A CIDADE DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS FLORIANÓPOLIS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - ARQUITETURA E URBANISMO - ARQUITETURA CATARINENSE ACAD: BRUNO CORDEIRO DA FONSECA - PROF: LUIZ EDUARDO F. TEIXEIRA, KARINE DAUFENBACH
"Aproximo-me suavemente do momento em que os fil贸sofos e os imbecis t锚m o mesmo destino."
Voltaire
Metodologia A partir de uma breve pesquisa histórica do Cemitério de São Francisco de Assis, pesquisas bibliográficas sobre o assunto, levantamento sensorial e fotográfico no local estudado, buscou-se fazer uma análise livre entre a cidade de mortos de São Francisco de Assis, Florianópolis, com o urbanismo e a arquitetura contemporânea da nossa cidade dos vivos. O tema do trabalho consiste em traduzir a cidade dos mortos como o reflexo da cidade dos vivos, assim sendo, buscou identificar os símbolos, marcos urbanísticos, temas arquitetônicos presentes nos túmulos e na configuração geográfica da área de estudo.
Histórico “Uma das grandes transformações do século XIX nas cidades brasileiras, foi a retirada dos mortos do espaço cotidiano e sagrado dos vivos e esta retirada faz parte de um discurso social, político e urbanístico mais amplo, que buscou civilizar costumes, como também alterar o espaço urbano de uma forma mais abrangente.” A Cidade de São Francisco de Assis não surgiu inicialmente onde se encontra hoje, seu sítio original situa-se onde hoje é o Parque da Luz, no município de Florianópolis, junto à cabeceira da Ponte Hercílio Luz, porém nessa época a mesma ainda não havia sido construída. Em meados do fim do sec.XX, Florianópolis está passando por diversas modificações no âmbito do saneamento básico, instalações públicas, um novo acesso às terras do continente e ,principalmente, ja começava a se afirmar como uma cidade a ser vista por moradores de fora. “[...] um discurso de modernidade, novas cidades para novos tempos, sem o velho, o que precisa de reforma, novos traçados de ruas, novos nomes para velhas ruas,[...]”
Cidade Original, antes a construção da Ponte Hercílio Luz
fonte: http://floripendio.blogspot.com.br/2010/05/hercilio-luz-e-sua-ponte.html
Histórico “O cemitério público da Capital catarinense, instalado em 1841, no alto do morro na entrada cidade e, portanto, a vista de todos os moradores e visitantes, foi um dos alvos das transformações urbanísticas”. Em 1924 o Jornal República lança o seguinte artigo: “O novo cemitério O problema mais palpitante de nossa urbs, é sem dúvida alguma o cemitério. O actual horrivelmente alcandorado no local mais alto da cidade, e dependurado em pendores e declives, nunca se prestou a uma verdadeira casa dos mortos, tal como exige o urbanismo moderno: amplo, ajardinado com largas ruas e avenidas macadamisadas com muita sombra e frescura.” E eis que então nesse contexto de início da década de 20 que se é decidido sobre a trasposição da Cidade de São Francisco de Assis para seu atual sítio, no bairro do Itacorubi, dentro dos limites da Ilha de Santa Catarina.
fonte: http://floripendio.blogspot.com.br/2010/05/florianopolis-antigo.html
fonte: http://floripendio.blogspot.com.br/2010/05/florianopolis-antigo.html
Localização
Santa Catarina fonte: Google Earth
Ilha de Santa Catarina fonte: Google Earth
Localização
Cidade de São Francisco de Assis fonte: Google Earth
Ilha de Santa Catarina fonte: Google Earth
Urbanidade População de aproximadamente 60.000 pessoas e uma densidade que se aproxima dos 5.000hab/km2. Assim, a Cidade de São Francisco de Assis é a cidade com maior densidade demográfica do estado de Santa Catarina (acima de Baln.Camboriú, com 2.300hab/km2). A Cidade de São Francisco de Assis é construída em diversos patamares, conectados por escadarias ou pelas suas ruas blocos de concreto, com desnível de até 13m de seu ponto mais alto ao mais baixo.
“rua dos alemães” fonte: arquivo pessoal
desnível e escadaria fonte: arquivo pessoal
“rua do contorno” fonte: arquivo pessoal
Urbanidade A cidade possui seus caminhos principais bem marcados. Algumas ruas se destacam na configuração da cidade. Como a “rua Alfredo Carlos Schmidt” (nome do primeiro prefeito da cidade), a “rua dos alemães”, proxima à entrada da cidade, caracterizada por cruzar o bairro alemão e a rua do contorno, paralela aos muros da cidade.
Rua Alfredo Carlos Schmidt Rua do contorno Rua dos alemães ruas secundárias
Urbanidade Aparente homogênea, a cidade apresenta alguns bairros com características bem definidas, diferenciando algumas habitações do restante da cidade.
Bairro Alemão Bairro Branco Bairro Oeste Bairro Murado Cidade Baixa Cidade Jardim
Urbanidade - Bairro Alemão Originado juntamente com a fundação da cidade, o bairro alemão possui características que o fazem se destacar frente ao restante da cidade. Seus primeiros cidadãos ja habitavam a antiga cidade, antes de ser transposta ao sítio atual. Formado, basicamente, por famílias de origem protestante alemã. Os túmulos nesse bairro, em geral, são formados por torres e obeliscos com torre e cruzes no topo.
Obeliscos com cruz fonte: arquivo pessoal
Obeliscos com cruz fonte: arquivo pessoal
Urbanidade - Bairro Branco (Irmandade do Espírito Santo) O Bairro Branco se localiza na porção nordeste da cidade e é caracterizado por uma homogeneidade de seus túmulos. Habitam nele, em sua maioria, cidadãos nascidos no final do séc.XIX e início do séc.XX. Suas habitações são formalmente idênticas e configuradas por uma base branca, corpo geométrico com epitáfio em mármore (em sua maioria) e coroamento por uma cruz simples branca. Dentro dos limites do Bairro Branco, porém com configuração diferenciada, achamos a habitação da Família Gama D’Eça, importante família politicamente de Santa Catarina, e da Família de João Balbino da Silveira, que data de 1910.
Habitações com base alta fonte: arquivo pessoal
Habitações com base baixa fonte: arquivo pessoal
Gama D’Eça e João Balbino da Silveira fonte: arquivo pessoal
Urbanidade - Bairro Oeste Oeste da cidade, proximo aos muros externos. As habitações se localizam sobre uma base comum, revestida com placas cerâmicas brancas, possuem um tampo em mármore, onde se vê a figura de uma cruz e as informações do morador. Duas edificações se destacam: uma casa em alvenaria portante aparente, destinada às irmãs da Divina Providência, e um altar homenageando os falecidos do Colégio Catarinense
Habitações sobre base revestida com placas cerâmicas fonte: arquivo pessoal
casa em alvenaria fonte: arquivo pessoal
Altar de homenagem fonte: arquivo pessoal
Urbanidade - Bairro Murado `Dentro dos limites dos muros externos da cidade, na porção nordeste, proximo ao Bairro Branco, encontramos uma área cercada por um segundo muro. Aparentemente nada colocaria seus moradores num mesmo nível, porém pode se ler na porta das habitações um recado que leva a crer que todos pertençam à mesma irmandade. Não possuem tipologia em comum, sequer data de nascimento ou de óbito que os aproxime, apenas dividem o mesmo condomínio isolado da multidão.
muro dividindo o condomínio da irmandade fonte: arquivo pessoal
habitação em grande cruz fonte: arquivo pessoal
recado aos administradores da habitação fonte: arquivo pessoal
Urbanidade - Cidade Baixa O bairro da CIdade Baixa se configura como uma homogeneidade das mais recentes da cidade. O diferencial dessa área é uma certa separação física entre ese bairro e o restante da cidade por desníveis e uma grande proximidade com os limites da cidade na porção leste, há também, a porção mais recentemente anexada aos limites da cidade, essa que forma um bolsão na extremidade nordeste do bairro. Configurado, basicamente, por habitações baixas, em mármore, com sutis variações entre elas, essa é, também, a tipologia mais presente no restante da cidade.
Cidade Baixa vista da Rua Admar Gonzaga Cidade Baixa vista da Rod. SC-401 fonte: arquivo pessoal
habitações na Cidade Baixa fonte: arquivo pessoal
fonte: arquivo pessoal
Urbanidade - Bairro CIdade Jardim A Cidade Jardim fazia parte, originalmente, do Bairro Alemão, mas adquiriu características distintas, diferenciando-o de seu vizinho. Seguindo influências dos ritos fûnebres contemporâneos americanos e europeus, o bairro da Cidade Jardim representa a área mais verde e limpa esteticamente da cidade, todo a superfície é gramada e afloram as lápides, em mármore preto. Há ainda, uma área sob pergolado configurando um espaço de descanço e permanência aos visitantes do bairro.
Normandy American Cemetery and Memorial Colleville-sur-Mer, França
fonte: http://www.abmc.gov/cemeteries/cemeteries/no.php
habitações na Cidade Jardim fonte: arquivo pessoal
Cemitério alemão de La Cambe Bayeux, França
fonte: http://divulgarciencia.com/categoria/ainda-nenhuma-categoria/page/2/
Arquitetura(s) As habitações presentes na cidade, em geral, apresentam certa homogeneidade, chegando a uma monotonia ao se andar pela cidade. Habitações baixas, em mármore, com floreiras à cabeceira são o tema mais popular na Cidade de São Francisco de Assis. Há outras tipologias e detalhes que diferenciam as habitações comuns entre si e serão descritos a seguir.
habitações comuns fonte: arquivo pessoal
Arquitetura(s) - Mansões Com a intenção de demonstração de poder/riqueza, algumas unidades apresentam elementos bem marcantes nos limites do lote, cercando a habitação que o separam do restante da cidade, não chega a ser configurado um muro de divisão, apenas um limite virtual. A grande estátua com temática religiosa (na figura abaixo) ajuda a reforçara o poder que a família dos moradores pretendia demonstrar aos visitantes da cidade. Há, ainda, um pequeno acesso ao interior do lote, distanciando o visitante do mundo particular de seus habitantes. Essas habitações se localizaram nas primeiras quadras da cidade, em lotes privilegiados, reforçando a influência que essas famílias possuíam na sociedade.
Mansões
fonte: arquivo pessoal
Arquitetura(s) - O Jardim Hoepcke Um caso particular na Cidade de São Francisco de Assis deve ser descrito, é o caso do jardim da família Hoepcke. De origem alemã, dona de diversas posses imobiliárias em Florianópolis e exercedora de um forte poder político, o jardim da família se localiza dentro da área do bairro alemão, porém segregado criando um latifundio particular em meio à gigante densidade da cidade. O patriarca da família possui um monumento privilegiado de costas à rua dos alemães e voltado para uma praça central, onde residem seus decendentes. O poder imobiliário da família Hoepcke foi refletido diretamente na última morada de seus membros. É o único caso na cidade de uma praça e um terreno desse porte destinado à uma única família.
Jardim Hoepcke
fonte: arquivo pessoal
patriarca da família, Carl Hopcke fonte: arquivo pessoal
Mansões
fonte: arquivo pessoal
Arquitetura(s) - Um teto para minha casa Ironicamente, apesar dos habitantes estarem abaixo da terra e protegidos das interpéries, em algumas habitações podemos ver a presença de uma cobertura em lona com estrutura metálica. Apesar de ser um elemento presente em várias habitações em todo o território da cidade, fevido às limitações de cada lote e o gabarito da cobertura elevado em relação à habitação ela não protege eficazmente das chuvas ou da forte isolação (exceto, talvez, em alguns dias do ano proximo ao meio-dia).
coberturas em lona fonte: arquivo pessoal
coberturas em lona fonte: arquivo pessoal
coberturas em lona, má conservação fonte: arquivo pessoal
coberturas em lona, má conservação fonte: arquivo pessoal
Arquitetura(s) - Conjunto Habitacional Nem todos os moradores da cidade podem dar-se ao luxo de viver em um lote individual, ou unifamiliar, uma alternativa mais barata são os lotes verticais. A diferença do valor da terra se reflete diretamente na qualidade da manutenção desses lotes, largados à deterioração, as vezes funcionam como um pano de fundo indesejado na paisagem da cidade. Lixo de outras obras jogado aos seus pés, saques e falta de um tratamento estético nas fachadas são algumas das características desses conjuntos, construídos pelo investimento conjunto de construtoras (funerárias) visam a multiplicação do solo e , consequentemente, dos consumidores dos lotes.
Conjunto Habitacional fonte: arquivo pessoal
Conjunto Habitacional fonte: arquivo pessoal
Desprezo quanto à manutenção fonte: arquivo pessoal
Conjunto Habitacional fonte: arquivo pessoal
Conjunto Habitacional, improvisos fonte: arquivo pessoal
Arquitetura(s) - Obeliscos As habitações de obeliscos, ou torres, são resquícios de uma busca espiritual ao céu, e consequentemente, alcançam uma monumentalidade, uma vontade a se destacar da horizontalidade do skyline. Essas habitações podem ser divididas como uma composição tripartida onde a base se apresenta como o local da habitação em si, o epitáfio representa o corpo da edificação e no coroamento podemos observar representações religiosas, representados, geralmente por cruzes ou figuras de anjos e santos.
Obeliscos
fonte: arquivo pessoal
Obeliscos
fonte: arquivo pessoal
Obelisco de Waldir Fausto Gil fonte: arquivo pessoal
Arquitetura(s) - Casas de alvenaria Alguns privilegiados tem a oportunidade de residir em uma habitação erguida sobre paredes de alvenaria, cobertura de telhas, tratamento nas fachadas. São poucos exemplares dessa tipologia , que ocupa mais espaço que uma habitação convencional, e são destinados, em geral, aos religiosos e religiosas. Ganham grande destaque na paisagem por localizarem-se nas cotas mais altas da cidade, ou a ja citada residência das irmãs da divina providência, o que justifica seus moradores serem religiosos, estão mais proximos do céu que os demais habitantes de São Francisco de Assis.
Casas de alvenaria no topo da cidade fonte: arquivo pessoal
Casas de alvenaria no topo da cidade fonte: arquivo pessoal
Casa das Irmãs da Divina Providência fonte: arquivo pessoal
Arquitetura(s) - Barracos Do outro lado da pirâmide social, há aqueles que nunca tiveram boas oportunidades em vida, e sua última morada reflete a falta de recursos financeiros. Privilegiados quanto ao fato de possuirem um lote urbano unifamiliar, porém sem recursos para edificar e/ou manter conservada uma moradia digna a seus familiares. Habitações totalmente degradadas, sem qualquer tratamento (incluindo o tratamento higiênico), pedaços de habitações soltos pela cidade, esse é um pedaço do que forma o perfil dos indivíduos que foram privados de uma dignidade post mortem.
Habitação?
fonte: arquivo pessoal
Barraco
fonte: arquivo pessoal
Descaso
fonte: arquivo pessoal
Barracos
fonte: arquivo pessoal
Arquitetura(s) - Flores e jardins Não é de hoje que as flores são usadas nos ritos fúnebres, Debret já havia relatado o fato em 1834. Hoje são usadas como forma de dar uma cor à paisagem predominantemente acinzentada da cidade. Artificiais ou naturais, são usadas tanto para homenagear os moradores da habitação quanto para criar um clima doméstico nas mesmas e, em alguns lotes, há a presença de formações de jardins naturais. Jean-Baptiste Debret, Cortejo de negrinho, 1834
fonte: http://www.gazetamaringa.com.br/online/conteudo .phtml?tl=1&id=1201608&tit=Funeral-de-criancas-era-comemorado-no-Brasil
Flores de plástico fonte: arquivo pessoal
Flores
fonte: arquivo pessoal
Flores de plástico fonte: arquivo pessoal
Flores
fonte: arquivo pessoal
O Fim A partir de uma leitura da cidade dos mortos, pôde-se verificar o que ja se podia prever, a cidades dos mortos é um reflexo direto da cidade dos vivos, incluindo as hierarquias, vaidades, desigualdades sociais
Referências bibliográficas
- ARIÈS, Philippe; DUBY, Georges. História da vida privada. Vol.5 Da Primeira Guerra a nossos dias; Companhia das Letras, 2003 - COELHO, Mário César. Moderna Ponte Velha: Imagem e Memória da Ponte Hercílio Luz. Florianópolis: Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal de Santa Catarina, 172f,1997. p. 61. - CYMBALISTA, Renato. A cidade dos vivos: arquitetura e atitudes perante a morte nos cemitérios do Estado de São Paulo. São Paulo: Annablume; Fapesp. 2002. - CASTRO, Elisiana Trilha. Aqui jaz um cemitério: a transferência do cemitério publico de Florianópolis (1923-26); Trabalho de Conclusão de Curso em História, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004 - CASTRO, Elisiana Trilha. Um chão para cair morto: os cemitérios de imigrantes protestantes em Santa Catarina no século XIX. In: 2º. SIEPEA – II Seminário Internacional de Estudantes de Pós graduação em Estudos Americanos, 2009, Santiago/Chile. Anais do 2º. SIEPEA. - CASTRO, Elisiana Trilha. Cemitérios teutos em terras catarinas: o inventário de cemitérios de imigrantes alemães da Grande Florianópolis. In: Anais do III Simpósio sobre imigração alemã, 2009, Florianópolis. - CASTRO, Elisiana Trilha; CASTELLS, Alicia Norma Gonzales. Lugar de patrimônio é no cemitério: O desterro luterano no cemitério São Francisco de Assis – Itacorubi/Florianópolis.. In: XIV Congresso da SAB – Sociedade de Arqueologia Brasileira, 2007, Florianópolis. Anais do XIV Congresso da SAB, 2007. - CASTRO, Elisiana Trilha. Quando os mortos mudam de endereço: transformações urbanas e novos ritos funerários a partir da transferência do cemitério público de Florianópolis (1923-1926). In: II Encontro sobre cemitérios Brasileiros, 2006, Porto Alegre, 2006. - http://floripendio.blogspot.com.br/2010/05/hercilio-luz-e-sua-ponte.html - http://kimitirion.blogspot.com.br/ - http://www.pmf.sc.gov.br/ - http://www.abmc.gov/cemeteries/cemeteries/no.php - http://divulgarciencia.com/categoria/ainda-nenhuma-categoria/page/2/ - http://www.gazetamaringa.com.br/online/conteudo.phtml?tl=1&id=1201608&tit=Funeral-de-criancas-era-comemorado-no-Brasil