Revista hey rap! divulgação

Page 1

ey rap!

KL JAY

GHETTO BROTHERS

O DJ fala sobre sua carreira e projetos

A origem do Hip-Hop nos Estados Unidos

São Paulo, Novembro de 2016

O RAPEM

Conheça uma das principais vozes do rap nacional atualmente

123526842016

SÍNTESE


Foto: Matheus Rodrigues

Batalha da Santa Cruz

Conheça a escola de MC’s mais famosa de São Paulo

Foto: Fridas Photos

06

Strong Women

As minas que dominam o rap e um papo com a MC Issa Paz

10

Ritmo e Poesia

Foto: Marcio Salata

Foto: Ênio César

O rap e sua relação intrínseca com a literatura

ÍNDICE

16

Genius

26

A comunidade que conecta fãs de rap do mundo inteiro

2

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

20

Mestre KL Jay

O DJ do Racionais MC’s fala sobre sua trajetória em entrevista exclusiva

Foto: Hey Rap/Bruno Henrique

Sample Entenda a relação entre sample e vinil e conheça a Casa Brasilis

32


Emicida

Foto: Divulgação

Dixavamos o trampo mais recente do rapper da ZN

32

Foto: Divulgação

Grammy 2016 A relação entre a Indústria Cultural e o maior prêmio da música

Síntese

50

Foto: Divulgação

Entrevista exclusiva com um dos principais rappers da Nova Escola

Minimalismo

Foto: Divulgação

Foto: Divulgação

44

A moda minimalista no streetwear dos amantes de rap

56

Foto: Divulgação

60

Novas Tendências As novas tendências para 2017 e a influência do atlheisure

54

Zudizilla

64

Trocamos ideia sobre a cena de rap do Sul com Zudizilla

Foto: Julian Voloj

Especial: A História do Surgimento do Hip-Hop Uma pesquisa sobre os conflitos entre grupos nos bairros de Nova Iorque em 1970 HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

3


ONDE NASCEM OS MCS

Conheça o freestyle e a batalha de mc’s mais tradicional de São Paulo que formou grandes nomes do rap paulista

Bruno Henrique

T

odo sábado, quem desembarca na estação Santa Cruz do metrô por volta das 20:30, fica no mínimo curioso ou até mesmo espantado ao deparar logo na saída com uma multidão de pessoas que ali se reúnem frequentemente. Essas pessoas estão ali com um único e simples propósito: assistir à famosa Batalha do Santa Cruz ou participar dela. A Batalha da Santa Cruz é uma batalha entre MC’s que já acontece há 10 anos, e assim como a Rinha dos MC’s e a Liga dos MC’s, é um confronto tradicional de improviso, ou como costumam falar Freestyle: os participantes irão se digladiar de forma amistosa com rimas. Cada round dura no mínimo 30 segundos e vence aquele que conseguir rimar de forma mais criativa e ridicularizar seu adversário o máximo possível.

4

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

Segundo Guilherme Treeze, o atual organizador junto com Helibrown, a batalha teve início quando um grupo de amigos, amantes de rap, resolveram se reunir em frente ao Shopping Metrô Santa Cruz. Como admiravam muito o Freestyle, marcaram esse ponto na saída do metrô com o intuito de reunir outras pessoas que também curtiam rap. Em São Paulo, na época, já haviam batalhas, mas aconteciam esporadicamente, somente em alguns eventos de rap de forma totalmente aleatória sem lugar ou hora definida. A do Santa Cruz foi criada para acontecer de forma periódica, os principais organizadores na época eram o Marcello Gugu e o Flow MC, dois artistas que fazem parte do cenário do rap atual e como muitos outros MC’s, ganharam visibilidade por causa da Santa Cruz.


Foto: Fernando Martins/Conrado Dacax/Mariana Lacava

SOCIAL

Dois mc’s duelam na Batalha da Casa do Hip-Hop em Bauru

Formação do MC A Santa Cruz é vista como o berço de vários MC’s, uma escola que frequentemente forma talentos que ali fizeram suas primeiras rimas e se desenvolveram. A batalha contribuiu bastante para isso, pois ela não serve apenas como entretenimento, mas também como amadurecimento, o que ajuda o MC em seu desenvolvimento e a trabalhar melhor suas rimas, como diz Guilherme: “Aqui é o início, é onde você pode gastar suas fichas para evoluir. Você faz a sua rima, na primeira semana você vai estar nervoso, na semana seguinte você já vai estar mais calmo, aí na outra semana você já quer batalhar para ganhar.

Então eu acho que é uma evolução a cada sábado, por isso que a gente fala que aqui é uma escola formadora de MC’s”. Existem três MC’s que hoje figuram no cenário do rap e que tiveram sua origem na Batalha da Santa Cruz: Rashid, Projota e o Emicida – o apelido “Emicida” surgiu nas batalhas, é um anagrama para homicida de MC’s - considerado um dos melhores e mais geniais improvisadores de rap brasileiro que já existiu. Emicida foi vencedor de diversas edições da Batalha da Santa Cruz e de inúmeras outras batalhas espalhadas por São Paulo, como a própria Rinha do MC’s. Também participou do Desafio de Verão

HPP 2007 em Humaitá, no Rio de Janeiro, porém, perdeu na Semifinal para André Ramiro. Após conquistar espaço no rap, Emicida compôs duas músicas que homenageiam as batalhas entre MC’s, são elas: Santa Cruz e Rinha (Já Ouviu Falar?). Ambas são faixas do álbum Emicídio de 2010. “Você nem é MC de batalha, seja verdadeiro, veio aqui porque falaram que ia ter dinheiro. Vai vendo, irmão, aonde eu moro o nome disso é prostituição” (Emicida contra Terra Preta na Liga dos MC’s - 2007)

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

5


Da esquerda para diretira Guilherme Treeze, Gah Mc’s, Flow Mc e Helibrown

Na boca do povo Após a formação desses MC’s e de efetivamente terem ganhado espaço no cenário do rap nacional, a Batalha da Santa Cruz entrou na boca do povo. Muitas pessoas ouviam falar sobre os confrontos por amigos ou viam pela internet e começaram a frequentar, como é o caso de Igor Neres: “Eu conheci através da internet, procurava muito as batalhas do Emicida, e eu vi que a origem dele era aqui, então acabei vindo um dia aqui em 2011, e achei muita foda a energia do lugar e comecei a vir todo sábado”. Assim como Igor, muitos outros começaram a frequentar pela

6

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

mesma causa. Hoje a Santa Cruz é mais que uma batalha, virou um ponto de encontro aonde as pessoas não vão apenas para batalhar, mas também para conversar, interagir e fazer novas amizades. Segundo o atual organizador, Guilherme Treeze, a Batalha da Santa Cruz é um ponto de cultura, que recebe pessoas de várias áreas de São Paulo e possibilita essa interação descontraída e totalmente multicultural. Por meio de muita “disciplina”, a batalha conquistou a confiança dos espaços públicos/privados nas proximidades, como o Colégio Marista Arquidiocesano e o próprio Metrô Santa Cruz, por exemplo. Eles não permitem bri-

gas, pichações ou a utilização de drogas no local. A Santa Cruz se autoafirmou, é um ótimo lugar para se divertir, conversar e garantir altas risadas com as rimas dos “Freestyleiros” todo sábado.


CRIAS DE BATALHA Emicida se destacou por muito tempo nas batalhas pelo Brasil

MC Rashid também mandava muito nas batalhas, nessa época era conhecido como Mosca

Criolo foi fundador da Rinha dos MC’s junto com DJ DanDan, seu parceiro na música até hoje Foto: Divulgação

Flow MC foi um dos criadores da Batalha do Santa Cruz, junto com Marcello Gugu

“Cê tá ligado amigo, que você tem que ter cuidado pra rimar comigo no microfone, quem te ensino a rimar? Bruno e Marrone?” (Marcello Gugu contra Rashid na Liga dos MC’s – 2007)

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

7


A RESISTÊNCIA DAS MINAS DO RAP Conheça as minas que resistem a um ambiente machista com sua arte, além de uma entrevista exclusiva com a rapper feminista e integrante do grupo Plus Size: Issa Paz

Murilo Amaral

O

machismo é um elemento estruturante da nossa sociedade, por isso, não há espaço e nem pessoa que esteja isento de sua influência. Logo o movimento do rap também aprende características machistas dentro dele. Nas músicas vemos rappers reproduzindo o discurso de que as mulheres sempre estão no papel de interesseiras e que desejam apenas se relacionar com os rappers para usufruir de seu dinheiro. Nos videoclipes, são mostradas como objetos no mesmo patamar de carros luxuosos e dinheiro. Até mesmo o principal grupo de rap nacional não está imune a influência do machismo estrutural, em músicas como Mulheres Vulgares (1990) e Estilo Cachorro (2001), o grupo Racionais MC’s desumanizam as mulheres objetificando-as. Principalmente na música Mulheres Vulgares, quando na introdução Edi Rock contextualiza uma sociedade distópica e equivocada baseada no machismo.

8

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |


Foto: Divulgação

KAROL CONKA A Karol é a dona da cena, sua miscelânea de cores, plumas e paetês a transformam numa rapper legitimamente brasileira. Seu ápice foi sua performance na abertura da Olimpíada Rio 2016. A mistura de trap, soul e eletrônica dão o tom de suas beats pesadíssimas.

FLORA MATOS

Foto: Paulo Peixoto

A Flora é poderosíssima, suas últimas tracks demonstram suas novas influências, que vão desde colaboração com o sistema de som e grupo musical BaianaSystem, até o trap de Atlanta e busca criar suas próprias beats atualmente. Com seu estilo autêntico, Flora tem no grave sua arma principal.

Foto: Divulgação

DRIK BARBOSA

A Drik tem se destacado nos últimos anos, principalmente por seu verso em Mandume do álbum “Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa” do Emicida. Cria da Batalha da Santa Cruz, seu flow melódico e contagiante tem misturas de R&B e rap e possibilita a contemplação de um grande futuro para a rapper.

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

9


Foto: I Hate Flash

Foto do ensaio fotográfico produzido pelo coletivo I Hate Flash, em que Carol encara seu lado perigosa para divulgar seu novo álbum de estúdio intitulado “Bandida”

“SE TAVAM QUERENDO PESO ENTÃO TOMA ESSE DUETO”

MC Carol é uma das melhores artistas que representam o empoderamento das mulheres não somente no hip-hop mas também dentro da música em geral. Ela consegue transitar entre o funk e o rap. Carol foi criada no Morro do Preventório, uma comunidade situada na cidade de Niterói­-RJ, ainda adolescente, quando começou a ser convidada para participar de bailes funks como o da Furacão 2000, Carolina de Oliveira Lourenço, se tornou MC Carol. Hoje, com

22 anos, a cantora de funk também conhecida como Carol Bandida e Carol de Niterói possui um repertório com hits consagrados como “Não Foi Cabral’, “Onda Forte”, “Minha vó tá maluca” e “Delação Premiada”. Dentro do reality show, Lucky Ladies, se tornou protagonista do programa juntamente com a Mary Silvestre. Recentemente lançou a track colaborativa “100% Feminista” com uma das estralas atuais do rap nacional Karol Conka, um hino para o movimento feminista e ne-


gro. Em breve, MC Carol lançará um novo álbum chamado “Bandida” produzido por Leo Justi. Em entrevista ao coletivo I Hate Flash, Carol conta: “Vai ter putaria, vai ter fatos reais, tudo na linha Carol Bandida”.

“Empoderar mulheres e promover a equidade de gênero em todas as atividades sociais e da economia são garantias para o efetivo fortalecimento das economias, o impulsionamento dos negócios, a melhoria da qualidade de vida de mulheres, homens e crianças, e para o desenvolvimento sustentável” Fonte: onumulheres.org.br


Foto: Fridas Photos

Em entrevista exclusiva concedida para a Hey Rap!, a rapper Issa Paz falou sobre sua relação com o feminismo, sobre o machismo dentro do rap e seus futuros projetos: “Estamos focadas na divulgação do disco RAP Plus Size e já estamos fazendo um trabalho audiovisual bem intenso, com a produtora DMNA, uma produtora só de mulheres. Em breve, muitas novidades e clipes estarão disponíveis! Já dá para acompanhar a gente nas redes sociais e ficar ligeiros nas novidades que esse mês mesmo tem clipe novo!”.

I

Assim como tudo que está inserido numa sociedade machista, o rap sofre contaminação deste discurso. Como manter sua liberdade artística dentro de um ambiente machista? Não é fácil, mas a resistência em manter o meu discurso libertário feminista e anti-estado é extremamente necessária. O transtorno psicológico é constante e quando me assumi feminista e comecei a militar foi maior ainda, pensei muito em sair da militância e fazer outro discurso, mas uma mente quando é expandida jamais retorna ao seu tamanho de

12

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

origem e não é possível reformar uma ideia que já foi desconstruída. Por outro lado, as recompensas são enormes, de acompanhar um levante de mulheres em toda a cena do Hip-Hop, isso no mundo inteiro. Aliás, vai muito além do Hip-Hop. Mulheres não vão mais se curvar ou aceitar serem submissas. A partir do momento que falamos sobre isso, essa percepção reverbera, se amplia, porque é real. As mulheres estão quebrando as próprias amarras e isso é lindo. Eu faço parte disso, quebrei as minhas também, não vou permitir que amarrem mais nenhuma de nós e dessa forma o discurso permanece.

II

Por que você acha que a grande mídia não dá visibilidade para as minas? É uma realidade que a grande mídia dita o comportamento geral da sociedade e como uma bela sociedade binária sexista pode ser para gerar mais lucro, os papéis designados para as mulheres na sociedade são restritos ao que as novelas e jornais mostram o tempo todo. A invisibilidade da mulher na arte num geral é proposital e tende a ser mais forte aonde a predominância é masculina, como na ciência e no Hip-Hop.


III

Como você analisa a objetificação das mulheres e a misoginia nas letras dos rappers homens? Onde é mais pesado? Aqui no Brasil ou no rap norteamericano? Eu tava ouvindo aqui Kendrick Lamar num feat com o ScHoolboy Q e pensando exatamente nisso. Se eu fosse moradora dos EUA já tinha surtado - como se eu já não o tivesse aqui - (risos). A cada duas linhas os caras dizem um “bitch”. Fora quando a maioria exibe mulheres como prêmios, objetos, sempre ao lado de dinheiro e artigos de luxo, sexualizam a imagem da mulher o tempo todo, e o pior, ganham muito muito muito dinheiro com isso. Aqui os caras falam bosta sim, silenciam mulheres e ainda tentam o tempo todo imitar os gringo. Mas aqui é onde eu moro e aqui pelo menos a gente consegue cobrar os caras. E falar o que pensamos sobre isso tudo, com nossos direitos de resposta.

nos é imposto. Antes se denominar como feminista era muito difícil, primeiro que não havia essa popularidade toda para a nomenclatura, mas porque as represálias eram muito grandes. E o silenciamento continua mas hoje quando as mulheres ocupam os lugares de atuação necessários, isso se espalha porque espelha uma representatividade, mais mulheres se veem nesse lugar, mais mulheres se sentem capazes para atuar também. E é assim que “igualdade de gênero” se constrói, o debate é importante mas só a ação pode transformar.

V

Como surgiu a ideia de criar o grupo Rap Plus Size? Como é a experiência de formar um grupo com a Sara Donato?

Vi

Quais as rappers das antigas e da atualidade, que te inspiram aqui no Brasil e internacionalmente? São muitas mulheres. Vou falar das quais tenho maiores referencias e internacionalmente as que tenho ouvido mais: das antiga: Erykah Badu, Da Brat, Queen Latifah, Bahamadia e no Brasil: Dina Di, Lauren, Rubia RPW, Cris SNJ E o que tenho ouvido de novidade: Princess Nokia, Little Simz, Akua Naru e no Brasil: Yzalu, As Lavadeiras, Ju Dorotea.

vii

O que te motivou a fazer rap, mesmo sendo formada em Marketing e Design Eu e a Sara já nos conhecía- e Webdesign? Você consegue mos a um tempo e sempre que viver só de rap hoje? O rap veio na minha vida anela vinha ficar uns dias em São Paulo acabava ficando na minha tes dos meus estudos e tudo que casa, sempre coincidimos muito eu fiz me levou a conseguir grana nas ideias e na música e depois pra pagar minhas produções e fade alguns feats eu dei a ideia da zer meu som. Me especializei em gente criar um disco. A ideia veio Marketing Digital e tudo isso uso depois de ouvir o disco “Bla- pra fazer minha mensagem chegar ckout!” do Method Man com o mais longe. Tudo que estudei não Redman e eu sabia que poderia tinha o objetivo de me levar pro fazer algo assim com alguém rap, foi pelo dever de “ter uma Como você acha porque esse alguém é a Sara Do- profissão” que acabou me direcioque o debate sobre igualdade nato (risos). É maravilhoso tram- nando, e o rap ganhou, afinal, eu de gênero dentro do rap pode par e cantar ao lado de uma mina não consigo lidar com patrões e com a energia e talento que ela passei a usar meus conhecimentos ganhar mais visibilidade? tem, tudo isso se complementa, Acho que o posicionamento acho que formamos uma boa em benefício próprio, ao invés de render lucro pra empresário safadeles não é o que vai de fato dar dupla. do. Hoje é o rap que paga minhas

IV

visibilidade sobre isso, mas sim das mulheres, nos posicionando e elevando nossa voz, não permitindo nenhum tipo de opressão e não aceitando mais o silêncio ao qual

contas, não me vejo mais no mundo corporativo, agora o rap é minha profissão, o rap é minha vida e não quero outra alternativa se não trabalhar com ele até o final. HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

13


TODO MC É UM POETA DA PERIFERIA Saiba da relação entre o rap e a poesia lírica, conheça um pouco mais sobre a literatura marginal e o lugar em que é disseminada a cultura de rua Bruno Henrique

O

rap tem uma forte relação com a literatura no geral, principalmente quando se trata de poesia. Desde sua formação como estilo musical - o nome rhythm and poetry já é bastante sugestivo – o rap apresenta em sua essência a poesia, basicamente considerada sua espinha dorsal. Porém raramente é referido como sendo algum tipo de poesia. Mas basta pegar qualquer letra do gênero, tirar a batida ou recitar a letra, assim como fez Seu Jorge,

para notar que qualquer rap inicialmente parte de uma poesia, fazendo isso podemos até observar detalhes na letra que não percebíamos por causa da batida envolvente que muitas vezes nos distrai. O rap e a poesia são tão interligados que alguns rappers acabam transitando para o meio das publicações, como no caso do rapper Renan do grupo Inquérito. Renan escreveu alguns livros de poesia, um deles fez muito sucesso no meio literário, o Poucas Palavras.

cêtáligado?

Seu Jorge participou de um vídeo recitando Negro Drama, uma das principais músicas do Racionais MC’s, justamente por representar todos os negros que são oprimidos por uma sociedade racista.

14

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |


Livraria Suburbano Convicto do escritor e cineasta Alessandro Buzo

Foto: Blog/Divulgação

sos eventos e palestras. Isso mostra que a poesia faz parte do cerne do rap, mais do que muitas pessoas pensam, ela é responsável por um estilo. Literatura Marginal: O 5° elemento do hip-hop Não podemos falar sobre rap e literatura sem mencionar alguma vez a literatura marginal, afinal todos os escritores citados por Re-

“O rap foi a grande inspiração para a literatura marginal, porque a maioria dos escritores ouve rap e o rap direcionou muito as nossas causas e os nosso textos” nan anteriormente pertencem ao gênero. Esse estilo de literatura foi bastante influenciado pelo rap, como explica um dos pioneiros do gê-

Foto: Blog/Divulgação

O livro contém muitos dos versos que ele utiliza em suas músicas. Segundo ele, o rap teve um importante papel para levá-lo à publicar o livro: “Depois que eu me dei conta de que o que eu escrevia era poesia, eu comecei a estudá-la, mas eu nunca tinha a pretensão de lançar um livro, mas quando me dei conta, resolvi juntar tudo e lançar, foi daí que saiu o Poucas Palavras. Então podemos dizer que foi o rap que acabou me levando para a literatura e consequentemente a conhecer outros trabalhos como o do Buzo, Sergio Vaz, Sacolinha, Férrez, entre outros escritores”, explica. Quando perguntam do que seu livro se trata, ele simplesmente diz: “É rap no papel, eu peguei as letras que eu gravei e trouxe da volta para onde elas nasceram”. Hoje Renan é considerado tanto no ramo da música quanto no ramo literário, participa de diver-

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

15


Foto: Divulgação

Sérgio Vaz, um dos fundadores da Cooperifa, sarau literário que acontece há 14 anos e é um dos mais tradicionais de São Paulo atraindo pessoas de todas as regiões. nero, o escritor Alessandro Buzo: “O rap foi a grande inspiração para a literatura marginal, porque a maioria dos escritores ouve rap e o rap direcionou muito as nossas causas e os nossos textos, então eu acho que o rap é praticamente um irmão, é um movimento que caminha junto com a literatura marginal e que eu considero o 5° elemento do hip-hop”, afirma. Esse gênero literário emergiu em meados dos anos 70 e procurava retratar a realidade periférica brasileira em uma época em que a literatura era bastante elitizada. Assim como o rap surgiu como uma ferramenta para dar voz aos que não têm, a literatura marginal

16

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

veio com esse mesmo intuito, retratando moradores da periferia e a realidade da favela. Muitos se identificaram com o cenário e a linguagem que é utilizada, tanto nos contos quanto nos romances, de modo que levou principalmente jovens a adquirirem o hábito da leitura. Por esse motivo, Buzo justifica que trabalhar esses livros em escolas públicas poderia influenciar a leitura: “Os jovens das escolas da periferia hoje estão a milhão, eles têm internet, tem tudo para desviar a atenção deles. Se o professor empurrar um Dom Casmurro, ele provavelmente vai pegar um trauma de literatura, agora se ele

começa com uma linguagem que ele compreende, uma linguagem que se comunique diretamente com ele, provavelmente pegará gosto pela leitura. Depois disso pode largar que ele vai chegar nos clássicos por conta própria, por isso que eu acho que tinha que ter algo fácil antes. A escola, na intenção de incentivar, acaba afastando um pouco o jovem da literatura”, defende. Sarau O sarau é o local onde ocorre a propagação de todo esse conteúdo, abrindo espaço para os moradores e pessoas comuns compar-


para propagar a literatura nos quatro cantos”, afirma Buzo, também organizador do Sarau Suburbano Convicto. Funciona como um evento, totalmente independente de qualquer apoio governamental, em que os próprios frequentadores promovem a própria cultura e fazem acontecer, em contraste com a violência e a criminalidade que há nos bairros.

(Citar livros do gênero)

Autor: Ferréz Ano: 2012 Editora: Planeta

Foto: Divulgação

tilharem seus versos ou recitarem suas poesias. A maioria é organizada pelas próprias pessoas do bairro ao qual pertencem. Lá não existe distinção ou qualquer tipo de descriminação, basta colar e registrar seu nome caso queira participar: “Não existe nada mais democrático do que isso, o sarau se popularizou, aumentou o interesse e isso faz os livros circularem, as pessoas se verem. O sarau é um ótimo veículo

Autor: Sérgio Vaz Ano: 2011 Editora: Global

Autor: Alessandro Buzo Ano: 2012 Editora: nVersos

Renan Inquérito lendo seu livro Poucas Palavras

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

17


ESTAMOS VIVOS! Foto: Klaus Mitteldorf

Mestre KL Jay fala sobre discotecagem e planos para o desenvolvimento de uma marca própria

K

leber Simões, vulgo KL Jay, 47, é conhecido por todo o país por seu trabalho como DJ do Racionais MC’s e ser um dos fundadores do grupo de rap mais importante do Brasil. Mas antes mesmo de entrar para o grupo, ele já era discotecário de festas - função que exerce desde 1987. Hoje, mais velho, ele continua com a mesma disposição em sua caminhada, dividindo sua agenda sempre ocupada entre seus shows e os do Racionais. Ele tem 7 filhos e 3 também decidiram se tornar DJs por conta própria: Jamila, Will e Kalfani. KL Jay discoteca toda quintafeira numa festa chamada Sintonia, há 14 anos, no DJ Club. Ele

é acompanhado de um de seus filhos, o DJ Will, e de seu irmão DJ Ajamu. Kleber trabalhou como apresentador do programa YO! da MTV por 2 anos, entre 1988 e 2000, e hoje tem um canal no Youtube chamado Estamos Vivos (frase famosa de sua autoria), em que entrevista uma pessoa diferente da cena do rap em cada edição. Conversamos com o lendário DJ sobre sua carreira de discotecário, seu corre paralelo (que não é limitado a discotecagem dos shows do Racionais), sua preferência entre discotecagem e produção, além de discos que o marcaram e seus planos para o futuro.


MÚSICA

i

O que influenciou você a seguir a carreira de DJ? A música dos anos 80, o funk dos anos 80, a vontade de ver as pessoas irem para outro lugar. Quando eu ia para o baile, eu via as pessoas irem para outro lugar, elas curtiam o som, fechavam os olhos, dançavam e riam, daí eu pensei: legal isso. E em um show do Kool Moe Dee no Club House foi quando decidi ser DJ pelo resto da vida, me tornar profissional.

ii

Hoje você não é só DJ do Racionais, você poderia falar um pouco sobre seus outros trabalhos?

vi

to mais coisa, exige uma atenção muito maior, exige um estado de Que forma de mídia espírito, eu gosto de produzir, mas eu sou muito mais um DJ do que você prefere para samplear? um produtor. O vinil tem um som autêntico, tem um som original, é um som mais real do que em outras mídias, é possível ouvir até alguma sujeira Qual foi o primeiro que ele possa ter, alguma falha, aldisco que você comprou e o gum risco. É um som mais puro de marcou? se ouvir e é melhor pra samplear. Bom, eu vou dizer dois e você escolhe, primeiro foi o primeiro vinil que eu comprei, vinil de estreia do Fred Jackson, que chama Rock Me Tonight, e o outro que me marHoje na mídia cou foi o primeiro disco importado muito se fala da volta do que eu comprei foi da Chaka Khan vinil, porém ele nunca foi - What Cha’ Gonna do For Me.

iv

vii

abandonado pelo rap, o que você poderia falar sobre isso?

v

Veja bem, o vinil nunca foi abandonado pelo público em geral que gosta de vinil, é uma questão cultural. O Brasil é um país que não nhecer os caras eu tocava em casas O primeiro equipamento que liga muito para a questão cultural, é de família, em escola. Então eu já um país que não fomenta a cultura, era, eu mantive esse lado de DJ dis- eu usei para fazer o meu primeiro porque se você for ver em outras beat foi a MPC Akai 2000, que foi cotecário, aqui [DJ Club] eu toco o beat da música Do Céu Só Cai partes do mundo o vinil sempre toda quinta há 15 anos, então eu Chuva, do grupo SNJ. esteve em alta, porque a música é toco com o Racionais e toco sozimuito valorizada em outros lugares nho também. do mundo e aqui no Brasil não é. É valorizada mais uma música de massa, que é feita para durar três meses, e o Hip-Hop nunca abandoVocê prefere nou o vinil porque ele faz par- t e discotecar ou produzir uma da matéria-prima, faz parte da

Qual equipamento você Antes de ser DJ do Racionais usou para fazer o seu primeiro Mc’s eu já era DJ, antes de eu cobeat?

iii

Tocar é bem mais fácil (Risos). Tocar exige uma responsabilidade, mas eu tenho muito mais opções. Agora produzir exige mui-

Foto: Klaus Mitteldorf

música?

essência da história do Hip-Hop.

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

19


viii

Como você seleciona o que você toca em cada festa? Depende, porque cada festa é uma energia, é um tema, cada festa tem um público diferente. Por exemplo, naquela festa que eu fui na Patuá Discos [primeira abordagem feita pela equipe], eu separei uma quantidade de vinil para eu fazer um set de uma hora, então ali eu poderia ter tocado três horas com aqueles vinis. Eu separei alguns, imaginei eu tocando algumas músicas e na hora eu improvisei, porque sempre é improviso, discotecar para mim é sempre improvisar. Às vezes eu vou tocar com Serato e eu faço um possível set, eu faço uma pasta com 50 músicas, mas às vezes nem uso aquela pasta, acabo usando outra, então é sempre improviso, nunca sabe como vai tá a energia do lugar, é sempre a vibe.

ix

Quais artistas nacionais você costuma tocar mais? Tirando o Racionais Mc’s com quem eu sempre toco, tem muita coisa boa, eu gosto muito do Flow Mc, Karol Conká, Rincon Sapiência, Kamau, tem uma menina nova que se chama Lay, Shawlin, Black Alien também toco muito, esses caras são os que mais toco.

20

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

x

dou a ser desinibido, a conversar com as pessoas. Para você, quais são os E foi bom pro Rap porque a artistas mais subestimados, gente viajou o país inteiro, falamos com muita gente, passamos pois não recebem o devido muitos vídeos bons e as pessoas valor? me agradecem até hoje pelo Yo!. Veja bem, não vou falar dos Foi bom pra todos, para MTV e artistas antigos. Eu acho que você para o Rap Nacional. consegue o valor, se você se valorizar, se você colocar sua produção na frente, se você cuidar e zelar pelo seu trabalho, você é Atualmente naturalmente valorizado. Porque não basta ser bom, você tem que você estava apresentando trabalhar e cuidar, se você não o Estamos Vivos na Noisey, gosta de você ninguém vai gostar, teve alguma diferença se você não se respeitar, ninguém comparando com o Yo? vai. Isso serve para os artistas, inEu sou outro cara hoje, o proclusive, muitos artistas pararam no tempo, ficaram 20 anos atrás, mui- grama é praticamente meu agora, tas pessoas estão nos anos 80 e 90, eu tenho uma outra postura em outras estão no atual, mas estão lá relação ao mundo, outra visão, amadureci mais, então é melhor também que é o meu caso. de fazer.

xii

XI

Sobre sua passagem como apresentador no Yo! MTV Raps, como foi a repercussão? Sofreu muitas críticas no rap por aparecer na TV? Não, muito pelo contrário. A MTV era um canal de música, a televisão da música, então não tive preconceito nenhum, muito pelo contrário, muita gente assistia ao Yo! dos Estados Unidos de madrugada e eu acho que somou muito pro Rap na época. Foi bom pra mim, ajudou a me dar bem com a câmera, eu tinha um problema sério com a fala, era muito gago e falar com a câmera me aju-

xiii

Qual o álbum do Racionais Mc’s que você mais se identifica e por quê? O “Sobrevivendo no Inferno” é um clássico, o “Nada Como um Dia Após o Outro Dia” é um disco quase que imortal, ele vai ser lembrado por muitos anos ainda. O “Sobrevivendo no Inferno”, poucas pessoas gostam do álbum inteiro, mas por exemplo, a “Capítulo 4 Versículo 3” até hoje toca como se fosse uma música nova, ainda é uma música muito atual. Podemos dizer que muitas músicas do Racionais Mc’s são um hino.


cêtáligado?

Foto: Divulgação

“Estamos Vivos” é uma websérie em que KL Jay troca idéia com mc’s sobre diversos temas que envolvem o rap.


Foto: Capa do álbum Cores e Valores

Cores e Valores

Cores e Valores é o nome do sétimo álbum de estúdio do grupo que ao contrário dos álbuns anteriores - marcados por músicas de longa duração - apresenta uma estética diferente que contribui para uma nova identidade no rap nacional. Com influências de trap e neo R&B, Cores e Valores é um salve à contemporaneidade.

xiv

xv

xvi

Esse meu disco, Kl Jay Na Batida Vol. II, teve um processo muito demorado, por falta de tempo acabei refazendo o disco, vai sair no mês de maio.

Porque tem que dar espaço pra outros caras, eu não tava com muito tempo, nem o Racionais tava com tempo de fazer muita música, tanto é que tem produção de vários outros caras lá.

Vou lançar o Kl Jay Na Batida Vol. II, vou lançar uma mixtape também com a Matilha Cultural que chama Kl Dog, vários raps sobre cachorro, vai ser bem legal. Vou lançar meu site, que é uma plataforma que vai vender roupas,

Qual a produção que demandou mais trabalho?

Por que você não participou da produção do último álbum do Racionais Mc’s - Cores e Valores.

Quais são seus próximos projetos solo e os planos para o futuro?


xvii

Você tem o selo Equilíbrio ainda? Mudou, não é mais Equilíbrio, é Kl Música. Mudei a razão (sic), por este selo que vai sair o meu disco.

empresa, tem que se ver como uma empresa, e trabalhar, fazer dinheiro.

xx

E como anda a produção do documentários do Racionais? O documentário está pronto, vai sair junho/julho nos cinemas. Sobre o filme estamos conversando. Foto: Nara Gentil

tênis, meus discos, vou disponibilizar todos os episódios do Estamos Vivos lá. Eu quero fazer um estúdio de masterialização também e se possível um canal no YouTube, tem que montar o time certo para trabalhar 20 anos juntos, ficar trocando não vira.

xviii

Você pode explicar o que foi o 4P?

O 4P foi a junção entre o Xis e eu, a gente fez o Hip-Hop DJ por 11 anos, fizemos nossa marca de roupa, discos, ganhamos dinheiro. Foi uma empresa, cujos donos eram pretos, uma empresa de empresários negros e que deu exemplo para muitos. Foi muito bom, colaborou bastante, a 4P até hoje é falada.

xix

Você acha que no cenário do rap ainda falta muito empreendedorismo? Eu acho que o Rap tem que ser encarado como uma empresa, cada integrante do Rap tem que ser visto como uma empresa, Kl Jay é uma empresa, Racionais é uma empresa, Flow Mc é uma HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

23


Foto: Divulgação

Vista da sacada da sede oficial Genius em Gowanus, Brooklyn

O GENIUS E O COMPROMISSO EM EXPLICAR O RAP

Plataforma colaborativa, nascida nos EUA, cresce cada vez mais e se expande para o mundo todo Conrado Parra

G

enius é uma página colaborativa em que qualquer pessoa pode escrever. O equivalente do Wikipédia para os fãs de música. O site, criado em 2009, nos EUA, por Mahbod Moghadam, Tom Lehman e Ilan Zechory, originalmente só disponibilizava conteúdo relacionado ao rap. Pelo sucesso de público e acesso, o site começou a diversificar mais seu conteúdo e incluir gêneros musicais além do rap. O nome do site, inicialmente, era Rap Genius, hoje é só Genius. O conteúdo do Genius não se

24

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

resume somente a letras de músicas e suas anotações, há também seções destinadas à literatura e a política, além de análises de discursos históricos, poesias de autores consagrados etc. Essa variedade de conteúdo é visível no Genius Americano, mas as filiais de outros países ainda lutam para expandir seu conteúdo, que é mais concentrado no rap, antes de começarem a diversificar o conteúdo disponibilizado. A principal diferença do Genius para outros sites de letras de música é a interatividade. Qual-


de ideias entre usuários. É uma comunidade em que pessoas com interesse em comum podem se conhecer e compartilhar conhecimento. Siglas são destrinchadas, referências são explicadas por fãs de rap e também pelos próprios rappers. É encorajada a utilização de links, como vídeos do Youtube, e imagens para contribuir com a ilustração e explicação dos versos. O site disponibiliza um guia para as pessoas que querem contribuir com anotações. As normas incluem a obrigatoriedade da utilização de gramática correta e concisão textual. Para anotar determinado trecho da música, é só selecionar a parte do texto que o usuário deseja explicar e instantaneamente aparecerá a opção de “anotar”.

Foto: Danny Ghitis

quer pessoa cadastrada pode anotar e contribuir com a página. Depois da anotação, ela é automaticamente incorporada à letra e fica visível para qualquer um que clicar no trecho da música anotado. Essa anotação não é definitiva, outros usuários podem opinar sobre ela por meio de comentários, classificá-la como relevante ou não, clicando em upvote em caso de aprovação ou downvote em caso contrário. Os moderadores e editores tem a voz final na decisão da incorporação definitiva ou não daquela anotação. O Genius incentiva a pesquisa nos mais variados meios para ajudar a expandir a database do site e também servir, por meio de discussões em seu fórum, como um ambiente de debate e troca

Da esquerda para a direita, os idealizadores do Genius: Mahbod Moghadam, Tom Lehman e Ilan Zechory

A cada anotação, o usuário aumenta seu “QI” no site. A pontuação funciona da seguinte maneira: Adicionando uma foto ao seu perfil: +100 Adicionando fato: +2 Escrever anotação: +5 Anotação aceita por editor ou moderador: +10 Anotação rejeitada: -7 Anotação com upvote por contribuidor: +2 Anotação com upvote por contribuidor com mais 1000 de QI: +4 Anotação com upvote de editor: +6 Anotação com upvote de moderador: +10 Anotação com downvote: -1 Escrever uma bio: +5 Sugestão com upvote: + 0.5 Sugestão com downvote: - 0.5 Sugestão integrada: +2 Post no fórum com upvote: +0.5 Post no fórum com downvote: -0.5 HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

25


Página inicial do Genius Brasil

Genius Brasil O Genius se profissionalizou e hoje é uma empresa. E como toda empresa, ele tem filiais por todo o mundo. Não poderia faltar uma no Brasil. A oficialização da filial brasileira do Genius aconteceu em 2014. “O embrião do Genius Brasil surgiu ainda em 2011 como Rap Genius Brazil, ele logo foi engavetado pelas pessoas que organizavam. Em meados de 2012 e 2013, o Genius Brasil começou a dar os primeiros passos, com algumas pessoas do staff que são brasileiras radicadas nos EUA no coman-

26

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

do. A oficialização de fato foi em 2014”, explica Jhonatan Rodrigues de 21 anos, natural de Criciúma, SC, um dos moderadores do Genius Brasil. Ele é usuário do site desde 2011, virou editor em 2012 e, no ano seguinte, tornou-se primeiro moderador nacional, cargo que ocupa há três anos. Outro membro da equipe de Genius é o editor Vinicius Rocha, de 20 anos, natural de Belém, PA, usuário do Genius entre 2011 e 2012. O Genius teve uma influência muito grande na sua vida, ele se diz uma pessoa diferente após conhecer a comunidade. “Tudo que sei de rap veio do Genius, aprendi várias técnicas, até minha noção de interpretação melhorou


com o Genius”, comenta. Vinar (nome de usuário de Vinicius no Genius) virou editor após ver o álbum “Sem Cortesia”, do Síntese, de que ele gosta muito, incompleto no site e decidiu completá-lo por conta própria, arriscando-se sozinho na edição. O moderador Kray curtiu sua iniciativa e o convidou a fazer parte da equipe. Mesmo após virar editor, Vinar não se prende somente à supervisão das anotações dos outros usuários, ele também gosta de anotar como um usuário comum. Além de ser fã de Síntese, ele também curte o trampo de BK e também de Makalister e costuma anotar bastante o rap nacional.

“Prefiro anotar aqueles rappers mais complexos, que são os que precisam de mais anotação mesmo”, explica. A equipe de moderadores supervisiona os editores, que são responsáveis por fiscalizar as anotações, avaliando a relevância, a coerência e a coesão do texto e se aquela informação acrescentou valor à descrição da letra e facilitou seu entendimento. Os moderadores também podem exercer paralelamente a função de editor, mas essa não é sua principal atribuição. Na hierarquia, eles estão um nível acima dos editores e parte de seu papel é atribuir cargos a outros usuários.

Anotação de usuário na música “Plano de Voo” de Criolo com participação do Síntese

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

27


Foto: Google Maps

Sede do Genius localizada no bairro do Broooklyn

O Contraste O Genius Americano tem uma estrutura profissional, que conta com funcionários fixos e uma sede oficial localizada no Brooklyn, em Nova Iorque. É uma situação completamente diferente da realidade da filial brasileira. As pessoas que fazem parte da equipe fazem pelo amor à cultura e tem que sacrificar tempo da sua vida pessoal para ajudar o site. O único funcionário oficial é Dalmo Mendonça, nascido em Nova York, que se mudou para Belo Horizonte com poucos anos de idade e depois acabou voltando para os Estados Unidos, onde participou de um

28

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

processo seletivo para entrar no Genius em 2014. “O Genius americano tem uma estrutura muito maior, sendo que lá é onde fica a sede. Eles contratam jornalistas como o Rob Markman, que trabalhou em inúmeras revistas e sites na última década, dando liberdade criativa para ele mostrar o que sabe. Em minha opinião, ele é um dos grandes motivos do Genius ter tanto contato com os artistas nos dias de hoje. Aqui é tudo mais difícil, quem faz o trampo, faz por amor. A estrutura é complicada, devido ao fato do site não ter uma sede e a equipe ser espalhada pelo Brasil. O con-

cêtáligado?

Rob Markman foi contratado em 2015 pelo Genius para expandir a interação entre os artistas e a comunidade. É um dos principais jornalistas de rap da atualidade. Já escreveu matérias para grandes veículos do gênero como Complex, The Source, VIBE e XXL.


tato com os artistas vem aumentando nos últimos anos no Genius Brasil, mas existe uma certa limitação no trabalho feito com eles”, explica Jhonatan. Nesses tempos de bombardeio de informações que vivemos na internet, é um alívio a existência de uma comunidade como o Genius que democratiza o debate e celebra a existência de vozes dissidentes. Pessoas com interesse em comum debatem civilizadamente no fórum do site e podem expandir seu leque de conhecimento sobre suas músicas e seus artistas preferidos. “Quando uma pessoa vai ler uma matéria sobre determinado assunto pela primeira vez, pois ela se interessou e quer aprender, às vezes ela vai ter que ir atrás de muitas outras coisas para entendêla. O Genius permite uma extensa gama de conteúdo para essa pes-

soa em apenas uma página com as anotações, facilitando muito as coisas. Há também a quantidade de perspectivas sobre determinado assunto que automaticamente cria debates entre os membros e toda a comunidade. E por último, somos uma comunidade, então todos nós podemos criar conteúdo, isso não se limita a um ou dois autores. Seguindo as regras, todo mundo pode produzir para o Genius e deixar a sua marca.”, comenta Jhonatan. Rappers também podem se cadastrar no Genius. Eles devem entrar em contato com os moderadores para autentificarem suas contas, como no Facebook e no Twitter. Eles também podem explicar suas músicas. O artista tem a palavra final nas anotações de suas letras. Os rappers nacionais mais ativos no Genius são: Rashid, Emicida e o grupo 3030.

Página do Fórum do Genius Brasil

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

29


SAMPLE E VINIL: A ESSÊNCIA DO RAP Entenda a importância da relação de dois dos principais elementos da cultura

Conrado Parra

A

tualmente, vemos muitas matérias na mídia em geral sobre o suposto “retorno” do vinil. Para Ramiro, DJ e jornalista e criador do site Radiola Urbana, não faz sentido falar da volta do vinil, mas sim de sua manutenção. O vinil nunca foi abandonado por DJ e membros da cena de rap. Ele é uma parte essencial para a cultura. Para KL Jay, DJ do Racionais, “O Hip-Hop nunca abandonou o vinil porque ele faz parte da matéria-prima, faz parte da essência da história do Hip-Hop”. O vinil tem presença constante nas festas de rap e quando manipulado pelo DJ, nos toca-discos, ele também se torna em um instrumento musical. “O toca disco é o instrumento musical do DJ, então o vinil é indispensável”, comenta DJ Ajamu, que discoteca desde os 14 anos e hoje tem 40. A diferença do som do vinil para outros tipos de mídia é nítida, a qualidade do vinil é muito melhor: “A agulha do disco consegue captar um som mais completo, mais

30

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

puro. Já num som digital, esse som é mais comprimido, onde não se consegue captar certos detalhes da música”, explica Ajamu. Para Ramiro, o vinil é o tipo de mídia que mais valoriza a música. “O vinil nunca morreu, quem tá morrendo agora é o CD, porque

várias coisas que o CD prometia lá no final dos anos 90 de que era uma mídia mais duradoura, tinha uma qualidade de som melhor, tudo isso veio a ser desmentido depois”, comenta. As vantagens que o CD tem em relação ao vinil é que ele é menor e ocupa menos espaço, argumenta o jornalista. “O MP3 derrubou o CD, se você não quer ocupar espaço, você tem MP3, se quer ter um som melhor vai ter vinil, se quer ter um som que dure mais vai ter um vinil, se quer ter um objeto que você vai guardar na sua casa, você vai olhar a capa e tal, o vinil é mais interessante”, explica o criador da Radiola Urbana.

Foto: Divulgação


Foto: Divulgação

O lendário beatmaker J Dilla fazendo um beat com sua MPC

Relação Sample e Vinil

A compreensão do papel do vinil e do sample é essencial para o conhecimento da história do hip-hop. O movimento não seria o mesmo sem esses dois elementos.

O que é o sample?

A tradução literal de “sample” significa “amostra”. Podemos explicá-lo como sendo um recorte ou uma colagem. Por exemplo: um produtor ouve uma parte de um som que gosta em determinada música e decide recortar só aquele trecho para construir outra composição (exemplo: “Homem na Estrada”, do Racionais, que sampleou “Ela Partiu”, do Tim Maia). Quase todos os discos de rap utilizam

sample de alguma outra música. Os anos 90, por exemplo, ficaram marcados por samples de músicas do James Brown, principalmente a bateria, os gritos estridentes do padrinho do soul/funk, além de diversos outros elementos. Quando você está escutando um rap dos anos 90, há uma grande chance de que você está ouvindo também uma música do James Brown. Com o passar do tempo, os produtores começaram a variar mais os gêneros musicais e artistas que sampleavam em suas músicas para se diferenciar. O rap se reinventa a cada dia e está em constante movimento.

Grandmaster Flash operando sua picape

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

31


Foto: Hey Rap/Murilo Aamaral

Coleção de discos da Casa Brasilis vista por dentro da loja

Beat Brasilis

O Beat Brasilis acontece desde setembro de 2014 na Casa Brasilis (loja de discos de vinil) e hoje funciona como um ponto de encontro e troca de experiência e aprendizado entre beatmakers e produtores de todo Brasil. Esse evento é a síntese da conexão entre o sample e o vinil. “A ideia surgiu meio sem que-

rer”, conta Rafa Jazz, 29, beatmaker e uma das sócias da casa. Cabeça, um beatmaker de Curitiba, veio pra São Paulo fazer um live (show) com sua MPC. DJ Marco e DJ Niggaz, que também tinham uma MPC, combinaram de se encontrar com o Cabeça para esclarecer umas dúvidas. Esse foi o primeiro Beat Brasilis não-oficial. Os envolvidos gostaram tanto da experiência que re-

solveram continuar. A partir daí o movimento só foi crescendo, com pelo menos 12 produtores em cada edição. O sample no Beat Brasilis é direto do vinil. “Quando você põe a agulha ali e capta direto do vinil, você capta com muito mais frequências, com muito mais corpo o som, então o vinil tem muito mais profundidade”, comenta DJ Niggaz, beatmaker e sócio da loja.


O processo de samplear no Beat Brasilis:

A primeira pessoa a chegar seleciona 5 discos da loja e a segunda faz uma seleção a partir desses 5, daí cria-se uma lista com o nome dos participantes e cada um tem 10 minutos pra samplear.

te do Beat Brasilis. Virou um ponto de encontro dos beatmakers e dos produtores. Apesar de ter uma galera, ainda são poucos comparado ao número de produtores que tem no rap, no hip-hop, de DJ, de MC. É meio que uma coisa que ainda tem pouco justamente pela falta de informação, falta de equipamento, acho que o mais importante do Beat Brasilis é reunir essa galera, fazer esse intercâmbio de

A cena de produtores do Beat Brasilis ainda é pequena se comparada à quantidade de beatmakers existente em São Paulo e no Brasil em geral. “A gente reuniu uma cena que era muito espalhada, cada um no [seu] canto fazendo o seu, e ninguém se conectando muito pra trocar ideia e informação. Acho que esse é o ponto mais importan-

“Acho que o mais importante do Beat Brasilis é reunir essa galera, fazer esse intercâmbio de ideia e informação” ideia e informação” comenta DJ Formiga, 32, que é discotecário há 16 anos, beatmaker e participa frequentemente das edições do Beat Brasilis. Caio Formiga é um desses produtores que não tem preferência de gênero para samplear, mas por sua experiência no trabalho de dis-

cotecário de música brasileira dos anos 70 e pesquisador de vinil, ele gosta bastante de usar o som nacional, para se diferenciar dos outros produtores. “Samplear um Marvin Gaye, um Curtis Mayfield, um James Brown, todos os grandes nomes do funk soul mundial, todos esses grandes beatmakers que eu admiro aí [já] fizeram, então eu prefiro até pra ter um pouco de ineditismo e uma coisa nova, samplear música brasileira, porque eu acho que é o que a gente tem pra mostrar pra fora, a gente tem uma música muito rica de textura, de timbre”, explica Formiga. Antigamente haviam poucos formatos de mídia e o sample era geralmente feito só pelo vinil. Mas hoje, mesmo com a opção de diversos tipos de mídia, ainda existem produtores que preferem samplear músicas direto do vinil, como os beatmakers que participam do Beat Brasilis, Rafa Jazz e o próprio Formiga. “Eu gosto de samplear do vinil porque eu acho que ele vem com essa textura do disco de vinil com o chiado, às vezes até com uma gravação malfeita e isso é muito legal pro sample, se ganha uma riqueza no seu beat por isso”, comenta Formiga. “Samplear no vinil a parte boa é que você mexe na música ali na hora, no cabo se mexe no beat, no mixer você já pode tirar grave, tirar médio, tirar só o agudo. Você tá sampleando direto da fonte, tá pegando a qualidade máxima, com a textura do vinil, é bem mais legal, é bem mais rápido. Às vezes na internet você acha [a música] HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

33


e a qualidade tá ruim e você tem que achar outra. Não é só ouvir, você quer samplear. Você quer a música com a melhor qualidade possível, direto da fonte tem essa vantagem”, explica Rafa Jazz. O sample é um elemento muito importante para entender a sonoridade do rap e sua história. A maior parte dos raps, antigos e atuais, contém sample. O sample pode ser considerado um tributo, homenagem ou resgate. “[Ao utilizar um sample] você valoriza o trampo do cara, se você tá fazendo alguma coisa em cima daquela música, é porque alguma coisa você achou legal naquela música, algum valor você achou ali. Dá uma nova ideia, uma brisa nova”, comenta Auro, 33, fã de música, que trabalha na Casa Brasilis. Cada produtor tem seu estilo pessoal de samplear, alguns têm preferência por um gênero musical em particular, outros não fazem distinção do que utilizar e acabam aproveitando qualquer coisa ou elemento que acharem interessante. “Eu adoro disco que tem voz. Dificilmente eu escolho muito o que eu vou usar, tem que escolher o que te agradou no disco”, comenta Rafa Jazz. “ Para a beatmaker, “[O uso do sample] inventou um novo estilo que deu abertura pra muita coisa. É a base do hip-hop, do rap”, explica.

cêtáligado?

O primeiro álbum composto inteiramente por samples foi o primeiro CD do DJ Shadow de 1996, chamado “Endtroducing.....”.

sample envolve a editora musical que possui os direitos da composição e o processo é muitas vezes burocrático. Para um sample ser liberado para uso comercial por outro artista em uma nova composição, o produtor precisa do “ok” do dono dos direitos da música. Se um artista utiliza um sample sem autorização, ele pode ser processado por infração de direitos autorais. Um exemplo recente é o caso A questão legal do rapper de Pittsburgh, Mac MilAlguns artistas não gostam que ler, que na faixa “Kool Aid And suas músicas sejam usadas como Frozen Pizza”, sampleou “Hip 2 sample. A questão da liberação do Da Game”, música do lendário

34

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

Foto: Capa do álbum Endtroducing

produtor/rapper Lord Finesse. Finesse processou o rapper de Pittsburg, pedindo 10 milhões de dólares de compensação pelo uso não autorizado de sua composição. Os rappers acabaram chegando a um acordo depois, mas os termos não foram divulgados. A linha tênue que separa o sample do plágio é a questão dos créditos. No Brasil, esse processo é uma questão mais obscura, nem todos os rappers pedem autorização antes de utilizar sample em suas músicas.


Apesar de o sample ter se tornado famoso por seu uso no rap, ele não é algo exclusivo do gênero. Um exemplo fora do rap é a música “All You Need is Love”, dos Beatles. O site Whosampled lista 5 samples utilizados nessa composição (essa relação inclui interpolações). Greensleeve (1580) – Utilização do Riff - Música Clássica/ Folk Inglesa In The Mood - Glenn Miller (1939) – Utilização do Riff - Jazz Two-Part Invention #8 in F Johann Sebastian Bach (1723) – Utilização do Riff – Música Clássica La Marseillaise (A Marselhesa) - Claude Joseph Rouget De Lisle (1792) – Múltiplos elementos – Hino Nacional Francês

O que é Who Sampled?

É o maior catálogo de samples disponível digitalmente. Qualquer pessoa pode se cadastrar no site e utilizá-lo para localizar samples e identificá-los. Os usuários podem auxiliar na expansão da database do site, identificando a música que foi utilizada como sample e detalhando o tempo exato em que o sample começa, além de qual elemento/ instrumento/ parte do som (bateria/ vocal) é utilizado naquela composição.

She Loves You - The Beatles (1963) – Utilização do Refrão

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

35


Foto: José de Holanda

Cria Qu Pesa eL de C 36

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |


Sobre anças, uadris, adelos Lições Casa...

ANÁLISE Emicida, 31, é hoje um dos principais nomes da nova geração do rap nacional. O rapper, nascido na Zona Norte de São Paulo já lançou duas mixtapes, dois EPs e dois álbuns, todos pelo selo Laboratório Fantasma, gravadora criada por ele e seu irmão Fióti.

Conrado Parra

É

o segundo álbum de sua carreira e contém 14 faixas que somam um total de 52 minutos. Emicida, com desenvoltura e criatividade, mostra sua habilidade de explorar diferentes gêneros musicais na produção de seu disco. Um público diferente, que não está acostumado a ouvir rap, também é contemplado neste álbum. Há muita variedade na produção das faixas, mas o que une todas elas são as referências à cultura africana na ideia transmitida e na sonoridade fortemente influenciada pela musica africana. Emicida sempre sonhara em conhecer o continente africano, então ele visitou Angola e Cabo Verde

e foi lá que concebeu a ideia desse projeto. A proposta inicial do MC era fazer um álbum em que o tema principal seria a África, mas após voltar ao Brasil, ele notou as semelhanças entre os países africanos e seu país de origem e decidiu fazer um tributo ao legado cultural da África e as relações que unem as duas culturas. Sua principal meta era o retrato da ancestralidade africana e a descontrução de esteriótipos sobre o continente africano e sua realidade. As faixas de destaque do álbum são: Mãe, Baiana, Passarinhos, Chapa, Boa Esperança e Mandume.

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

37


MÃE A faixa “Mãe”, a primeira do álbum, é uma ode à sua mãe e sua luta. O instrumental dá uma sensação de tranquilidade ao ouvinte. Leandro ressalta a dignidade de Dona Jacira, que trabalhou por muitos anos de empregada doméstica para sustentar sua família (composta de dois filhos homens e duas mulheres). A importância da figura de sua mãe faz com que o rapper refira-se a Deus como uma mulher negra, como sua mãe. Nessa letra, Emicida fala sobre a luta de sua genitora, os sacrifícios que ela fez por ele e seus irmãos e a enorme responsabilidade que ela carregou nos ombros por ser mulher e mãe solteira. O MC diz, no refrão, que ouve a voz de sua mãe em todo lugar. Para nós, somente no finalzinho da música é que a voz de Dona Jacira é ouvida. Ela descreve o nascimento de seu filho e sua relação com ele, já prevendo o que seu terceiro filho se tornaria no futuro. Essa faixa serve como uma introdução para o álbum e à personalidade de Emicida.

uma relação entre o sofrimento dos seus antepassados africanos e a sua vida. O som de passarinhos, de fundo, transmite um tom de tranquilidade e liberdade ao ouvinte, um efeito de constraste muito interessante com o teor da letra.

BAIANA

A faixa “Baiana” contém a participação de Caetano Veloso no refrão e nos backing vocals durante os versos de Emicida. A música é uma mistura de rap, MPB e música pop. Essa faixa é a que ilustra melhor a forte influência da cultura africana na cultura brasileira, pela letra permeada por referências à cultura baiana (que apresenta forte influência da

PASSARINHOS A faixa “Passarinhos” tem a participação de Vanessa da Mata e foi o som de maior sucesso comercial no álbum. O clipe da música hoje conta com 20 milhões de visualizações no Youtube. Emicida, nessa faixa, tenta se colocar do ponto de vista de um passarinho, para por meio de metáforas fazer

38

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

cultura do continente africano) como o Mestre Didi, a Banda Olodum, o Pelourinho e o 2 de Fevereiro (Dia de Iemanjá), o objetivo principal de Emicida.


MANDUME A faixa “Mandume” reúne 6 Mc’s diferentes e é a música mais longa do álbum, contendo 8 minutos e 15 segundos. É o resultado da reunião de diversos rappers com estilos e histórias distintas. O beat é hipnótico e é um dos mais originais do álbum. Drik Barbosa abre a música, com um verso muito contundente, considerado um dos melhores do ano, que compreende desde uma crítica à mídia até a defesa do feminismo negro. Amiri vem em seguida com versos falando sobre Sundiata e Zumbi e também critica os apoiadores da redução da maioridade penal. Ele é seguido de Rico Dalasam, que fala sobre seus amigos que já morreram. O verso de Muzzike, rapper do Lauza-

ne, faz uma crítica à cena atual do rap e à apropriação do gênero pela classe média. A parte de Raphão Alaafin, logo depois, é permeada de referências a religiões africanas presentes no Brasil. Emicida fecha a música com um verso de

resposta a todos que o chamam de vendido, descrevendo sua fama e seu sucesso com várias referências à cultura pop.

CHAPA

A faixa “Chapa” contém a participação do grupo Batucadeiras do Terreiro dos Órgãos, de Cabo Verde. O instrumental dessa música passa suavidade e leveza. A faixa começa com a voz de uma mulher falando sobre seus dois filhos, que estão desaparecidos. Esse é o tema dessa letra. O Chapa, a que Emicida se refere, personifica todas as pessoas desaparecidas, que fugiram de casa sem dar satisfação para sua família. Leandro direciona sua mensagem à essa pessoa, contando como ela é querida e valorizada por seus familiares e amigos, que sentem sua falta. É uma das músicas mais comoventes do álbum pelo sentimento que ela passa ao ouvinte, transmitindo a saudade dos parentes e conhecidos dessas pessoas, a esperança e o alento com a possibilidade de algum dia poderem se reencontrar.

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

39


BOA ESPERANÇA A faixa “Boa Esperança” vem logo depois de “Chapa”. É uma mudança brusca de som e destoa em relação às outras faixas. Não é uma música tranquila, que passa uma vibe relaxante como o restante do álbum. É uma música na pegada dos raps nacionais dos anos 90, com um beat boom bap muito pesado e J. Ghetto cantando o refrão. O som forte do bumbo dá o tom da track, que lembra as músicas tribais africanas. Também é uma faixa que envolve muita emoção, como Chapa. Nessa música, Emicida te leva a uma viagem pela história: a depressão no convés que os negros africanos, que foram sequestrados do seu continente, sentiram quando estavam no navio negreiro. Ele fala sobre diversos capítulos da história da humanidade e problematiza a opressão em cada época nessa faixa. O rapper também disseca vários aspectos do racismo presente na sociedade brasileira. Ele fala a respeito da falta de representatividade negra nas faculdades brasileiras: mesmo que a maioria da população brasileira seja negra, ela continua sendo minoria nas instituições de ensino superior. O rapper também critica o racismo presente na corporação policial e os chamados “autos de resistência”. Muitos assassinatos cometidos por policias eram justificados com o uso do termo “auto de resistência” nos boletins de ocorrência para alegar legítima defesa. Há também a crítica aos

40

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

enquadros sofridos pelos negros, só por sua cor de pele. Afrodescendentes são estereotipados pelo Estado e muitas vezes são vistos como suspeitos mesmo sem motivo plausível. Leandro também critica o sensacionalismo da mídia, personi-

ficada na pessoa de Datena, que vende um discurso de que a violência policial se justifica por seus fins. Canais televisivos têm muita audiência com esse tipo de notícia, por isso continuam alimentando o ciclo de violência. As referências internacionais


se apropriarem da cultura negra, usando marcas que são famosas por serem usadas por pessoas negras, dando como exemplo a Obey. Fala do nazismo e dos campos de concentração, a opressão do homem branco pelo homem branco. Menciona países africanos como Angola e Congo, regiões que passaram grande parte de sua existência marcada por guerras civis que deixaram muitas vítimas e fatalidades, além de um legado devastador para as gerações seguintes.

A emoção presente nessa música vem, principalmente, da raiva reprimida por Emicida durante os anos. Ele fala não só por si mesmo, mas por todos os negros que foram perseguidos e oprimidos durante toda a história. O rapper, nessa letra, coloca para fora toda sua revolta contra o racismo sistêmico que marca gerações inteiras de brasileiros e africanos até hoje. É a melhor música do álbum, a mais rica liricamente em conteúdo histórico e a mais contundente na mensagem que pretende passar.

Poslúdio

também são muito ricas e ilustrativas em seu conteúdo. O rapper fala da KKK (Ku Klux Klan), organização racista de extremadireita dos Estados Unidos, que perseguia e linchava os negros e questiona o fato de muitos supremacistas brancos atualmente

Esse álbum é como uma compilação, que compreende várias faces de Emicida. Há músicas para a rádio, love songs e raps pesados para os fãs do rap nacional tradicional. É um disco que pode ser ouvido por qualquer pessoa que é admiradora de música em geral. O CD te leva a uma viagem ao Brasil e a África por meio do som e da letra. Uma aula didática de história. O rapper da Zona Norte consegue passar conhecimento, com a combinação certa de rimas e melodias, sem ser maçante com sua mensagem como outros Mcs.

NOTA: HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

41


Foto: Fernando Baggi

“PASSA O MIC PRO NETO ENQUANTO CRISTO NÃO VEM” Neto fala sobre suas influências dentro do rap e como é trabalhar com outros produtores

N

atural de São José dos Campos, Neto representa atualmente o Síntese, uma das principais vozes da nova geração do rap nacional. A formação inicial do grupo incluía Léo, seu amigo de infância, também de São José. Um show do Síntese é muito diferente de outros shows de rap, é uma experiência única que não deixa ninguém indiferente. O conhecimento adquirido com as le-

tras do Síntese faz com que você volte para casa com uma nova visão de vida, de mundo e de como um show deve ser. A performance do Síntese não é somente uma simples forma de entretenimento, é um instrumento de reflexão. O álbum Sem Cortesia (2011) é o único lançamento do grupo até o momento e figurou entre os melhores discos de rap nacional nas listas feitas pelos principais veículos especializados no gênero.


i

Qual a diferença do show do Síntese para os outros shows de rap?

II

O Neto do Sem Cortesia é o mesmo Neto de hoje?

Dizem que a gente troca todas as células do corpo de sete em sete anos, mas a essência continua a mesma. Eu tento nascer e morrer todo dia a mesma pessoa, tá ligado? Mas eu acho que

IIi

Qual a importância da música jamaicana para sua formação musical? A música jamaicana é uma pureza muito grande, tá ligado? É quase uma inocência, uma ingenuidade, por isso que é uma resis-

Foto:Divulgação

É que tem o Neto (risos), tô zuando. Ah mano, eu acho que eu posso falar do meu rap, não sei generalizar. O rap é foda, mas o Síntese acho que tem esse teor de um senso de ideias, sabe? Eu acho que a minha maior mensagem é a expressão, a gente expressar o que a gente é ali, sabe? É como eu falo, a nossa tese é a nossa postura e o rap é uma postura. O hip-hop é uma postura universal que é igual em todos os lugares do mundo, tá ligado? E eu acho que a gente preza bastante isso hoje em dia, embora os novos tempos estejam mudando muito a cultura, o rap e o jeito que as coisas chegam até as pessoas e entra dentro do coração delas, tá ligado? Mas acredito que o Síntese é esse tratamento, é essa postura, tá ligado? Uma seriedade que pede tudo que é sagrado. Fazer a diferença na vida das pessoas é sagrado e o rap faz isso.

o Neto de ontem não deve ser o Neto de hoje, tá ligado? Eu acho que a cada dia, a cada momento que a gente é submetido, cada experiência que a gente tem, nós temos que agregar isso de uma maneira pra sermos a soma e o resultado disso tudo no próximo momento, no próximo dia, no próximo ciclo, tá ligado?

tência. Eu vejo o rap mais como uma subversão, tá ligado? O reggae é resistência, é tipo falar como criança quase, é ter uma fé quase como criança, tá ligado mano? Jamaicano nem fala palavrão pra você ter uma ideia e quando você vê os tiozão barbudo sendo daquele jeito, você fica com segurança pra ser aquilo na vida, você fala: “Nossa! As pessoas sentem isso em outros lugares do mundo, outro ser humano, diferente de mim”, os negão velho de dread branco, tá ligado, mano? Quando eu vi os caras cantando a simplicidade da fé deles daquele jeito e eu com a formação cristã que eu tive, de ser brasileiro e ter tido uma família católica e pá, isso me deu muita segurança. E quando eu vi que isso é um universo até mais vasto que o mundo do rap ainda, eu mergulhei de cabeça, e os irmãos ao meu redor, como o Rogérinho e o Daniel, trouxeram muito isso pra mim, sabe? Conhecimento jamaicano, os irmãos que são rastaman, que tem esse estilo de vida mais que eu tenho do rap, eles tinham do reggae, usando dreadlock, e me levava pros pião. Quando eu senti essa energia, me influenciou e me transformou muito, eu como produtor do Síntese, como parte integrante não só nas ideias, mas nas produções também, eu acho que eu trouxe muito esse espírito e o Léo sempre gostou muito de reggae, sempre esteve muito próximo de bandas lá na cidade, a gente sempre gostou muito dessa linguagem e tá intrínseco no Síntese. Síntese, reggae e rap, fluxo da mesma árvore.

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

43


Foto: Divulgação/NOIZE

iv

Você fala bastante de Babilônia nas letras, o que seria a Babilônia para você? A Babilônia é essa alusão à uma cidade onde a iniquidade reinava, mas acho que é um paralelo que a gente pode traçar para o nosso coração. É igual um verso do disco

44

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

novo: “Caiu a grande babilônia, irmão, porém serviu de travesseiro a quem dormiu no chão”, tipo eu taco fogo na babilônia dentro de você, que é esse jeito de ser, de impor a vontade em cima do outro, sabe? De escravizar com religião, com medo, com ganância, com capital, com armas. É essa energia de deixar de viver e seguir uma

ordem natural, tá ligado? “Vagando na Babilônia em Busca de Canaã” é tipo perdido no labirinto da mente, do coração e achando Canaã que tá dentro do peito. A gente é o arquétipo de Deus, do homem e do universo, a Babilônia tá dentro de nós, é um jeito de pensar, um jeito de ser, esse lado babilônico que tem no nosso cérebro são maldades que contaminam a gente e nem percebemos.


do o mano tá dançando, quando o DJ tá riscando ele tá mostrando o que ele é, quase como se apresentar despido. Então você tem muito de um MC, você tem muito das pessoas, você tem a voz dele falando o que ele pensa e do jeito dele, quase gritando às vezes, aquela entrega, só ele e o microfone, ele tá manipulando vibração através de um instrumento, é um teatro, uma interpretação, uma alquimia, um ritual. Ali tem algo além, tá ligado? E quando você ouve o mano, vê vídeo, ele é seu melhor amigo. Você pensa nele pra viver as coisas do dia-a-dia e o meu caráter foi construído através de referências feitas em cima das batidas que eu ouvia. Porque você vê gente que é da sua geração, contemporâneo seu que cresce com os mesmos anseios sobre os mesmos estímulos, no meio desse

Por isso que o MC é isso, não é um tiozão sabido, é um maluco que tá no agora e tá preservando uma consciência, uma sagacidade baseada em uma sensibilidade

v

Os rappers hoje são um dos principais formadores de opinião, o que você acha disso? Eu acho que o rap é uma expressão muito humana, cru e livre, só o mano falando em cima de uma base, é uma expressão muito de dentro, é ele mostrando o que ele é, sabe? O hip-hop é isso, quan-

mundo novo que nós estamos. E às vezes nossos pais, nossos tios, nossos professores, os malandros mais velhos, as figuras de autoridade, estão em outros momentos da vida, tiveram filho, trabalharam muito já, viram muitas coisas. Por isso que o MC é isso, não é um tiozão sabido, é um maluco que tá no agora e tá preservando uma consciência, uma sagacidade baseada numa sensibilidade, tá ligado?

Hoje em dia não é só amor não, o bagulho é dinheiro. Só rezando a casa não sobe, tem que correr atrás da vida e a família acontece, filho, a descoberta do amor e o crescer. Mas é o seguinte, o que move é o sentimento verdadeiro, se não tiver isso pra dar um chão nas ideias, pra nortear.“Na órbita em que me assolo, tudo vou à direção e vão pra achar onde desato o nó da própria distorção”.

vi

Quando você fez o seu primeiro beat? Que estilo musical prefere samplear? E por que sempre tem a necessidade de rimar em suas prórpias produções? Minha primeira base eu acho que foi em 2008, foram os primeiros rabiscos. Em 2007 comecei a colar, tentar alguma coisa e em 2008 já baixei o Fruity Loops e comecei a escrever mesmo e fazer umas bases, meu irmão já fazia umas. E em 2008 fazia muitas, acho que de 2008 a 2010 fiz quase 400 e de 2010 pra cá vem sendo diferente, não fiz nem 200 ainda, tá saindo menos agora (risos). Mas é isso, é o lance de aprender, de descobrir a música e de sentir ela. Hoje em dia eu gosto de samplear muito as coisas que eu ouço. Quando você é criança, não sabe sentir as coisas, você ainda é muito novo. Eu baixava os discos, ouvia, sampleava e deletava, não prestava muita atenção. Hoje em dia eu costumo samplear as músicas que eu gosto, fico namorando a música, ouvindo ela, imaginando meses, às vezes anos pra samplear, tá ligado? Quando eu ouço uma guia HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

45


VII

Você considera mais difícil produzir ou escrever uma letra? Antigamente era mais difícil escrever, mas a fase que eu tô agora tá mais difícil produzir, porque acho que tem que ter um espaço. Fiz os discos tudo em casa, tudo no meu quarto onde eu vivo a vida. Acho que eu deveria ter um estúdio, um lugar pra fazer as bases, porque ali no meu dia-a-dia ficou corrido, eu não consigo parar duas horas na frente do Fruity Loops, desenvolver uma base e ficar ali tirando uma brisa naquilo. Acho que eu quero mais umas máquinas, como uma MPC, um teclado. Ter um lugar pra fazer, sabe? Acho que agora eu tô mais à milhão na vida, vivendo, evoluindo, tá saindo mais as letras mesmo.

46

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

VIII

pre foi um expurgo, um grito. As músicas são os refrãos das ideias, Como é por isso que é Síntese, sabe? É o trabalhar com o Projetonave? resumo, uma palavra ali tem um É muito louco mano, primeira significado muito cabuloso, tá livez que a gente gravou um som gado? Uma frase é meia hora de foi em 2013 e a primeira ideia, sempre foi assim, cada pevez que a gente tocou daço é muito carregado, por junto foi em 2014 e de isso que é muito intenso. lá pra cá cada vez mais. Desde o ano passado a gente faz show junto, agora esse bagulho “SínComo você tese e Projetonave 4 observa a cena Cantos” nas quedo rap em cada bradas, levando essa energia local e como com banda e é recebido nós a mesma nos lugares fita: ABC, em que se São José e Industrial. apresenta? Estamos aí pra somar Eu acho a energia da que cada lumúsica. É gar é um outro show lugar, cada com banda, quebrada é é outra fita, um mundo e mó aprendicada mundo zado também, os é uma realidairmãos são múside. Mas o rap é cos muito competentes, é muito mais ou menos bom estar com uma mesma fita em os caras na catodos os lugares, minhada. só que cada cultura, cada povo, cada ecossistema, absorve de um jeito. O povo se expressa desse jeito e eu fico Por que as músicas do muito feliz quando o Síntese são tão curtas rap dos lugares tem a e muitas vezes não tem cara dos lugares, porrefrão? que no fundo o Brasil é As vezes sai assim. Agora, isso. O Sabotage, o Léo no disco novo, tem refrão, mesmo que nos ensinou tá mais pensado estruturalisso tudo, o Brown, é exmente. Mas o Síntese sem-

x

IX

Foto:Divulgação

que eu gravo em casa, um beat que eu faço, eu sinto que eu tô depositando energia nele, colocando força, mandando ele mais pro inconsciente coletivo, dando mais sentido. Eu gosto de samplear muito reggae, muita música brasileira, MPB, que é uma das coisas mais ricas e lindas do mundo, gosto muito do Soul e do Jazz também, gosto de tudo. Eu faço questão de rimar nas minhas bases, por muito tempo eu cuidei de tudo, e agora quero ser MC no bagulho, já desenvolvi meu lado MC pra caramba. Tô fazendo muito show, escrevendo, gravando, fazendo uns free. Mas qualquer trampo do Síntese tem que ser eu mesmo, eu sinto.


Foto: Divulgação

Projetonave é uma banda brasileira do ABC, que mistura diversos gêneros musicais em seu som (como rap, dub, jazz e eletrônica). Sua formação consiste em 6 membros: DJ B8, Akillez, Alex Dias, Marcopablo, Flávio Lazzarin e Willian Aleixo

pressão brasileira, é outra coisa, tá ligado? E pra gente que tem muitos anos de música, de gente brasileira que fez música pra gente aprender, estudar e sentir o que eles sentiam e vê que é a mesma fita, porque nós vivemos também e acredito que a energia do lugar, o jeito que o povo conversa, o sotaque, clima, tempe-

É da hora saber que o sentimento é reconhecido, todo mundo precisa disso, porque é falar do individual para o coletivo ratura, a moda, a música que predomina, o jeito que é, se tem praia ou não, se é mata, sabe? E eu fico muito feliz do Síntese fazer sentido em todos os lugares, de poder peregrinar e ver gente de todos os tipos. A gente tá na favela, na Vila Madalena, na quebrada, na rua conversando com os outros, tá dentro

das igrejas sendo lembrado pelos pastores, tá sendo ouvido dentro das cadeias, é da hora saber que o sentimento é reconhecido, todo mundo precisa disso, porque é falar do individual pra melhorar o coletivo. O Síntese é isso, é o eu e eu, quem tem estomâgo sente, os que sentem se aproximam, por isso que nós só colocamos as guias na internet e tamo aí mano, desse tamanho, grande no coração das pessoas.

Síndrome Crew, Rope, Rogerinho, Eltão, Marginal, Surpresão, Fuzil, o Léo que desde sempre faz parte de tudo. É tipo uma família, é o nome que damos pra energia quando estamos juntos e um ajuda o outro. O Inglês esse ano tem EP novo, Nego Max tá com CD aí, vai lançar uns sons e uns vídeos, tem disco novo do Síntese, Moitão tá com disco lá, produziram uma pá de irmão, várias coisas acontecendo, tá sendo uma movimentação ferrenha lá em São José. Os irmãos do Distúrbio Verbal estão bolando Como anda a uns planos também, o Matheus e Matrero Records? E quem o LD Rap sempre tão a milhão lá são os membros atualmente? fazendo alguma coisa, produzinOs membros hoje em dia mais do evento, movimentando a cena, ativos, entre MC’s e DJ’s e produ- nós por nós sempre, tá ligado? E tores, são: o Moitão que é o pai de Matrero é o nome que damos pra todos, tá na unidade um à milhão, energia que ficou da nossa união. Nego Max, Inglês, eu, William Monteiro. Mas fora isso tem muito irmão agregado: o ATL, os BBoy que cola com a gente, Luís Moreira fotógrafo, os B-Boy da

xi


X

KENDRICK LAMAR

INDÚSTRIA CULTURAL

“Pensando essa questão do Kendrick Lamar e da Taylor Swift, eu não tava esperando que ele fosse ganhar, embora achasse que ele merecesse porque o disco dele, de fato, que revolucionou e foi um marco no rap, era um disco que não tava sendo cantado só nos shows, nas festas, mas ele tava sendo cantado nas ruas quando as pessoas tavam se manifestando no Black Lives Matters” Murilo Amaral

N

o dia 16 de fevereiro de 2016, aconteceu a 58ª cerimônia do Grammy Awards nos Estados Unidos. A premiação tinha como principal estrela da noite o melhor rapper da atualidade: Kendrick Lamar. Com 11 indicações, no total, pelo seu último álbum To Pimp A Butterfly, Kendrick estava no auge na carreira. Apenas Michael Jackson com o superlativo álbum Thriller obteve mais indicações em 1984, com 12 no total. Mas no final do evento, Kendrick não ganhou o principal prêmio da noite. E o que o conceito de indústria cultural tem a ver com isso? Tudo. Kendrick não era apenas o protagonista da premiação - pelo menos deveria - era também o artista com melhor conceituação pela crítica especializada, que considerava seu álbum transcendente dentro do segmento. Segundo Pedro Philosopop, formado pela Universidade de Brasília, especialista em cultura pop e influente personalidade intelecto-midiática com cerca de 61,2 mil seguidores no Twitter, o que fez Taylor Swift ganhar o prêmio de melhor álbum

48

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

do ano foi o fato de a indústria fonográfica ter mais simpatia pela mulher branca jovem do que pelo negro politizado. “Há de se ver os votantes nesse prêmio: não é o povo, e sim os representantes da indústria, logo favorecem algo menos ameaçador, mas ainda representativo do contemporâneo”.

O racismo estrutural dentro da indústria fonográfica Esse álbum tem influências das matrizes da música negra, com árduo trabalho de pesquisa referencial e assuntos que estão em pauta sempre nas discussões sobre discriminação racial, emancipação do indivíduo negro e como ele é visto dentro de uma sociedade em que existe o racismo estrutural e que desvaloriza o negro a cada instante. “Pensar o racismo estrutural dentro da indústria fonográfica é pensar o racismo estrutural como um todo, principalmente quando ele está relacionado com a cultura, porque se a gente pegar tudo

que é produzido dentro da cultura, principalmente dentro da música, não tudo, mas uma porcentagem muito grande dentro da música, ela vem das periferias que são majoritariamente negras e elas só conseguem chegar ao estrelato e, enfim, atingir um grande público, quando ela são capturadas por produtores culturais e artistas brancos. Eles pegam aquela manifestação negra, eles reinventam aquilo, eles deixam aquilo mais palatável, pegando as referências negras, mas embranquecendo a produção e aí ela explode. Então o racismo estrutural dentro da música ele está como o racismo estrutural dentro da sociedade. Acho que não está dissociado do resto das manifestações culturais que a gente tem”, diz Viny Rodrigues, produtor cultural, músico e mestre em Ciências Políticas, formado pela PUC-SP. Perguntado se a mensagem que os votantes do Grammy nos passaram aquela noite é de que um rapper só pode ganhar prêmio de rap e nada mais além disso, Viny é objetivo: “Isso quando ganha


Foto: REUTERS/Mario Anzuoni

Kendrick Lamar agradece platéia após receber o Grammy de Melhor Álbum de Rap de 2016

prêmio de melhor álbum de rap do ano, a gente não pode esquecer que em 2014 o Macklemore ganhou e o Good Kid, M.A.A.D City do Kendrick Lamar não, que também é um clássico, o disco não tem 10 anos e já é um clássico. Então o menino lança dois clássicos, um atrás do outro, ele é muito gênio. Geralmente a premiação do Grammy já destina esse espaço pro rap e mesmo assim eles não dão prêmio pra um negro, o rap é o lugar do negro estar, fora de lá não”. Ao final, ganhou quem gera mais lucro e perdeu aquele que transforma a arte em instrumento crítico.

Indústria Cultural O

conceito de Indústria Cultural desenvolvido por pensadores da antiga Escola de Frankfurt, teorizavam que o capitalismo e a sociedade do lucro transformavam até as produções artísticas em mercadoria. Essas produções deveriam seguir uma lógica quando produzida, assim como em uma fábrica. Algo que também deveria ser consumido de forma crítica, torna-se objeto descartável dentro da arte. “Bem, o Grammy Awards é necessariamente Indústria Cultural. Usei o ‘necessário’ no sentido filosófico. Sem a indústria cultural o objeto cultural Grammy não tem como existir, pois ele premia a própria

indústria, se auto congratulando”, diz Pedro Philosopop. O jornalismo moderno transformou a notícia em produto. As empresas jornalísticas mudaram a prática de reportar. Hoje interesses econômicos e políticos sobressaem-se ao interesse público. Aquela história de jornalismo objetivo e plural deixou de existir há muito tempo. A internet modificou o conceito de alienação. Se os mass media não noticiam devidamente um fato, a internet ajuda a criar uma nova perspectiva analítica, transformando o indivíduo de mero receptor a um comunicador, por meio das redes sociais.

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

49


To Pimp a Butterfly Ano: 2015 Gravadora: TDE (Top Dawg Entertainment) Certificação: Platina Spotify: 9,6 milhões de reproduções no dia de lançamento Grammy Award: Melhor Álbum de Rap 2016 Danish Music Award: Melhor Álbum Internacional 2015 To Pimp a Butterfly é o terceiro álbum de estúdio de Kendrick Lamar, lançado no dia 15 de março de 2015, batendo recordes de reproduções na plataforma de streaming de músicas Spotify com 9,6 milhões de reproduções em menos de 24 horas. O álbum é a construção lírica mais complexa na cena do rap dos últimos anos. Nada que Kendrick Lamar produz é simplista, tudo é cabuloso, tudo é complexo e intenso. O rapper de Compton, ao final das faixas: King Kunta, These Walls, Alright, For Sale e Hood Politics, recita um poema e a cada track adiciona mais um verso. Na última faixa do álbum, Mortal Man, ele reproduz o poema na íntegra,

50

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

explicando o conceito geral do álbum sobre a emancipação do indivíduo dentro de um cenário sem boas perspectivas. O destino natural de um jovem negro de Compton seria fazer parte de gangues, ter relação com o narcotráfico e a violências das ruas. O álbum ilustra todo o percurso de Kendrick até chegar ao que ele é hoje. O disco tem influências de jazz, blues e funk norte-americano, uma saudação às raízes do rap. Cada música construiu uma mitologia ao redor do álbum, todas contribuindo para a formação da identidade de autoafirmação. “Aí tem muita coisa de jazz, Thundercat tocando. É um disco que tem um discurso muito potente nesse

sentido de empoderamento e relatos muito inteligentes do que é a juventude dentro dos Estados Unidos hoje. É um disco que não perdoa ninguém, não perdoa nem nós mesmo, os negros, por exemplo a letra de The Blacker the Berry é uma letra que não é pros brancos, mas também para os negros, porque fala de matarmos nós mesmos. Enfim, eu acho que o Kendrick Lamar consegue pegar esse espírito dos anos 90, do Pac. Musicalmente o disco tem participações incríveis, como Flying Lotus mentorando, Thundercat, um monte de gente foda e liricamente é um marco, fazia tempo que não tinha um disco de rap que fosse tão potente nesse sentido. To


cêtáligado?

Rappers vencedores do Grammy de Melhor Álbum do Ano

Pimp a Butterfly é o disco da década para mim”. Nesse álbum, podemos acompanhar contradições, incertezas e problemas em toda a trajetória criativa de Kendrick durante o seu processo de concepção do álbum. De uma reflexão sobre os níveis da sociedade e o ambiente em que Kendrick está inserido em King Kunta, há uma fase depressiva, de questionamentos e incertezas em U, do momento de esperança, em que “Tudo ficará bem” por Alright e o hino de afirmação e empoderamento de I, que segundo o próprio Kendrick Lamar, em entrevista para a Hot 97 - uma rádio norte-americana - é a melhor música que ele já escreveu, porque

Álbum: The Miseducation of Lauryn Hill Artista: Lauryn Hill Ano: 1998

Álbum: Speakerboxxx/ The Love Below Artista: OutKast Ano: 2003

ele nunca pensou que estaria com a mentalidade para fazer uma canção positiva tendo crescido em torno de tanta negatividade em Compton. Mesmo sem ganhar o prêmio de melhor álbum do ano, a valorização de Kendrick por quem vive e escuta rap é incomensurável. Kendrick Lamar está para o hiphop como a água está para o corpo. A partir de To Pimp a Butterflfy se fez uma nova era dentro do hip-hop e da música. A magnificência da arte de rimar hoje está personalizada em um indivíduo. Vida longa ao rei, vida longa a Kendrick Lamar. HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

51


O STREE Num momento social em que as pessoas clamam por atenção e visibilidade em suas redes sociais, o minimalismo é atualmente uma corrente na moda de rua que segue rumo diferente do modus operandi do século XXI. As últimas coleções da Adidas Originals, com assinatura do rapper Kanye West, dão o tom da nova tendência minimalista que domina o Tumblr e tem neste cenário fashion a condição de estímulo visual. É a junção do clássico normecore, que são aquelas roupas básicas, do dia a dia com conceitos de streetwear, a moda de rua, e sportwear, o híbrido de estilo de rua com alta costura. E quando o minimalismo se encontra com a moda, transmuda composições simples - sem perder a sofisticação - em autenticidade.

Sneaker, calça skinny, t-shirt e bomber jacket são peças que servem de inspiração para criação dos look’s dos amantes de rap e do streetwear

Murilo Amaral

A

O conceito de minimalismo é aplicado principalmente como filosofia de vida, pelo desapego a coisas materiais, com reflexões sobre o consumismo e o quanto a pessoa contribui para a “liturgia do consumo”, como explica o filósofo francês Jean Baudrillard. Mas nesse caso vou tratá-lo apenas no contexto de influenciador de moda.

52

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

Foto: Divulgação

moda é cíclica e baseada em releituras, mesmo as inovações são baseadas em outros momentos da moda que serviriam de influência para a criação de novas coleções. A moda também é reflexo de uma sociedade ou de um momento dela e a nova tendência que se alinha com o rap é o minimalismo.

Isso vai de encontro com tudo que tem sido discutido atualmente dentro da moda e por quem a consome. O que faz uma pessoa estilosa não são as peças que você tem, não é a quantidade de grifes que você tem no corpo. É como você consegue incorporar uma informação de moda à sua persona-


ESTILO

ETWEAR lidade, como você consegue criar a sua própria identidade fashion. Mostre sua atitude, não pelo o que você usa, mas pelo o que você é. Rede social não é parâmetro para a felicidade. Talvez falte um pouco de minimalismo dentro do seu guarda-roupa. E é aí que entra a busca por sua identidade, pelo seu estilo. Gloria Kalil diz, em seu livro Chic!, “Moda é oferta, estilo é escolha”. O minimalismo vem contra a corrente dos excessos, da ostentação, transfere ao indivíduo e não à roupa, a responsabilidade de criar sua própria personalidade.

Tênis Adidas Originals assinado por Kanye West, batizado Adidas Yeezy Boost 350 lançado na Season 2 em 2015.

Foto: Divulgação

Foto: Divulgação

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

53


AS COLEÇÕES DO VERÃO 2017 PARA VOCÊ FICAR LIGADO

Riccardo Tisci, diretor criativo da marca de alta costura “Givenchy” apresenta sua nova coleção em parceria com a Nikelab Rio para a Olimpíada Rio 2016. A Itália encontra Oregon no Rio. E enquanto isso, em Nova Iorque, o rapper Kanye West lança sua nova coleção em parceria com a Adidas, a Yeezy Season 4. Se inspire nas novas colaborações para a temporada de moda verão 2017. Murilo Amaral

A

partir de 1960, com a contracultura e os jovens no consumo, alguns paradigmas dentro da sociedade foram revistos, principalmente dentro da moda. A pirâmide de influências é formada por três camadas; o topo em menor proporção com a alta costura, a camada central pelo fast-fashion, também chamada de pret-a-porter

ou em tradução literal do francês, pronto para usar, é a base da pirâmide formada pela moda de rua (figura 1). O fluxo tinha ação unilateral, mas, com algumas mudanças na sociedade, essa influência passou a ser bilateral (figura 2). O que antes tinha início, meio e fim: alta costura-fast-fashion-moda de rua, passou a ter continuida-

de na ação de influencias estilísticas. Mas foi nos anos 90 que esse sistema se estabeleceu. No início da década de 1990 nós nos independentizamos, como diria Maria Gabriela, a ponto das nossas escolhas fazerem com que as lojas, os criadores, passassem a pensar múltiplo.

Pirâmide de Influências

Figura 1 54

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

Alta costura

Alta costura

Fast-fashion

Fast-fashion

Moda de rua

Moda de rua

Figura 2


Foto: Gregory Harris

O rapper Travis Scott e a modelo Joan Smalls formam a dupla atheleisure para a parceria Nike/Tisci


Riccardo Tisci tornou-se admirado no meio do rap pelas influências urbanas em suas coleções

Foto: Divulgação

“A partir dos anos 90, com a informação para todo mundo, todo mundo foi expressando a sua individualidade em tudo. Hoje a moda expressa a personalidade de cada um, essa é a grande mudança, antes expressava a classe, hoje expressa individualidade”, afirma Gloria Kalil em entrevista a Marilia Gabriela. Hoje o ciclo de influências não termina na moda de rua, como podemos ver na figura 1, ele mantém-se de forma contínua, fazendo o caminho inverso até a moda de alta costura.

A Itália encontra Oregon no Brasil Em março deste ano, o diretor criativo da marca de alta costura Givenchy, Riccardo Tisci, lançou sua principal campanha com a Nike. A coleção de Riccardo baseia-se em estampas bold, que são estampas com ícones e figuras em tamanho grande, por exemplo, o clássico floral print, e estampas de lisérgicos caleidoscópios, que são alucinantes figuras de luz refracionadas como pequenos fragmentos de vidro que criam perspectivas de movimentos, figuras e combinações de cores. Esse é um conceito pouco utilizado ultimamente pela cultura do athleisure, um concei-

to híbrido de minimalismo e normcore e que prefere paletas de cores em tons mais escuros como terrosos, cinza e preto dentro de um conceito minimalista. Tisci, com genialidade criativa, produz algo que só poderia ser de sua autoria, uma nova coleção de treino para homens e mulheres, precisamente alinhada às inovações tecnológicas da Nike - como a Dri-fit e Flyknit - para oferecer soluções que aumentem o desem-

penho, somadas à estética refinada de Tisci. Esta segunda coleção une estampas florais e caleidoscópicas, com flores do estado de Oregon (sede da Nike), Taranto (uma comuna italiana, capital da província homônima, na região da Apúlia, cidade natal de Tisci) e Rio de Janeiro, cidade sede do maior evento esportivo do ano. A Itália encontra Oregon no Brasil e dessa junção nasce o próximo capítulo de Nikelab para o esporte, a cole-

cêtáligado?

O doc Fresh Dressed de 2015, apresenta a transição da moda na cultura negra ao decorrer das décadas. (Disponível no Netflix).

56

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |


Modelo com o vestido da nova coleção Yeezy Season 4 do rapper Kanye West

Foto: Jack ie Nickers

on

Yeezy Season 4 ção Training Redefined. Já Kanye West segue a tendência do streetstyle do verão de 2017 em Nova Iorque. No sistema de cores entre branco, cinza e preto, Kanye transporta seus conceitos de Over Sized, que são as peças em tamanho grande, para sua quarta coleção colaborativa com a Adidas, chamada Yeezy Season 4. O rapper segue o formato que deu certo nas ultimas três coleções e que virou referência de streetwear e acompanha o resgate à moda dos anos 90, com looks que misturam o monocromático, o minimalismo e o athleisure. As duas empresas de depar-

tamento esportivo investem como ninguém em colaborações de alto nível. Tisci é reconhecido como um estilista ligado a moda de rua e tem nela grande inspiração para o desenvolvimento de suas peças. A Adidas, há anos, é referência dentro do hip-hop e o hype nos últimos anos com suas coleções da linha Trefoil ganhou as ruas. As colaborações com Kanye West confirmam a boa fase criativa da Adidas. A mistura das ruas com a alta costura pode tornar-se uma tendência marcante para as próximas gerações, assim como for a moda nos anos 30, 70 e 90. Apenas Adidas e Nike conseguem flutuar entre a moda de rua e a alta costura. HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

57


Foto: Divulgação

A MUSICALIDADE DE ZUDIZILLA N

ascido em Pelotas, no Rio Grande do Sul, Zudizilla é um dos novos nomes de destaque do rap nacional. Ele tem dois trampos na rua: a mixtape “Luz”, lançada em 2013 e o álbum “Faça a Coisa Certa”, lançada no final do ano passado.

Em entrevista para o site Noisey, ele definiu sua primeira mixtape como seu projeto de TCC e seu último álbum como seu mestrado. Junto com o segundo álbum, ele lançou um documentário, que está disponível no youtube, mostrando os bastidores de sua produção.


“Minhas ideias não são provenientes de decorebas e verborragias teóricas. Eu sou um liquidificador que mescla essas obras e tenta trazer pro seu momento esses ensinamentos”

i

Por que decidiu fazer rap?

Eu não decidi, quando me dei por mim já tava fazendo.

ii

Como é seu processo criativo? Você também costuma produzir beats?

“Não sou um deles, eu sou preto demais pra eles” Zudizilla Ordem Natural

Produzo beats por hobby e pra alguns parceiros. Quando preciso muito escrever uma música eu foco nela, escuto todos os dias e escrevo algo nela. Mas na maioria das vezes o som surge do nada mesmo. Eu curto aquele papo lá do Picasso sobre não saber quando a inspiração vai visitar, mas que pode garantir que quando ela chegue me pegue trampando. Daí todo o dia eu crio algo. Fumo um e crio, às vezes fica só maturando dentro da minha cabeça até se tornar de fato expressão coletiva.

iii

Você consegue viver só de rap hoje? Não conseguiria viver só de nada nunca. Eu poderia viver dos lucros de show sim, mas não seria o suficiente. Talvez eu tivesse que aceitar todos os shows e às vezes alguns lugares não estão propriamente dispostos a ouvir um rapzão. Eu digo que vivo do rap e suas adjacências porque as camisetas, os bonés e todo o produto resultante dessa criação me permitem capitalizar. Toda a minha formação acadêmica e experiências profissionais são utilizadas nesse ímpeto de tornar minha carreira um investimento.

iv

Quais são os MC’s do Sul que você curte? Curto quase todo mundo aqui de Pelotas e quase todo mundo do Estado, mas tenho um carinho especial pelo Pok e os Kzeros, pelo Guido e toda a galera que eventualmente passou pelo estúdio da 12 do dunas, além de toda a rapa que me conhece lá em Poá e que eu admiro. Tem o Cachola que eu acho um baita Mc, o Zilla Sonoro me inspira muito também, mas não tenho preferências.

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

59


“Faça a Coisa Certa” foi um dos grandes lançamentos do rap nacional dos últimos anos. O nome do álbum é o mesmo do clássico filme, de 1989, do Spike Lee, Do The Right Thing (Faça A Coisa Certa), indicado ao Oscar, em 1990, como melhor roteiro original. O álbum é muito consistente, recheado de músicas bem estruturadas, do começo ao fim, com beats que remetem à Golden Era do Hip-Hop dos anos 90. A estética da capa do disco também é um destaque, sua arte foi fortemente influenciada pelas obras de Jean-Michel Basquiat, famoso artista neo-expressionista que também foi grafiteiro.

vI

v

Como você avalia a cobertura da mídia em geral e a mídia especializada sobre o rap do Sul e o seu som especificamente? Há muita Mas aqui de Pelotas eu posso di- dificuldade em divulgar seu Cara, do Sul não sei, seria muita trampo? pretensão minha fomentar uma opi- zer que a galera se gosta e procura Para você, o que difere o rap do Sul para o rap do resto do Brasil, principalmente do Eixo RioSão Paulo?

nião sobre o Estado todo. Acho que a grande diferença é a mídia de lá [do eixo Rio-São Paulo] que é bem mais plural que aqui que ainda é um Estado conservador. Essa questão é fundamental quando se for analisar o comportamento dos indivíduos, no caso os que fazem rap e entender a mecânica de suas letras, ações e postura.

60

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

evoluir junto, o que já de cara quebra o ego e evita que se seja um futuro babaca. Apesar de que as gerações de agora meio que não entendem que ser bizarro em SP te leva pra MTV e ser um estranhaço aqui no Sul no máximo te dá 15 minutos no jornal do almoço, o que é merda nenhuma.

Eu acredito na relação pessoal e na rede de contatos que o universo vai te proporcionando de acordo com o teu envolvimento. No meu caso eu penso rap todos os dias, então é meio impossível que eu não conheça pessoas que trabalham com esse estilo e são essas pessoas que me ajudam a di-


vulgar o trampo. Acho que a mídia local aqui faz o que pode e o resto não tem muita vontade de ir tão longe assim para procurar algo que preste, é mais fácil ficar com o que se apresenta e se possível com grana na mão. Eu me fodo às vezes que bato de frente com umas ideias mó hipócritas para divulgar meu trabalho, mas não me abalo muito. Apenas penso que o culpado sou eu e que devo trabalhar mais pra nunca precisar desses tipos de pessoas e um dia eu sei que irei precisar. A minha sorte é que alguns formadores de opinião gostam do meu trabalho e isso me deixa tranquilo.

vIii

Como será seu próximo trampo? Será um álbum conceitual como o “Faça a Coisa Certa”, você já tem uma ideia do que pretende fazer?

cêtáligado?

Obras que influenciaram o processo criativo de Zudizilla

Já tenho algumas músicas, alguma ideia de conceito, mas não se opta por fazer um trampo conceitual. No decorrer da obra tu vai analisando de várias óticas e tentando agregar cada vez mais pontos de vista pra que ele seja amplamente recebido por quem aprecia.

IX

Muitos rappers ao serem perguntados sobre o que os inspira para fazer um álbum, citam influências musicais. Suas influências são muito mais variadas: vão desde Sobre seu último Spike Lee e Basquiat até Lima álbum “Faça Coisa Certa”, por Barreto. O que você acha que que decidiu fazer um álbum te inspira mais na hora de fazer com a temática do filme do um som: a literatura, o cinema, Spike Lee? a música ou a arte? Como tudo Não é o filme, é a temática. isso se relaciona com seu som e Quando eu comecei a escrever a sua personalidade?

Filme: Do The Right Thing Direção: Spike Lee Ano: 1989

vIi

esse disco eu notei que a linha que conectava essas faixas é esse amargo oriundo das relações étnicas. Num dado momento eu estava assistindo o filme e percebi que estava falando do mesmo assunto do Spike Lee, que talvez esse trampo desse um caldo.

Eu me inspiro na vida e mais propriamente na minha vida e nas minhas experiências com o mundo. Durante minha existência eu busquei porto em várias expressões artísticas de outrora e isso formou meu pensamento, meu senso crítico. Minhas ideias não são provenientes de decorebas e verborragias teóricas. Eu sou um liquidificador que mescla essas obras e tenta trazer pro seu momento esses ensinamentos.

Livro: Recordações do Escrivão Isaías Caminha Autor: Lima Barreto Ano: 1909

Livro: Jubiabá Autor: Jorge Amado Ano: 1935

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

61


OS PRECURSORES DO HIP-HOP

Foto: Divulgação

Os Ghetto Brothers e seu papel fundamental pela paz em Nova Yorque e na formação do rap

Bruno Henrique

V

iolência, assassinatos e tráfico de drogas. Era essa a realidade do Bronx, condado de Nova Iorque nos anos 1970, um lugar sem lei tomado por gangues de diversas etnias que se atacavam constantemente por suas diferenças. Os grupos eram separados por territórios e impunham suas próprias regras, em uma época em que não existiam civis. Muitos dos

jovens ou participavam das gangues ou se tornavam uma de suas vítimas. Foi diante desse cenário que surgiram os Ghetto Brothers, uma gangue diferente das demais, formada por porto-riquenhos e negros que promoviam a paz e a igualdade, vieram a se tornar o principal precursor para o surgimento do movimento hip-hop nos

Estados Unidos. Foram diversos fatores que contribuíram para esse cenário que não ocorria apenas no Bronx, mas também no Harlem, Queens, Brooklyn e praticamente em todos os bairros pobres de Nova Iorque. A Guerra do Vietnã

Mas o fator principal que instalou o estado de calamidade em


especial

Foto: Divulgação

Ghetto Brothers

Malcom X segura jornal que denuncia o assassinato de sete negros desarmados pela policia de Los Angeles

Nova Iorque se deu nos anos 60. A contracultura estava a aflorar defendendo mudanças como o fim da Guerra do Vietnã e, além de ser também: “Um conjunto de atitudes que iam contra os valores estabelecidos. Seu estilo era marcado pelo uso de cabelos compridos, roupas coloridas, o uso de drogas, sexualidade livre, entre outros fatores”, afirma o professor e historiador Ladenilson Pereira. A contracultura e o movimento negro lutavam igualmente na época pela revolução e pelo fim da ordem mundial desigual. Martin Luther King discursava defendendo a liberdade e a igualdade, com marchas, passeatas e boicotes como instrumentos de mobilização. “Além de Luther King com seu discurso de não violência, ha-

via também Malcolm X com seu discurso muçulmano agressivo ou mesmo o movimento dos Panteras Negras, que considerava legítima a utilização da violência”, acrescenta o professor. Mas não se viam resultados, a guerra prosseguia e os movimentos nas ruas eram tratados violentamente pela polícia, seguidos dos assassinatos de líderes, como do próprio Martin Luther King e do Presidente Kennedy, por ser progressista e defender também os Direitos Civis das minorias. Casos como esse enfraqueceram bastante a luta e geraram muita revolta e ainda mais violência nos anos seguintes.

Segundo o documentário Rubble Kings (2010), dirigido por Shan Nicholson, o grupo Ghe- tto Brothers foi criado no ano de 1963, no distrito do Bronx por Benjamin Melendez, mais conhecido como “Yellow Benji”. De origem portoriquenha, criou a terminologia para se referir a união que tinha com seus irmãos, Robin e Victor, sem nenhuma intenção de formar uma gangue. Melendez conhecia muita gente no Bronx e simpatizava com todos, logo o grupo foi ampliado e não se limitava apenas a seus irmãos, e sim a todos seus conhecidos. Tudo mudou quando o menino de apenas 11 anos, conheceu Carlos Antônio Suarez, mais conhecido como “Karatê Charlie”. Charlie tinha a mesma faixa de idade, o que atraiu a atenção de Benjamin foi o fato de o garoto lutar muito bem o Karatê – circunstância que originou seu apelido – era uma técnica que ele admirava muito, logo se formou um grande laço de amizade entre os dois. Posteriormente Charlie viera a se tornar presidente dos Ghetto Brothers, quando o grupo vira a necessidade de se organizar como gangue. Reflexos

Por consequência dos acontecimentos dos anos 1960, os Estados Unidos sofreram um grande impacto socioeconômico nos anos 1970. O desemprego aumentava, as empresas faliam e Nova Iorque sentia o peso crescente da crise. A busca por mudança social fracassara e os guetos continuavam na miséria, viraram lugares totalmen-


A Banda

Nos anos 1970, os Ghetto Brothers em meio a todo contexto em que estavam inseridos, adquiriram um forte perfil ideológico e insistiam na luta contra a opressão e o imperialismo, mesmo que a maioria já tivesse desistido. Pregavam a igualdade entre as gangues na intenção de unificar a luta, expor os aspectos em comum e não suas diferenças, procuravam mostrar que se encontravam na mesma situação e não deviam se

64

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

Foto: Divulgação

te desolados, carentes de atenção governamental. E que consequentemente causou a decadência dos distritos e fez com que o Bronx virasse algo que os moradores de hoje não gostam de relembrar. Estabelecimentos fecharam, diversas pessoas das classes médias e altas se mudaram do Bronx, sobrando apenas as classes baixas. Houve grande aumento de números de crimes, prédios eram incendiados por seus proprietários no intuito de receber seguro e se mudar de distrito - casos como esse se tornaram corriqueiros. O Bronx transformou-se em um símbolo de decadência urbana e devido a tanta violência, as gangues foram criadas com a necessidade de se protegerem. Como forma de se identificarem, utilizavam símbolos expostos nas costas de suas roupas com o nome e as cores da gangue, e se dividiam por territórios - não existia a possibilidade, por exemplo, de transitar por estas áreas se não fosse de seu determinado grupo pertencente, correndo risco até mesmo de morte.

Alguns membros do Ghetto Brothers reunidos como banda

matar em confrontos e sim buscar o mesmo ideal. “Eram minorias discriminadas. Como tal, tinham maiores dificuldades no cotidiano e escassas possibilidades de ascensão social. Dentro desta realidade, o surgimento de uma subcultura (cultura de um determinado grupo social específico), que representasse resistência e a reafirmação de identidade era algo no mínimo previsível e necessário”, afirma o

professor Ladenilson referindo-se ao surgimento do grupo. Os Ghetto Brothers sempre tiveram um forte caráter social, procuravam tirar as crianças das ruas e incentivá-las ao estudo e acolher e livrar pessoas do mundo das drogas, ajudavam a comunidade como podiam dando roupas e alimentos. Por meio destes atos que repercutiram por todo estado conseguiram firmar seu propósito, logo expandiram-se totalizando


Os Ghetto Brothers lançaram apenas dois discos na época, e o mais famoso e que marcou a história do grupo foi o “Power-Fuerza”, lançado em 1969, com uma forte influência latina. Nos dias de hoje o disco é raríssimo, apenas grandes colecionadores possuem.

mais de 2.500 membros em toda Nova Iorque. Ganharam repercussão na mídia e o apoio da opinião pública. Dessa forma, tornaram-se uma banda. Com influências do rock e do funk latino, suas composições expunham um pouco de suas vivências, por isso muitos jovens da época se identificavam com as mensagens que passavam.

2 de Dezembro

Os Ghetto Brothers detinham muito respeito das demais gangues, porém, mesmo depois de todos os esforços na tentativa de reerguer a comunidade, ainda haviam muitos confrontos por todos os distritos. Tudo que transmitiam nos discursos e por meio das músicas não era o bastante para contê-los. O estopim ocorreu no fatídico dia de 2 de dezembro de 1971.

Neste dia haveria um grande confronto entre os Bongos, Black Spades e os Seven Immortals – gangues de outros distritos – que anunciaram um ataque aos Roman Kings – uma gangue do Bronx – e iriam atacar um de seus territórios. Como eram minoria pediram a intervenção dos Ghetto Brothers, na intenção de servirem como intermediários e apaziguadores. Melendez destinou alguns novatos da gangue e dois membros HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

65


mando pedindo por paz, um dos dos pelo acontecimento. A mormembros das gangues rivais foi te de Cornell veio a se tornar um para cima e desferiu golpes contra marco que mudaria toda a história ele, Cornell foi atingido várias vezes na barriga com facadas e mor“Quando morre reu no local. o Black Benji, foi Sua morte repercutiu na mídia quando e gerou bastante comoção entre as finalmente pessoas, justamente pelo fato de abriram os ter morrido violentamente apesar olhos, alguém de estar pedindo por paz. morreu para dar Os Ghetto Brothers tanto como outras gangues do Bronx, sentido a uma também ficaram bastante chocacausa”

Foto: Divulgação

de alta influência entre os demais para intervirem, Playboy e Cornell Benjamin, mais conhecido como “Black Benji” – um ex-dependente químico resgatado pelos Ghetto Brothers, realizava constantemente discursos e palestras, era visto como porta-voz do grupo. Foram ao local demarcado para impedir o confronto, porém, se depararam com uma multidão sedenta por violência, armada com facas, tacos, entre outros artifícios. Quando viram Cornell se aproxi-

Reunião entre as gangues em que discutiram o tratado de paz

66

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

e a situação dos distritos. Tudo que a mídia queria era ouvir o pronunciamento dos Ghetto Brothers anunciando retaliação aos grupos que mataram Cornell. Corriam rumores de que Karatê Charlie já havia convocado diversos membros dos Ghetto Brothers e de outras gangues aliadas para um embate direto contra os assassinos, o que seria completamente, sem sombra de dúvidas, um dos maiores banhos de sangue de toda a história de Nova York. Mas o pronunciamento de Charlie e Melendez foi completamente o oposto do esperado, na frente de centenas de jornalistas anunciaram que não fariam nada, levaram a morte de Cornell como um símbolo, para provar que a guerra entre as gangues não levaria a nada a não ser a autodestruição. “Essa virada de chave quando morre o Black Benji, foi quando finalmente abriram os olhos, alguém morreu para dar sentido à uma causa, isso serviu de lição para as pessoas. A morte dele foi tão emblemática, que ao invés da


Página da HQ “Ghetto Brother - Uma Lenda do Brox” que ilustra a ida das gangues ao local demarcado por Melendez

galera colocar uma guerra geral, eles ofereceram um tratado de paz. Já tinham sofrido demais, não precisavam de mais sofrimento”, complementa o DJ Barba. O pronunciamento e logo em seguida o tratado de paz surpreendeu a todos no local. Nos dias que se seguiram, marcaram horário e local e convocaram representantes de mais de 40 gangues para discutirem e entrarem em um consenso de paz. Após esta reunião histó-

rica, o tratado foi assinado pelos da reunião, passaram a organizar líderes. grandes festas mais conhecidas como Block Parties, que costumaO Surgimento do Hip-Hop vam comparecer muita gente, em Após o acordo, a paz reinou sua maioria ex-membros de ganquase que instantaneamente nos gues. distritos. Foi uma significativa mu“Essa pacificação das gangues, dança de atitudes, a partir de en- fomentou para um movimento tão havia mais interação entre as que foi muito importante para o pessoas, que não mais se hostili- começo do hip-hop que foram as zavam. Block Parties. Eles faziam festa na Porém o papel dos Ghetto Bro- rua, colocavam as caixas, fechathers não acabou por aí. Depois vam as ruas da periferia de Nova HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

67


Iorque, e faziam as batalhas de dançarinos, os Ghetto Brothers fomentaram e muito para isso”, afirma DJ Paulão, dono da Patuá Discos. Essas festas vieram principalmente para quebrar os antigos limites territoriais que ilhavam as pessoas nos anos anteriores. O clima era descontraído, se podia cantar, tocar e dançar nos palcos.

“Os Ghetto Brothers transformaram essas gangues em crews” Nos anos seguintes o conceito de gangue foi se desfazendo com o tempo, quando a música foi ganhando mais espaço que a violência, acabaram virando equipes de DJ, MC’s e B-Boys (dançarinos de Break). “Os Ghetto Brothers transformaram essas gangues em crews de dançarinos, por isso que até hoje a coisa da batalha de B-Boys tem esse tom tão disputado, ela vem de uma animosidade do pessoal na época”, diz Paulão. A mudança de atitude generalizada fez com que nascesse uma cultura diferente, cultura essa que conhecemos como o hip-hop, que tomou completamente as ruas do Bronx. Com a cultura emergente surgiram grandes nomes como, por exemplo, o DJ Kool Herc. De acordo com DJ Paulão, Herc foi um dos principais DJ’s da época, possuía fortes raízes musicais ja-

68

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

maicanas que trouxe para os Esta- de nome, trocaram de consciêndos Unidos e influenciou uma leva cia, ao invés de ser uma consciência de guerra, pregavam a paz e a de pessoas. harmonia”, diz Barba. Bambaataa queria transformar Afrika Bambaataa a identidade do grupo e esquecer Segundo DJ Barba, Afrika aquela imagem de violência que Bambaataa foi como o grande passavam. Por consequência de “Boom” da época, pois teve um sua influência no meio, já possuía papel crucial para traduzir a vio- o apoio da maioria das pessoas lência em música e ao mesmo que antigamente eram membros tempo levar as pessoas a segui- de gangues. rem esta transição. Ex-integrante Como o grupo surgiu posteda gangue Black Spades resolveu riormente aos Ghetto Brothers transformá-la na Zulu Nation. podemos considerará-los como “Essa transição foi muito im- sucessores, pois possuíam caracportante também, eles trocaram terísticas similares tanto de expor


Ghetto Brothers se apresentam em uma de suas block parties na década de 70

Foto: Divulgação

VEJA COMO ERA A NOVA YORK DOS ANOS 70 EM OUTRAS MÍDIAS:

ideias positivas por meio dos sons, quanto possuírem apoio por toda Nova York. Levaram também a total mudança de estilo, as pessoas largaram o hábito de usarem coletes com remendos nas costas e roupas rasgadas e sujas. E passaram a usar calças boca de sino, medalhões, jaqueta de couro entre outras peças que marcaram o movimento hiphop.

Warriors é um livro (adaptado para o cinema em 79) escrito por Sol Yurick. É uma história ficcional inspirada na guerra de gangues em Nova Iorque nos anos 70.

Documentário de 2010 que mostra a marginalização das minorias, que se organizavam em gangues como meio de autoafirmação.

HQ inspirada na trajetória de Black Benji, desde sua chegada em Nova Iorque até o término de sua relação com os Ghetto Brothers.

The Get Down é uma série produzida pelo Netflix, que tem como plano de fundo a Nova Iorque dos anos 70. Seu foco são as crews.

HEY RAP! | NOVEMBRO 2016 |

69


OS DESTAQUES DO ANO

B.K.

“Castelos & Ruínas”

O rapper carioca, membro do grupo Nectar Gang , lançou seu primeiro trampo solo. C&R é o melhor álbum de 2016. Marechal citou BK na música “Primeiro de Abril” como o futuro do rap nacional. Pouca moral, né?

ScHoolboy Q

“Blank Face LP”

É o quarto álbum de estúdio do rapper da TDE. A gravadora manteve sua tradição de produções consistentes. ScHoolboy Q reflete sobre seu passado como membro da gangue Crips, como traficante e ex-presidiário, além das dificuldades de ser pai e um homem negro nos EUA.


YG

“Still Brazy”

YG personifica o gangsta rap atual da West Coast. A temática reflete a vida de um membro dos Bloods, uma das maiores gangues do EUA, famosa pelo uso da cor vermelha como forma de identificação.

Rashid

“A Coragem da Luz”

Rashid chegou pesado em seu novo trampo “A Coragem da Luz”. Nele vemos uma evolução do artista em relação a seus trabalhos anteriores. O álbum conta com participações importantes, como Mano Brown e Criolo.

Isaiah Rashad

“The Sun’s Tirade”

Natural de Chattanooga, Tennessee. Isaiah trata de temas como a depressão, o abuso de drogas, alcoolismo e sua relação problemática com o pai. Apesar da temática pesada, a sonoridade do álbum passa uma sensação de tranquilidade ao ouvinte.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.