Controle

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“Controle” Avalia-se a inteligência de um indivíduo pela quantidade de incertezas que ele é capaz de suportar. Immanuel Kant O drama que todos têm de enfrentar na vida é a incerteza. A sociedade moderna é obcecada pela conquista e pelo controle do mundo à sua volta e para tanto quer valer-se da razão e da ciência. Todavia, os sistemas caóticos e não-lineares – como a natureza, a sociedade e a vida das pessoas – transcendem qualquer tentativa de previsão, manipulação e controle. O caos nos leva a crer que o certo não é resistir às incertezas da vida, mas antes aproveitar as possibilidades que elas nos propiciam. No palco da vida o caos e o cosmos dançam a música da incerteza enquanto os homens choram ou celebram a cada ato. As culturas indígenas e antigas lidavam com a incerteza por meio de diálogos rituais com os deuses e com as forças da natureza, tentavam entender e se adaptar aos ciclos naturais. Não queriam dominar e aprisionar a natureza. A sociedade industrial ocidental tomou outro rumo. Nosso sonho é eliminar a incerteza conquistando e controlando a natureza e a vida, nossa e dos outros. O ideal de “estar no controle” é tão inerente ao nosso comportamento que se tornou uma obsessão, até mesmo um vício. A teoria do caos demonstra por que tal sonho é uma ilusão. Os sistemas caóticos encontram-se além de todas as nossas tentativas de previsão, manipulação e controle. O caos revela que, em vez de resistir às incertezas da vida, devemos aproveitá-las. Há muito tempo os pintores, poetas e músicos sabem que a criatividade floresce quando eles tomam parte do caos. É claro que a lógica à moda antiga e a razão linear têm seu lugar, mas a criatividade inerente ao caos insinua que, para viver a vida com menos conflito, menos angústia, mais leve, é preciso algo mais. É preciso um senso estético/espiritual – uma sensibilidade para perceber o fluxo do rio da vida e segui-lo. Fazer um pacto com o caos oferece-nos a possibilidade de viver não como controladores, mas como participantes ativos da natureza. Os orientais antigos não tinham o conceito de busca da felicidade, eles viviam a harmonia. Bruno Braune

De incertezas é que se vive Pois as certezas só nos destroem Certezas nos fazem rígidos Nos cristalizam, Nos paralisam Certeza é certeza e pronto Incerteza pode ser tudo São sementes de possibilidades!" Janaina A. Lucena


De quantas coisas não preciso para ser feliz ? Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos e em paz nos seus mantos cor de açafrão. Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: 'Qual dos dois modelos produz felicidade?' Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: 'Não foi à aula?' Ela respondeu: 'Não, tenho aula à tarde'. Comemorei: 'Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde'. 'Não', retrucou ela, 'tenho tanta coisa de manhã...' 'Que tanta coisa?', perguntei. 'Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina', e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: 'Que pena, a Daniela não disse: 'Tenho aula de meditação! Estamos construindo super-homens e super-mulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados. Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: 'Como estava o defunto?'. 'Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!' Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa? Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual. Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. E somos também eticamente virtuais... A palavra hoje é 'entretenimento'; domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: 'Se tomar este refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este carro,você chega lá!' O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose. O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, autoestima, ausência de estresse. Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping-center. É curioso: a maioria dos shoppings-centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer


maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingo. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas... Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Deve-se passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do Mc Donald... Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: 'Estou apenas fazendo um passeio socrático.' Diante de seus olhares espantados, explico: 'Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: "Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz !" Frei Betto ELITE E SUB-ELITE BRASILEIRA MOSTRA A SUA CARA E SEUS “MEMES” 1. O QUE É MEMES ? A cultura humana e o conhecimento passam a viver no cérebro, em forma de redes neurais e pode ainda ser transmitido a outro cérebro. De um modo parecido com o qual a natureza criou uma codificação universal para transmitir a informação necessária para construir um organismo e mantê-lo vivo e ativo, o código genético do DNA. Os processos mentais criam uma espécie de replicador virtual que habita apenas a mente humana. Esse ente, similar aos genes, foi pela primeira vez citado por Richard Dawkins (em “O Gene Egoísta”) que deu o nome de “meme”(a origem é da raiz grega “Mimeme” que significa “uma unidade de imitação”). O meme representa para a cultura o mesmo que o gene representa para a vida biológica. De acordo com o pensamento de Dawkins, a transmissão cultural é análoga à transmissão genética, e a cultura, como uma enciclopédia, é o conjunto de todos esses memes. A Cultura como coletânea de conhecimentos é então produto da mente humana, e permanece viva na forma de crenças, valores, conceitos e habilidades. Os memes, que compõem essa coletânea, são armazenados na forma de símbolos e podem ser expressos pela linguagem falada ou em alguns casos podem ser registrados pela linguagem escrita ou codificados na forma de desenhos, figuras ou equações. Todos os memes estão sujeitos a evoluir ou a serem extintos. Se suficientemente robustos, podem sobreviver por muitas gerações. Conceitos e ideias como Deus, amor e solidariedade ou poder, ganância e ambição são exemplos de memes vencedores que têm sobrevivido por inúmeras gerações. 2. MEMES BRASILEIROS O Brasil tem, em sua formação inicial, a hegemonia de uma elite escravocrata que se mantém à custa da exploração do trabalho escravo(O Brasil foi o último país independente do continente americano a abolir completamente a escravatura), seguida de uma elite agroindustrial, depois industrial, que se constituiu, se manteve e se mantém por meio da exploração de seres humanos. A nação brasileira carrega em sua história a lógica da exclusão, do elitismo, do pouco caso com as questões sociais. “Inacreditável como existem pessoas dotadas de desumanidade. Diversos comentários na matéria “Aviso prévio maior pode beneficiar domésticos” , publicada hoje na Folha, dão um show de pensamento escravocrata. Diante da explicação de que uma empregada doméstica, depois de trabalhar por vinte anos (!!!!) para uma família, ao ser despedida de forma imotivada, terá direito a 60 dias mais de salário, estas pessoas só faltam dizer que isso arruinará o país, tirando sua competitividade(!!!). Meu Deus, uma pessoa que passa vinte anos numa casa, que vê crianças crescerem e tornarem-se adultas, e muitas vezes é até responsável por parte de sua educação, deve poder ser expulsa a pontapés, sem ter


cometido nenhuma falta? Deve poder, não é, porque a idade já não lhe permite pendurar-se nas janelas a limpar vidraças, ou ajoelhar-se para limpar o chão, ou para tarefas pesadas… Incrível que não apareça um comentáriozinho sequer dizendo que é uma proteção mais do que merecida para quem deu uma vida de trabalho a uma família… Temos uma sub-elite escravocrata, que assiste inconformada os pobres serem tratados como seres humanos, ascenderem, educarem-se e a seus filhos.”(Carlos Alberto Saraiva) Este repúdio aos benefícios sociais se estendem ao seguro desemprego, bolsa família (que coloca a criança na escola) e outros. Já a licença maternidade não é tão repudiada porque a sub-elite escravocrata usufrui dela. A GANÂNCIA, O PODER A QUALQUER CUSTO, O ENRRIQUECIMENTO ILÍCITO, A INDIFERENÇA COM O SOFRIMENTO ALHEIO, A CRUELDADE SÃO MEMES ENTRANHADOS NA MENTE DA ELITE OLIGARQUICA BRASILEIRA. E O PIOR! A CLASSE MÉDIA BRASILEIRA ( SUB-ELITE ) É RECEPTORA E TRANSMISSORA DESSES MEMES SEM SE DAR CONTA. Bruno Braune


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