessoas. Em 1428, Gutenberg começa a trabalhar no desenho e fabrico de jóias, o que lhe permitiu conseguir e saber desenhar sobre metais e pedras, começando, assim, a pensar na possibilidade de criar uma máquina que conseguisse imprimir palavras automaticamente e fazer cópias de livros em série. Entre 1436 e 1460 Gutenberg dedicou-se inteiramente à invenção da prensa. Para fabricar mecanicamente livros, Johannes Gutenberg (que tinha aprendido o ofício de ourives) combinou várias das suas invenções revolucionárias. Esse método conduziu ao resultado final: o processo tipográfico, utilizando tipos móveis fundidos em metal. A prensa desenvolvida por Gutenberg não era, de facto, uma invenção totalmente nova - já os chineses haviam usado técnicas de impressão de letras, especialmente em tecido - mas a maneira como ele a usou, essa sim foi inovadora: o molde das letras com tinta é colocado numa plataforma que desliza até à parte inferior

9

A clepsidra ou relógio de água foi um dos primeiros sistemas criados pelo homem para medir o tempo. Trata-se de um dispositivo movido a água, que funciona por gravidade, no mesmo princípio da ampulheta (de areia). A sua origem remonta à Mesopotâmia e ao Egipto.

10

"The mechanical clock - history of Chinese science". UNESCO Courier. 1988.

11

Mecanismo que serve para regularizar o movimento dos relógios, possibilitando que numa série de engrenagens "escape", funcione apenas um dente de cada vez. Este mecanismo permite que a rotação de um eixo ocorra apenas a intervalos regulares. É a peça vital dos relógios mecânicos.

12

João Gutenberg, ou Johannes Gensfleisch zur Laden zum Gutenberg nas em Mogúncia em 1398 e morre no dia 3 de Fevereiro de 1468. Bruna Isaque Serralheiro!

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de uma estrutura metálica; uma prensa é accionada através de uma barra que provoca a compressão, fazendo com que a estrutura que suporta o papel o "carimbe" com aquelas letras com toda a força, fazendo, assim, a impressão da letra no papel. Como as letras eram metálicas e amovíveis, cada caractere era separado e podia facilmente ser removido se se estragasse ou se houvesse necessidade de alterar algo o texto.

Ilustração 5 – Desenho da Prensa Mecânica desenvolvida por Gutenberg. Fonte: www.Wikipedia.org

O trabalho de Gutenberg possibilitou a massificação da leitura e do conhecimento, dando início à Revolução da Imprensa e à divulgação da Revolução Científica. Foi, por isso, considerado o evento mais importante do período moderno. Foi ainda uma das invenções mais importantes do início do período moderno, assumindo-se como um axioma, pois todas as restantes invenções retiraram partido desta invenção para se desenvolverem.

É

quase impossível

descrever o

enorme

impacto que

esta

invenção teve sobre a humanidade. O conhecimento deixou de ser privilégio dos ricos, para se tornar acessível a todos. Passou a ser possível trocar e partilhar pensamentos e ideias com uma velocidade muito superior e com economia de meios.

A

comunicação de informações tornou-se mais consistente e plausível, sendo possível a produção de um elevado numero de exemplares sem esforço. Mais tarde a aparência dos jornais e do jornalismo não seria possível sem a tecnologia de prensas móveis, bem como a sociedade tecnológica contemporânea tal como a conhecemos.

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2.2 DO METABOLISMO DO SONHO À GERAÇÃO TECNOLÓGICA A evolução tecnológica surge como resposta imediata às necessidades humanas de simplificação

e

sistematização

dos

processos

rotineiros,

sendo

claramente

exponenciada pela vida em sociedade. Onde exista para além de uma aglomeração, um sentido de urbanidade, em que um modelo cívico e institucionalizado permita levar as interacções das actividades humanas ao seu potencial máximo. "Devemos aceitar a realidade técnica com todas as suas aparentes contradições e confusões e usá-la como influência positiva para a focalizar e activar no conceito de construção. Ela está fora de soluções para os problemas amplamente divergentes que um método de construção positiva inabalável é formado. O nosso trabalho é fornecer imagem geradora e uma ideia subjacente total como orientadores na força expressa 13 através cada parte e os detalhes do trabalho total.” (Revista Archigram 2)

Nunca os progressos tecnológicos se deram de forma tão rápida como no século XX, que é iniciado com a primeira rádio transmissão14, enviando a letra “S” da Europa para os Estados Unidos da América. Deixámos de ter uma evolução em resposta às necessidades humanas, para ter uma que responde simplesmente a uma grande vontade de progresso científico, autónoma das finalidades a que se venha a destinar. Assiste-se ao metabolismo15 constante e fugaz da condição humana. No entanto, não é a primeira vez na história que nos deparamos com essa falta de controlo sobre o processo evolutivo da civilização. O choque entre povos em graus de desenvolvimento diferentes resultou muitas vezes em guerras, que levaram à assimilação, ou em casos extremos, à extinção de um dos povos, geralmente o menos desenvolvido do ponto de vista material. Nestas situações, nem sempre teve prevalência o povo com maior capacidade tecnológica, compreendendo-se assim, que o progresso tecnológico não 13

“We must accept technical realities with all their apparent contradictions and confusions and use them as positive influences to catalyze and activate the building concept. It is out of the solutions to widely divergent problems that a positive unshakable building method is formed. Our job is to supply a generating image, an underlying total idea as guiding force expressed through every part and detail of the total work.”Revista Archigram 2

14

Marquês Guglielmo Marconi (Bolonha, 25 de Abril de 1874 — Roma, 20 de Julho de 1937), por vezes Guilherme Marconi, foi um físico e inventor italiano. Em 1901 conseguiu que sinais radiotelegráficos, a letra S do código Morse emitida de Inglaterra, fossem escutados claramente em St. Johns, no Labrador, atravessando o Atlântico Norte.

15

Metabolismo (do grego metabolismos, µ"#$%&'()µ*+, que significa "mudança", troca) é o conjunto de transformações que as substâncias químicas sofrem no interior dos organismos vivos. O termo "metabolismo celular" é usado em referência ao conjunto de todas as reacções químicas que ocorrem nas células. Estas reacções são responsáveis pelos processos de síntese e degradação dos nutrientes na célula e constituem a base da vida, permitindo o crescimento e reprodução das células, mantendo as suas estruturas e adequando respostas aos seus ambientes. Bruna Isaque Serralheiro!

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seja nem contínuo, nem mesmo constante. Houve assim, períodos na história de claro recuo. A Idade Média é exemplo disso, sendo retratada como a idade das trevas. Houveram muitas situações de progresso tecnológico, incentivado pela necessidade, implementadas na construção das cidades antigas. Progressos principalmente de ordem sanitária, pois existiam casas de banho, canais de drenagem e sarjetas para as águas da chuva, mas estes elementos foram-se perdendo posteriormente. Só recentemente foram reinventados, quando se verificou que as condições de vida das cidades da era industrial se tornavam cada vez mais incomportáveis para a saúde da população. Assim sendo, incentivados pela necessidade humana, os cuidados sanitários foram reinventados e introduzidos no desenho da cidade.

Ilustração 6 - Frontispício da Encyclopédie (1772), desenhado por CharlesNicolas Cochin e gravado por Bonaventure-Louis Prévost. Esta obra está carregada de simbolismo: a figura do centro representa a verdade – rodeada por luz intensa (o símbolo central do iluminismo). Duas outras figuras à direita, a razão e a filosofia, estão a retirar o manto sobre a verdade. Fonte: www.wikipedia.org

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O berço deste progresso tecnológico reside no séc. XVIII e é iluminado pelo pensamento de alguns indivíduos que exercem muita influência sobre a vida política e intelectual da maior parte dos países ocidentais, denominando este século pelo período Iluminista16. O século Iluminista foi marcado por transformações políticas, tais como, a criação e consolidação de estados-nação, a expansão de direitos civis, e a redução da influência de instituições hierárquicas como a nobreza e a igreja. Immanuel Kant, um dos mais conhecidos expoentes do pensamento iluminista, num texto escrito precisamente como resposta à questão O que é o Iluminismo? Descreveu de maneira lapidar à mencionada atitude: “O Iluminismo representa a saída dos seres humanos de uma tutelarem que estes mesmos se impuseram a si. Tutelados são aqueles que se encontram incapazes de fazer uso da própria razão independentemente da direcção de outrem. É-se culpado da própria tutelagem quando esta resulta não de uma deficiência do entendimento mas da falta de resolução e coragem para se fazer uso do entendimento independentemente do de outrem. Sapere aude! Tem coragem para fazer uso da tua própria razão! - Esse 17 é o lema do Iluminismo" (Immanuel Kant, 1784) .

A Liberdade expressa durante este século veio substituir Deus pela natureza humana e a nova fé é a da razão. Emergem morais não transcendentes, possibilitando uma mudança no pensamento do Homem. Isto permite que o Homem reconheça em si próprio a capacidade de raciocínio como ser individual e o direito à liberdade de expressão e pensamento. Gera-se uma revolução de ideias influente a todos os níveis, onde o Homem se sente capaz de tudo, onde não há limites para criar, inovar e imaginar.

"Em França e na Itália, Marinetti divulgara a partir de 1909 os princípios basilares do futurismo: luta sem quartel às tradições, à cultura feita; exaltação dos instintos guerreiros; apologia dum novo Homem-protótipo isento de sensibilidade, saudável, 18 amoral, dominador, livre de todas as peias” (Jacinto do Prado Coelho)

À semelhança da influência e génese do pensamento Iluminista, a 20 de Fevereiro de 1909, é publicado na primeira página do jornal Le Fígaro de Paris o manifesto "Fundação e Manifesto Futurista" pelo poeta italiano Filippo Marinetti. Mais do que 16

Iluminismo (deriva do latim iluminare) é uma atitude geral de pensamento e de acção. Os iluministas admitiam que os seres humanos estão em condição de tornar este mundo um mundo melhor mediante introspecção, livre exercício das capacidades humanas e do empenho político-social.

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Kant, Immanuel (1784). Beantwortung der Frage : Was ist Aufklärung

18

Jacinto do Prado Coelho, Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa

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uma vanguarda ou estilo, o Manifesto Futurista deu início a uma revolução de ideias, a uma nova atitude perante um mundo diferente e em constante metamorfose.

“As máquinas e os motores têm alma; pensam, sentem como os humanos; uma lâmpada eléctrica que pisca ameaçando apagar-se é comparável a um homem que 19 agoniza!” (Fiippo Marinetti, 1909)

Inspirados pela máquina e pela cinética, os futuristas propunham a aniquilação de toda e qualquer forma de tradição, a destruição das grandes obras artísticas e literárias do passado, anunciando uma pintura e uma literatura mais adaptadas à era das máquinas, do movimento e do futuro. Um verdadeiro hino à vida moderna e uma glorificação do futuro. Dizia Marinetti:

“E venham, pois, os alegres incendiários de dedos carbonizados! Ei-los! Ei-los!... Vamos! Ateiem fogo às estantes das bibliotecas!... Desviem o curso dos canais, para inundar os museus! (...) Empunhem as picaretas, os machados, os martelos e 17 destruam sem piedade as cidades veneradas!” (Fiippo Marinetti, 1909)

O Futurismo torna-se Moda. Os seus meios de propaganda são variados: cartazes, panfletos, revistas, exposições, espectáculos, conferências, etc. O Futurismo conduziu ainda à exaltação do militarismo e da guerra, como expressão da força e energia de um povo, acabando por ligar-se às doutrinas fascistas.

Ilustração 7 - Filippo Tommaso Marinetti. Fonte: www.invisibilemag.com/tag/filippo-tommaso-marinetti

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Marinetti, Filippo (20/02/1909), Manifesto Futurista publicado no Jornal Le Fígaro de Paris

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A sua temática está associada à velocidade, ao dinamismo e à mudança caracterizada nas cidades, fábricas, máquinas, pontes, locomotivas, aviões, motores, velocidade, ruído, multidões, etc.

"O esplendor do mundo enriqueceu-se com uma nova beleza: a beleza da velocidade. Um automóvel de carreira é mais belo que a Vitória de 20 Samotrácia" (Fiippo Marinetti, 1909)

Este movimento transforma-se e materializa-se na arte criando repetições de formas e de cores21. Tem uma forte e clara influência cubista na sua imagem, pois pretende conquistar o movimento e a percepção do espaço veloz. Procura alcançar a vida moderna através da luz e de cores agressivas e repetitivas, tal como as formas, para dar a ideia do movimento. A simbiose22 estabelecida entre o Iluminismo e o Futurismo assenta na ruptura que ambos concebem com os ideais do passado e no esforço para valorizar a capacidade de raciocínio do Homem, presente na atitude que questiona o que lhes foi ensinado como genuíno e indubitável. Falar de Futurismo implica analisar o conceito de vanguarda, falar de vanguarda implica abordar os temas novidade, verdade e marginalidade, que segundo Carlos D’alge 23 “são formas que definem as vanguardas e as projectam no futuro”. Este manifesto marcou a fundação do Futurismo, um dos primeiros movimentos da arte moderna. Consistia em 11 afirmações que proclamavam a ruptura com o passado e a identificação do homem com a máquina, a velocidade e o dinamismo do novo século.

20

Marinetti, Filippo (20/02/1909), Manifesto Futurista publicado no Jornal Le Fígaro de Paris; A Vitória de Samotrácia, também conhecida como Nice de Samotrácia, é uma escultura que representa a deusa grega Nice.

21

A forma é decomposta e fragmentada em segmentos, representando diferentes momentos de um corpo em movimento, combinada com um intenso jogo de luzes, para sugerir o movimento.

22

Simbiose (Do gr. sñn, «juntamente» +bíosis, «modo de vida», pelo fr. symbiose, «vida em conjunto») nome feminino que segundo a Biologia é a associação de dois indivíduos de espécie diferente, com benefício mútuo (pelo menos aparente). Podendo ser considerado, no sentido figurado, uma relação de cooperação que beneficia os dois envolvidos ou uma associação íntima.

23

D’Alge, Carlos, A Experiência Futurista e a Geração de “Orpheu”, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Divisão de Publicações, 1989, p. 12 Bruna Isaque Serralheiro!

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Ilustração 8 - Manifesto Futurista publicado no Jornal Le Fígaro de Paris (20/02/1909) Fonte: www.robertovitarelli.wordpress.com/2009/03/08/il-futurismo

Dominavam e davam uso à sátira social, a qual proclamavam e gritavam com alma, razão pela qual os seus manifestos são repletos de maiúsculas que acentuam expressivamente as ideias que pretendem comunicar! Segundo Marinetti as 11 afirmações são as seguintes: “Então, com o rosto coberto da boa lama das oficinas, mistura de escórias metálicas, de suores inúteis, de fuligens celestes - nós, contundidos e de braços enfaixados mas impávidos, ditamos nossas primeiras vontades a todos os homens vivos da terra: Manifesto do Futurismo 1. Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito da energia e da temeridade. 2. A coragem, a audácia, a rebelião serão elementos essenciais de nossa poesia. 3. A literatura exaltou até hoje a imobilidade pensativa, o êxtase, o sono. Nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insónia febril, o passo de corrida, o salto mortal, o bofetão e o soco. 4. Nós afirmamos que a magnificência do mundo enriqueceu-se de uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um automóvel de corrida com seu cofre enfeitado com tubos grossos, semelhantes a serpentes de hálito explosivo... um automóvel rugidor, que correr sobre a metralha, é mais bonito que a Vitória de Samotrácia. Bruna Isaque Serralheiro!

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5. Nós queremos entoar hinos ao homem que segura o volante, cuja haste ideal atravessa a Terra, lançada também numa corrida sobre o circuito da sua órbita. 6. É preciso que o poeta prodigalize com ardor, fausto e <munificência para aumentar o entusiástico fervor dos elementos primordiais. 7. Não há mais beleza, a não ser na luta. Nenhuma obra que não tenha um carácter agressivo pode ser uma obra-prima. A poesia deve ser concebida como um violento assalto contra as forças desconhecidas, para obrigá-las a prestar-se diante do homem. 8. Nós estamos no promontório extremo dos séculos!... Por que haveríamos de olhar para trás, se queremos arrombar as misteriosas portas do Impossível? O Tempo e o Espaço morreram ontem. Nós já estamos vivendo no absoluto, pois já criamos a eterna velocidade omnipresente. 9. Nós queremos glorificar a guerra - única higiene do mundo - o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos libertários, as belas ideias pelas quais se morre e o desprezo pela mulher. 10. Nós queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academias de toda natureza, e combater o moralismo, o feminismo e toda vileza oportunista e utilitária. 11. Nós cantaremos as grandes multidões agitadas pelo trabalho, pelo prazer ou pela sublevação; cantaremos as marés multicores e polifônicas das revoluções nas capitais modernas; cantaremos o vibrante fervor nocturno dos arsenais e dos estaleiros incendiados por violentas luas eléctricas; as estações esganadas, devoradoras de serpentes que fumam; as oficinas penduradas às nuvens pelos fios contorcidos de suas fumaças; as pontes, semelhantes a ginastas gigantes que cavalgam os rios, faiscantes ao sol com um luzir de facas; os piróscafos aventureiros que farejam o horizonte, as locomotivas de largo peito, que pateiam sobre os trilhos, como enormes cavalos de aço enleados de carros; e o voo rasante dos aviões, cuja hélice freme ao vento, como uma bandeira, e parece aplaudir como uma multidão entusiasta.” (Fiippo 24 Marinetti, 1909)

Através de uma linguagem que choca pela sua agressividade e pelo seu carácter iconoclasta, o tom violento, interpelativo e provocatório dos manifestos futuristas funda-se num ultimato lançado com raiva a um passado que vigora ainda no presente nas formas estéticas, ideias, crenças e atitudes dominantes, por vezes simbolizadas numa figura pública que urge abater espiritualmente em nome de um futuro cujos traços definidores se concentram no dinamismo, na exaltação da técnica, na simultaneidade de espaços, de tempos e de sensações, na fusão de expressões artísticas e na dessacralização das poéticas convencionais, tal é exemplificado nas seguintes afirmações presentes ainda no 1º manifesto de Marinetti: “Museus: cemitérios!... Idênticos, na verdade, pela sinistra promiscuidade de tantos corpos que não se conhecem. Museus: dormitórios públicos em que se descansa para sempre junto a seres odiados ou desconhecidos! Museus: absurdos matadouros de pintores e escultores, que se vão trucidando ferozmente a golpes de cores e linhas, ao 25 longo das paredes disputadas!” (Fiippo Marinetti, 1909)

24

Marinetti, Filippo (20/02/1909), Manifesto Futurista publicado no Jornal Le Fígaro de Paris

25

Marinetti, Filippo (20/02/1909), Manifesto Futurista publicado no Jornal Le Fígaro de Paris

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Um ano depois surge o segundo manifesto futurista resultado do encontro do poeta Marinetti com os pintores Carlo Carra, Russolo, Severini, Boccioni e Giacomo Balla. Em Abril de 1910 era, portanto, lançado um manifesto da pintura futurista, seguido por um manifesto da escultura futurista em 1912 e o livro “Pinttura, Scultura Futurista, Milão” sobre seus objectivos em 1914, os dois últimos escritos por Boccione.

Ilustração 9 - Giacomo Balla, Dynamism of a Dog on a Leash, 1912. Oil on Canvas. Fonte: www.bittleston.com/artists/giacomo_balla

Os

futuristas

saúdam

e

brindam

à

era

moderna,

venerando

e

aderindo

entusiasticamente à era da máquina. Para Balla, "é mais belo um ferro eléctrico que uma escultura". Para os futuristas, os objectos não se esgotam no contorno aparente e os seus aspectos interceptam-se continuamente num só tempo, ou vários tempos num só espaço. O grupo pretendia fortalecer a sociedade italiana através de uma “homilia” patriótica que incluía aceitar e glorificar a tecnologia. Após 1912, uma exposição em Paris marca a hegemonia da influência cubista sobre a arte do grupo. Os artistas futuristas deparavam-se com o sério problema de representar a velocidade em objectos parados. As soluções normalmente foram a representação de seres humanos ou animais com múltiplos membros dispostos radialmente e em movimento triangular. Forças mecânicas ou físicas eram fontes temáticas bastante frequentes, em especial nos primeiros trabalhos futuristas. “Automóvel e Ruído”, de Balla ou “O que o Bonde me contou”, de Carrá, são bons exemplos desses quadros. Talvez Boccioni, uma das principais forças do futurismo, tenha sido o artista mais bem-sucedido na representação da velocidade. Bruna Isaque Serralheiro!

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Pouco tempo depois do Manifesto Futurista de Marinetti ser publicado no Le Figaro em 1909, a edição do jornal Diário dos Açores anuncia a eclosão do movimento Futurista, publicando o manifesto de Marinetti e uma entrevista do poeta, publicação que passou totalmente despercebida no cenário português. Seis anos depois, em 1915 no número um da Revista Orpheu26 é publicada a “Ode Triunfal” de Álvaro de Campos27, onde pela primeira vez, a máquina é adorada e cortejada em Portugal. É exposto o motor comparado a uma beleza tropical, onde é admirada a vida urbana e tudo o que a completa como os cafés, as fábricas, as luzes, o movimento, a velocidade, etc. !

“(!)Actividade internacional, transatlântica, “Canadian-Pacific”! Luzes e febris perdas de tempo nos bares, nos hotéis, Nos Longchamps e nos Derbies e nos Ascots, E Piccadillies e Avenues de l’Opéra que entram 28 Pela minh’alma dentro! (!)” (Álvaro Campos, 1915)

Álvaro de Campos celebra o triunfo da máquina, da energia mecânica e da civilização moderna. Os seus poemas vibram e cantam uma atracção quase erótica pelas máquinas, o autor manifesta uma ligação e obsessão pela vida moderna. Campos apresentam a beleza dos “mecanismos em fúria” e da força da máquina por oposição à beleza tradicionalmente concebida. Exalta o progresso técnico, essa “nova revelação metálica e dinâmica de Deus”. A presença da máquina é constante neste texto, sendo frequente um discurso alusivo à génese industrial e cosmopolita quando exprime o amor à maquina, a paixão visceral à nova Era, à Era da Máquina, empregando uma linguagem agressiva e muito expressiva para expor aquilo que sentia e lhe ia na alma: “Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime! Ser completo como uma máquina! Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo! Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto, Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento A todos os perfumes de óleos e calores e carvões 29 Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!” (Álvaro Campos, 1915)

26

Orpheu Nº 1, Revista Trimestral de Literatura, 1915 N.º 1 Janeiro, Fevereiro e Março.

27

Álvaro de Campos é um dos heterónimos mais conhecidos do poeta português Fernando Pessoa.

28

CAMPOS, Álvaro, Orpheu Nº 1, Revista Trimestral de Literatura, 1915 N.º 1 Janeiro-Fevereiro-Março

29

CAMPOS, Álvaro, Orpheu Nº 1, Revista Trimestral de Literatura, 1915 N.º 1 Janeiro-Fevereiro-Março

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À semelhança da paixão pela máquina, há a náusea e a neurastenia provocada pela poluição física e moral da vida moderna e pela corrupção. Recorrendo à sátira social e a uma crítica amistosa e deliciosa à sociedade da época. Em Março de 1915 Aquilino Ribeiro, numa crónica parisiense anuncia na revista “Ilustração Portuguesa” o movimento futurista aos Portugueses. No entanto, é no número dois desta revista que o futurismo aparece como movimento em Portugal. Nesta publicação aparecem quatro trabalhos de Santa-Rita Pintor, "A Cena do Ódio" realizada em 1915 de Almada Negreiros, "Manucure" e "Apoteose" realizados ambos em 1915 por Mário de Sá-Carneiro e a Ode Marítima de Fernando Pessoa, mereceu de Sá Carneiro a apreciação de "Obra Prima do Futurismo". Em 4 de Abril de 1917, é realizada no Teatro República (São Luís) em Lisboa uma matinée para apresentação do futurismo ao público português. Participam Almada Negreiros, Santa-Rita Pintor e outros, onde se leram textos de Marinetti e outros futuristas.

Ilustração 10 - Orpheu Nº 1, Revista Trimestral de Literatura, 1915 N.º 1 Janeiro - Fevereiro - Março. Fonte:www.pt.wikipedia.org

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Só em 1917 é que o futurismo português conhecerá uma efémera apoteose com a 1.a Conferência Futurista de 14 de Maio de 1917, onde Almada lê o seu Manifesto Futurista às gerações portuguesas do século XX, com a formação, por Almada e Santa-Rita, do Comité futurista de Lisboa e com a edição, em Novembro, da revista Portugal Futurista, apreendida após o lançamento do seu número inaugural. No percurso e trabalho de Fernando Pessoa é aparente a importância da máquina, nomeadamente, na vida e obra do seu heterónimo Álvaro de Campos. A frescura de impressões e o seu modo de sentir o mundo na sua constante metamorfose são apresentadas na sua melhor forma num texto que absorve a cultura, a influência e inspiração do seu mestre Alberto Caeiro, de Walt Whitman e do Futurismo de Marinetti. “A frescura de impressões, o modo directo de sentir que aprendi nos seus versos, apliquei-o a outros assuntos, a uma Natureza de ordem diversa. Assim, reparei que uma máquina é tão natural — porque é tão real, e, afinal, ser natural é ser real, se formos a pensar a fundo — como uma árvore; e uma cidade como uma aldeia. O que é essencial é sentir directamente e com ingenuidade as coisas — árvores ou máquinas, campo ou cidade. A minha sensibilidade predispõe-me a sentir a máquina mais do que a árvore, a cidade mais do que o campo. Não deixo por isso de ter direito ao nome de 30 poeta.(!)” (Alvaro de Campos, 1917)

A sua obra poética foi construída de forma a apresentar três fases. Num primeiro momento, Campos obedecia a padrões métricos fixos e praticava uma poesia de índole decadentista-simbolista. Dessa "primeira fase" é representativo o poema "Opiário". A segunda fase surge depois de conhecer Alberto Caeiro e sua poesia. Álvaro de Campos passou a considerá-lo seu mestre. Foi nessa fase, de sua actividade poética que Álvaro de Campos criou o Sensacionismo, do qual faz parte a famosa "Ode triunfal". A última fase de Álvaro de Campos é caracterizada por um cenário de melancolia que utiliza os mesmos recursos formais de sua segunda fase, versos livres e um fluxo verbal intenso e vigoroso. Álvaro de Campos expõe nos poemas da sua terceira fase uma forte inadaptação social e um profundo sentimento de inapetência e impotência em relação à vida. O seu cansaço existencial é profundo e acaba por se transformar numa atitude niilista.

30

“A frescura de impressões, o modo directo de sentir...” Carta a Caeiro de Álvaro de Campos em Poemas Completos de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa, 1917. (Recolha, transcrição e notas de Teresa Sobral Cunha.) Lisboa: Presença, 1994. Bruna Isaque Serralheiro!

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Ilustração 11 - William R. Leigh, “Great City of the Future”, Cosmopolitan, November 1908. Fonte: www.skyscraper.org/EXHIBITIONS/FUTURE_CITY/new_york_modern.htm

O deslumbramento perante a nova era da máquina coloca o futurismo em primeiro plano. Na verdade, assinalam-se nas primeiras décadas do século vinte as mais incríveis façanhas e ideias: surgem projectos de cidades fantásticas como a Visionary city de william R. Leigh em 1908 e a Città Nuova produzida em 1914 por Antonio Sant'Elia inserido no Futurismo Italiano, bem como filmes onde a realidade urbana se transforma num cenário futurista robotizado e mecanizado como Metropólis de Fritz Lang. A febre pelo conhecimento e pela evolução está presente. Ainda em 1909, Blériot31 faz a travessia aérea do canal da Mancha, Henry Ford cria a sua primeira linha de montagem em 191332 e John Logie Baird inventa a televisão em 1924. A importância de Metropólis nesta dissertação deve-se à relação ambígua entre o Homem e a Máquina que aqui se pretende estudar. Estudar e analisar este filme com o objectivo de compreender o papel do homem em relação à máquina, quem é o

31

Louis Blériot (Cambrai, França, 1 de Junho de 1872 — Paris, 2 de Agosto de 1936) foi um piloto francês que realizou a travessia do canal da Mancha, em 1909. Foi graças a ele que ficou demonstrada a utilidade do avião como instrumento militar e de transporte de passageiros. Depois da sua aterragem bem sucedido na Inglaterra com o Blériot XI, o avião ganharia o status de uma máquina com o potencial para transformar as relações entre as nações.

32

Fordismo. em Infopédia. Porto: Porto Editora, 2003-2011. Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/$fordismo>. Bruna Isaque Serralheiro!

[Consultado

a

2011-02-23].

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protagonista? Quem opera quem? De que forma a tecnologia 33 nos pode servir e oferecer qualidade de vida?

Ilustração 12 – Cartaz do filme “Metropolis” de Fritz Lang, 1927 Fonte: www.habitarpostindustrial.blogspot.com/2011_02_01_archive.html

Em 1926, o Austríaco Fritz Lang dirige o primeiro filme de ficção científica e a mais cara

produção

até

então

filmada

na

Europa.

Enquadrado

no

movimento

“Expressionista Alemão”, Metropolis dá-nos uma visão do futuro no século XXI, caso o ritmo industrial não se alterasse. Esta cidade, criada por Fritz Lang, é um território onde convivem os senhores da cidade e os operários. Estes operários são oprimidos pela elite e pelas máquinas, enquadradas como a “terceira classe social”. Está presente neste filme uma relação simbiótica entre operários e máquinas, quem opera quem... A modernidade revela ambiguidades em relação às estruturas de poder. Esta obra demonstra uma preocupação crítica com a mecanização da vida industrial nos grandes centros urbanos, questionando a importância do Homem perdido no processo industrial. O pano de fundo desta cidade, Metropólis, valoriza a cultura através da tecnologia e da arquitectura.

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Tecnologia é o encontro entre ciência e engenharia ou um conjunto de conhecimentos científicos ou empíricos directamente aplicáveis na produção ou melhoria de bens ou serviços. Bruna Isaque Serralheiro!

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"Então o homem tem de viver com a máquina", diz ele com um gesto irritado de desamparo. "Isso é uma mensagem de hoje? Ele ainda tem que viver com ele próprio 34 primeiro." (Fritz Lang, 1967)

Considerado, por muitos, a pedra fundamental do “Expressionismo Alemão”, a importância de Metropolis vai além de um simples género da sétima arte, representando uma cidade do século XXI, mais precisamente em 2026 (exactamente um século após o início das filmagens deste filme). Contudo, foram produzidas várias versões de Metropolis de acordo com o país onde eram publicadas. A versão lançada nos Estados Unidos, por exemplo, foi na verdade reescrita para ter uma versão da história completamente diferente, uma vez que os distribuidores americanos viram como política incendiária no filme os seus temas de luta e fossos entre classes sociais, bem como a sua própria estrutura e divisão entre as classes trabalhadora e alta. No entanto, as ideias apresentadas em "Metropolis" representam a cooperação pacífica e coexistência entre as duas classes, mantendo a sua divisão e estrutura,

algo

que é

executado

em nítido

contraste

com as

ideias

marxistas 35 sobre a luta de classes e revoluções. Depois do lançamento do filme em 1927, um quarto da versão original de Lang cortado pela Paramount

para

o lançamento nos EUA e pela Ufa, na Alemanha, um acto de carnificina contra a vontade do director. As filmagens cortadas ficaram destruídas e, segundo se pensava perdidas, até que foram descobertos na Argentina, em 2008, vários rolos empoeirados num pequeno museu de Buenos Aires. Esta foi considerada uma das descobertas mais notáveis da história do cinema. Enquanto os operários, ou as “mãos” ou a força vital para o funcionamento da cidade vivem nas cidades subterrâneas de Metropolis, os Mestres ou a “cabeça” da cidade vivem na superfície, levando uma existência de prazer e despreocupação. É quando Freder, filho do poderoso Joh Fredersen36, se apaixona por Maria, uma “defensora”

34

“So man has to live with the machine,” he says with an annoyed gesture of helplessness. “Is that a message today? He still has to live with himself first.” Fritz Lang na entrevista dada a Axel Madsen em 1967.

35

O Marxismo é o conjunto de ideias filosóficas, económicas, políticas e sociais elaboradas primariamente por Karl Marx e Friedrich Engels e está na base do Comunismo por oposição ao Capitalismo. podemos considerar o Marxismo como uma visão global da natureza e do Homem, baseada no materialismo. A sua concepção do mundo opõe-se às concepções cristãs e individualistas, pois negase a estabelecer uma hierarquia exterior aos indivíduos, não aceitando como objectivo final a consciência do indivíduo e o seu exame de forma isolada, mas antes de forma colectiva. Na sua base, como afirmou Lenine, estiveram a filosofia alemã (a dialéctica de Hegel, mas sem Deus), a economia política inglesa e o socialismo francês, "as três fontes e as três partes integrantes do marxismo".

36

Joh Fredersen, personagem interpretada pelo actor Alfred Abel, um insensível capitalista que governa Metropolis pai do filho único Freder. Bruna Isaque Serralheiro!

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dos operários, que se reúnem para ouvir os seus discursos pacifistas. Joh Fredersen, percebendo isso, pede a Rotwang37, que dê as feições de Maria ao robô que este acaba de construir (ilustração 13), a fim de que este possa incitar os operários à violência, permitindo que os seus Mestres os reprimam por insubordinação.

Ilustração 13 – Rotwang, o Inventor, prepara para transferir a semelhança de Maria para a máquina. Cena do filme “Metropolis” de Fritz Lang, 1927. Fonte: www.metropolis1927.com

Imediatamente na primeira cena do filme, é percebida toda a antítese presente entre as duas classes: os operários voltam das árduas dez horas de trabalho e são encaminhados para elevadores que os levam às cidades subterrâneas, todos ao mesmo ritmo, lentos, sem vitalidade, esgotados psicologicamente, como soldados derrotados pelas forças inimigas. As cenas seguintes mostram os habitantes da “superfície”, onde vários jovens num campo de atletismo revelam a sua vitalidade e poder. Este abismo social é apresentado em todo o filme evidenciado, também, pelos magníficos cenários e pela excelente banda sonora. A cidade da superfície com os seus edifícios imponentes e grandiosos, rodeados pelas ruas estreitas e requintados pelos aviões que sobrevoam os edifícios do poder. Esta cidade gera uma sensação claustrofóbica e de ansiedade ao espectador que é envolvido justamente pela grandiosidade e pela arquitectura envolvente, na qual se destaca a Torre de Babel e a

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Rotwang, personagem do irreverente cientista e inventor interpretada por Rudolf Klein-Rogge em Metropolis, 1926. Bruna Isaque Serralheiro!

brilhante que inventa o primeiro robot,

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sua cobertura de cinco pontas. Em contrapartida, a construção da cidade subterrânea é simples, humilde, padronizada pelos edifícios rigorosamente iguais que alojam a classe operária nos pequenos momentos de descanso.

Ilustração 14 – Imagem da magnificência urbana de “Metropolis”. Fritz Lang, 1927. Fonte: www.metropolis1927.com

Um dos elementos arquitectónicos que se destaca em Metropolis é a “Casa das Máquinas”, tão inteligentemente construída que os funcionários que nela trabalham e nela se alojam, fazem parte da sua anatomia, gerando uma “simbiose” entre o Homem e Máquina. A cena onde se contempla pela primeira vez esta “Casa das Máquinas”, onde os operários trabalham em movimentos compassados, sincronizados e mecanizados, evidencia o clímax da antes referida simbiose “Homem – Máquina”, sendo tão impressionante como a cena da sua explosão, quando um dos funcionários sucumbe à exaustão. A cena seguinte à explosão, onde Freder, ao observar a explosão da “Casa das Máquinas”, tem uma alucinação durante a qual a máquina se transforma num monstro mecânico que devora os funcionários, representa uma metáfora daquilo que realmente acontece em Metropolis, no qual os homens, quando recorrem à tecnologia, se tornam meros escravos das máquinas. Afinal, não são

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apenas os operários que dependem destas - os mestres também lhes devem a tranquilidade das suas existências. Por se tratar de um filme mudo e um representante legítimo do “Expressionismo Alemão”

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, onde a iluminação, os cenários e, principalmente, as actuações

caracterizam o “estado de espírito” das personagens, pode-se afirmar que a extravagância e exagero fazem parte desse processo associado à sátira. Esta postura é também evidenciada pela configuração dos figurantes em várias cenas do filme (foram utilizados mais de 30000 figurantes). No início do filme, estes andavam em blocos geometricamente dispostos, ilustrando com perfeição a subordinação à qual estes se viam obrigados. Já no final, continuam a andar em blocos, mas sem qualquer tipo de padrão observável, continuam uma unidade, sem que tenham de sucumbir às ordens dos mestres da cidade.

Ilustração 15 – Cena do filme onde Freder e Maria reúnem as crianças para as salvar de uma inundação que ameaça destruir o submundo de “Metropolis”. Fritz Lang, 1927. Fonte: www.metropolis1927.com

38

O expressionismo no cinema alemão começa em 1919, com o célebre filme de Robert Iene: "O Gabinete do Doutor Caligari". Caligari transporta-nos para um mundo de puro pesadelo que coincide com a instabilidade política do momento: muros cheios de “grafittis”, prédios “inclinados”, panos de fundo desbotados de onde se destacam figuras geométricas abruptas e personagens alucinadas. Tudo aqui gira sob o signo da angústia. Mas o mais interessante é o facto de que o que poderia ter sido apenas uma experiência isolada, de cariz bizarro, se viria a tornar a fonte de uma imensa corrente que influenciou toda a história do cinema. O horror, o fantástico e o crime eram os temas dominantes do expressionismo. Nosferatu, O Vampiro (1922), de Murnau, e Dr. Mabuse, O Jogador (1922) e Metrópolis (1926), ambos de Fritz Lang, constituem as obras mais significativas do expressionismo. Bruna Isaque Serralheiro!

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São frequentes as metáforas durante todo o filme. Quando os trabalhadores, que obedecem fielmente às ordens da falsa Maria, provocam uma inundação na cidade subterrânea e colocam os seus filhos em perigo, pode-se interpretar que as máquinas, num determinado momento da história da humanidade, interferem radicalmente no futuro do Ser Humano no Planeta. Apesar destas interpretações que se mostram surpreendentemente actuais, o filme foi duramente criticado na época do seu lançamento, sobretudo por aqueles que não simpatizavam com o seu conteúdo político. Outro facto curioso é que Hitler, fascinado pela sumptuosidade e grandiosidade do filme, pediu para que o seu braço-direito Goebbels39 convidasse Fritz Lang para assumir a “chefia” da indústria cinematográfica alemã. O director agradeceu, recusou a proposta e partiu rapidamente para Paris. No entanto, a sua esposa, Thea von Harbou, autora do roteiro de Metropolis, não só ficou para trás, como também se tornou nazi. “O mediador entre a cabeça e as mãos deve ser o coração

”40

(Fritz Lang, 1967)

Metropolis confirma-se, portanto, como um grande marco não do “Expressionismo Alemão” ou da ficção científica, mas também da própria história do cinema, na procura da identidade do Homem num mundo diferente e em constante metamorfose. A obra revela uma preocupação crítica com a mecanização da vida industrial, questionando a importância do sentimento humano, perdido no processo industrial, reforçado pelas más condições em que os operários habitavam as cidades industriais e testemunhado com as epidemias que daí resultaram. A sua interpretação das consequências do avanço da tecnologia e dos fossos sociais daí resultantes surpreende até na actualidade, tanto pela sua realização quanto pela sensibilidade de Fritz Lang. Desta forma, é interessante neste estudo do início da “vida mecânica” pós revolução industrial interpretar a visão utópica de Fritz Lang associada a uma sátira social, que na verdade revela uma preocupação profunda com o futuro da sociedade, tendo de

39

Paul Joseph Goebbels, nasceu 29 de Outubro de 1897 em Mönchengladbach e morreu em Berlim, no dia 1 de Maio de 1945. Foi o ministro do Povo e da Propaganda de Adolf Hitler na Alemanha Nazista, exercendo severo controlo sobre as instituições educacionais e os meios de comunicação. Foi uma figura chave do regime, conhecido por seus dotes retóricos. Era um dos líderes políticos nazistas mais destacados que tinham concluído estudos superiores. Teve uma posição correspondentemente importante entre os nazistas.

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Metáfora e ponto alto do final de Metropólis que concretiza o simbólico aperto de mão mediado por Freder entre Grot (líder dos trabalhores) e Jon Fredersen, o empresário. 1926 Bruna Isaque Serralheiro!

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certa forma atingido uma “rotina mecânica” e mesmo em alguns casos afectado postos de trabalho substituídos pela “máquina”. “Nos anos vinte, estava tudo a acontecer na linha de montagem. Estavam todos embriagados de indústria, transatlânticos e socialismo. Isso está tudo morto, a acção moveu-se para as auto-estradas em rádios delicadamente sintonizados nos ouvidos adolescentes, K.S.C., o champanhe em embalagem de papel desta época. Coca-Cola, e as mentes mágicas de homens colarinho-branco e crachá-de-identificação com inter-comunicadores conectados em cyber-circuitos 41 plastificados.” (David Greene, 1968)

Ilustração 16 – “Metamorphosis”, 1967-68 na exposição de design para “The Greater Number Problem” na secção internacional da Trienal de Milão apresentando muitos projectos de Archigram. Fonte:www.archigram.westminster.ac.uk

A tecnologia e a sua relação com o Homem estão presentes em todo o percurso do século XX. Os anos sessenta, encarados como um período de prosperidade e desenvolvimento dos países capitalistas, inseridos no contexto cultural da chegada do Homem à Lua, geram propostas extraordinárias na arquitectura. Surgem novos instrumentos tecnológicos como os calibradores e túneis de vento que aproximam, por exemplo, os métodos da indústria naval e da aeronáutica à arquitectura. Esta década apresenta maior proximidade à consciência da realidade através da deambulação representativa algo poética e sedutora. Com a expansão de uma nova e melhorada realidade humana para a sociedade em massa, os grandes conceitos da era

da

máquina,

a

simplicidade,

o

mecanicismo

e

o

racionalismo,

são

progressivamente substituídos pelos novos conceitos de complexidade, pluralismo, contradição e ambiguidade.

41

David Greene, We offer twelve prefabricated sets, Magazine Archigram, n. 8, abril de 1968.

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"That's one small step for man, one giant leap for mankind." (Neil Armstrong, 1969)

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A passagem do realismo e do existencialismo dos anos 50 para o estruturalismo e a Cultura Pop significa a passagem lenta do simples para o complexo, de uma realidade que se pretende única à inclusão de diversas realidades. Com uma atitude realista, a Cultura Pop integrou as imagens do cinema, das novas conquistas da humanidade, da publicidade, do cinema, da televisão, dos jornais e das revistas, reaproximando-se dos mecanismos da celebração da realidade metropolitana tal qual ela é. Totalmente inseridos na cultura Pop43, surge o grupo Archigram. Para se entender a importância das ideias, teorias e projectos deste grupo, é necessário voltar ao início dos anos sessenta do século XX. Depois de “ultrapassado” o trauma da Segunda Guerra Mundial e de muitos países do primeiro mundo entrarem em grande expansão económica e tecnológica, surge um período de progresso a todos os níveis: o desenvolvimento de revolucionários meios de transporte e comunicação, bem como as políticas de conquista espacial, o crescimento das redes de telecomunicações via satélite, a robótica, os computadores e a proliferação de todo o tipo de electrodomésticos, principalmente a televisão, indicavam um novo cenário de desenvolvimento e de bem-estar. Em consequência dessa revolução tecnológica, surgiu nas sociedades avançadas uma nova cultura de massas, uma cultura mediática fundamentada na relação com os novos sistemas de comunicação e informação com as novas tecnologias electrónicas44. “A cultura Pop alimentou-se de um tempo híbrido, feito de complexidades e superposições, dirigindo-se a um sujeito real que não é mais produtor, mas consumidor desejoso de espectáculo e transgressão, imagens e estímulos. Portanto a cultura Pop, criada na Grã-Bretanha e catapultada desde os Estados Unidos, é a própria base da 45 cultura contemporânea.” (Josep Maria Montaner, 2002)

Muitos dos arquitectos desta época viam a arquitectura tradicional como um grande artefacto obsoleto e compartilhavam a visão de ser possível e necessária uma

42

Famosa frase de Neil Armstrong, quando em 1969 pisa a superfície Lunar, tornando-se o primeiro homem a pisar e andar na Lua. A missão Apollo 11 pousou na superfície lunar em 20 de Julho de 1969, num local chamado "Sea of Tranquility" (Mar da Tranquilidade).

43

A cultura Pop alimentou-se de um tempo híbrido, feito de complexidades e superposições, dirigindo-se a um sujeito real que não é mais produtor, mas consumidor desejoso de espectáculo e transgressão, imagens e estímulos. Portanto a cultura Pop, criada na Grã-Bretanha e catapultada desde os Estados Unidos, é a própria base da cultura contemporânea.

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Solá Morales, Ignasi. La Réparacion des Villes. in Dethier Jean (dir.) La Ville: art et architecture en Europe, 1870-1993. Paris: Éditions du Centre Pompidou, 1994, p. 402-404.

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Excerto “As formas do século XX” de Josep Maria Montaner, 2002

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transformação total da disciplina arquitectónica. É o caso do grupo Archigram referido nesta dissertação, formado por Peter Cook, Ron Herron, Warren Chalk, Dennis Crompton, David Greene e Mike Webb. Este grupo de arquitectos ingleses não temia romper os vínculos com os padrões arquitectónicos estabelecidos e as suas propostas tinham sempre um carácter de desafio e inovação. Os Archigram surgem a partir de alguns estudantes de arquitectura e urbanismo recém-licenciados que se reúnem para publicar uma revista ilustrada de carácter provocador, também conhecida como Archigram. Um nome que vem da junção entre as palavras architecture e telegram. A ideia era lançar uma publicação que fosse mais simples e mais fácil que uma revista comum e que tivesse a instantaneidade de um telegrama.

Ilustração 17 – Primeira revista Archigram, publicada em Maio de 1961. Autores: Peter Cook, David Greene e Michael Webb. Fonte:www.archigram.westminster.ac.uk

Esta publicação fundia projectos e comentários sobre arquitectura com imagens gráficas, cuja referência vinha do universo Pop da TV, da rádio e das histórias de banda desenhada, como os space-comics, por exemplo. A Linguagem utilizada na programação visual da revista era de bricolage, através da justaposição de desenhos técnicos, artísticos, fotografias, fotomontagens e textos. Com esta publicação, eles promoveram uma crítica irónica e radical às convenções e aos processos estabelecidos. As questões levantadas nos seus artigos eram uma reacção contra a monotonia no discurso de representação e de criação arquitectónica. Segundo Dominique Rouillard, os Archigram foram talvez o primeiro grupo de arquitectos a lançar-se no mercado como um produto dos média. A arquitectura deste grupo era pensada como um fenómeno de comunicação e representada através de diferentes

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recursos comunicacionais. As ideias, propostas e objectos arquitectónicos criados pelos seus membros foram difundidos de forma estratégica. Para além da revista, promoveram o seu trabalho através de exposições, onde propagaram o resultado das suas criações através de happenings, instalações e outros meios que hoje são comuns, mas que nos anos sessenta era totalmente inovador relativamente ao universo da arte e da comunicação46. Os projectos do grupo Archigram procuraram antever e moldar o universo futuro, através de propostas muito criativas nas quais o campo da realidade se encontrava com o domínio da utopia ou mesmo com a ficção científica. Alguns dos seus objectos protótipos voavam como foguetes lunares, ou então, afundavam e emergiam da água como glóbulos. Outros eram planeados para se desdobrarem em vários módulos, reduzindo e crescendo no espaço com um robot. As suas ideias e propostas de arquitectura eram fundamentadas em princípios intrinsecamente relacionados com a metamorfose social e urbana provocada pelos novos sistemas de transporte, pelos novos sistemas de comunicação e de informação e pelas novas tecnologia electrónica e mecânica. O trabalho desenvolvido pelos Archigram, associado a toda esta transformação presente nos anos sessenta, trás questões que ainda hoje são pertinentes: a tecnologia é uma alternativa da arquitectura? Ou pode mesmo chegar a converter-se na própria arquitectura? Estas questões foram postas em prática, através de vários projectos desenvolvidos pelo grupo, cujo ponto comum é a ênfase na integração entre produtos materiais ou artefactos arquitectónicos e circunstâncias tecnológicas que, progressivamente, parecem depender cada vez menos de suportes materiais. Desta forma, os Archigram estavam atentos ao crescente desenvolvimento tecnológico e concentrados nas mudanças provocadas por este no seio da sociedade e nos diversos campos da cultura, principalmente na arquitectura. Com as propostas desses

arquitectos

ingleses,

a

disciplina

da

arquitectura

transformou-se

substancialmente. A arquitectura, entendida segundo a tradição como arte e ciência de planear e construir o habitat artificial do Homem, sempre foi pensada pelos arquitectos segundo princípios como a rigidez, a estaticidade, a estabilidade e a durabilidade. As vertiginosas mudanças económicas, sociais e culturais da época solicitavam novas alternativas de planeamento espacial fundamentadas em princípios como mobilidade,

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ROUILLARD, Dominique. Archigram. In Dethier Jean (org.) La Ville: art et architecture en Europe, 1870-1993. Paris: Éditions du Centre Pompidou, 1994., p. 428. Bruna Isaque Serralheiro!

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flexibilidade, instabilidade, mutabilidade, metamorfose, instantaneidade, efemeridade, obsolescência e reciclagem. Estas novas bases fundamentam o conceito do trabalho deste grupo inglês e, desta forma, é importante referir alguns dos seus trabalhos nesta dissertação, como o projecto Walking city projectada por Ron Herron a partir de 1963 (ilustração 18).

Ilustração 18 – “Walking City in New York” de Ron Herron, colagem colorida de 1964. Fonte: www.archigram.westminster.ac.uk

O conceito destas megaestruturas nómadas e simbióticas está associado à origem de estruturas de habitação ligadas ao corpo e aos seus atributos como a locomoção e o envelhecimento. Os Archigram propõem associar à arquitectura estruturas massivas robóticas e móveis com a sua organização e inteligência, que poderiam livremente percorrer o mundo, movendo-se para onde os seus recursos eram necessitados. Estruturas individuais que se poderiam ainda mover para onde os proprietários pretendiam. “O nómada limita-se à representação dos seus trajectos, não à configuração do espaço 47 que recorre. Deixa o espaço ao espaço.” (Anny Milovanoff, 1978)

Esta cidade representa o clímax do esforço criativo do grupo. Criam uma arquitectura sem fundações e sem raízes, constituída por imensos contentores com membros tubulares que se deslocam pelo solo e pela água em constante movimento. Uma cidade sem lugar fixo, que pertence a nenhum lugar, adequada para viajantes e

47

Anny Milovanoff, La second peau du nomade, Les Nouvelles Litteraires, 27 de Julho de 1978, citado em Gilles Deleuze e Félix Guattari, Mil Mesetas. Capitalismo y esquizofrenia (1980), Valência, Pré-textos, 1994, p. 426. Bruna Isaque Serralheiro!

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nómadas. Walking city cria a fusão entre nave espacial com submarino atómico. A imagem desta insólita e utópica cidade confronta a paisagem de importantes cidades como Nova York. A postura do grupo representa mais uma estratégia comunicacional do que uma proposta arquitectónica que pudesse ser de facto construída. Os seus primeiros desenhos e projectos apresentavam a chegada destas mega estruturas a Manhathan e foram publicados no Magazine Archigram 5 – “Metropolis issue” de 1964. Esta cidade funcionava como uma capital mundial e podia estar em qualquer lugar, em qualquer hora.

Ilustração 19 – Desenho de Ron Herron das “Walking cities”, Archigram 1964 Fonte:www.archigram.westminster.ac.uk

Esta cidade era composta por vários veículos robóticos gigantes que mediam aproximadamente 400 metros de comprimento por 220 metros de altura. Dentro destes, podia encontrar-se todo o tipo de equipamentos necessários para o funcionamento de uma cidade comum, como habitações, escritórios, sectores comerciais, serviços públicos e privados, hospitais e unidades especiais que poderiam ser agregadas eventualmente. As condições ambientais necessárias à vida humana eram criadas artificialmente num ambiente controlado (ilustração 19). Este projecto previa cidades com tamanho suficientemente grande para atravessar o mundo, bem como desertos, montanhas, rios e oceanos... Cada unidade robótica tinha Bruna Isaque Serralheiro!

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a aparência de um insecto, com membros que formavam corredores e acessos à água e as povoações, estes membros funcionavam também como interligação entre unidades. Através deles era possível a conexão em rede entre as unidades, bem como com a água e as povoações, permitindo a circulação de indivíduos, alimentos, água, bens materiais, informação, entre outros. Na primeira edição da revista Archigram 1, um poema escrito por David Greene manifestava o desejo e a paixão pelas novas técnicas formais e a noção de que uma outra poética poderia desenvolver-se a partir dos materiais e signos da época, fundindo a arquitectura com as novas tecnologias. Implicitamente, a presunção moderna de que as novas tecnologias necessariamente deveriam sugerir outras possibilidades de liberação formal a partir dos novos materiais sintéticos – “pode laminar-se o aço... de qualquer maneira, pode insuflar-se um balão... de qualquer tamanho, pode moldar-se o plástico... de qualquer forma”48. Segundo o poema de Greene: "O amor desapareceu / A poesia do tijolo perdeu-se / Nós queremos arrastar para a construção alguma da poesia da contagem regressiva / capacetes orbitais, discordam 49 dos métodos mecânicos de transporte do corpo.” (David Greene, 1961)

A proposta poética apresentada neste projecto utópico pretende materializar, ainda que teoricamente, a fusão material e técnica numa arquitectura pensada em função da sociedade e da sua constante metamorfose. É neste sentido que Walking City apresenta uma imagem de autonomia e vontade própria associadas a estas máquinas robóticas que percorrem o mundo, expressando com intensidade o potencial da tecnologia para desconfigurar limites estabelecidos previamente, e para colocar em questão as próprias estruturas de interpretação e uso dos espaços habitados. Walking City pode, assim, assumir-se como uma classe de distopia50, como uma representação da tecnologia que não busca traduzir esse potencial numa aparência aceitável da ordem, razão e neutralidade. Parte da força desta cidade vem da sobreposição de lógicas distintas, da nivelação num mesmo plano, do desenho ou da colagem, entre uma proposição fantástica e um modus operandi e representação eminentemente 48

David Greene, Magazine Archigram n.1, Maio de 1961. David Greene, Magazine Archigram n.1, Maio de 1961.

49

“The love is gone/ The poetry in brick is lost/ We want to drag into building some of the poetry of countdown, /orbital helmets, discord of mechanical body transportation methods and leg walking”. David Greene, Poema, Magazine Archigram n. 1, op. cit., página interna.

50

Uma Distopia ou Antiutopia é o pensamento, a filosofia ou o processo discursivo baseado numa ficção cujo valor representa a antítese da utopia ou promove a vivência em uma "utopia negativa". Bruna Isaque Serralheiro!

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técnico. Uma quimérica cidade-

-máquina, veículos excêntricos que se movem

sobre “patas” e que parecem insectos ou monstros gigantes, mas que são desenhados com uma obsessiva insistência nos detalhes, mais própria de um projecto de engenharia mecânica, que produz uma estranha combinação entre surrealismo e pragmatismo. Os cortes e detalhes de Walking city são ao mesmo uma investigação de projecto e uma representação da técnica, já que comprometidos com a retórica da verosimilhança que torna real este objecto fantástico, cujos precedentes não pertencem a uma tradição estritamente arquitectónica. Da mesma forma, os locais da cidade são sítios fictícios, mas todos nós já frequentamos através de outros meios. Walking City explora territórios em comum com a Pop arte, mas também com a utopia explorada em Metropolis51. Estes territórios e estratégias apontam para a convivência entre dois tipos de postura e representação, tanto elaboradas como fantásticas. A Pop arte trabalha com símbolos, ícones que já foram agrupados em unidade temáticas anteriormente à sua utilização na obra de arte. Um dos golpes da Pop arte foi a utilização de imagens retiradas das representações populares das coisas, como imagens em segunda mão, provenientes de outros meios e que em si mesmas constituem um repertório icónico52.O pré-fabricado é o conteúdo temático da Pop arte, é um conjunto de informações básicas visuais em segunda mão, sobre o qual os artistas Pop constroem, de forma diferente e a partir das suas decisões, novas paisagens bidimensionais.53 Neste sentido, o contexto do projecto é, portanto, o espaço onde explorar é possível e está ao alcance de todos, é um lugar onde é possível explorar comércio entre a diferença. Walking City ilustra paisagens artificialmente produzidas, em que este elemento urbano colossal, totalmente inventado por Herron, aparece infiltrado em lugares culturais reconhecíveis, Nova York como o paradigma da grande metrópole para os arquitectos, as pirâmides do deserto como símbolo das grandes civilizações

51

Revista Archigram 5 com o tema e título “Metropolis”, 1964, p. 17.

52

Henri Geldzahler, Congresso sobre a Pop Arte (1963), Pop Americano. Escritos e Declaraciones, em Arte Pop, Madrid, Electa, 1992, p. 129.

53

“Um pacote de cigarros pintado ao lado de uma maça pintada não me bastam. Ambos pertencem à mesma classe das coisas. Mas se aquele provém de um anúncio de cigarros e esta é uma maça pintada, são duas realidades diferentes e estabelecem um comércio entre uma e outra; montes de coisas – as cores gritantes, as qualidades dos materiais, imagens da história da arte ou dos anúncios – entram entre si em comércio.” Tom Wesselmann, Entrevista realizada por G.R. Swenson, “What is Pop Art?”, parte II, ARTnews, LXII, 10 de Fevereiro de 1964, reproduzida em Arte Pop, op. Cit., p. 148. Bruna Isaque Serralheiro!

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ancestrais, ou o Plano Obús54, como um poderoso ícone moderno, com os quais se pode estabelecer algum tipo de comércio. Por um lado, Walking City percorre a história destas cidades e as novas realidades tecnológicas que pressionam os lugares urbanos tradicionais. Por outro lado, procura a noção de projecto como ficção ou como desenvolvimento técnico de um conceito, e, em última instancia, procura a técnica pela urgência presente na evolução da sociedade dos anos sessenta. Tal como Walking City, também as contemporâneas, Plug-in City de Peter Cook em 1964 e Underwater City de Warren Chalk em 1964, evocam tanto a iconografia da banda desenhada de ficção científica e as estruturas mecânicas produzidas pela ciência e tecnologia reais, como as plataformas submarinas e petrolíferas. No segundo capítulo desta dissertação são apresentados casos de estudo, nos quais se abordam as questões também postas em prática nestas cidades. Ao contrário de Plug-in City, cuja sua estrutura possuía uma definição formal clara a partir de determinados usos, Walking City está mais próxima da ideia do grande contentor polivalente, relacionado à noção de indiferença funcional, à qual se pode comparar a Container City do grupo holandês contemporâneo MVRDV que se refere ainda neste capítulo. Existe entretanto um grupo de construções reais que consistiram e materializaram o trabalho do grupo Archigram, especialmente para Walking City de Herron. Estas construções são um exemplo do que Reyner Banham chamou de “mega estruturas trouvées” – grandes construções civis com objectivos vários como portos, poços de petróleo, armazéns, etc., que constituíram todo um reportório do qual se apropriaram as investigações mega estruturais. No caso da Walking City de Herron, a mega estrutura trouvée relacionada com esta, foi o conjunto das plataformas antiaéreas Maunsell da Segunda Guerra Mundial localizadas no estuário do rio Tamisa, que devem o seu nome ao autor do seu desenho, Guy Maunsell. No entanto, seria Warren Chalk, num artigo escrito por este em 1966, “Hardware for a new world”55, quem viria a estabelecer o significado deste edifício para Archigram, mais além inclusive, do aspecto formal recolhido por Herron. Chalk parte de um episódio ocorrido em Londres no verão de 1966: uma antiga estação de guerra do rio Tamisa, Shivering Sands Fort, em Kent, ocupada em tempos por uma emissora pirata de rádio Rádio City, de onde

54

Walking City pode ser vista aproximando-se à nova Argel imaginada por Le Corbusier no Projecto Obus. Entre 1930 e 1933 Le Corbusier propõe uma cidade viaduto a que deu o nome de Obus, propondo que assim se permitia concentrar a cidade sem perturbar a natureza, mas antes acompanhando as suas formas naturais ao longo da baía, e sem esquecer a mobilidade que estava assim sempre assegurada.

55

Warren Chalk, Hardware of a new world, publicado pela primeira vez em Fórum, Outubro de 1966, reproduzido em A guide to Archigram, 1961 – 1974, Londres, Academy Editions, 1995, pp. 170-177. Bruna Isaque Serralheiro!

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transmitia rock e comerciais para milhões de ouvintes regulares, até ser silenciada e despejada pelas autoridades (ilustração 20).

Ilustração 20 - Plataformas antiaéreas Maunsell da Segunda Guerra Mundial localizadas no estuário do rio Tamisa. Fonte:www.wikipedia.org

Segundo Chalk estas estruturas apresentavam padrões e aspectos transversais às cidades desenhadas pelo grupo Archigram. “...O mesmo uso da diagonal, a vinculação entre pontos nodais, um sentido da linguagem da mobilidade, a compreensão do conhecimento tecnológico sem a 56 destruição das características do mar, do céu, da terra e do espaço...”(Warren Chalk)

Segundo Herron, o projecto de Walking City surgiu a partir das ideias de indeterminação que circulavam no início do anos sessenta, tanto no interior do grupo como por parte dos seus interlocutores europeus e japoneses no que respeita ao tema das mega estruturas. A ideia da cidade como entidade mutante que responde às necessidades imediatas dos seus habitantes, que era a questão central, tanto da investigação relativa às mega estruturas como da análise apresentada nesta dissertação.

56

Chalk, op. Cit., p. 174; refere-se aos fortes do rio Tamisa e às plataformas submarinas.

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“Eu optei por uma direcção levemente distinta, e considerei a ideia da indeterminação 57 do lugar – Walking City foi o resultado...” (Ron Werron)

Esta cidade surge, portanto, integrada na discussão que envolve as mega estruturas, ainda que afinal insinue e desperte um dos caminhos pelos quais Archigram se desvinculou relativamente aos princípios centrais desta discussão. Quando Archigram apresenta o tema da metrópole na revista Archigram 5, está a estudar a problemática da natureza das várias partes das cidades, tanto no sentido material como arquitectónico: “ a utilização do espaço quando está contido numa caixa, quando uma caixa é unida à próxima, e quando um espaço maior, exterior, é atravessado, é uma parte do processo de manipulação que pode definir o bom ou o mau resultado.”58

Ilustração 21 – Plug-in City de Peter Cook 1962-64. Fonte:www.archigram.westminster.ac.uk

A ideia da cidade como massa aditiva é uma das bases da noção de Cluster 59 , relacionada com as mega estruturas: ”o agrupamento de partes e funções que são tão diferentes mas, ao mesmo tempo tão próximas que os elementos deixam de ser definidos, é uma postura sofisticada posterior à organização metropolitana. Isto leva à preposição de que toda a cidade poderia estar num único edifício.” 60 Nem todas as estruturas estariam tão rigidamente identificadas com esta estratégia dum edifício único, ou a ideia da cidade como um edifício singular. Algumas estruturas assumem 57

Ron Werron, Walking City, em Reyner Banham, op., p. 75.

58

Metropolitan Conditions? Editorial, Revista Archigram nº 5, op.. cit., 1964, p. 1.

59

Um Cluster, ou aglomerado de computadores, é formado por um conjunto de computadores, que utiliza um tipo especial de sistema operacional classificado como sistema distribuído.

60

Revista Archigram 5, op. Cit., p. 1.

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sim, a atitude de uma grande sistema ordenador, como é o caso de Plug-in City, ou na ideia do crescimento orgânico, adaptado aos sistemas naturais, como no caso dos metabolistas japoneses.

Ilustração 22 - Torre Nagakin Capsule, em Tóquio, no Japão, de Kisho Kurokawa em 1971. Fonte: Internet

Em 1971, surge integrado nos trabalhos de um grupo de Metabolistas Japonês, a Torre Nagakin Capsule, em Tóquio, no Japão, pelas mãos de Kisho Kurokawa. Esta torre de 14 andares, foi construída para providenciar alojamento económico a homens de negócios, solteiros, a trabalhar em Tóquio durante a semana. Cada cápsula era um quarto individual, com as proporções de um contentor marítimo, com uma janela circular, uma cama encastrada e uma unidade de casa de banho. O conceito, conforme preconizado pelos Metabolistas61, baseava-se no uso de elementos préfabricados, em que cada cápsula chegava ao local já completa: com televisão, rádio e despertador. Sendo, posteriormente, colocada no sítio por uma grua e depois presa à estrutura de betão. Todas as unidades eram retiráveis e substituíveis, tendo-lhes sido apontado um tempo de vida útil de 30 anos. Na sua Capsule Declaration, Kurokawa afirmou “A arquitectura, de hoje em diante, irá tomar o carácter de equipamento”62. É importante referir que apesar deste exemplo se apresentar como arquitectura estática sem qualquer carácter mecânico ou cinético, vem colocar em prática o trabalho desenvolvido pelos Archigram na década de 60.

61

Grupo de origem Japonesa, surge no fim dos anos 50, como reacção à superpopulação do país, propondo o desenvolvimento e utilização de grandes estruturas de “encaixe”; outros projectos deste movimento são as Cidades Flutuantes e a Sky House, ambos de Kitutake, sendo esta última e a Torre Nagakin os únicos projectos metabolistas a ser construídos.

62

Jane Pavitt, David Crowley – The Hi-Tech Cold War,. Cold War Modern. Design 1945-1970, 2008, pp.172-173 Bruna Isaque Serralheiro!

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A percepção da cidade como um contínuo somatório de partes distintas – como crust, cluster, ou molehill, formas de organização sugeridas em Archigram 5 – indica, mesmo como possibilidade, a compreensão da cidade como um edifício único. No caso em estudo de Walking City, este grande veículo-contentor, cujo perímetro exterior é totalmente definido, mas que o seu interior está configurado segundo o tipo de organização flexível e aditiva de Plug-in City, e tem naturalmente uma forte ligação com o conceito abordado do grande elemento urbano singular. Neste sentido é importante abordar e estudar a Plug-in City para estabelecer a ligação antes referida. Plug-in City foi criada e imaginada por Peter Cook em 1964 como reflexo das mudanças sociais, económicas e tecnológicas que ocorriam desde os últimos anos da década de 1950. O mundo vivia uma período de optimismo frente aos cenários cinzentos associados às duas grandes guerras. A chegada do homem à lua e o grande desenvolvimento económico, possibilitou cada vez mais o acesso a novos bens de consumo como electrodomésticos, carros, televisões, etc.. No âmbito cultural, as mudanças fizeram surgir o movimento Pop, antes já referido, com artistas como Andy Warhol nas artes plásticas e os Beatles na música. As cidade cresciam a taxas vertiginosas mas o discurso de racionalidade estrita prevista pelo movimento moderno não era mais suficiente para direccionar as construções das casas e cidades já que, como antes mencionado, o mundo já não sofria mais tanto os efeitos da II guerra mundial. A cidade moderna era considerada por muitos padronizada, inflexível e estática, não se adaptando às novas questões que surgiam na sociedade dos anos sessenta. A nova cultura do consumo requeria rápidas metamorfoses sociais e urbanas, e gerava a obsolescência de equipamentos, que deveriam ser substituídos periodicamente por outros mais modernos e eficientes, acompanhando o rápido desenvolvimento tecnológico e ao mesmo tempo gerando demandas para a industria capitalista. Neste sentido, a Plug-in City é basicamente uma malha regular que concentra todos os serviços e dentro da qual se poderia colocar as habitações. Não havia proposição de

nenhum

tipo

de

hierarquização.

Os

espaços

poderiam

ser

mutantes,

acompanhando as mudanças necessárias ao longo do tempo. Os espaços eram separados em áreas de serviços básicos e áreas residenciais, que se ligavam por passadeiras desniveladas, formando verdadeiras ruas. Os espaços de serviços deveriam ser abastecidos através de guindastes ou do sistema de transportes rodoviários regionais que colocariam as mercadorias dentro de tubos ligados directamente às lojas que formariam a própria estrutura da Plug-in City.

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Ilustração 23 – Plug-in City de Peter Cook 1962-64. Fonte:www.archigram.westminster.ac.uk

Este conceito nómada urbano era visto como a única forma da cidade acompanhar as mudanças pelas quais estaria sujeita. Dessa maneira ela poderia, lentamente, avançar, aumentando as suas estruturas na direcção desejada pelos seus habitantes – fosse no sentido vertical ou horizontal. À medida que a cidade aumentasse, deveriam acompanhá-la os sistemas de transporte, principalmente por comboios e aeronaves, que fariam ligações regionais, nacionais e internacionais. Sobre as unidades habitacionais, estas deveriam proporcionar o máximo de flexibilidade possível, permitindo ao seu utilizador trocar facilmente desde a posição dos móveis e aberturas até ao próprio formato, ou mesmo adicionar outros módulos, aumentando o tamanho da casa. Para tal, a construção era estruturada em pré-moldados de plástico e chapas de aço, com os quais seria possível uma gama ampla de montagem. O papel do arquitecto, na coordenação, e este deveria sugerir mudanças tanto nas habitações como na cidade, mas sem reter para si todo o processo de decisão e alteração, permitindo flexibilidade aos próprios utilizadores. As descrições de Plug-in City apontam para um modelo de cidade baseado na heterogeneidade de padrões, mas que era fundamentado na existência de um cidadão activo e participante - Civitas. Desta forma, ainda que aberta às diversas expressões Bruna Isaque Serralheiro!

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dos diferentes grupos que habitam a cidade, o cidadão padrão ainda é a base da construção desta cidade assim como no movimento moderno – ainda que haja diferenças visíveis e bastante claras entre os dois.

Ilustração 24 – Plug-in City de Peter Cook 1962-64. Fonte:www.archigram.westminster.ac.uk

Desta forma, a Plug-in City foi criada para funcionar como suporte de todo um sistema sofisticado e complexo de serviços. Além das residências básicas, em alguns nós dessa

cidade-rede

eram

posicionadas

unidades

arquitectónicas

inteligentes

preparadas para todo tipo de serviços, com o objectivo de resolver todas as necessidades dos moradores. Nesta cidade podiam encontrar-se hotéis, restaurantes, supermercados, farmácias, etc. No interior desses espaços encontrava-se todo tipo de

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instalações, equipadas com aparelhos electrónicos de última geração, que tinham a função de apoiar as operações domésticas habituais com um simples toque no botão. Para Dominique Rouillard este projecto é um exemplo do triunfo do software sobre o hardware. O seu planeamento estabelece um dispositivo electrónico contínuo que regista e regula, quotidianamente, a busca constante de crescimento e de transformação do espaço urbano, de acordo com as exigências e necessidades dos seus habitantes. Ao contrário da arquitectura tradicional, que sempre criou construções e objectos com rigidez e resistência para durar por várias gerações, as pesquisas e estudos que fundamentavam a criação dos projectos do grupo Archigram procuravam investigar o que aconteceria se todo o espaço urbano fosse programado para mudar no decorrer do tempo e mediante as suas necessidades. As unidades habitacionais e de serviços desta cidade interconexa eram planeadas para a obsolescência, ou seja, eram espaços criados para serem reprogramados com o passar do tempo, de acordo com as mudanças ocorridas no quotidiano urbano e em consequência das novas necessidades de consumo que começavam a surgir na época. De acordo com os membros que integravam o grupo, na actual época tecnológica, com trocas contínuas de necessidades, um edifício, uma rua ou até mesmo uma cidade inteira, chegam muitas vezes a cair em desuso, do ponto de vista da sua utilização, e necessitam de ser esporadicamente reprogramados e reconstruídos. A habitação colectiva da Plug-in City era formada por torres constituídas, não pelos tradicionais apartamentos ou fracções de betão armado, mas por cápsulas unitárias conectáveis, construídas com materiais pré-fabricados de extrema leveza, como plástico reforçado e lâminas de aço. A moradia era pensada como um dispositivo que pudesse ser transportado pelo seu proprietário para onde quer que este fosse, criando uma visão urbana de uma máquina gigante onde os seus habitantes/viajantes pudessem inserir ou não a sua unidade habitacional. Por serem de fácil conexão e desconexão as cápsulas poderiam ser substituídas por novas versões melhoradas e mais eficientes à medida que fossem sendo criadas, num processo contínuo de desenvolvimento tecnológico ao serviço do bem-estar do Homem.63 As Casas Cápsulas desenvolvidas pelos membros do grupo Archigram foram criadas segundo o olhar do arquitecto do futuro. Uma moradia que seguia a ideia da máquina de habitar de Le Corbusier, com elevado grau de sofisticação tecnológica e planeadas

63

Cook, Peter e outros. Archigram. London: Studio Vista Publishers, 1972, p. 36-46.

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segundo a ergonomia para serem práticas, bastante confortáveis e adaptadas ao Homem. A fonte de inspiração encontrava-se, sob todos os pontos de vista, nas cápsulas espaciais e nas tecnologias aeroespaciais dos anos sessenta. O conceito de Casa Cápsula foi amplamente estudado e aprofundado por eles, com o intuito de abrir novas possibilidades para a produção arquitectónica industrializada e procurar maior eficiência no processo construtivo tradicional. Uma forma de oferecer ao mercado unidades ergonómicas, compactas, económicas, flexíveis e de fácil transporte. Nos estudos realizados pelo grupo, foram desenvolvidos conceitos materializados como a ideia de conexão, montagem e desmontagem da Plug-in city numa escala reduzida.

Ilustração 25 – Casas Capsula desenvolvidas pelo grupo Archigram, 1966. Fonte: www.archigram.westminster.ac.uk

Em vez de criarem uma casa cápsula inteira e rígida, inventaram unidades flexíveis, compostas por partes menores que eram articuladas, como num jogo de peças ligadas por uma película, pele, membrana ou mesmo casca, através de uma série de condições mutantes. Com este sistema era possível eliminar ou acrescentar um quarto, ou ainda, trocar uma parede e uma porta, de acordo com o desejo e com o estado de espírito do habitante. Neste contexto, o profissional responsável pelo planeamento e processo de construção de uma Casa Cápsula teria a função de apresentar à pessoa que procura um lugar para morar, um catálogo de peças e equipamentos arquitectónicos onde estaria em exibição uma selecção de fragmentos alternativos a serem montadas pelas próprias pessoas que viriam a morar nelas, de acordo com a sua necessidade e o seu gosto pessoal, seguindo a lógica do “faça você mesmo”. Caberia a este profissional o papel de orientar o seu cliente da melhor forma possível. Bruna Isaque Serralheiro!

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A proposta da Plug-in City surgiu a partir de uma série de ideias desenvolvidas em artigos do segundo e do terceiro número da revista Archigram, assim como em projectos embrionários para arquitecturas móveis, mutantes e expansíveis criadas entre os anos de 1962 e 1964. Depois de 1965, após realizarem uma série de projectos mega-estruturais, os elementos do grupo lançaram vários projectos intermediários mais direccionados para a arquitectura, deixando as propostas de urbanismo para segundo plano. O interesse deles neste período voltou-se para a unidade habitacional autónoma, avessa à monumentalidade e com máxima flexibilidade, funcionalidade e adaptabilidade. Espaços que pudessem existir de forma independente das megaestruturas e de outros sistemas de suporte permanente. Os melhores exemplares desta fase são os projectos denominados Living Pod Project (1965) de David Greene e The Cushicle (1966) de Mike Webb. Esta dissertação pretende estudar o conceito mecânico e tecnológico para esse mesmo efeito, a flexibilidade e versatilidade do espaço arquitectónico numa sociedade em constante mudança. É inevitável mudar e acompanhar o ritmo da natureza e do Homem, que é parte da mesma e importante que essa

transformação se adapte na morfologia do habitat

humano. Na realidade, a vida humana alimenta-se da busca pela fantasia e da utopia. Neste sentido, os anos 90 assumem-se como a maior transformação da própria Máquina, uma vez que esta se transforma e muda de forma e conceito, chegando a ser, em muitos casos, Virtual. Num mundo cada vez mais tecnocrático, o espaço que a máquina ocupa torna-se muito valioso, torna-se reduzido e visto ao microscópio, a máquina deixou de ser operada, passando a operar num espaço virtual e abstracto à visão humana. Formado em 1991, o escritório MVRDV, sediado em Rotterdam ganhou notoriedade graças ao trabalho dos arquitectos que o criaram. Winy Maas, Jacob van Rijs e Nathalie de Vries criam uma arquitectura singular, analítica e metodológica, procuram uma posição fora do campo da arquitectura, intervindo socialmente e ecologicamente. A estética que daí resulta é complexa e, muitas vezes, polémica, mas a provocação visual intrínseca nas suas teorias é sempre uma arma fatal quando posicionada frente às discussões

por elas originadas. Este atelier ou laboratório de arquitectura

destacou-se quando, em 2000, projectou o pavilhão Holandês para a Expo 2000 em Hannover. Uma torre de paisagens, onde campos de túlipas, dunas, florestas, um lago e moinhos de vento no seu topo geravam arquitectura e apresentavam a Holanda ao Mundo. Este projecto discutia a auto-suficiência dos recursos naturais em zonas

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compactas e bastante povoadas antes da sua maior notoriedade nos meios de comunicação. O trabalho dos MVRDV vai muito além da arquitectura que se materializam, a sua marca está expressa na pesquisa e experimentação presentes dos seus estudos sobre cidade, sobre as cidades do futuro, sendo considerados um laboratório de arquitectura. Para além da Container city, desenvolveram outras estudos de possíveis sistemas urbanos futuros que resolvessem questões que afectam as cidades contemporâneas. Cidades como a tower city, Swiss Cheese city, Coral City, Garden city64 são, na verdade, estudos para uma cidade especulativa com o nome Skycar city ou cidade dos carros voadores.

Ilustração 26 – Desenhos das máquinas voadoras projectadas e pensadas por Leonardo Da Vinci em 1510. Fonte:www.wikipedia.org

Skycar City gera um conceito urbano inspirado na ideia já muito frequente do carro voador, o carro do futuro. Este carro aparece, pela primeira vez, nas páginas da revista Popular Mechanics65 em Abril de 1906, aproximadamente quinze anos depois

64

Em Português: Cidade Torre, Cidade Queijo Suíço, Cidade Coral e Cidade Jardim.

65

Popular Mechanics é uma revista norte-americana dedicada à ciência e tecnologia. A sua primeira edição foi publicada a 11 de Janeiro de 1902 por H.H. Windsor, pertencendo desde a década de 1950 à Hearst Corporation. Bruna Isaque Serralheiro!

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de ter sido imaginado nas ilustrações de Albert Robida66 e quatrocentos anos depois de Leonardo Da Vinci ter inventado e pensado nas máquinas voadoras67, inspiradas pelo seu fascínio sobre o fenómeno do voo, presente nos seus muitos estudos sobre o voo dos pássaros. Leonardo tentou aplicar os seus estudos em protótipos que desenhou, o Swan Di Volo ou Cisne Voador que se pensa ser de 1510, tal como um helicóptero movimentado por quatro homens e um planador cuja viabilidade já foi aprovada (ilustração 25). A ideia de carro que possa voar esteve presente durante os últimos cem anos no cinema, na literatura e na ilustração, sendo considerado um ícone do futuro que alteraria a nossa perspectiva da cidade contemporânea se se tornasse realidade. As projecções do futuro estão sempre presentes no discurso arquitectónico, principalmente desde o período Modernista, quando a cidade era sinónimo de promessas Modernistas até ao tempo presente. Foram propostas cidades visionárias, que quebravam com as cidades de então, enfatizando sempre a necessidade de reformar as os fluxos e sistemas urbanos de transportes. A recente Era do Virtual possibilitou maior frequência de cidades visionárias realizadas pelo cinema e dando origem a futuros urbanos repletos de energia e imaginação, no entanto, apenas imagens... “O que vai acontecer às nossas cidades se inventarmos carros que voam: amigos do ambiente, silenciosos, carros acessíveis que se movem livremente entre os 68 edifícios?” (Winy Maas e Grace La, 2007)

O forte êxodo para o meio urbano gerou dilemas ou mesmo problemáticas como densidade, superpopulação, recursos, poluição e crescente privatização. Skycar City posiciona-se na confluência da especulação sobre os sistemas urbanos de transportes para uma nova cidade, onde o movimento é tanto eficiente como gratuito.

“Benvindo a Skycar City. Uma cidade com ruas em todos os seus níveis, ou talvez vazia das ruas tal como as conhecemos... Neste novo tipo de metrópole, semáforos são substituídos pelo sistema de navegação a bordo do carro, com parques automóveis em qualquer nível, com um sistema revolucionário de moradas, as 69 repercussões não têm fim...” (Winy Maas e Grace La, 2007) 66

Albert Robida nasceu em 1848 na cidade Compiègne , França. Morre em 1926. Foi ilustrador, litografo, caricaturista e escritor.

67

Leonardo Da Vinci, Vidas ilustradas, Kenneth Clark, (2003),

68

Skycar City, A Pre-emptive History. Winy Maas & Grace La (2007).

69

Skycar City, A Pre-emptive History. Winy Maas & Grace La (2007).

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A cidade muda à semelhança do Homem e o homem já não sabe viver sem o seu automóvel, sem os transportes públicos, acabando por ver o seu território cada vez mais ocupado por estas máquinas. Nas nossas cidades contemporâneas, o espaço evapora substancialmente face ao novo culto do automóvel. Nova Iorque é exemplo disso, quase metade da ilha de Manhattan está coberta por estradas. Apenas 44% do solo está disponível para desenvolvimento. Skycar City transforma as suas ruas redundantemente, pois deixariam de existir como as conhecemos. Elevando-nos a uma dimensão que nos permitiria circular em ruas em qualquer nível da cidade. Originaria uma cidade sem controlo de tráfego. Nesta cidade não existirá a problemática do estacionamento que se efectuará em qualquer nível, tal como todo o seu programa. Esta cidade tornava-se densa em altura, solucionando muitos problemas que ocorrem ao nível do solo, como o trânsito completamente parado nas horas de ponta urbanas.

Ilustração 27 – Imagem ilustrativa do parque automóvel de Skycar city do grupo MVRDV, 2006. Fonte: Skycar City, A Pre-emptive History. Winy Maas & Grace La

Uma cidade que crescia em altura exigiria mudanças radicais, deixando de usar eixos ou ruas, passava a utilizar um revolucionário sistema de moradas baseado em coordenadas. Uma cidade sem sinais de trânsito com uma navegação controlada no ecrã do skycar ou carro voador. Bruna Isaque Serralheiro!

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Ilustração 28 - Imagem ilustrativa do ambiente urbano de Skycar city do grupo MVRDV, 2006. Fonte: Skycar City, A Pre-emptive History. Winy Maas & Grace La

Para se projectar uma cidade como esta, seria necessário processar e executar algumas alterações ou exigências presentes nos novos carros, uma vez que seriam estes que ditavam os potenciais desta nova forma de cidade. Uma mutação automóvel seria obrigatória para a criar. Os Skycars precisavam de novos motores que permitissem maior velocidade e potência tal como um novo mecanismo motorizado que permitisse que ficasse suspenso e imóvel no ar. Para tal efeito o grupo MVRDV desenvolveu uma colecção de veículos voadores que variava desde o novo conceito do Barnacle ou programa móvel à mota. Este veiculo poderia ir mais além convertendo-se

em

programa

como

cafetarias

ou

bibliotecas,

etc.

A

sua

movimentação seria permitida através de duas grandes turbinas colocadas nos seus extremos, que funcionariam à semelhança das lâminas dos helicópteros produzindo as elevação e propulsão necessárias. Promoviam interacção social, sendo possível até serem convertidas em pistas de dança móveis que se poderiam anexar aos edifícios quando necessário.Para além do Barnacle projectaram veículos de transporte familiar, outros mais desportivos, outro inspirado nos velhos autocarro ou eléctrico para transporte de passageiros até mesmo a SkyBike e SkyVespa! Os estudos dos MVRDV aprofundaram desde os sistemas dos sensores para evitar a colisão entre veículos e sistemas de parqueamento aos sistemas suplementares de energia e engenhos para tais efeitos. A cidade transforma-se, cresce, torna-se densa, evoluí, mas até que ponto não será necessariamente importante repensa-la para o Ser Humano? Será o automóvel a

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personagem principal das nossas cidades? Quem serão as secundárias? E o figurantes? A evolução da tecnologia permitiu que os meios urbanos sofressem uma transformação tecnocrática. Cidades pensadas para se percorrerem a velocidades moderadas, com poucos veículos, são agora contaminadas por quantidades excessivas de veículos sem espaço para existirem. Exemplo disso é a capital de Angola, a cidade de Luanda projectada para 600 mil habitantes, quando afinal tem uma população estimada de mais de 6 milhões. O trânsito diário desta cidade chega a estar literalmente parado durante 60 minutos. Este fenómeno acontece na maioria dos meios urbanos e responde à falta de adaptabilidade das cidades contemporâneas face à metamorfose que os hábitos humanos sofreram no último século. É, portanto, inevitável a especulação urbana associada ao factor insaciável presente na condição humana. Arquitectos, urbanistas, cineastas e artistas criaram ao longo do tempo numerosas perspectivas e especulações urbanas futuras. Traçaram relações entre as técnicas construtivas, formas de movimentação, consumos energéticos e de produção, densidade populacional e assinaram protocolos e estabeleceram metas70. A tecnologia evolui, desenvolvem-se novas formas de energia, os aumentos de consumo de energia crescem e a oferta petrolífera decresce, factos que privilegiam cidades com a dinâmica criada em altura, uma cidade onde não existe controlo de tráfego, os arruamentos funcionam num sistema nivelado, os semáforos são substituídos por um sistema de navegação a bordo do automóvel. Uma cidade sem sinais de trânsito. O tempo torna-se mais intenso, a cidade torna-se maior, mais densa, definida por uma rede tubular de arruamentos que contamina toda a cidade, Skycar City.

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Protocolo de Kyoto e a Cimeira da Terra. O Protocolo de Quioto constitui-se no protocolo de um tratado internacional com compromissos mais rígidos para a redução da emissão dos gases que agravam o efeito estufa, considerados, de acordo com a maioria das investigações científicas, como causa antropogênicas do aquecimento global. Discutido e negociado em Quioto no Japão em 1997, foi aberto para assinaturas em 11 de Dezembro de 1997 e ratificado em 15 de março de 1999. Sendo que para este entrar em vigor precisou que 55% dos países, que juntos, produzem 55% das emissões, o ratificassem, assim entrou em vigor em 16 de fevereiro de2005, depois que a Rússia o ratificou em Novembro de 2004. Por ele se propõe um calendário pelo qual os países-membros (principalmente os desenvolvidos) têm a obrigação de reduzir a emissão de gases do efeito estufa em, pelo menos, 5,2% em relação aos níveis de 1990 no período entre2008 e 2012, também chamado de primeiro período de compromisso (para muitos países, como os membros da UE, isso corresponde a 15% abaixo das emissões esperadas para 2008). A ECO-92, Rio-92, Cúpula ou Cimeira da Terra são nomes pelos quais é mais conhecida aConferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), realizada entre 3 e 14 de junho de 1992 no Rio de Janeiro. O seu objetivo principal era buscar meios de conciliar o desenvolvimento sócio-econômico com a conservação e proteção dos ecossistemasda Terra.

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A especulação da arquitectura sonha alcançar uma plataforma sustentável onde o Homem possa viver e usufruir da tecnologia na sua plenitude, quer à escala urbana, quer à escala do facto urbano, da sua casa. É necessário procurar novas formas de habitabilidade que proporcionem a plena harmonia entre o Homem e a Máquina numa lógica que eleve o autor do sonho a personagem principal.

2.3 A EMOÇÃO DA TRANSFERÊNCIA TECNOLÓGICA “Da porta automática, o visitante passava por uma cortina de ar quente para remover a sujeira. A sala de estar estava desprovida de móveis, excepto por umas poucas cadeiras, mas ao pressionar um botão, uma secção do piso erguia-se para formar ou uma mesa de café ou uma mesa de jantar, conforme requerido. A cozinha não tinha nenhum mobiliário abaixo do nível da cintura - tudo estava na altura dos olhos e embutido nas paredes. O banheiro continha um duche que lavava e secava, e mais uma banheira que se enchia pelo fundo a uma temperatura controlada termoestaticamente. O dormitório continha somente a cama, sem cobertas, excepto um único lençol de nylon, já que o aquecimento controlado da casa tornava isto desnecessário. Todas as roupas e artigos de toilette estavam guardados no quarto de vestir. Anne e Peter, que viviam na Casa do Futuro, usavam roupas de nylon informais 71 desenhadas por Teddy Tinling , conhecido designer de roupas esportivas.” (Deborah 72 S. Ryan, 1997)

A casa, a habitação, a cápsula, o ninho, o casulo, a vivenda, o apartamento, a residência, o domicílio, o habitat e o lar... Tantas definições para que, afinal, emocione o Homem, criando uma química de atracção física inexplicável. Repleta de emoções e ferramentas íntimas que protegem e definem a individualidade do seu habitante. É a nossa Casa e por isso a nossa Máquina. A casa é mais do que a propriedade individual da cidade, é o Lar de cada individuo e a sua imagem traduzida em arquitectura. Deve ser portanto a sua máquina individual habitável e responder ao que necessita. À semelhança das cidades visionárias, também muitos arquitectos, cineastas e artistas imaginaram casas visionarias, casas que respondessem na sua plenitude às necessidades do Homem, seduzindo através da transferência tecnológica para as novas formas de pensar a arquitectura. No cinema, a casa do futuro foi muitas vezes associada à chegada do Homem à lua e as suas cozinhas e instalações sanitárias assemelhavam-se ao interior das cápsulas espaciais ou mesmo do interior dos aviões. Este subcapítulo procura abordar e estudar em, primeiro plano, a casa e a sua transformação tecnológica, estando a sua

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Cuthbert Collingwood "Ted" Tinling (23 de junho de 1910 - 23 de Maio de 1990), também conhecido como Teddy Tinling, foi jogador de tênis Inglês, designer de moda, espião, e autor.

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Deborah S. Ryan, The Ideal Home Through the 20th Century. Daily Mail, Ideal Home Exhibition, Londres, Hazar, 1997, pp. 115-116. Bruna Isaque Serralheiro!

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busca centrada na casa mecânica, de que forma e onde é que a casa se transforma numa máquina? A transformação espacial e a sedução da metamorfose interior da habitação não é novidade e surge em 1659 em Kyoto no Japão na flexibilidade dos espaços interiores da Vila Imperial ShugaKuin construída pelo Imperador Go-Mizunoo. A consciência interior dos espaços está implicitamente relacionada com a magia dos jardins envolventes. Planos de fachada que se rebatem e abrem o espaço para o jardim, bem como planos que deslizam no interior, possibilitando um espaço interior amplo ou totalmente encerrado. O utilizador ou habitante é o elemento principal e define o espaço que habita, transformando-o. Este conceito é mais tarde reinterpretado no século XX. O movimento Moderno73 veio revolucionar a condição da casa quando Le Corbusier 74 põe em questão a condição da habitação tal como era conhecida. “[...] Uma casa como um automóvel, concebida e planeada como um autocarro ou uma cabine de navio. As necessidades actuais de habitação podem precisar-se e exigem uma solução. É necessário reagir contra a antiga casa e o seu sentido de espaço. Actualmente, é necessário considerar a casa como uma «máquina de habitar» ou como uma ferramenta. [...] Até hoje, uma casa era um conjunto pouco coerente de inúmeras grandes salas. Nas salas havia sempre espaço a mais ou a menos. [...]” 75 (Le Corbusier, 1942-1948)

A casa deixa de ser apenas mais uma casa, passa a ser a máquina! Perde-se a necessidade de bibelôs, peças decorativas que servem apenas para ocupar espaços residuais, coisas que se guardam pela sua história e afecto, coisas de que se gosta sem qualquer efeito e propósito, apenas porque sim! Enfim, objectos que existem só porque sim, só porque apetece. Esta máquina de habitar é pensada exclusivamente para o utilizador e para as suas necessidades. No entanto, quando Le Corbusier a define como máquina de habitar, descreve um espaço que perde a autenticidade e a identidade, pois todas essas coisas que de nada servem e moldam o espaço interior, são a essência da nossa natureza e aquilo que nos define. Mais tarde conclui o encanto da máquina e a

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Chama-se genericamente modernismo ou movimento modernista ao conjunto de movimentos culturais, escolas e estilos que permearam as artes e o design da primeira metade do século XX.

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Charles-Edouard Jeanneret-Gris, conhecido pelo pseudónimo de Le Corbusier, (La Chaux-de-Fonds, 6 de Outubro de 1887 Roquebrune-Cap-Martin, 27 de Agosto de 1965). Foi arquitecto, urbanista e pintor.

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Modulor, criada por Le Corbusier entre 1942 e 1948

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definição do Purismo 76 quando descreve que mais do que habitar, a máquina emociona! Aqui definiu a paixão ou o jogo de cintura do arquitecto. O objectivo é, mais uma vez, alcançar o belo. Todas as paredes traçadas, todos os vãos abertos e todos os ângulos previstos só têm como finalidade a emoção primitiva do futuro utilizador. Chamar utilizador ao habitante é um bom reflexo da arquitectura e define as sociedades actuais... Desta forma Le Corbusier terá tido visão antes do seu tempo, quando substitui o habitante e o vizinho pelo utilizador e visitante. Apesar dos modelos de casas de Le Corbusier não servirem para ser habitadas de forma confortável, serviram para promover o movimento moderno e todo o pensamento teórico associado a este. Os projectos de Le Corbusier apresentam-se como modelos de referência que condicionaram toda a história da arquitectura e do urbanismo, ao lançarem uma nova abordagem sobre as características dos recursos modernistas sobre modo de habitar os espaços. As “máquinas de habitar” não interessaram aos americanos que, para além de pouco sentirem os efeitos da primeira Grande Guerra, mantinham um sistema de construção consolidado em madeira, tendo sido a Europa o palco destas grandes transformações da arquitectura. Exemplo disso, foi a exposição “Estilo Internacional” organizada por Hitchcock e Johnson77, onde foram exibidas as “casas-máquina” produzidas na sua maioria por Europeus. Neste estudo do conceito da Casa Mecânica é essencial abordar Arquitectura cinética e alguns exemplos que a verificam. Arquitectura cinética define a capacidade metamorfa dos edifícios. Estes são projectados para que partes ou mesmo o elemento completo construído se possa mover, mantendo a integridade estrutural. A capacidade de movimento num edifício pode ser usada apenas para aperfeiçoar qualidades estéticas, mas também pode permitir responder a condições ambientais para executar funções que seriam impossíveis para uma estrutura estática.

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O Purismo foi um movimento que defendia uma arte sem valores emocionais. Sustentava uma postura racional e rigorosa, sem subjectividade e qualidades decorativas. O movimento foi fundado por Amédée Ozenfant, pintor e escritor, e Le Corbusier (Charles Edouard Jeanneret), em 1918.

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Henry-Russell Hitchcock nasceu em Boston e estudou na Escola de Middlesex e na Universidade Harvard, recebendo seu A.B. em 1924 e sua M.A. em 1927. No início dos anos 1930, a pedido de Alfred Barr, Hitchcock colaborou com Philip Johnson (e Lewis Mumford) na exposição "Arquitectura Moderna: Exposição Internacional", no Museu de Arte Moderna (1932), a exposição que apresentou o "Estilo Internacional" arquitectura da Europa, para uma audiência americana. Hitchcock e Johnson são co-autores do livro “The International Style: Architecture Since 1922”, publicado em simultâneo com a exposição no MOMA. Bruna Isaque Serralheiro!

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A utilização prática da arquitectura cinética aumentou acentuadamente no final do século 20 com a evolução da mecânica, electrónica e robótica abrindo novas possibilidades de arquitectura. No entanto, está presente no passado sob formas mais rudimentares, mas igualmente mecânicas como a ponte levadiça da Idade Média. No início do século 20, o interesse humano pela cinética inspirou o Futurismo já discutido nesta dissertação. Para além do futurismo, também os construtivistas russos sofreram a emoção da arquitectura cinética.

Ilustração 29 – Torre Tatlin projectada por Vladimir Tatlin em 1919 para a Terceira Internacional. Fonte: wikipedia

Vladimir Tatlin 78 acreditava que a arte deveria reflectir o novo mundo industrial e adoptar formas, materiais e técnicas da tecnologia, transportando a simbiose artista e máquina para à construção de objectos úteis. Em 1919, apresenta ao mundo o projecto para uma torre, que assumia o cone e um cilindro rotativo, criada para alojar escritórios e salões (ilustração 28). Esta Torre de ferro e cristal pretendia erguer-se de forma altiva e perturbante, como um manifesto, sobre a cidade de São Petersburgo na Rússia. A Torre Tatlin seria um Monumento à Terceira Internacional 79 . Este

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Vladimir Evgrafovič Tatlin (1885 - 1953) foi pintor, escultor e arquitecto de origem ucraniana. Foi o primeiro teórico do construtivismo russo e grande incentivador do movimento.

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Comintern ou Komintern (do alemão Kommunistische Internationale) é o termo que designa a Terceira Internacional ou Internacional Comunista (1919-1943), a organização internacional fundada por Vladimir Lenin e pelo PCUS (Partido Comunista da União Soviética), em Março de 1919, para reunir os partidos comunistas de diferentes países. Bruna Isaque Serralheiro!

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monumento pretendia representar os novos tempos da modernidade e a dinâmica social, tentando integrar arte e técnica. Assumia-se como uma metáfora da sociedade da máquina e teria 400 metros de altura, seria construída a partir de uma estrutura metálica formando três espirais encerrando três volumes de vidro que continham os espaços de conferência. Este projecto encarna a quimera dos cenários futuristas no princípio do século XX, foi criado num momento de entusiasmo político e nunca foi construído devido à alteração da política governamental que passou a manifestar-se contra a arte de vanguarda. Tatlin encara a máquina como um objecto que, apesar de não estar associado à habitação, transportava a plataforma da arquitectura para a emoção da máquina. O sonho da casa como uma máquina e produzida pela mesma traduz-se igualmente noutros exemplos. Nas primeiras décadas do século XX a arquitectura cinética foi na sua maioria teórica, no entanto para o visionário Buckminster Fuller80, os europeus ainda não tinham captado todas as potencialidade dos novos materiais e da produção massa. Este autor defendia que era inevitável encarar os novos meios de construção e produção e os recursos mundiais de uma forma global. Defendia que os velhos sistemas económicos, baseados na memória dos tempos de escassez e isolamento, deviam ser substituídos, de forma a encarar a habitação como uma questão logística semelhante a uma operação militar. A sua solução previa a produção de casas em série como unidades autónomas que se transportavam para qualquer lugar, à semelhança do conceito da arquitectura portátil mais tarde dissecado na década de 60. Cada casa deveria ser o mais leve possível, proporcionando a máxima solidez. Em 1928 , Fuller publica os desenhos da sua primeira casa 4D, posteriormente conhecida pela Casa Dymaxion devido ao armazém Marshall Field em Chicago81, que utiliza um modelo desta casa como palco futurista para o seu mobiliário. Longe da metáfora estilística, esta casa aparece como a verdadeira “máquina para habitar”. A sua base é hexagonal e os seus compartimentos encerram-se neste volume envidraçado hexagonal suspenso por um mastro central no qual se agrupam todas as infra-estruturas, onde estão incluídas as instalações gerais de ar condicionado e aspiração central, bem como roupa lavada, seca e passada

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Richard Buckminster Fuller, nasceu em Milton, Massachusetts (12 de Julho de 1895 — 1 de Julho de 1983) foi um visionário, designer, arquitecto, inventor e escritor.

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Armazéns Marshall Field, em Chicago, construídos entre 1885 e 1887 do arquitecto Henry Richardson, formado em Paris, atingiu nos seus projectos uma rara síntese formal de carácter neo-românico, pela integração orgânica da estrutura e do ornamento.

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automaticamente, armazenada em contentores giratórios. Este projecto assegurava um determinado grau de independência da água canalizada mediante a incorporação de um sistema para banho que apenas precisava de um litro de água, posteriormente filtrada, esterilizada e reciclada, e ainda água para sanitas que poderiam funcionar sem água. Os seus projectos e invenções não foram colocadas em prática na época, no entanto mais parte as cápsulas espaciais e os aviões absorveram muitas das suas criações, especialmente no que respeita à sobrevivência no espaço.

Ilustração 30 – Desenho e corte tridimensional da Casa Dymaxion, Richard Buckminster Fuller, 1928. Fonte: Wikipedia

Fuller considerava que materiais de alta compressão como o tijolo e a pedra estavam completamente ultrapassados e pesados e estipulava os preços das suas construções mediante o seu peso. A Casa Dymaxion podia ser produzida industrialmente a 25 cêntimos de dólar por cada libra do seu peso, um pouco mais que um carro Ford da sua época. Entre 1938 e 1940 apresenta a Casa de Banho Dymaxion que antecipa as unidades polivalentes de fabrico industrial disponíveis hoje no mercado. Em 1944 expõe a Máquina para habitação Dymaxyon, que ao contrário da primeira, se

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apresenta como um modelo habitável dotado de uma planta circular e completamente revestida a metal, influenciada pela tecnologia aeroespacial.

Ilustração 31 – Máquina para habitar Dymaxion, Wichita, Kansas, EUA, Richard Buckminster Fuller, 1944. Fonte: Wikipedia

Em 1929, é iniciada em Italia a construção da Villa Girasole projectada pelo engenheiro naval Angelo Invernizzi, que sonhava com uma casa que seguisse o movimento do Sol. Situada em Marcellise, na região de Verona, a sua construção foi iniciada em 1929 e terminada em 1935. A construção desta casa envolveu questões técnicas bastante complexas e dispendiosas, no entanto apresenta-se como um ícone de referencia na relação entre a casa e a máquina pois é, na verdade, uma máquina habitada. Criada nos anos áureos funcionalistas, é composta por duas partes distintas, uma base circular de 44 metros de diâmetro e um bloco rotativo com dois pisos em forma de "L" na parte superior. As duas partes estão unidas no centro por um elemento pivotante com a forma de uma torre de mais de 40 metros de altura, semelhante a um farol. O conjunto assemelha-se muito a um relógio em que a parte rotativa corresponde aos ponteiros. Este projecto visionava a utilização de novos materiais como o betão e o fibrocimento. As paredes exteriores são revestidas com folhas de alumínio na vez de betão. Inicialmente o arquitecto ambicionou fazer os 180º, no entanto, quando percebeu que tinha alcançado os 180º decidiu realizar os 360º.

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“Eu decidi dar a volta completa”. Angelo Invernizzi

Para tal efeito, mover esta massa de cerca de 5000 m3 e 1500 toneladas, Invernizzi concebeu um engenhoso sistema de 3 carris circulares acoplados à cobertura do edifício-base onde deslizava um conjunto de 15 "patins" solidários com o edifício superior.

Ilustração 32 – Villa Girasole projectada por Angelo Invernizzi em 1929. Fonte: Wikipedia

A energia era fornecida por dois motores a diesel que proporcionavam o deslocamento a uma velocidade de 4 mm por segundo, permitindo descrever uma rotação completa em 9 horas e 20 minutos, bem mais que o necessário para seguir o movimento do sol. É admirável que tenha sido possível construir este edifício com os meios de então e mais espantoso ainda, que se mantenha funcional. Actualmente a Villa Girasole é propriedade da Fundação Invernizzi e da Academia de Arquitectura de Mendrisio, na Suíça. 82

Revolving architecture: a history of buildings that rotate, swivel, and pivot. Chal Randl, Princeton Architectural Press, 2008, p. 76. Bruna Isaque Serralheiro!

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Alguns anos mais tarde, em 1970, o Arquitecto William Zuck publicou o livro “Kinetic Architecture” . Este livro inspirou uma nova geração de arquitectos que, apoiados pela evolução tecnológica, elevaram a arquitectura à era da robótica. A arquitectura cinética está sempre relacionada

com as variáveis movimento, localização,

mobilidade e geometria. As estruturas articuláveis e cinéticas fazem parte do universo da arquitectura por serem mais do que estética e comportarem em muitos casos estrutura e função. Algo presente no projecto do estádio Roger Centre em Toronto, onde a função define a necessidade da estrutura cinética.

Ilustração 33 – Rogers Centre, Ran Consortium Architects and Engineers, Toronto, Canada 1989. Fonte: Internet

Mais do que um estádio, o Rogers Centre é a casa do desporto, dos espectáculos e da arquitectura da desta cidade. Iniciado em 1986 e terminado em 1989 oferece ao público um espaço que respira tecnologia, com a primeira cobertura retráctil que se abre e encerra em 20 minutos. Um edifício com 4,66 hectares e 1.600.000 metros cúbicos de volume interior, possui uma cobertura excepcional que ainda hoje é um exemplo excepcional tecnológico e de arquitectura cinética. O ponto mais alto da cobertura é de 86 metros de altura equiparado a um edifício de 31 andares. A cobertura é composta por 4 painéis que se abrem e encerram num

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movimento suave e circular. O painel Norte permanece imóvel enquanto os outros três se movimentam. Os quatros painéis pesam 11 mil toneladas e cobrem 3,2 hectares. O Trabalho desenvolvido pelo arquitecto Santiago Calatrava merece especial atenção nesta dissertação, não só pela sua inspiração na mecânica do corpo humano, mas também por elevar a arquitectura para outra dimensão. A emoção presente no movimento das suas obras introduz soluções móveis e configurações dinâmicas, sendo

muitas

vezes

classificado

como

um

dos

mais

activos

estruturistas

contemporâneos. Primordialmente inspira-se na natureza, no equilíbrio do esqueleto e das formas naturais, nas articulações humanas, tendões, etc. Assume muito o risco quando projecta e dentro da sua vasta obra interessa destacar o exemplo do Museu de Arte de Milwaukee nos EUA. Este projecto atrai atenção pelos tubos metálicos que formam a silhueta de um pássaro cujas asas atingem 66 metros de comprimento. Num discreto movimento, estas asas posicionam-se ora para cima, ora para baixo. O mais impressionante conjunto da autoria de Calatrava, no entanto, fica em Valência, a sua cidade natal. Dentro deste grande complexo, Calatrava projectou um planetário que assume a forma do olho humano com grandes pálpebras metálicas em constante movimento, abrindo e fechando o olho.

Ilustração 34 – Planetário da Cidade das Artes e da Ciência, Santiago Calatrava, Valência. Fonte:Internet.

No ano 2000, a construtora SOHO China convocou 12 jovens arquitectos asiáticos para desenhar 11 casas e um centro social perto da Grande Muralha da China. Um dos projectos habitacionais com o nome “Suitcase House Hotel”, da autoria de Howard Chang e Gary Chang, tem especial importância para esta dissertação pela sua flexibilidade espacial e metamorfose interior, e por questionar a essência do íntimo, do privado e do espontâneo, numa experiência mutável de prazer espacial.

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Concluído em Outubro de 2001, este edifício de 250,5 m2 está localizado no topo do Vale Nangou, orientado para maximizar as vistas da Grande Muralha e aproveitar a luz solar.

Ilustração 35 – Cortes e Alçado principal da Suitcase House Hotel, Howard Chang e Gary Chang, 2001. Fonte: Internet

Das três lajes do edifício, a base é uma laje de betão que contém a dispensa, o quarto do serviço, o espaço da caldeira e da sauna. A laje média do piso principal é o espaço habitável e o principal onde está localizado todo o programa principal, onde se habita, actua e flui. A distribuição não tem hierarquias, os seus elementos móveis adaptam-se às actividades interiores, ao número de ocupantes e ao nível pretendido de privacidade: um volume paralelepipédico que se adapta e pode transformar no seu interior em vários tipos de habitações, cada uma com uma utilização definida. A laje intermédia é a actriz principal, permitindo que o espaço se transforme através de aberturas no piso que revelam o espaço contido debaixo do pavimento assistido por força pneumática. Apenas se abre o que se pretende utilizar. Para além do básico dormitório, instalações sanitárias, cozinha e armazém, há também um compartimento de meditação com o piso translúcido e vista sobre o vale, quarto de música, biblioteca, estúdio, salão e sauna totalmente equipados. Um espaço que se pode transformar também num salão de 44 m de comprimento por 5 m que pode acolher até 14 pessoas. A cobertura é habitável com vista a 360º. Tanto o seu interior como o exterior são revestidos a madeira, sendo o exterior do piso habitável iluminado por vãos que se debruçam sobre o vale.

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Ilustração 36 – Fotografias do interior da Suitcase House Hotel, Howard Chang e Gary Chang, 2001. Fonte: Internet

Durante os Jogos Olímpicos de Inverno em 2002 em Salt Lake City, o Arco Hoberman foi a peça de maior destaque. Projectado por Chuck Hoberman, foi usado como cortina mecânica para a medalha de Plaza. É uma estrutura de alumínio semi-circular, que se abre como a íris do olho humano. Aquando da sua construção, o arco foi a maior estrutura desdobrável no mundo. Foram necessários quatro meses para o seu projecto e outros quatro meses para a sua construção por parte da Tecnologies Scenic83.

Ilustração 37 – Arco Hoberman, Chuck Hoberman, Salt Lake City, 2002. Fonte: Robert Kronenburg, “Flexible – Une architecture pour répondre au changement”, 2007, p. 154-155

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Pertence à Production Resource Group e está sediada em New Windsor. Tecnologias Scenic cria algumas das experiências mais famosas e espectaculares do mundo de entretenimento ao vivo, televisão e cinema, eventos corporativos e feiras, ambientes temáticos e atracções, e centros de entretenimento. Bruna Isaque Serralheiro!

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Com 11 metros de altura, 22 metros de largura e 14 mil quilos, o arco Hoberman é composto por 4 mil peças individuais reunidas em 96 painéis ligados entre eles e conectados com 13 mil rebites de aço. Os 96 painéis variam no seu tamanho, variando entre 2,7 e 1,5 metros de altura. A sua materialidade translúcida permite que seja projectada luz por trás. Dois motores de 30 cavalos controlam oito cabos separados que puxam a cortina mecânica. Esta abre-se em apenas 20 segundos. Para além deste projecto, o arquitecto Chuck Hoberman tem outros projectos como a Iris Dome, construído na Alemanha em 2000. Coberturas que se abrem e deslocam geralmente são utilizadas em estádio de grande dimensão associados ao desporto e ao espectáculo, raramente são aplicadas a projectos de pequena escala como teatros. Em 2003, o atelier de arquitectura Studio Gang Architects projecta o Teatro Starlight em Rockford nos Estados Unidos da América. O drama é iniciado antes da própria cortina abrir quando se entra no edifício e se depara com a tecnologia que envolve o espectador. “Queriamos manter a tradição das performances ao ar livre, procuramos uma nova flexilidade que nos permitisse manter espectáculos em todas as estações do ano, mesmo que chove.” (Mike Webb, director do Teatro Starlight, 2003)

Apesar da boa vontade para ultrapassar as barreiras da meteorologia e da própria arquitectura, a base monetária para o investimento era escasso o que levou a três fases de construção que no seu total custaram 8,5 milhões de dólares americanos. O arquitecto Jeanne Gang de Chicago adoptou esta tecnologia de forma elegante numa escultura que funciona tanto no seu interior como no seu exterior. Adoptando a transferência material para o seu projecto, readaptou portas translúcidas dos hangares de aviões, na vez das cortinas de veludo. Na última fase do projecto, Gang trabalhou com a Uni-Systems, uma empresa de Minneapolis nos Estados Unidos da América que se especializou em estruturas móveis, para criar o climax do teatro: uma cobertura móvel que se abre como as pétalas de uma flor. Esta cobertura facetada consiste em painéis triangulares em aço inoxidável suportados por colunas e treliças de aço. Os painéis no seu perímetro são fixos, algumas vezes para baixo para proporcionar uma sensação de enclausura para o público, transformando cobertura em parede. O verdadeiro drama visual, no entanto, fica no centro da sua cobertura, apenas com um clique num botão do rato do computador, seis painéis aumentam sucessivamente, cada um com uma elevação um pouco inferior ao painel anterior. Visto a partir directamente do seu interior, o vazio resultante é, apropriado para o Teatro Starlight, uma vez que resulta uma estrela da sua abertura. Bruna Isaque Serralheiro!

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Ilustração 38 - Teatro Bengt Sjostrom/Starklight, Studio Gang Architects, 2003 Fonte: Robert Kronenburg, “Flexible – Une architecture pour répondre au changement”, 2007, p. 146-147

Ao mesmo tempo, o peso de 15 toneladas resultante dos painéis da cobertura é dissimulado na solução estrutural que combina elegância e economia de custos. Gang projectou estes painéis para que pudessem ser construídas fora do local, poupando nos custos de andaimes. Os painéis de aço foram construídas primeiro, e depois painéis de enchimento suficientemente fortes para ser levantado por um guindaste foram conectados aos respectivos. Esta solução permite que painéis de aço extremamente finos e as suas colunas de apoio possam ter leveza visual e assemelhar-se à parte interior de um guarda-chuva. Uma das principais figuras por detrás do cenário da “arquitectura mecânica” é o arquitecto Wes Jones. O seu trabalho encontrou uma plataforma estável no universo da industria e da tecnologia, bem como a arquitectura enquanto máquina. Em 1993 cria o seu atelier, Jones Partners Architecture com sede em São Francisco nos EUA. A sua origem tecnológica é afirmada nos seus projectos onde revisita a estética ocidental industrial, onde a expressividade da intervenção é tão importante quando a eficácia da mesma. O projecto “Brill Residence” desenvolvido por Wes Jones em 1999 e apresenta-se como uma autêntica “casa mecânica”. O betão, o metal e o vidro descrevem a materialidade desta casa. A necessidade de sobreposição de funções deu origem à reconfiguração espacial interior. Esta reorganização constante é possibilitada através da informática que envolve o utilizador. Este interage com dispositivos e configura o interior da sua casa definido e sectorizado segundo áreas íntimas, colectivas e de serviços.

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Ilustração 39 – Brill Residence, Jones Partners, Silverlake, California, 1999. Fonte: Robert Kronenburg, “Flexible – Une architecture pour répondre au changement”, 2007, p. 172-173

Para além deste projecto, importa destacar o Instituto de Arquitectura da Califórnia que surge em 2003. Este edifício ocupa um antigo terminal de carga no centro de Los Angeles. O carácter histórico do edifício fez com que a estrutura não fosse absolutamente afectada pelo projecto. Um escritório, uma cafetaria para os alunos e um espaço para exposições definem este projecto reabilitado pelo arquitecto. O problema assentou na instalação de três funções distintas num espaço projectado originalmente para duas e, ao mesmo tempo, fazer uma intervenção vigorosa neste edifício resistente. O resultado é uma peça que trabalha com o princípio da gaveta deslizante para fora do lado do edifício. Esta acção é possível devido

à

utilização de um grande elevador industrial que aumenta a flexibilidade desses espaços, permitindo 24 disposições distintas, dependendo da intenção do utilizador. Este projecto, na verdade, comporta vários espaços no mesmo, possibilitados por meio da mecânica hidráulica que modifica o espaço interior. Anos mais o arquitecto Gary Chang projecta uma habitação que revisita este conceito elevando-o ao extremo na cidade de Hong Kong. Hong Kong é uma cidade vibrante, cosmopolita e dinâmica, é o centro asiático económico e um histórico porto do Oriente. É igualmente conhecida pela sua escassez de superfície, provocando um crescimento vertical. Gary Chang é um arquitecto que habita esta cidade, uma das cidades mais populosas do planeta Terra. A escassez de

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superfície foi assumida por este arquitectura quando, em 2007, adapta o seu apartamento de 30 m2, transformando-o através de paredes amovíveis deslizantes em 24

cenários

distintos.

Denominado

por

ele

de

“Domestic

Transformer”

ou

Transformação Doméstica, fez referencia aos brinquedos que se transformam por meio de peças móveis.

Ilustração 40 – Residência do Arquitecto Gary Chang, Hong Kong, 2007. Fonte: Internet

As paredes da sua casa deslizam em calhas metálicas no tecto e no chão de granito. Quando se movimentam definem diferentes tipos de espaços como quarto, cozinha, biblioteca, lavandaria, closet, sala de estar, de jantar e bar. Todos estes espaços coexistem nos míseros 30 m2. Desenhada por Werner Sokek, a casa R129 é a fusão sofisticada entre a inovação ainda utópica arquitonica e a tecnologia moderna. Definida por uma superfície translúcida leve e electrocromática que sofre mudança visual, sendo opaca ou translúcida quando for necessária, pode ser controlada no seu todo ou apenas parcialmente.

Ilustração 41 – R129, Werner Sobek, 2004. Fonte: Kronenburg, “Flexible – Une architecture pour répondre au changement”, 2007, p. 222-223

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O interior deste edifício é desprovido de divisórias fixas entre as diversas áreas funcionais. A zona central da casa é não estacionária e comporta as instalações sanitárias e cozinha. A utopia presente neste projecto assenta na possibilidade de rotação da fachada do edifício, que através de um movimento ágil e continuo poderia gerar a energia necessária para a habitação.

Ilustração 42 – Base Antarctica Britânica Halley VI, Hugh Broughton Architects, 2005 Fonte: Robert Kronenburg, “Flexible – Une architecture pour répondre au changement”, 2007, p. 186-187

Num ambiente distante e gelado, mas também extremo e acolhedor, a estação Antártica Britânica é igualmente considerada uma casa acolhedora. Desenvolvido pelo atelier Hugh Broughton Architects, este projecto vai além do ambiente habitacional conhecido pelos arquitectos e põe em prática estudos desenvolvidos 40 anos antes pelos Archigram. O conceito da cápsula habitacional espacial é aqui apresentado pela forma de uma estação habitacional pensada para o meio ambiente Antárctico. Esta estação de pesquisa científica foi estudada e pensada de forma modular elevada através de pernas hidráulicas. Estes módulos de fundação hidráulica podem ser reajustados verticalmente, à medida que o gelo se movimenta ou se acumula. Um modulo central repleto de áreas de lazer estimula a vida social de quem o habita. Outros módulos foram concebidos para satisfazer as necessidades de mudança programática possuindo fontes de energia renováveis e novas estratégias ambientais para os resíduos de combustível. A arquitectura surpreende-nos quando apresenta ao espectador o projecto “Dynamic Tower” do arquitecto David Fisher. A inovação deste projecto assenta na dinâmica que apresenta, pois cada piso poderá rodar de forma independente, criando um edifício de 420 metros de altura e 80 pisos sem uma forma especifica. Cada piso poderá percorrer 6 metros por minuto, sendo a ciclo completo de 90 minutos. Será igualmente um arranha-céus pré-fabricado e modular, quando 90% será construído em fábrica e

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posteriormente enviado para a obra, possibilitando um período de construção de apenas 22 meses.

Ilustração 43 – Esquema de algumas formas possíveis da Dynamic Tower, David Fisher, 2008. Fonte: Wikipedia

A planta dos pisos tem a forma de uma flor e o seu núcleo será construído no local da obra. Este núcleo servirá cada piso com uma ligação especial e patenteada para água limpa, com base na tecnologia utilizada para reabastecer os aviões em pleno voo.

Ilustração 44 – Secção vertical pelo núcleo da Dynamic Tower, David Fisher, 2008. Fonte: Wikipedia

A alimentação da torre tem por base turbinas eólicas e painéis solares, possibilitando que a electricidade excedente possa alimentar edifícios de semelhante porte nas proximidades. O espaço entre pisos terá comportará o sistema de turbinas que irão produzir até 1,2 milhões de Quilowatt-hora de energia. Os painéis solares serão colocados na cobertura e na parte superior de cada piso rotativo. Mais do que um projecto este edifício emociona o espectador por se apresentar como uma máquina com 420 metros de altura. Bruna Isaque Serralheiro!

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3. DA COMPOSIÇÃO URBANA À COMPLEXIDADE DA MÁQUINA

“A cidade do futuro será uma cidade de cultura e geradora de cultura. Criativa e competitiva no cenário internacional através da optimização e promoção da sua identidade cultural individual, atraindo deste modo a classe criativa e garantindo a inclusão de novos futuros sustentáveis. A rede de uma cidade criativa é uma configuração poderosa de dinâmicas e inovações, conceitos emergentes onde através de acções orientadas o espaço urbano ganha a capacidade de se transformar segundo vectores tecnológicos culturais e criativos. Segundo a visão, e o pressuposto, as cidades competitivas são aquelas que mais atraem investigadores e se presentam como espaços experimentais que reflectem um novo entendimento sobre o conceito de pensar cidade, deixando antever desta forma que podem ser incubadoras exemplares de uma economia exponencial com base na criatividade, cultura, sustentabilidade, pesquisa e produção artística. Devem criar-se tensões e analisar as histórias das cidades. A um nível cronológico é aconselhável avaliar o passado e o possível futuro para se favorecerem os aspectos positivos e resolver os problemas crónicos ou 84 desencadeados pela própria evolução da cidade.” (Maurizio Carta, 2007)

As cidades sofreram ao longo do seu tempo especulações frequentes associadas da parte do cinema, da arquitectura, da literatura e de muitos artistas. Foram criadas cidades visionárias que procuravam perceber as cidades do amanhã. O presente capitulo procura responder através de dois casos de estudo da autora da dissertação. São abordados duas soluções urbanas distintas que buscam interpretar as carências dos meios urbanos criando um novo conceito de cidade. O primeiro exemplo descreve uma cidade construída de raiz no seio de uma floresta, mas interligada às redes viárias perto de Tires, Portugal. O Segundo projecto analisado reabilita uma frente ribeirinha urbana situado no seio do estuário do rio Tejo em Almada, Portugal. Em ambas as soluções é estudada a habitação, a sua tecnologia e a sua interacção com o Homem.

3.1 A FLORESTA, A LINHA E O CENTRO = CIDADE CONTÍNUA Durante o 4º ano do curso de arquitectura da autora, foi proposto um projecto onde se criasse uma cidade concentrada e inserida no seio de uma floresta. Quando se pensa em cidade concentrada, rodeada por um cenário verde absorvente, entra-se no sonho da utopia pois é algo que acaba por não acontecer no mercado de trabalho. No entanto, é na consciência utópica que se desvenda a sedução, a qual se pensa essencial no palco da arquitectura.

84

Maurizio Carta em Creative City- Dynamics, Innovations, Actions, 2007.

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Ilustração 45 – Secção vertical do projecto académico “Cidade Linear”, Bruna Serralheiro (Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura)

Inserida num lugar verde que contempla um vale desenhado por uma linha de água e um antigo moinho de água abandonado, perto do aeródromo de Tires no concelho de Cascais, o desenho e estratégia da cidade Linear está relacionado, não só com a presença natural que este local possui, mas também com a sua posição, pensada entre acessibilidades envolventes e relações com as preexistências rurbanas que se entendem importantes apesar de se pretender uma cidade concentrada em si própria. A importância da envolvente rurbana preexistente é inevitável e incontornável uma vez que não se pode pensar cidade sem estabelecer acessibilidades internas e externas. Esta cidade está virada para si própria e rodeada por vegetação, mas continua relacionada com as restantes redes rodoviárias. Aqui lidou-se com a problemática do início e do fim da cidade: como criar uma cidade centralizada, concentrada, isolada e ao mesmo tempo relacionada com o envolvente? Será viável uma cidade com um início e com um fim previamente definido? A resposta encontrada reside tanto na organização linear, metódica e pragmática do programa, bem como na ligação da cidade à floresta e restantes preexistências rurbanas através do parque urbano. O parque urbano é o elemento chave deste projecto, pois está presente em toda à extensão da cidade e interpreta o papel de fio condutor ou mesmo o de elemento de ligação entre a cidade, floresta e preexistências, possibilitando que a cidade desagúe de forma constante na floresta. Criada num promontório, rodeada e camuflada pela floresta, esta cidade é palco de um cenário virado para si próprio, independente, mas relacionado com o meio envolvente. Por conseguinte, necessita de alicerces e raízes bem estruturadas e agarradas aos elementos que aquele local nos dá. Existem determinados pontos de fuga fundamentais que se elevam na paisagem e que merecem ser destacados neste projecto como o Palácio da Pena em Sintra, o vale contemplado pela cidade e o mar.

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Ilustração 46 – Plantas do projecto académico “Cidade Linear”, Bruna Serralheiro (Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura)

Assim, a cidade Linear procura um patamar sobre a floresta, um ponto mais alto onde pode controlar a floresta (quando na verdade é a floresta que a controla e contém). Aqui, foi encontrada outra questão importante: tudo aquilo que procura a sedução pelo secretismo, precisa do “elemento chave” que se revele por momentos e desperte a curiosidade. A solução prática foi estabelecida através da habitação, elevando-a. Esta cidade descreve-se a si própria de forma linear e contínua, que nos seus extremos desagua na floresta através do parque urbano. É constituída por cinco linhas ou “layers” translúcidos que funcionam como cinco planos materializados pelo programa. Estes planos que rompem a floresta são pontualmente e transversalmente rasgados com vazios, direcções ou arruamentos que vêm da floresta apresentando o carácter de parque urbano. Este plano é interpretado como um desenho urbano estreito, mas que em determinados momentos contém espaços de descompressão como “bolsas” ou mesmo “praças”! Nas linhas rasgadas de parque urbano que atravessam toda a extensão da cidade (possibilitando uma melhor deslocação) existem ciclo vias, zonas de descanso, vias de corrida para peões, etc. No espaço público da cidade correspondente à cota do piso térreo não circulam veículos motorizados, este espaço existe para os seus habitantes ou visitantes. No entanto, a vida urbana não existe sem o trânsito rodoviário, este funciona lateralmente à cidade a uma cota inferior. A cidade tem uma via de cada lado com duas faixas rodoviárias em cada um deles. Os sentidos das vias estão separados pela própria cidade, que funciona como eixo separador dos respectivos. Sempre que se queira inverter o sentido, é possível virando à esquerda nas ruas transversais subterrâneas que coexistem por baixo das ruas transversais e exclusivamente pedonais, permitindo que Bruna Isaque Serralheiro!

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se possa inverter o sentido de deslocação rodoviário. As vias rodoviárias são, portanto, periféricas e paralelas a toda a cidade, só existindo um sentido cíclico. Nos momentos em que as ruas transversais aos planos atravessam as respectivas vias rodoviárias, estas baixam de cota e atravessam igualmente a cidade possibilitando a inversão de marcha (funcionando como quarteirões), a mudança de sentido, a entrada para parques subterrâneos, de forma a evitar semáforos, passadeiras e tráfego rodoviário.

Ilustração 47 – Corte diagramático do projecto académico “Cidade Linear”, Bruna Serralheiro (Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura)

A estrutura linear e contínua da cidade é, portanto, formada por cinco “línguas de layers translúcidos” que a permeabilizam, permitindo que a floresta a atravesse de um lado ao outro caracterizando uma “cidade de vidro”. Cada uma destas “línguas” percorre a cidade na sua extensão e define um pedaço de cidade que se pensou ser importante e indispensável, como os transportes, o trabalho, o estudo, a investigação, a habitação, o lazer, o “café”, o espectáculo, enfim, alguns dos elementos que são necessários e sem os quais não existiria cidade. Estes cinco planos definem-se por: um plano onde apenas existe habitação permanente caracterizada e denominada pela Casa “Push Pop” que se projecta em altura; outro plano paralelo e contíguo a este, mas mais curto, onde está a habitação temporária para estudantes, para idosos, hotéis, motéis, etc.; imediato e paralelo ao último está o plano do comércio, cultura e lazer, onde se encontra todo o tipo de restauração desde o café ao restaurante,

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bibliotecas, livrarias, mercearias, supermercados, comércio de todas as vertentes, salas de espectáculos, cinemas, anfiteatros, discotecas, bares, etc.; adjacente ao último, encontra-se o plano com as várias linhas de transportes eléctricos que percorrem toda a cidade em várias linhas desniveladas. Este edifício contínuo de transportes públicos da cidade comporta 4 pisos, sendo o primeiro o do piso térreo onde apenas existem acessos, bilheteiras, zonas para os funcionários como vestiários, instalações sanitárias, balneários e espaços de convívio. Os outros 3 pisos superiores têm, cada um deles, uma linha com vários eléctricos, acessos, arrumos de limpeza, áreas técnicas e instalações sanitárias. No primeiro piso existem 6 eléctricos para os percursos mais curtos, no segundo piso existem 3 eléctricos onde cada um percorre um terço do comprimento da cidade e no terceiro e último existe um eléctrico mais rápido e com menos paragens que percorre toda a cidade para viagens mais distantes. Nos seus extremos tem ligação à rede externa rodoviária/ferroviária e oferece o estacionamento através de silos para aqueles que se deslocam temporariamente à cidade; Por último, contíguo e paralelo aos restantes existe o plano dos serviços, trabalho, saúde e educação: onde se encontram as escolas dos vários ensinos, os escritórios, as empresas variadas, os hospitais, as clínicas de saúde, os postos de correio, etc.. Estas cinco línguas repletas de programa urbano, desenham a cidade e rasgam a floresta, funcionando de forma mecânica e metódica de forma a organizar a rotina diária. Uma vez que funcionam de forma linear, permitem que o utilizador esteja sempre no centro da cidade. Este é a premissa desta cidade, possibilitar uma centralidade constante ao longo da mesma. A sua estrutura torna-se mecânica quando é caracterizada pela velocidade com que se percorre a cidade. Mais do que percorrer, a principal característica é a centralidade inerente a este plano urbano. Quatro níveis ou ruas suspensas percorrem toda a cidade: das quais uma se situa à cota do piso térreo, onde se vive o parque urbano, onde se pode ter acesso a todos os espaços, onde se passeia, onde se corre, onde se dorme, onde se trabalha, etc.! Os outros três níveis estão acima deste e cada um liga, com uma função especifica, as respectivas línguas ou planos. Por exemplo, acima do piso térreo encontramos um nível que liga o núcleo de transportes e o de trabalho/investigação, acima deste existe outro percurso ou rua que interliga todos os corpos, por fim, no topo e de forma hierárquica, está o percurso que faz a ligação entre o plano de comércio/lazer/cultura com o plano da habitação permanente. A hierarquia é importante para estabelecer uma relação de privacidade à medida que se

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vai subindo nos vários níveis urbanos, daí a última rua suspensa ser aquela que liga a habitação ao comercio/lazer.

Ilustração 48 – Imagem tridimensional da rua suspensa que liga habitação e comércio/lazer do projecto académico “Cidade Linear”, Bruna Serralheiro (Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura)

O piso térreo é sempre parque urbano, é o elemento de ligação entre a envolvente, a cidade e a floresta. É no parque urbano que se entra para a floresta. Assim que entramos na floresta surgem hortas, estufas, campos de jogos dos mais variados desportos, todo o tipo de agricultura, etc.

Ilustração 49 – Imagem tridimensional da rua suspensa que liga habitação e comércio/lazer do projecto académico “Cidade Linear”, Bruna Serralheiro (Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura)

A cidade Linear surge, assim, como uma estrutura contínua associada a uma dinâmica de vida mecanizada, onde o habitante/visitante está sempre no centro urbano. É uma cidade de fáceis acessibilidades tanto internas como externas, com boas ligações com a envolvente e com outras estruturas urbanas ou rurbanas. Esta cidade acaba por se

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transformar num laboratório urbano, onde se experimenta uma vida urbana concentrada, mecanizada, mais fácil, mais organizada e sempre virada para o vale que a abraça.

3.1.1 CASA “PUSH POP” Inserida na cidade Linear e rodeada pela floresta, a casa “Push Pop”, é exemplo da própria essência estritamente organizada e metódica do contexto urbano onde se insere. Este projecto pretende dar a possibilidade de transformação espacial ao seu utilizador. Essa transformação também encarada como metamorfose é realizada tanto exteriormente, como no seu interior.

Ilustração 50 – Plantas do piso 0, 1 e 2 da Casa Push Pop do projecto académico “Cidade Linear” Fonte: Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura de Bruna Serralheiro

Esta casa está inserida na linha habitacional da cidade Linear e caracteriza todas as habitações com a excepção das habitações para idosos e pessoas a realojar. As habitações que sofrem este tipo de metamorfose são para novas populações e de carácter temporário para comunidades de jovens/empresários. Esta habitação tem a forma de um paralelepípedo e recebe luz de três alçados em todos os seus pisos, pois todas as paredes exteriores são de vidro. Tal insolação Bruna Isaque Serralheiro!

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deve-se à forma como estão agrupadas em linha. A sua forma paralelepipédica pode sofrer alterações, pois cada um dos seus pisos aumenta de tamanho num dos seus lados. A ideia partiu do conceito da abertura da gaveta e da necessidade de obter mais espaço quando assim se desejasse. Quando o seu habitante assim o desejasse poderia encerrar ou arrumar a sua casa. Cada piso da casa tem a sua “gaveta” individual, desta forma o utilizador poderá aumentar ou reduzir o espaço da sua habitação, provocando tensões espaciais tanto no interior como no exterior. Estas “gavetas” que funcionam individualmente entre pisos, têm o seu mobiliário camuflado ou encastrado tanto ao nível do pavimento como do tecto, para que se torne possível o movimento mecânico destes espaços ou outra utilização espacial. O seu interior é caracterizado por um espaço de circulação periférico a um paralelepípedo interior que contém todo o programa. Este volume interior também sofre alterações espaciais, uma vez que na vez de paredes fixas existem planos rebatíveis e rotativos que podem expandir os espaços e fundi-los com as zonas de circulação.

Ilustração 51 – Corte longitudinal da Casa Push Pop do projecto académico “Cidade Linear” Fonte: Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura de Bruna Serralheiro

A linha das habitações ou o edifício contínuo das habitações dispõe de um T1 com dois pisos com 50 m2 de área. Cada piso tem a sua “gaveta” que acrescenta mais 16 m2 em cada um dos pisos, permitindo um total de 86 m2 de área máxima do T1. O primeiro piso tem um espaço para refeições com cozinha e uma sala de estar na “gaveta”, onde o mobiliário está encastrado no pavimento. O mobiliário desenhado consiste num sofá extensível que facilmente se puxa e se suporta através de um sistema de treliças. No piso superior, está projectada a instalação sanitária, o quarto e a na “gaveta” o espaço de trabalho. Neste último espaço, as mesas também estão encastradas no pavimento, à excepção das cadeiras. Para além do T1, foram também projectados T2 com 123 m2, 3 pisos com Garagem e escritório no primeiro; cozinha, espaço para refeições e sala no segundo piso e Bruna Isaque Serralheiro!

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Instalação sanitária, quarto e espaço multiusos no terceiro piso. Uma vez que esta tipologia tem garagem, esta localiza-se no piso térreo da linha de habitações. O T3 com 145m2 de área máxima e 98 m2 de área mínima tem duas versões: uma com garagem situada no piso térreo e outra sem garagem, situada em qualquer nível da linha de habitações. O mesmo acontece para o T4 que foi projectado com 230 m2 de área máxima e 153 m2 de área mínima. Para além destas tipologias, a Casa Push Pop foi pensada para as comunidades de carácter temporário para estudantes/empresários. Estas comunidades têm 840 m2 de área máxima e 660 m2 de mínima. Comportam 3 pisos, com 13 quartos, 4 salas de estudo, 2 ateliers, 2 salas de projecção de vídeo, 2 cozinhas, 6 instalações sanitárias, 4 salas de estar/refeições e 1 lavandaria. Para ser possível existirem as “gavetas” associadas às habitações foi necessário criar espaços vazios na linha das habitações. Estes espaços ou pátios invertidos conferem uma mutabilidade constante ao edifício, possibilitada pela abertura ou encerramento das “gavetas”. No caso das habitações sem “gaveta” estes espaços exteriores mantêm-se convertidos em hortas privadas. As tipologias dos últimos pisos têm na sua cobertura hortas privadas para os seus habitantes, bem como a perfeita noção de toda a extensão da cidade e 360º de floresta em seu redor. No que respeita aos materiais, tanto o tecto, como paredes e pavimentos são revestidos à mesma madeira nas zonas de circulação interiores e, na zona extensível de cada piso é igualmente adaptada a madeira aos pavimentos e tectos. Todas as paredes exteriores são em vidro, logo a presença da madeira será um elemento constante, tanto no exterior como no seu interior. No que respeita aos materiais utilizados nos quartos, salas ou escritórios, optou-se por utilizar tinta auto-nivelante na cor branca nos pavimentos, paredes em pladur na cor branca e tecto falso em gesso cartonado pintado na cor branca. Nas Instalações sanitárias e cozinhas, optou-se por utilizar pastilha verde esmeralda nos pavimentos e paredes até 2 metros de altura. O tecto falso será em gesso cartonado liso hidrófugo pintado na cor branca. Nas áreas técnicas, lavandarias, arrumos e garagens definiu-se betão afagado com acabamento a epoxi envernizado para os pavimentos, pladur na cor branca para as paredes e tecto falso em gesso cartonado hidrófugo pintado na cor branca. O vidro utilizado para as paredes exteriores é duplo.

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3.2 A CIDADE E A ÁGUA = CIDADE MECÂNICA

(...) Não mais sentimos que somos os homens das catedrais e das antigas assembleias do povo, mas sim homens de grandes hotéis, ferrovias, estradas gigantescas, portos colossais, mercados cobertos, arcadas reluzentes, áreas de reconstrução e saneamento de bairros miseráveis. É necessário que o Homem invente e reconstrua a cidade moderna como um imenso e agitado estaleiro, activo, móvel e dinâmico por toda a parte, e o edifício moderno como uma máquina gigantesca.(...) António Sant’Elia, 1914

A Cidade Mecânica é a cidade que se manifesta na crescente necessidade de ritmo e metamorfose da sociedade, é a cidade tecnológica que se desenvolve em função da tecnologia em constante mutação, é cidade da ciência e tecnologia, associada à sua investigação nos âmbitos da biotecnologia, biologia pesqueira, hidrobiologia, aquacultura, biologia marinha, bem como promoção de desportos associados à água e protecção da reserva natural do estuário do Tejo. Cidade da investigação, cidade verde, cidade da agricultura, cidade da água, cidade em movimento e cidade mecânica. A mecânica enquanto sistema urbano, a mecânica enquanto modo de vida, a mecânica enquanto estrutura habitacional e a mecânica em função do Homem. Esta proposta responde a um exercício de reabilitação urbana delicado. Situado na frente ribeirinha da Lisnave, em Almada, este projecto de reabilitação urbana abrange toda a área desde o Alfeite a Cacilhas. Perceber Almada implica compreender e analisar o seu percurso na história. Apesar de ser difícil definir a exacta origem de Almada, recentes escavações arqueológicas realizadas na área urbana de Almada revelam que este espaço foi habitado desde o final do Neolítico. Do povoamento, conhecem-se elementos dispersos em vários locais de Almada, no entanto, do seu espaço sagrado conhece-se apenas a gruta artificial de S. Paulo, que foi utilizada como cemitério colectivo desde o final do neolítico até à idade do Bronze. Com uma ainda mais ampla continuidade de ocupação, existe o povoado do Almaraz, situado entre o Castelo de Almada e Cacilhas, num esporão que durante as épocas em que foi habitado, morria junto ao rio, em Cacilhas. Este vasto espaço, que primitivamente ocupava um espaço de cerca de 4 hectares, foi habitado desde o Paleolítico até ao século II – III A. C..

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Ainda por razões de ordem geográfica, também se deverá ter em conta que no primeiro século antes de Cristo, Lisboa teve a honra de ser elevada à categoria de Município Romano e que os Fenícios e Cartagineses haviam permanecido muito antes das suas relações e trocas comerciais. A recente descoberta em Cacilhas de uma instalação romana de salga de peixe, é uma prova concreta da presença romana neste território. Com a invasão e permanência dos Árabes na Península, a região sofreu também a ocupação Sarracena, como comprovam vestígios, tais como, o antigo castelo que provavelmente se situava no actual local do forte de Almada. Etimologicamente, Almada significa “a mina”, que é o lugar onde algo existe em abundância. A designação de Almada é proveniente das palavras árabes Al-Madan, a Mina, pelo motivo de que, aquando do domínio árabe da Península Ibérica, os árabes procediam à exploração do jazigo de ouro da Adiça, no termo do Concelho. A área de Almada foi igualmente escolhida pelos árabes para a construção de uma fortaleza no promontório natural, sendo esta destinada à defesa e vigilância da entrada no Rio Tejo, em frente de Lisboa, desenvolvendo-se a povoação nos domínios da defesa militar, da agricultura e da pesca. Na Idade Média, em 1147, D. Afonso Henriques, auxiliado por cruzadas, conquista Almada aos Mouros. Mais tarde, doou-a a alguns dos seus conquistadores que promoveram o seu repovoamento. Em 1170, o mesmo monarca concedeu aos mouros um foral, que foi confirmado pelo neto, D. Afonso II em Santarém, em meados de 1217. D. Sancho I, em 1186 reconquistou a povoação abandonada e doou-a à Ordem de Santiago. Contudo, só entrou em posse definitiva dos cristãos cerca de 1195. Em 1190, D. Sancho concedeu a Almada o seu primeiro foral, como sendo uma das mais importantes fontes escritas para a história municipal Almadense que se manteve praticamente inalterável até ao século XVI. Em 1297, D. Dinis incorporou Almada nos Bens da Coroa, fazendo troca com os “freires” da Ordem de Santiago a quem doou em compensação outras vilas a sul do Tejo. Data desta troca a primeira delimitação do concelho ou termo que ficou constituído por território que abrangia sensivelmente os actuais concelhos de Almada e Seixal. Para além deste privilégio, os moradores da vila, passavam a ter as mesmas prerrogativas e liberdades que os moradores de Lisboa usufruíam. Durante a Revolução de 1383 / 1385, Almada foi palco de diversas lutas que atestam a fidelidade dos seus habitantes à causa do mestre Avis, a que o famoso cronista Fernão Lopes dá excepcional relevo na sua crónica. Posição igual não houve, em 1580, quando Filipe II de Espanha se apoderou do Trono Português, mas a adesão e comportamento popular em 1640 compensaram bem esta fama, a que aliás, o povo Bruna Isaque Serralheiro!

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era alheio. D. João IV, confirma à Câmara de Almada, por alvará, os privilégios anteriormente concedidos. O Terramoto de 1 de Novembro de 1755, causou grandes estragos, em Almada, e cerca de duas centenas de mortos. Houve uma destruição quase total das Igrejas de Santiago, S. Paulo, S. Sebastião e Misericórdia, como também a ruína das Torres do castelo e da Igreja de Santa Maria. Após a primeira invasão francesa, Almada é ocupada pelas forças de Junot, em 1807; três anos mais tarde, vê-se novamente invadida pelos franceses. Em 1833, travou-se a Batalha da Cova da Piedade, que assinalou a vitória das tropas liberais sobre os absolutistas e permitiu a ocupação de Lisboa. Os almadenses aderem ao Duque da Terceira e à causa liberal com grande entusiasmo popular, colaboram na organização da sua própria defesa e na de Lisboa, construindo linhas de defesa e um batalhão de voluntários. Já então, eram muito numerosos e activos, os liberais almadenses e os princípios liberais e democratas não se vão perder. São estes princípios e atitudes políticas que vão permitir a proclamação da República Portuguesa, no dia 4 de Outubro de 1910, em Almada. Assim, Almada foi uma das primeiras vilas ou cidades portuguesas a içar a Bandeira Republicana. Com uma história viva, esta cidade, esteve sempre, de algum modo, nos grandes momentos históricos. Em 1973, Almada é elevada a Cidade. A cidade de Almada faz a introdução ao estuário do rio Tejo e configura-se como um ponto estratégico central do mesmo. O estuário do Tejo, mercê da sua situação geográfica e condições naturais, é desde há milénios um ponto estratégico de ligação do Mediterrâneo ao atlântico e Mar do Norte. Aqui aportaram, entre outros, fenícios, gregos e romanos e para sempre fixaram a localização da cidade e porto de Lisboa. Cidade que cedo dominou o estuário, condicionando o desenvolvimento e ocupação da área. O estuário do Tejo foi o colossal dos descobrimentos. Daqui partiram as caravelas que nos séculos XV e XVI conquistaram os mares nunca antes navegados. As margens do estuário do Tejo foram progressivamente urbanizadas e as instalações portuárias

foram

estabelecidas

em

locais

convenientes,

alterando-se

assim

significativamente a topografia do estuário. A margem sul teve um desenvolvimento diferente relativamente à margem norte. Sendo tipicamente agrária, fornecia a Lisboa sal, vinho, madeira para construção, carvão e lenha, produtos hortícolas e frutas. Nesta margem existiam vastíssimas zonas de sapal que foram transformadas em terrenos agrícolas e salinas, estas últimas cercadas por vinhas, que se recortavam em pinhais e matagais. Aqui se situavam também as quintas de recreio e coutadas. Bruna Isaque Serralheiro!

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O portos fluviais distribuíam-se por todo o lado e barcos característicos animavam o rio e eram , no Tejo, a melhor forma de transportar gentes e bens, algo que ainda hoje se verifica. A actividade piscatória tinha uma grande importância, dada a extraordinária abundancia de peixe (robalo, linguado, solha, enguia, sável, tainha, etc). Aqui chegavam e chegam pescadores de outros pontos do país. As célebres ostras portuguesas, originárias do Tejo, constituíam bancos pujantes e, por isso, este estuário era o principal abastecedor do mercado Francês.

Ilustração 52 – Corte conceptual da cidade de Almada, trabalho de grupo de Bruna Serralheiro, Daniela Mendes, Gonçalo Leitão e Simone Lopes (Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura)

Entender Almada, a sua relação com a água e o seu promontório verde implica, portanto, entender o estuário e toda a sua bagagem. Deste modo, este projecto de reabilitação ribeirinha adoptou uma postura consciente da presença natural do estuário. A importância da água e das suas marés foi tida em conta e é parte fundamental do projecto. Assim, o desenho conceptual desta cidade assenta na intersecção de lâminas ou linhas que se cruzam e afastam criando bolsas de água e diferentes patamares de vegetação diversa acima e abaixo do nível médio das marés, resultando daí parques urbanos submersos quando a maré sobe. A sedução de um parque urbano submerso onde passadiços “flutuam” ao nível da maré alta, está presente na imagem do reflexo das copas das árvores aquáticas que ainda se vêm. Cada uma das 3 linhas ou lâminas comporta uma função especifica. Uma comporta a todo o tipo de transportes terrestres com transito rodoviário no piso térreo ou marginal, e eléctricos e metro abaixo do nível da água com visibilidade submersa. Outra linha enquadra o percurso pedonal, definido por ciclo vias, momentos de descanso, acessos às praças e ao programa. A ultima linha confina todo o programa presente nesta reabilitação urbana e estabelece grande parte da fronteira com a água. Bruna Isaque Serralheiro!

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Ilustração 53 – Planta de Implantação Urbana da Cidade Mecânica. Bruna Serralheiro, 2009 Fonte: Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura

A definição do programa assentou numa nova estratégia para a cidade de Almada, entendendo esta cidade como um ponto estratégico central do estuário. Definir uma nova centralidade do estuário implicou pensar e estudar um programa que a colocasse no mapa Europeu. A Água como elemento de ligação fundamental entre as duas margens, Almada no centro do Estuário do rio Tejo, cidade Mecânica, cidade da água com dois universos a funcionar em pleno, acima e abaixo do nível médio da água. Entendeu-se, portanto, que seria importante estruturar o programa com as virtudes e potencialidades do estuário, reinventando-se a paixão pela cidade da água e da tecnologia. O programa definido para a cidade mecânica compreende, para além da habitação temporária e permanente, os núcleos de Investigação de Hidrobiologia e aquacultura, de Biologia Marinha, de Biotecnologia e de Biologia Pesqueira. Para além deste programa, a linha de programas compreende ainda todo o programa respeitante

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Ilustração 54 – Planta da maré baixa da Cidade Mecânica. Bruna Serralheiro, 2009 Fonte: Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura

Ilustração 55 - Planta da maré alta da Cidade Mecânica. Bruna Serralheiro, 2009 Fonte: Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura

à restauração, ao comércio e lazer, bem como uma estação Rodo-Fluvial e canais de água que comunicam com as bolsas de água. Este eixo programático comporta na cota 0 o percurso de galerias comerciais que fica submerso quando a maré sobe. Abaixo, na cota -3 acontecem os acessos rodoviários ao programa e aos parques de estacionamento que compreende 2 pisos, cota -3 e cota -6, ambos submersos. Os acessos presentes na cota -3 comunicam com a marginal quando estas duas linhas se

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interceptam. Sempre que os 3 eixos se interceptam existem comunicações verticais e trocas entre eles. O parque urbano é composto por vegetação muito diversificada e “penteada” de modo a estabelecer uma malha linear organizada. Esta mancha verde penteada é na verdade, a vegetação predominante do estuário do Tejo. Árvores diversas, vegetação aquática, vegetação agrícola que varia desde os pomares às alfaces e couves, campos de papoilas, arrozais, etc., são algumas das presenças neste parque urbano. Esta abordagem verde presente numa cidade tecnológica, mas também sustentável e produtiva deve-se à própria análise do meio onde se está a intervir. Foi claramente perceptível que em toda a frente ribeirinha de Almada, todos os terrenos estão cultivados com hortas privadas, logo quando se pensou em reabilitar este lugar a presença das hortas seria uma premissa para tal. A cidade existe para servir o Homem e as suas necessidades. Desta forma, o parque urbano deste projecto foi “penteado” para facilitar e organizar a vasta vegetação que se pretende integrar, bem como para “coser” e fluir o plano urbano com a cidade.

Ilustração 56 – Pormenor da cidade e relação com a malha existente. Cidade Mecânica. Bruna Serralheiro, 2009. Fonte: Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura

Analisou-se a vegetação rupícola do estuário do Tejo, incorporando a vegetação seleccionada no parque urbano deste projecto. A frente ribeirinha deste projecto urbano é definida por duas cotas distintas: a cota seis define um parque urbano superior ao qual a água não chega e a cota três que fica submersa quando a maré sobe ao seu nível máximo.

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Ilustração 57 – Corte da cidade e relação com a malha existente e com a água. Cidade Mecânica. Bruna Serralheiro, 2009. Fonte: Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura

Entende-se por vegetação rupícola ou riparia, o conjunto de comunidades ribeirinhas que marginam os cursos de água. Estas estão dependentes da humidade edáfica, fornecida pelo lençol freático, muito próximo da superfície topográfica. A importância desta vegetação é enorme, pois possibilita uma protecção natural contra a erosão das margens, a manutenção dos cluvíssolos e fluvíssolos. Apresenta, também um enorme interesse na filtragem da água e no fornecimento de sombra e alimento aos animais.

Ilustração 58 - Pormenor da cidade e diagrama da vegetação presente no parque urbano penteado. Cidade Mecânica. Bruna Serralheiro, 2009. Fonte: Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura

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Nas comunidades vegetais rupícolas, características do estuário do Tejo e de muitos dos seus afluentes, é possível encontrar-se, entre outras, os nenúfares (Nymphaea alba e Nuphar lutea) e o caniçal (Phragmites australis) que se encontram dentro do leito do rio. O salgueiral de borrazeira-preta (Salix atrocinerea) e a borrazeira-branca (Salix salvifolia), que constituem a primeira faixa de vegetação arbórea paralela ao rio. O salgueiral de salgueiro-branco (Salix neotricha) que constitui a faixa seguinte para o interior. Nas posições mais afastadas do rio e, em faixas paralelas ao salgueiral, encontram-se o choupal de choupo-branco (Populus alba) e o ulmeiral de negrilho ou ulmeiro (Ulmus minor). Os ulmeirais ocupam, geralmente, as posições mais afastadas do leito do rio, e contactam, para o interior, directamente com os ecossistemas continentais não rupícolas.

Ilustração 59 - Fotomontagem da Cidade Mecânica. Bruna Serralheiro, 2009. Fonte: Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura

Ilustração 60 – Fotomontagem, Cidade Mecânica. Bruna Serralheiro, 2009. Fonte: Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura

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3.2.1 CASA RUBIK A casa Rubik está presente no conceito habitacional da cidade Mecânica definida na sua linha programática. A habitação, bem como todo o programa, está inserida em torres estreitas e longas de vidro que obedecem ao desenho regrado do parque urbano. Na verdade, o parque urbano percorre dois dos alçados dos edifícios, bem como a própria cobertura, como se contaminasse a matéria vertical. O acesso rodoviário às habitações é possível na cota -3 do eixo programático, já o acesso pedonal acontece na cota 0 que intercepta as torres. Neste piso dos edifícios é possível atravessa-los através de um percurso com galerias e acesso às recepções, espaços de entrada e acessos verticais, tanto para as habitações como para os parques de estacionamento. O estacionamento acontece à cota -3 e -6 e foi desenhado com paredes de vidro de contenção de águas, para que a relação com a água não se perdesse. A cota das galerias permite ainda que barcos possam atracar e descarregar passageiros. A cota -3 e -6 permite ainda que veículos subaquáticos privados possam “estacionar” e descarregar os seus passageiros.

Ilustração 61 – Cubo de Rubik, Fonte: Wikipedia

A habitação obedece a forma regrada e está organizada segundo uma estrutura cúbica, que define dois conceitos habitacionais: habitação mecânica de carácter temporário e permanente e habitação colectiva (não mecânica) de carácter permanente. Esta dissertação aprofunda a habitação mecânica, pois é o conceito que se estuda e aprofunda. O individuo é valorizado e pode controlar electronicamente segundo meios mecânicos a sua casa, alterando os espaços como desejar. Foram projectados 3 tipos de torres que se repetem ao longo da linha programática. Todas as torres têm 6 metros de largura, variando no seu comprimento e altura. A torre mais alta tem 54 metros de

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altura e 15 de comprimento, a torre intermédia tem 39 metros de altura por 21 de comprimento e por fim a mais baixa tem 30 metros de altura e 27 de comprimento.

Ilustração 62 - Cidade Mecânica. Bruna Serralheiro, 2009. Fonte: Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura

Todas as torres têm uma área de 27 m2 por piso que corresponde a 3 cubos de comunicações verticais, escadas e elevadores. As torres de 54 e 39 metros de altura podem comportar apenas uma habitação por piso, enquanto a mais baixa tem as comunicações verticais centradas possibilitando duas habitações por piso. As tipologias desenhadas variam desde o Loft e do T5 ao T1, no entanto é difícil estabelecer uma tipologia uma vez que as casas são modulares e podem ser acrescentadas ou diminuídas se o seu proprietário o desejar.

Ilustração 63 – Diagrama com plantas e cortes das três torres, Cidade Mecânica. Bruna Serralheiro, 2009. Fonte: Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura

Este conceito de habitação é modular, sendo cada modulo um cubo de 3 metros de aresta. Cada cubo é construído em fábrica e depois transportado para a torre, que na

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verdade, é apenas estrutura metálica. Para tal foram desenhadas tipologias de cubos que variam entre os vários cubo de descanso, o cubo closet, o cubo biblioteca, cubo cinema, cubo dança, cubo higiene, cubo cozinha, cubo lavandaria, cubo arrumos, cubo sala, cubo jardim/horta, cubo escada, e por fim o cubo garagem que apenas acontece nos primeiros apartamentos. O mobiliário interior foi igualmente desenhado , pois faz parte da própria arquitectura.

Ilustração 64 – Interior da habitação da torre mecânica – Cubo Biblioteca - Cidade Mecânica. Bruna Serralheiro, 2009. Fonte: Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura

O cliente poderá escolher a sua habitação e depois de colocados os cubos na estrutura poderá movê-los verticalmente e horizontalmente através do simples clique num botão. A casa será completamente controlada por um computador, através do qual o cliente define se a sala sobe e o quarto desce. Se, por ventura, se desejasse aumentar a sala e cozinha para dar uma festa isso seria possível alterando a disposição dos cubos no computador. O sistema electrónico está ligado aos braços hidráulicos que estão soldados à estrutura deslocam os cubos tanto no sentido horizontal como vertical. Isto acontece igualmente nos casos da cozinha e instalações sanitárias que estão dotadas de um sistema extensível de tubagens.

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Ilustração 65 - Estrutura metálica e sistema mecânico hidráulico - Cidade Mecânica. Bruna Serralheiro, 2009. Fonte: Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura

Os braços mecânicos ou cilindros hidráulicos transformam trabalho hidráulico em energia mecânica linear, a qual é aplicada a um objecto resistivo para realizar um trabalho que neste caso será movimento vertical e horizontal em 3 metros. Um cilindro consiste num invólucro cilíndrico, num pistão móvel e numa haste ligada ao pistão. Os cabeçotes são presos ao cilindro por meio de roscas, prendedores, tirantes ou solda. Conforme a haste se move para dentro ou para fora, ela é guiada por embuchamentos removíveis, chamados de guarnições. O lado para o qual a haste opera é chamado de lado dianteiro ou "cabeça do cilindro". O lado oposto sem haste é o lado traseiro. Os orifícios de entrada e saída estão localizados nos lados dianteiro e traseiro. Os pilares da estrutura metálica do edifício distam 3 metros entre si e o invólucro metálico cilíndrico está soldado à estrutura, enquanto o pistão móvel se movimenta possibilitando a deslocação do cubo. Isto acontece nos pilares para a deslocação vertical e nas vigas para a deslocação horizontal. Na verdade, os cubos são definidos apenas por duas lajes móveis que se através de pinças hidráulicas pequenas se agarram aos pistões móveis.

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Ilustração 66 – Pormenor do nó entre paredes e pavimentos - Estrutura metálica e sistema mecânico hidráulico - Cidade Mecânica. Bruna Serralheiro, 2009. Fonte: Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura

As paredes dos cubos são deslizantes e rotativas, possibilitando maior elasticidade e flexibilidade espacial. Os Materiais para as paredes podem ser escolhidos pelos seus proprietários e variam entre o vidro, o pladur, metal ou madeira. O mesmo acontece nos pavimentos e tectos, variando entre a madeira, tinta autonivelante ou pedra. A escada poderá ser em pedra, madeira, vidro ou metal. O mobiliário interior desenhado poderá igualmente ter varias materialidades no seu revestimento, como madeira, metal, pedra, pvc ou acrílico. Caso se se pretendesse adquirir esta casa, seria necessário comprar espaço vazio na torre pretendida e comprar os cubos desejados para preencher o espaço. No entanto, seria sempre obrigatório deixar algum espaço vazio para os movimentar dentro da habitação. Seria ainda possível adquirir cubos e espaço dos vizinhos caso estes decidissem vender.

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Ilustração 67 - Interior da habitação da torre mecânica – Cubo Jardim - Cidade Mecânica. Bruna Serralheiro, 2009. Fonte: Projecto académico do 5º ano do curso de arquitectura

Estas torres mecânicas criam uma dinâmica tanto no seu interior como no seu exterior e transportam o seu utilizador para o papel principal deste cenário. O habitante pode escolher e definir o seu espaço no acto da compra e durante o tempo em que habitar o espaço. A dinâmica e a metamorfose está sempre presente e transforma a arquitectura constantemente, emocionando o acto criativo quando este eleva a casa para a plataforma da engenharia electromecânica.

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4. A MECÂNICA ENQUANTO ESTÉTICA ESTRUTURAL DA HABITAÇÃO

“Mais do que habitar, a máquina emociona... todas as paredes traçadas, todos os vãos abertos, todos os ângulos previstos só têm a finalidade e emoção primitiva do futuro utilizador....” Le Corbusier

4.1 A METAMORFOSE, A JANELA E O HABITAT 4.1.1 CASA ISOPODA “A metamorfose implica, assim, uma descontinuidade. Apesar de o processo nos poder parecer contínuo, um trânsito de uma forma a outra, o resultado é descontínuo: a segundo forma quer ser radicalmente diferente da primeira.” Paulo Cunha e Silva, 85 2004

A casa Isopoda está inserida numa estratégia urbana para um vazio urbano partilhado por três realidades urbanas na zona de Campo de Ourique em Lisboa. A partir de uma análise do território envolvente, que se pensa ser importante referir nesta dissertação, entendeu-se a complexidade do tecido urbano no qual está integrado este projecto. Interpretou-se Campo de Ourique como uma preexistência muito forte, na qual não existe qualquer relação espacial com a rua D. Maria Pia. Por outro lado, a área onde se pretende inserir o programa está relacionada com três situações urbanas distintas: numa encontramos um bairro auto-suficiente organizado a partir de uma malha ortogonal; noutro caso defrontamo-nos com uma vivência cosmopolita, não só em relação à forma de habitar o espaço, mas em relação às grandes construções em altura que influenciam o que as rodeia; por último deparamo-nos com uma panorama social mais delicado, no qual o sistema urbano se desenvolve de uma forma mais orgânica, chegando a ser, em alguns casos, até um pouco anárquico e descuidado. É neste cenário, de alguma descontinuidade urbana, que se pretende o desenho de um plano e estratégia que relacione aquele espaço e que o dinamize no cenário lisboeta. O objectivo desta proposta é conceder ao projecto a identidade de jardim, isto é, inserir o programa num promontório de jardim, para que este adquira o carácter de cidade. Optou-se, portanto, por desenhar cidade numa base de parque urbano, em vez de criar áreas específicas para jardins, a cidade transforma-se no respectivo. A 85

Paulo Cunha e Silva em Metaflux, Setembro de 2004.

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acção descrita acaba por estabelecer uma relação de oposição ao conceito contemporâneo de metrópole, uma vez que os planeamentos urbanos das cidades de hoje pensam edificações massificadas com áreas escassas e delimitadas para as zonas verdes. Neste caso acontece o oposto quando se desenha uma parque urbano, no qual o programa vai surgindo envolvido por parque verde que se projecta para a rua D. Maria Pia. Pretende-se que a continuidade do traço de Campo de Ourique se funda com o parque o urbano e com a envolvente.

Ilustração 68 - Montagem gráfica com a Isopoda e Campo de Ourique, Casa Isopoda, Bruna Serralheiro, 2007. Fonte: Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura

Desta forma, tendo em conta a complexidade da cidade, vista como um jogo de ruas, praças, edifícios, cheios e vazios, esta proposta entende-se como um sistema de canais verdes que escoam os indivíduos que os habitam ou que simplesmente os visualizam para diversos locais, como habitação, loja de automóveis, cafetaria, restaurante e parque de estacionamento automóvel. Para além do programa solicitado existem ainda outros espaços como galerias comerciais, áreas de exposição e de saúde que se pensaram ser importantes e de grande Dinâmica social naquele fragmento de cidade. Nestes canais existem acessos pedonais e rodoviários desnivelados, atribuindo maior importância às zonas pedestres, centralizando-as. As vias para automóveis desenvolvem-se lateralmente às áreas pedestres. Pretende-se desenhar cidade para as pessoas, pois são estas que a habitam. Procura-se anular a realidade da “cidade automóvel” inerente ao olhar do espectador e participante do cenário urbano contemporâneo. Apesar disto, não se pode ignorar a relação do indivíduo com o automóvel, tendo sido criados para esse efeito e necessidade, passadiços desnivelados pontuais que escoam o movimento rodoviário para a loja de automóveis e parque de estacionamento subterrâneo.

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No caso dos edifícios de habitação e da loja de automóveis, o jardim actua da mesma forma, invadindo pontualmente em locais estratégicos o espaço interior. Este age de forma distinta quando a inclinação do terreno se acentua. Este exercício visionava que a habitação se desenvolvesse em banda. Pretendeu-se criar uma maior relação entre estas e o parque urbano, criando-se

uma estrutura de

planos paralelos entre si, (onde cada habitação ou casa Isopoda é, conceptualmente, interpretada com um plano) e suportados por um acesso que os intersecta, longitudinalmente, a todos. A base conceptual desta habitação é inspirada na metamorfose da Isopoda ou “bicho de conta”. Cada unidade habitacional é formada por duas paredes estruturais com 9 metros de altura e com triplo pé direito (no caso do t1 e loft) e 9 metros de largura (no caso do t1 e do t0). No caso do loft, as paredes têm o respectivo triplo pé direito, com 12 metros de largura apenas no piso térreo. No t1 e t0 as paredes estão espaçadas 3 metros entre si, no loft têm um espaçamento de 6 metros. O desenho do loft foi peculiar, pois o desenho da casa Isopoda foi pensado para o t1 e t0, logo a dinâmica de formas tinha que ser naturalmente diferente na procura da proporção perfeita. O objectivo foi relacionar o espaço privado com espaço público (jardim) e semi-público, isto é, com o corredor de acesso às habitações que as intersecta no piso intermédio. No caso do loft, o corredor sofre uma mutação quando intersecta o loft, provocando relações no interior da habitação e conferindo maior dinamismo ao acesso.

Ilustração 69 - Montagem diagramática e esquema de materiais, Casa Isopoda, Bruna Serralheiro, 2007. Fonte: Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura

A cobertura acontece à semelhança da típica “caixa do pão”, pode abrir-se totalmente deixando a casa aberta para o jardim envolvente. Esta cobertura tem duas camadas, uma em Cobre e outra abaixo desta em acrílico. Estas camadas deslizam nas paredes Bruna Isaque Serralheiro!

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através de calhas metálicas e podem camuflar-se ou esconder-se numa caixa enterrada no terreno, onde está localizado também a bomba hidráulica que possibilita o movimento das mesmas. Optou-se por utilizar o mesmo cobre da cobertura no corredor, e ardósia negra no revestimento interior e exterior das paredes que suportam as habitações. Os interiores são revestidos em betão cinza claro, com a excepção dos pavimentos do piso 0 e 3 que são revestidos com tinta auto-nivelante cinza. No caso das instalações sanitárias optou-se por utilizar a luz na parede, ou seja, colocar um vidro semi-translúcido como revestimento com iluminação no interior da parede.

Ilustração 70 - Montagem com maquetes e 3D, Casa Isopoda, Bruna Serralheiro, 2007. Fonte: Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura

Todos os espaços acontecem entre as paredes negras desta casa que procura a emoção mecânica sob uma cobertura de cobre que permite uma casa que se abre totalmente para exterior ou se fecha para si mesma tal como a Isopoda. Esta Isopoda mecânica permite que o parque urbano a percorra ao mesmo tempo que o publico a atravessa pelo corredor que a intercepta. Uma proposta que experimenta uma casa aberta ao exterior expressando a controvérsia resultante da dicotomia privado/público.

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4.2 O BAIRRO, A MÁQUINA E O PÚBLICO

Passam pelo castelo... Percorrem as ruas sujas, desenhadas por histórias que se contam por aqueles que ali vivem muito e viveram tanto... Passam por becos escuros, praças iluminadas por pessoas, repletas de verdes que habitam as calçadas! Encontram os mesmos locais de sempre que ali existem desde cedo, cheios de cores, sons, cheiros, sabores, vozes, gritos, imagens... Espaços efémeros que, por simplicidade, ali se merecem e voltam a existir... Ouvem a música das vozes eternas que choram as ruas dramáticas, que tanto caracteriza estes espaços... Voltam a passar pelos edifícios que se vêm desde sempre e sempre... Olham mais uma vez para os cafés, os pátios, as tascas, as casas habitadas pelos mesmos universos de ontem e de amanhã! Olham para ruas rasgadas em edifícios, onde entram despertados pelos sons mecânicos mergulhados em música, vivendo lado a lado com gritos de arte, gente, silêncio... Afundam-se nestes universos paralelos, batendo a portas que ontem eram de alguns e hoje são para todos! Entram, encontram pessoas que ali pertencem, gente deste e de outros mundos, sobem e desvendam momentos de música, voltam a subir... Destapam instantes de melodias que dançam e vêm dançar... Vibram! Sobem mais uma vez e permanecem em espaços onde o silêncio das palavras se encontra... Descem... Percorrem, encontram, permanecem, descansam! E voltam um dia! Passam por uma casa...

4.2.1 CASA MECÂNICA Um bairro, uma praça, um banco de jardim, um mercado, uma mulher, crianças a correr, um miradouro, as flores daquele jardim, gente, vozes, movimento, uma casa. A proposta pretendia uma habitação com lugar na rua de S. Mamede, perto de Alfama, em Lisboa. Propôs-se que a habitação se destinasse ao seu próprio autor, sendo assim, acrescido o nível de dificuldade, pois se já nos é difícil conhecer o cliente, mais

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difícil será conhecer-nos a nós próprios. Mais que um projecto, esta casa seria um desafio pessoal, que se tornou uma paixão.

Ilustração 71 - Montagem gráfica, Casa Mecânica, Bruna Serralheiro, 2008. Fonte: Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura

A localização referida era outro grande desafio, pois a identidade deste espaço é muito própria e característica. Aqui se vive a rua de uma forma bastante presente. A relação entre o bairro e a rua é muito íntima, um não existe sem o outro. Aqui se vive o passado, a tradição e o bairrismo na sua melhor forma e esplendor. Alfama entra no futuro sem modificar o seu ambiente e hábitos. A roupa que seca pendurada nas janelas ou nas sacadas dos prédios, o fado vadio nas ruas ou nos pequenos restaurantes, tabernas ou bares, a poesia das vendedeiras, a cor dos mercados de peixe e de legumes à porta, os tronos de Santo António e a sardinha assada nos meses de Verão, os vizinhos que conversam pausadamente nas ruas sem se importar com quem passa ou pára. A rua é o escritório, a sala, o atelier, o café, a cama, o sofá, é o local onde se conversa, trabalha ou come, e Alfama é o bairro onde a naturalidade, simplicidade e o afecto das pessoas não colide com o progresso ou a importância de quem visita. Desta forma, foi essencial no processo criativo deste projecto relacionar rua e casa, unindo a dualidade presente entre os universos privado e público. A intenção presente assentou em criar um espaço que fosse casa e rua ao mesmo tempo, que pudesse ser totalmente privado quando assim se entendesse, totalmente público a quem aqui quisesse entrar ou ainda privado e público ao mesmo tempo. Desta forma, seria uma casa do bairro e para o bairro. A preexistência do pátio interior do quarteirão permitiu que se utilizasse esse espaço de forma igualmente pública e privada. Todas estas intenções são possíveis mecanicamente, através do próprio programa interior da casa, são os espaços que fecham ou abrem a habitação e o pátio interior.

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Ilustração 72 - Montagem gráfica do alçado e da localização, Casa Mecânica, Bruna Serralheiro, 2008. Fonte: Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura

Casa Mecânica não só pela sua capacidade de transformação e versatilidade estrutural e espacial de carácter hidráulico, mas acima de tudo pela capacidade mecânica de metamorfose emocional. O que quer isto dizer?! Metamorfose emocional porque apresenta a capacidade de criar emoções diferentes nos seus utilizadores, não só pela diversidade de espaços interiores e exteriores que apresenta, mas também pelo facto de se tornar rua quando está literalmente aberta. Quando está fechada o utilizador que passa por ela, nem se apercebe que noutras ocasiões pôde, efectivamente, entrar. Por outro lado, quando está aberta o utilizador que passa, entra pela casa com a percepção de que esta é rua e também é sua. A dicotomia público/privado não se resume a esta primeira impressão exterior, estando sobretudo presente na sua estrutura interior.

Ilustração 73 - Cortes longitudinais, Casa Mecânica, Bruna Serralheiro, 2008. Fonte: Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura

O núcleo interior apresenta-se como um paralelepípedo em vidro que comporta apenas acessos verticais e possui 12 lances de escada, 4 patins e 7 patamares, todos em vidro. As escadas estão no interior do núcleo e são suportadas pelas guardas e pelos patamares. As guardas são cabos metálicos tencionados que percorrem Bruna Isaque Serralheiro!

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verticalmente o paralelepípedo. A estrutura metálica está dentro das paredes de vidro e protege os actuadores cilíndricos hidráulicos utilizados para movimentar os espaços verticalmente. Todos os espaços que comportam programa surgem a partir deste núcleo para o seu exterior, apresentando-se, igualmente, como paralelepípedos com 3 metros de altura e de largura e comprimento variável. A organização programática interior foi dividida em 5 estratégias distintas: espaços privados como o quarto, a instalação sanitária e o closet; espaços de trabalho com o atelier, biblioteca e espaço para o cão; espaços de lazer onde estão o cinema, cozinha, lounge e instalação sanitária e, por fim, espaço térreo que comporta o parque automóvel subterrâneo, área técnica, arrumos, galeria e atravessamento público de acesso ao pátio.

Ilustração 74 - Planta esquemática, Casa Mecânica, Bruna Serralheiro, 2008. Fonte: Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura

Todos os espaços sobem e descem através de um sistema electromecânico instalado na habitação. Os cilindros hidráulicos estão soldados aos pilares metálicos que sustentam as paredes de vidro do núcleo de acessos. Quando entramos na casa, podemos descer para a cave onde encontramos um paralelepípedo garagem que sobe e desce a partir do piso térreo. Ainda na cave, encontramos também arrumos e área técnica com lavandaria, ambos fixos com paredes em alvenaria cerâmica. Subindo para o piso térreo, podemos sair para o atravessamento público, entrar na galeria que pode ter outro programa. Se continuarmos a subir, podemos percorrer os vários espaços que podem mudar de cota até chegar ao quarto que é o ultimo. O quarto e o atelier podem subir para a cobertura e tornar-se completamente privados quando se deseja abrir a casa ao publico. Os módulos cozinha e a instalação sanitária são os únicos fixos que não se movem. Todos os restantes espaços móveis variam entre si. Por exemplo, o modulo lounge ou Bruna Isaque Serralheiro!

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espaço de estar varia entre as cotas 0, 6 e 10, podendo encerrar o atravessamento público e o modulo música/dança varia entre a cota 0, 4 e 8, sendo possível dar uma festa no piso térreo. As plataformas e degraus interiores são caixas em vidro de 3 centímetros de espessura de vidro e 17 centímetros de altura de espelho. As plataformas estão encastradas nas paredes laterais. Os muros exteriores que comunicam com as habitações paralelas e contíguas são em betão armado autoportante com betão à vista polido. As portas interiores que comunicam entre o núcleo e os paralelepípedos estão fixas e são de correr em vidro duplo. As paredes dos paralelepípedos programáticos são painéis de vidro Polyvision. Estes painéis têm 10 centímetros de espessura e são compostos por dois vidros com uma câmara de ar interior. A particularidade deste sistema assenta na possibilidade de injecção de gás opaco colorido, permitindo que as paredes de vidro se possam tornar opacas e coloridas. Os pavimentos das instalações sanitárias e da cozinha são revestidos a placas de vidro semi-translúcido. Os restantes pavimentos interiores são em pinho. Os pavimentos exteriores são revestidos a betão afagado.

Ilustração 75 – Imagens tridimensionais, Casa Mecânica, Bruna Serralheiro, 2008. Fonte: Projecto académico do 4º ano do curso de arquitectura

Uma casa que pode ser totalmente pública no piso térreo e, ao mesmo tempo, totalmente privada no último piso. Casa Mecânica, casa que se move, espaços que sofrem metamorfoses, hoje a sala está no primeiro piso, amanhã está no segundo, hoje podemos visitar o jardim do pátio, amanhã não. A estrutura, a luz metálica, as vozes, o movimento, o som da hidráulica que dá cor ao bairro.. todos os sentidos explorados num universo que traduz a ambiência de uma casa de todas e de apenas uma pessoa. Casa Mecânica, casa que sobe, casa que desce, casa que se arruma, que de protege, que se abre para o bairro, que vive o bairro e finalmente! Casa que vê o rio. Bruna Isaque Serralheiro!

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5. CONCLUSÃO

O belo assume a forma de máquina quando a imagem material emociona a função assumida, quando a busca ultrapassa o próprio autor e o seu estímulo. A máquina assume a forma de arquitectura quando as paredes e lajes funcionam como um só elemento, num impulso que mais que contemplado, existe para desempenhar uma intenção. Mais do que bela, a máquina sustenta-se quando se equilibra na sua própria essência. É bela porque funciona e cumpre o seu objecto, emociona porque nos transcende, e no entanto é tão simples... Simples no apelo constante aos sentidos, porque podemos ouvi-la, cheirá-la, tocá-la e vê-la! Conclui-se que mais do que a roda, um automóvel, um relógio ou um computador, a máquina pode também ser uma casa. Existe sob qualquer forma, desde que implique movimento, equilíbrio e força. No entanto, só fará sentido se comportar uma intenção, uma busca ou um desígnio. Pois é aqui que reside a força do Homem. A evolução tecnológica elevou a Humanidade ao sonho do impossível, respondendo de forma imediata às necessidades humanas e, muitas vezes, a simples caprichos que se tornaram tão necessários no futuro, transformando a máquina no derradeiro testemunho da existência humana. Esta dissertação pretende mostrar que é inevitável aceitar a realidade técnica com todas as suas contradições e utilizá-la na arquitectura. Mais do que transferência tecnológica, na qual se transferem técnicas e materiais, é necessário e inevitável dotarmos a arquitectura de outras essências, como o exemplo que aqui é defendido: a Máquina. A febre do iluminismo e da Revolução Industrial contaminou, ainda que em teoria, o sonho dos primeiros vinte anos do Século XX, transportando a utopia para a provocação social e sátira futurista. A máquina resultante da Revolução Industrial condicionou o próprio Homem, inventando o horário pela primeira vez no mundo. Apesar de

ambíguo, foi também a guerra um dos factores dinamizadores para a

evolução tecnológica. Anos mais tarde, a sede de terra e conhecimento levou o Homem numa nova saga de descobrimentos: a Lua. A chegada do Homem à lua, que está tão perto, foi uma peça fundamental para a Era da Máquina se transformar numa nova máquina, a Era do Virtual. Os últimos quarenta anos do Século XX permitiram que a inteligência artificial surgisse com o tamanho de uma casa, transformando-se para a actual forma microscópica, sofrendo uma variação de escala considerável.

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O Homem produz inteligência. O arquitecto produz e cria espaço. Não será inevitável o arquitecto como Homem, criar espaço inteligente? O arquitecto não deve ignorar a inovação tecnológica. É inevitável evoluir, a arquitectura sofre, tal como a sociedade, metamorfose. A cidade cresce mediante as carências que vão surgindo e que se pensa que vão emergir, respondendo no presente e no futuro. Por outro lado todas as questões sociais revelam-se pouco pertinentes quando comparadas com questões que se assumem, presumem e impõem superiores. O Poder político que no seu íntegro papel deverá cumprir a melhor resposta em função do todo, por vezes demite-se da consciência urbana e responde pela parte deixando as cidades à sua própria mercê. O erro faz parte da evolução e é, portanto, um elemento fulcral da metamorfose urbana, mas acima de tudo, da metamorfose Humana. A casa é mais do que propriedade de alguns, assumindo a personalidade de uma época e de uma sociedade. A casa emociona e movimenta-se no tempo, sofre mutações e actualiza-se, é portanto o resumo de uma química cinética que se apresenta como um livro que conta uma história. Quando a história chega ao tempo presente, exibe uma casa que mais do que uma quimera, é uma máquina que evolui com o seu utilizador, que se transforma adoptando as funções que são necessárias. Mais do que arquitectura, a casa emociona-nos. Mais do que bela, cumpre uma função. Mais do que uma quimera, é uma Máquina, onde num ciclo o espaço inteligente acaba por criar o homem contemporâneo. O grande flagelo da máquina assenta na disparidade de tempo, desde o momento em que é pensada até ao tempo em que é criada. As gerações que pensam uma determinada ideia não chegam, na verdade, a usufruir da mesma. À semelhança do período de incubação humana, também as ideias sofrem a mesma condição. O corpo humano é uma máquina por excelência e a possibilidade de um dia a casa mecânica ser habitada por um corpo mecânico, é também hoje uma realidade em teoria.

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6. BIBLIOGRAFIA

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