1º Simpósio de Ensino de Física e de Matemática: práticas docentes inovadoras Santa Maria, RS, 15 e 16 de abril de 2010
ESTUDO SOBRE A DIVERSIDADE NA SALA DE AULA: Um Estudo de Caso com Alunos do Ensino Médio de uma Escola Pública do Interior do Estado de São Paulo Santos, B. M. (UNESP, SP) – brunomarsantos@gmail.com Carvalho, W. L. P. (UNESP, SP) – washcar@dfq.feis.unesp.br RESUMO O seguinte trabalho é um estudo de caso realizado em uma escola pública do interior paulista no ano de 2007, que tinha como prática unir em uma mesma classe alunos reprovados em quatro ou mais disciplinas. Mesmo reunindo em uma mesma turma alunos que não obtiveram êxito em física, diferenças de interesses, motivação e entendimento eram notórios e suscitaram o interesse em identificar essas diferenças entre esses alunos e analisar o comportamento destes frente a diferentes maneiras de se ensinar. Foram planejadas 10 aulas sobre cinemática com estratégias de ensino diversificadas, com registro de dados em diário de bordo e uso de um questionário ao final do processo. Mesmo sendo tão diversificado, em nenhuma aula atingiu-se a adesão total dos aprendizes, contudo, por meio de uma diferenciação voluntária, houve um maior entendimento dos diferentes comportamentos e posturas destes. O maior ganho do trabalho foi a percepção dos alunos enquanto pessoas diferentes.
Palavras-chave: Diversidade na Sala de Aula; Pedagogia das Diferenças; Ensino de Física. 1 INTRODUÇÃO Em certa escola pública localizada numa cidade do interior paulista, alunos parcialmente retidos por não atingirem desempenho satisfatório em mais do que quatro disciplinas são organizados em turmas específicas. Nestas turmas, os alunos só possuem a obrigação de assistir as aulas das disciplinas as quais não obteve êxito. Sendo assim, caso o aluno no ano anterior tenha alcançado a média em história e geografia, por exemplo, no horário destas disciplinas ele pode se ausentar da sala de aula. Foram formadas quatro turmas de primeira série do ensino médio, duas de segunda série e uma de terceira série, compostas exclusivamente pelos alunos citados à cima, concentradas no período da manhã. Sendo constatada a grande reprova principalmente nas disciplinas de física e matemática, a escola e a Universidade Estadual Paulista de Ilha Solteira, firmaram uma parceria. No período das aulas foram criados plantões, com licenciandos dos cursos de física e matemática da universidade, para ajudar os alunos nestas disciplinas durante as aulas que estes não precisavam acompanhar. Neste contexto, estagiando nas aulas regulares junto ao professor de física da turma e ajudando no plantão, foi que surgiu a inquietação quanto à melhor forma de trabalhar um determinado conceito. Ainda, tendo os alunos como característica comum a reprova em física, trabalhar o conteúdo previsto da mesma maneira que no ano anterior não era suficiente. Deveria ser feito um trabalho diferenciado, mas como realizar esta atividade de modo a motivá-los ao estudo e à compreensão era uma interrogação. A aproximação estagiário-aluno proporcionada pelo estágio mostrou que o tipo de explicação utilizada com um aluno não tinha o mesmo sucesso com outro. Enquanto um necessitava saber todos os porquês que envolviam o assunto, e isso o atraía, o incentivava a continuar estudando, para outro era desnecessário tal riqueza de detalhes, na verdade isso até tornava seu aprendizado uma atividade penosa, pois seu interesse era por “coisas mais objetivas”. As dificuldades encontradas em se ensinar os conceitos do conteúdo aos diferentes alunos, mesmo sendo turmas formadas por alunos que tem em comum o “fracasso escolar”, o contato estabelecido através de diálogos estagiário-aluno motivaram um interesse em se estudar mais profundamente a diversidade existente entre estudantes.
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1º Simpósio de Ensino de Física e de Matemática: práticas docentes inovadoras Santa Maria, RS, 15 e 16 de abril de 2010 2 A DIVERSIDADE NA SALA DE AULA E O FRACASSO ESCOLAR No âmbito educacional é comum ouvirmos o termo “escola para todos”. E segundo Cortesão (1999), de fato, tenta-se proporcionar uma igualdade de ascesso à educação, formando as chamadas “escolas de massas”. Contudo, mesmo a escola de massa oferecendo uma uniformidade de acesso, não se observa uma mesma igualdade de aproveitamento e de sucesso entre os alunos que a freqüentam. Na tentativa de enteder o fracasso escolar, mostrou-se muito coerente as considerações da professora André (2007, p.14) a qual afirma que “as desigualdades biológicas, psicológicas, socioeconômicas e culturais transformam-se em desigualdades de aprendizagem e de desempenho pelo modo particular de funcionamento da instituição escolar ou pela sua maneira de lidar com as diferenças”. Para Cortesão (1999), a instituição escolar estrutura-se de tal forma a atender um tipo “ideal” de aluno, possuindo, então, apenas um processo de ensino mesmo que seus “clientes” variem em origens sociais e culturais. Diante disso, os alunos que, devido sua origem sócio-cultural, estiverem mais próximos dos saberes, das normas e dos valores que vigoram e que são importantes para a escola serão privilegiados. Voltando para a parceria universidade-escola, observa-se a ideia de um tratamento diferenciado à esses alunos. Há os plantões e estagiários atuando como monitores durante as aulas junto aos professores. Contudo, e os professores? Devem ministrar aulas da mesma forma que à outras turmas regulares? Anteriormente estes adolescentes eram de turmas regulares. Se não foi possível o sucesso destes alunos no ano anterior, então é válida a hipótese de que o processo de ensino-aprendizagem gerido pelo professor no ano anterior não “alcançou” estes estudantes. Mesmo reunindo em uma mesma classe alunos que possuem em comum reprovações em certo número de disciplinas, ainda encontramos na sala de aula diferentes ritmos de aprendizagem e compreensão. Isso nos leva a pensar: Como o educador lida com as diferenças pessoais de cada aluno? 3 PERCEPÇÃO E ACENTUAÇÃO DAS DESIGUALDADES NA SALA DE AULA Focando a atenção para a diversidade existente dentro de uma sala de aula, o educador pode, às vezes espontaneamente ou intuitivamente, dar mais atenção e se dirigir mais aos alunos mais limpos, mais bem comportados, que prestam mais atenção, perguntam mais, que aceitam mais facilmente suas regras, e ignoram os mais tímidos, os que apresentam maiores dificuldades, os desmotivados e bagunceiros (ANDRE, 2007). Pode ser também que o professor queira favorecer os desfavorecidos, elaborando atividades de auxílio para os mais atrasados como tarefas especiais e projetos. Suas estratégias de ensino são diversificadas e possuem o intuito de atender diferentes interesses e níveis de desenvolvimento dos alunos (ANDRE, 2007). A Diferenciação Involuntária, conhecida também por diferenciação selvagem, é caracterizada pela valorização que o professor dá àqueles alunos que lhe apresentam com mais “mérito”, ou seja, com as qualidades já citadas no primeiro parágrafo. Geralmente a diferenciação selvagem favorece os favorecidos e desfavorece os desfavorecidos, acentuando as desigualdades entre os estudantes de uma mesma classe. Por isso é importante o estudo dos mecanismos da diferenciação selvagem para que eles sejam evitados ou pelo menos reduzidos (ANDRE, 2007). A Diferenciação Intencional é aquela a qual o professor busca identificar na sala de aula os alunos com mais dificuldades para tentar ajudá-los. Neste caso, a atuação do professor é guiada pela
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1º Simpósio de Ensino de Física e de Matemática: práticas docentes inovadoras Santa Maria, RS, 15 e 16 de abril de 2010 percepção das necessidades dos diferentes estudantes e seu objetivo é promover uma igualdade de acesso destes ao conhecimento escolar proposto. O professor que conhece seus alunos, que se dá conta da diversidade, poderá recorrer a propostas flexíveis e variadas de ensino-aprendizagem para que os diferentes grupos de alunos, com diferentes características, diferentes saberes, tenham possibilidade de usufruir do processo de aprendizagem em curso (CORTESÃO, 1999, p.5).
Segundo a perspectiva da diferenciação voluntária, buscar-se-á identificar quais as diversidades existentes entre os alunos de uma mesma sala de aula. 4 OBJETIVOS DA PESQUISA Entendendo o contexto da pesquisa e considerando o exposto sobre a diversidade na sala de aula, os objetivos de tal trabalho são: identificar quais as principais diferenças entre os alunos de uma turma que faz parte do projeto citado anteriormente; analisar o comportamento dos diferentes alunos frente a diferentes estratégias de ensino e analisar quais estratégias de ensino-aprendizagem de física mostram-se mais adequadas para os diferentes alunos da turma em questão 5 PARTICIPANTES DO ESTUDO Escolhemos uma turma de primeira série do ensino médio dentre as setes turmas especiais citadas na introdução, designada como turma 1, que faz parte do projeto citado inicialmente. Isso porque são alunos acompanhados durante o estágio supervisionado. O primeiro contato direto com eles se deu durante o primeiro semestre de 2007 nas aulas de física e também nos plantões, o que possibilitou um olhar individual a cada estudante e também motivou a pesquisa. Nem todos os alunos da turma pesquisada compareciam ao plantão de física. Alguns porque foram retidos em todas as disciplinas e precisavam assistir todas as aulas do período, outros preferiam ir para a sala de jogos que se localizava logo ao lado da sala de plantão. Ainda, os poucos que entravam na sala, raros os que procuravam os monitores. Diante disso, poucos alunos foram observados neste primeiro momento e, conseqüentemente, poucos tiveram anotações referentes a esse período. Outro fato que deve ser citado é a grande evasão ocorrida entre os estudantes. Para se ter uma idéia da evasão, de 36 alunos que estavam matriculados em uma turma, somente 21 continuaram no segundo semestre. Houve também remanejamento de alunos para outras classes, cuja a causa pode ter sido suas “boas notas”, já que foi possível perceber que os estudantes remanejados eram os que tinham melhor desempenho em provas. No segundo semestre a turma 1 constituía-se de 23 estudantes sendo que a freqüência média era de 18 alunos por aula e esta será o foco da pesquisa. Para os estudantes não há uma percepção da escola como lugar de conhecimento, aliás, essa ideia é problemática mesmo entre os profissionais desta instituição. Um exemplo disso são os avisos e convocações diárias de alunos para “conversar” sobre algum assunto, que são feitos durante a aula. Ou seja, o professor deve esperar em média dez minutos para os alunos entrarem na sala e reservar outros dez para as interrupções da direção da escola. Assim, a primeira dificuldade do ensino de física (e do ensino em geral) que foi constatada é a cultura predominante entre alunos e profissionais sobre o papel da escola. 6 MÉTODO DE OBTENÇÃO DE DADOS Para se identificar as principais diferenças entre os alunos foram consideradas observações feitas ao longo do ano de 2007 durante estágio em sala de aula e no plantão, e também em situação planejada de ensino. Foi preparada uma série de 10 aulas para cada turma, respeitando a sequência de conteúdo da professora responsável pela disciplina. Tentamos utilizar estratégias de ensino diver-
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1º Simpósio de Ensino de Física e de Matemática: práticas docentes inovadoras Santa Maria, RS, 15 e 16 de abril de 2010 sificadas: uso de experimento, abordagem com texto jornalístico, exercícios quantitativos e qualitativos e discussões abertas. Discutindo com a professora responsável pela disciplina, decidimos continuar com o conteúdo o qual estava sendo lecionado, ou seja, cinemática. Foi proposto que em 10 aulas desenvolveríamos os conceitos de: velocidade média, velocidade instantânea, quantidade de movimento e aceleração, para então, discutir força. Para as aulas de regência buscou-se levar em consideração as idéias de Cortesão (1999). Aceitar a existência da heterogeneidade e procurar conviver e tirar proveito dela e as opções de processos de ensino-aprendizagem devem ser guiadas pela identificação dos tipos de alunos presentes na sala de aula. Por isso, qualquer plano de ensino não pode ser imutável. Ele deve ser flexível e cabe ao educador modificá-lo à medida que achar conveniente e apropriado aos seus alunos. Na realidade brasileira, o educador se depara com turmas muito grandes. O professor de física que trabalha para o estado, para completar sua carga horária mínima semanal precisa trabalhar com 13 turmas, devido a existência de apenas duas aulas semanais. Dar atenção e trabalhar com cada aluno em particular durante a aula é praticamente impossível. Então, como identificar suas diferenças pessoais e elaborar estratégias de ensino diferenciadas? Estamos adotando como pressuposto um aprendizado através da interação entre aprendiz e pessoas do meio. É imprescindível, numa visão particular, que o educador se aproxime mais dos alunos e, a formação de grupos na classe, se não possibilita um diálogo particular professor-aluno, dá a chance do diálogo aluno-aluno. Eles possuem então uma maior oportunidade de se expressar. Nessa perspectiva fica inviável a aula tradicional, totalmente expositiva. Para registrar as estratégias utilizadas em cada aula e o comportamento e disposição dos alunos na sala, utilizou-se o diário de bordo. Ao final de cada dia eram escritas todas as impressões e situações presenciadas na sala de aula. Haviam dias que era mais fácil escrever e detalhava mais cada aula, em outros não conseguia escrever muito. Não pela ausência de fatos importantes, mas por desânimo pessoal. Por isso, após o término das aulas lemos o diário várias vezes e passamos para o computador com novas observações. Novos fatos que eram lembrados foram incorporados ao texto. Acrescentamos também observações e explicações acerca do que havia sido escrito anteriormente. A cada leitura do diário, novos fatos são lembrados. Tentou-se descrever com o máximo de detalhes cada grupo de alunos identificados na classe. No último dia de regência foi realizada uma roda de discussões que foi gravada em áudio. Na turma 1 foi sugerido um questionário que cada aluno deveria responder individualmente. Além de questões objetivas, foram realizadas algumas perguntas de lógica para verificar atenção, leitura e raciocínio dos estudantes. O objetivo do questionário é identificar algumas diferenças que não são notadas somente no dia-a-dia. As perguntas e a justificativa de cada uma estão organizadas na tabela a seguir: Tabela 1: Perguntas e objetivos do questionário Pergunta Objetivo 1) Em qual escola você estudou o ensino fundamental? Identificar pontos em comum entre os alunos Saber se os alunos se interessam por algo que esteja mais relacionado com raciocínio lógico (matemática), relacionado às ciências (química, física e biologia), nas ciências humanas 2) Qual matéria você mais gosta? Por quê? (história, geografia, português, filosofia), língua estrangeira (inglês) ou a exercícios físicos (Educ. física). Pedindo uma justificativa, tento verificar a autenticidade da resposta Com essa questão pretende-se obter indiretamente alguma 3) Você trabalha? Se sim, por que trabalha? informação sobre a condição social dos alunos (Por exemplo, necessidade de trabalhar para ajudar a família). Pergunta com intenção de determinar suas aspirações 4) Quais seus planos para o futuro? pessoais. Seus interesses.
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1º Simpósio de Ensino de Física e de Matemática: práticas docentes inovadoras Santa Maria, RS, 15 e 16 de abril de 2010 5) O que você mais gosta de fazer, quer dizer, qual seu passatempo predileto?
Relacionar seu lazer com suas aspirações. Verificar se há coerência entre o que fala e o que faz. Esta pergunta ajudará a pensar nas possíveis estratégias de ensino para esta turma. Mais uma questão para verificar indiretamente a condição social do aluno. Também o seu contato com informações via Internet Comparar com as respostas anteriores, sobre seus gostos.
6) Você costuma ler? 7a) Possui facilidade em acessar Internet? De onde acessa? 7b) Quando está on-line costuma visitar quais sites?
7 ANÁLISE DOS DADOS Primeiramente foram identificados os grupos formados pelos alunos da turma 1 dentro da sala de aula com o diário de bordo. Cada grupo possui uma identidade própria. Através das informações pessoais obtidas pelo questionário e por observações realizadas ao longo do ano, bem como de conversas informais, foram formadas categorias de diferenças. Cortesão (1999) cita diferenças como idade, objetivos e culturas que podem existir entre os membros de uma sala de aula. Buscou-se a existência ou não de algumas dessas diferenças entre os alunos e confrontadas diversidades pessoais com diversidades do grupo. Analisando novamente o diário de bordo, classificamos as aulas regidas procurando identificar as reações que estas provocaram nos diferentes grupos. 7.1 DIFERENÇAS DE OBJETIVOS Com ajuda do questionário verificamos diferenças de idade, gostos, antecedentes e de objetivos. Podem e devem existir mais diversidades que não foram contempladas pela pesquisa, contudo, baseando-se nos dados obtidos podemos traçar alguns perfis pessoais para cada aluno. Serão categorizadas apenas as diferenças de objetivos porque ela pode ser influenciada por todas as outras. Feito as categorias buscaremos diferenças e semelhanças de cada categoria e relacioná-la-emos com o comportamento apresentado pelos grupos dentro da sala de aula. Foram criados 4 grandes categorias para as respostas, organizadas na tabela 2 a seguir. Tabela 2: Diferenças de objetivos
1. Pretendem estudar após término do ensino médio para obter bom emprego
Categorias 1.a. Sabem o que querem estudar
1.a.i. Faculdade 1.a.ii. Técnico 1.b. Não sabem o que querem estudar
2. Querem apenas trabalhar 3. Não Pensam nisso 4. Sonhos
Alunos 05 – 10 – 17 - 34 08 - 15 07 - 09 03 – 16 – 18 – 25 - 35 02 – 38 24 – 28 - 31
As respostas que fazem parte da categoria 1 levam-nos a crer em uma visão de estudo como oportunidade de progresso profissional. Contudo, como já foi dito, de maneira geral, os estudantes da escola não dão valor ao conhecimento. Especificamente na turma 1, a irregular frequência dos adolescentes às aulas de física e o grande esforço necessário para que participem do processo de aprendizagem confirmam essa característica geral. Serão especificados cada categoria. 7.1.1 Querem cursar faculdade Fazem parte desta categoria os alunos que, segundo resposta em questionário, pretendem cursar uma faculdade e relacionaram o fato como necessário para se obter um bom emprego. Excetuando-se o estudante 10, os integrantes desta categoria possuem poucas reprovações, quatro para a 17 e a 34 e cinco para a 05. Podemos dizer até que possuem dificuldades de aprendizagem em disciplinas da área de exatas por coincidirem insucesso nas disciplinas de matemática e física.
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1º Simpósio de Ensino de Física e de Matemática: práticas docentes inovadoras Santa Maria, RS, 15 e 16 de abril de 2010 Analisando a participação e o comportamento de todos esses alunos durante as aulas e nos plantões, apenas a aluna 17 assume uma postura coerente com o pensamento de relacionar estudo e sucesso profissional e, essa forma de pensar a motiva estudar. As alunas 05 e 34 não participaram, durante o tempo da pesquisa, de nenhum processo de aprendizagem proposto nas aulas. Por coincidência, os cursos citados por esses estudantes são oferecidos em escolas particulares da própria cidade ou região. Pode-se supor que a cultura existente entre tais alunos seja a de relacionar faculdade com “obter diploma” e não, adquirir conhecimento. 7.1.2 Querem fazer curso técnico Também relacionando a obtenção de bom emprego a estudo, os alunos da presente categoria pretendem fazer um curso técnico. Talvez pelo menor tempo de qualificação até entrar no mercado de trabalho. Estão nesse grupo os alunos 08 e 15. 7.1.3 Querem estudar alguma coisa Existe uma consciência sobre estudar para conseguir um emprego melhor, mas não pensaram no que querem fazer. A aluna 19 é uma das mais velhas da turma, tem dezoito anos e deixa transparecer uma vontade em cumprir com as obrigações escolares. Aparenta certa responsabilidade por trabalhar e pensar na constituição de família. No grupo que costuma se relacionar na classe é a única ativa durante as aulas. Já a 07 precisa de um incentivo para participar da aula. Ela é muito influenciada por quem estiver ao seu lado. Pode ser que sua resposta tenha sido influenciada por algum colega. 7.1.4 Querem apenas trabalhar Os estudantes que responderam que querem trabalhar assim que terminarem os estudos, foram: 03, 16, 18, 25 e 35. A 03 pretende trabalhar para poder morar sozinha. Parece que é uma adolescente que busca uma certa “liberdade”. Esperta como é, e pelo interesse que demonstrou durante as aulas, não parece ter reprovado devido a más notas. Outro aluno que justificou querer trabalhar logo após sair do ensino médio, aliás, já trabalha, é o 25. É uma pessoa muito recatada, tenta fazer as atividades propostas e parece ser religioso. Disse que gosta de ler livros referentes a religião. Também pensa em constituir família, mesmo sendo tão novo, 16 anos. O 16 especifica que pretende abrir uma mecânica. É o único que trabalha para ajudar em casa. O 18 não cita nada em especial. 7.1.5 Não pensam em nada para o futuro por enquanto O aluno 02 não quis responder sobre suas expectativas futuras. Todavia, já possui mais que um emprego. É esperto e tem condições de entrar em uma faculdade. Infelizmente, quando o professor resolve “puxar” um pouco o conteúdo, fica nervoso e se recusa a fazer qualquer coisa. No dia da avaliação de física, após ler a prova, disse que não ia fazer nada porque a prova estava difícil. O outro aluno presente nessa categoria é o 38. Embora falar que não tinha pensado no assunto, percebi que ele tinha escrito que iria fazer um curso técnico, mas riscou de caneta em cima da sua resposta. Seu maior interesse é andar de skate.
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1º Simpósio de Ensino de Física e de Matemática: práticas docentes inovadoras Santa Maria, RS, 15 e 16 de abril de 2010 7.1.6 Responderam quais seus sonhos Esses alunos não levaram a sério o questionário. As meninas 31 e 28 responderam que queriam ser ricas e o 24 quer jogar no Chelse. A falta de seriedade é característico desses estudantes e acredito ser grande empecilho para suas aprendizagens. 7.2 Diferenças de gostos Os estudantes da turma 1 são adolescentes, por isso é normal que entre as coisas que gostam de fazer estejam praticar esportes, acessar a Internet, sair com os amigos e assistir televisão. Conhecendo um pouco seus alunos, o professor pode tentar tornar sua aula mais agradável e Interessante. É apresentado no gráfico 1 os gostos pessoais apontados pela pesquisa e a incidência de cada um.
Principais gostos dos alunos.
Dormir
Tv
poesia
ficar com a família
computador
música
Sair com amigos
Esporte
120 100 80 60 40 20 0
Gráfico 1: Principais gostos dos alunos.
Entre os gostos dos alunos da turma 1, todos citaram o computador direta ou indiretamente. Os sites que esses alunos mais acessam na Internet são sites que visam a comunicação com outros jovens. Alguns buscam informações sobre sua banda favorita, poesias, cifras de música e o que seu interesse guiar. 8 GRUPOS IDENTIFICADOS NA SALA Formado por apenas dois alunos: 15 e 25. Do diário de bordo pode-se extrair uma descrição adequada desse grupo: No fundo da classe estavam o 25 e o 15. Os dois são pessoas de poucas palavras. Eles olham para mim como que buscando compreender o que digo, mas não dizem nada. Quando percebo esse olhar vou até eles para ajudar. São alunos que apresentam um desenvolvimento na aprendizagem “bom”, mas precisam de uma explicação mais detalhada de vez enquanto (precisam de um V0) (Diário - 2ª aula – 30/08/2007).
Costumam sentar no fundo da sala, perto da porta. Passam quase que despercebidos numa aula tradicional. O 25 falta bastante às aulas, quando isso ocorre o 15 se aproxima do grupo da esquerda. 8.2 Grupo da esquerda É o maior dos grupos, tanto que se divide em dois subgrupos: No grupo da esquerda podem-se verificar dois sub-grupos. Sub-grupo das meninas (06, 07, 28, 08, 39) que de vez em quando abrem o caderno, de vez em quando copiam e nunca participam da aula. Creio que suas mentes nem ficam na sala de aula. E o sub-grupo dos meninos (18, 24, 35). O 24 vai pouco à aula, porém quando vai gosta de se impor ao professor, desafiá-lo. O 18 e o 35 gostam de chamar atenção. Falam alto e fazem muitas piadinhas (Diário - 3ª aula – 03/09/07).
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1º Simpósio de Ensino de Física e de Matemática: práticas docentes inovadoras Santa Maria, RS, 15 e 16 de abril de 2010 Como os alunos faltam muito às aulas, os integrantes de um sub-grupo estão sempre interagindo com os integrantes do outro sub-grupo, por isso foram considerados apenas um grupo. O 18 é uma espécie de líder para o 24 e o 35. Quando ele falta o 24 fica mais calmo, mais receptivo a propostas de aprendizagem. O 35 é muito próximo das meninas. Procura colocar-se em evidência, creio que para tentar agradá-las. Entre as meninas desse grupo existe uma certa independência. Sentam juntas, mas não costumam conversar entre si. Suas expressões geralmente são de cansaço, dificilmente se expressam na aula. O 18 é uma peça fundamental desse grupo. Quando ele resolve participar da aula, seja resolvendo exercícios ou discutindo conceitos com o professor, a maioria do grupo toma postura semelhante. A disposição dos alunos na classe teve dois momentos. Um antes da ida do 18 à lousa e outro após... Quando o 18 foi à frente, tanto a 07 como o 35 sentaram mais na frente e queriam saber da resolução passo a passo. Acredito que o 18 é como um modelo para eles, assim como para o 24 (Diário - 3ª aula – 30/09/2007).
Percebendo sua importância, passei a chamá-lo mais para participar da aula. 8.3 Grupo da frente Formado pelos alunos 02, 03, 17 e eventualmente o 04 e o 10, devido a pouca freqüência às aulas. Os três primeiros são alunos com facilidade em compreender exercícios. Partilham do senso comum pedagógico do ensino de ciências exposto no item avaliação, resolvem rapidamente exercícios quantitativos mas não se dispõem à discutir conceitos. No grupo da frente (02, 03, 04, 17) os alunos 02, 03 e 17 são de raciocínio muito rápido. Tiram boas notas, fazem rapidamente os exercícios propostos, contudo, não gostam de discutir os problemas fisicamente. O 04 destoa do grupo. Apresenta muita dificuldade com os números e em raciocínio lógico (Diário - 3ª aula – 03/09/07).
Talvez por excesso de confiança, conversam bastante, mas sempre entregam as atividades propostas pelo professor. A 03 é a mais participativa, se arrisca mais em palpites e opiniões. Com o tempo ela se deslocou para a turma da esquerda, isso apresentou bons resultados do ponto de vista do processo de aprendizagem dela e das outras meninas, em particular da 07. Nessa aula, como na última, a 03 se aproximou mais da 07. Foi uma junção interessante. A 07 se sentiu motivada a realizar as atividades (Diário - 5ª aula – 10/09/07).
Isso mostra que as relações entre os integrantes da classe não são imutáveis, está em constante mudança. Na aula citada estávamos resolvendo e discutindo os exercícios em grupos. O 02 e a 17 são muito individualistas e competitivos. No final da 8ª aula, um dia depois da avaliação da turma “...a 17 me perguntou em particular se sua nota foi a maior da turma” (Diário - 8ª aula – 20/09/07). 8.4 Grupo da direita turma.
Composto por quatro meninas (05,19,23 e 34), esse grupo é totalmente isolado do resto da Descobri que existe uma certa aversão entre o grupo da frente com o grupo da direita. A 17 ficava cobrando atitudes ríspidas com as meninas da direita a cada ato que ela julgava condenável (Diário - 4ª aula – 06/09/07).
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1º Simpósio de Ensino de Física e de Matemática: práticas docentes inovadoras Santa Maria, RS, 15 e 16 de abril de 2010 Não se expressam durante a aula. Dizem que estudam depois, em casa, com mais calma. A 19 exerce um papel de líder no sentido de ser a única preocupada em “fazer” o que se pede para conseguir a nota que a aprovará no final do ano, as outras simplesmente copiam o que ela faz. As perguntas provenientes desse grupo são do tipo: “O que está escrito ai?” e “Vale nota?”. Geralmente observo toda turma buscando algum tipo de manifestação de dúvida, para assim, tentar ajudar particularmente na carteira do aluno. Quando as meninas desse grupo percebem que estou olhando para elas, arregalam os olhos como se tivessem com medo de mim. No grupo da direita (23, 05, 34, 19), as meninas copiavam o que estava na lousa. Quando eu olhava para elas tentando saber se estavam compreendendo, elas desviavam o olhar aparentando medo de participar. Quando eu perguntava se elas estavam entendendo, seus olhos arregalavam e balançavam a cabeça indicando que sim” (Diário - 3ª aula – 03/09/07).
8.5 Grupo final Os alunos 38,16, 32 e 31 vão muito pouco às aulas. A 31 e a 32 costumam dormir todo o tempo. Tanto que precisam ser acordadas para irem embora. Fica difícil pensar em alguma estratégia de ensino-aprendizagem para elas. O 38 e o 16 possuem grande dificuldade de compreensão. Parece que suas próprias dificuldades os desanimam a estudar. Quando presentes, procuro dedicar um pouco mais a eles. Nesta turma, os alunos que apresentam maior dificuldade são o 38 seguido do 16. É incrível como o 38 tem um aprendizado lento. Acredito que sua própria dificuldade o desmotiva. Na aula ele fica na carteira parado, mas nem pega seu caderno. Olha as pessoas à sua volta como se estivesse perdido. É triste essa situação, parece que se vê como alguém que “não tem jeito”. O 16 é mais “espertinho”, mas pouco. Percebi que ele escreve muitas palavras erradas (Diário - 5ª aula – 10/09/07).
Essa configuração está diretamente associada a afinidade existente entre eles. 9 ESTRATÉGIAS DE ENSINO UTILIZADAS Uso do Experimento: Discutimos alguns conceitos físicos utilizando um experimento qualitativo. Os alunos que mais participaram foram: 18, 02, 35, 17, 07 e 16. A maioria dos estudantes falaram neste dia. As únicas pessoas que ficaram indiferentes foram a 05, 34, 23 e 19. Tentei questioná-las para envolvê-las na discussão, mas elas não respondiam as perguntas ou fugiam do meu olhar. Uso de gráficos: Foi proposta uma atividade de construção de gráficos para entender as equações do movimento. Enquanto trabalhavam, eu corria de carteira em carteira para explicar e tirar qualquer dúvida. Como alguns me chamavam com maior freqüência, outros ficaram sem acompanhamento algum. Acredito que essa prática não beneficiou nenhum aluno. Os alunos da frente conseguiam fazer por si só a atividade e logo terminaram. Os outros eram muitos para atender ao mesmo tempo. Hoje acredito que, se conseguisse convencer os mais adiantados a ajudarem seus colegas o processo de aprendizagem seria melhor. Leitura de texto: Sugeri que na terceira aula lêssemos e discutíssemos um texto referente a um acidente de grande repercussão que ocorreu naqueles dias. A idéia era identificar fenômenos físicos que poderiam ser responsáveis pelo acidente. Após a leitura do texto todos ficaram mudos. Pedi para discutirem em grupo, mas ninguém me deu atenção. Então, junto com o 18 discutimos e fizemos algumas continhas na lousa. Essa iniciativa chamou a atenção de alguns alunos integrantes do grupo do 18. Resolução de exercícios em grupos: Foram propostos aos alunos que respondessem cinco questões divididas em quantitativas e qualitativas. Todos os estudantes tinham perguntas e dúvidas a tirar. O 15 e o 25 não pediram ajuda, mas se mostraram receptivos com minha aproximação. Somente não participaram da aula as alunas 23,05 e 34.
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1º Simpósio de Ensino de Física e de Matemática: práticas docentes inovadoras Santa Maria, RS, 15 e 16 de abril de 2010 Aula Tradicional: Resolvi verificar o comportamento dos estudantes frente a uma aula tradicional. Dessa forma toda a turma fica em silêncio. A aula fica maçante e chata, até eu fiquei com sono. Nessa situação o professor fica muito afastado dos estudantes. Não é possível obter nenhum feedback com essa prática. Contudo, para aqueles que gostam de uma turma quietinha, foi com a aula tradicional que os alunos menos conversaram. Na última aula, durante conversa com toda a turma, alguns alunos expressaram aversão às aulas onde o professor (eu) explicava algo na lousa. Segundo o aluno 35, eu compliquei demais. O problema era que eu dava atenção para quem não estava nem ai. A 17 complementou que na lousa eu me perdia de vez em quando porque eu respondia as perguntas de todo mundo, mas quando eu explicava na carteira, individualmente, a explicação dava para entender bem.” (Diário – 10a Aula – 27/09/07).
Atenção particular aos alunos são reconhecidas. É possível ajudar o estudante direto onde precisa. Porém, a iniciativa de tentar chamar para aula todos e dar atenção especial para quem está disperso pode desmotivar os alunos mais “interessados” na aula. 10 CONCLUSÃO Formular um processo de ensino-aprendizagem que atinja todos os estudantes é algo muito difícil. O trabalho de construção do conhecimento deve ser o mínimo interessante para o aluno (CORTESÃO, 1999), mas como competir com jogos eletrônicos e Internet, ou mesmo usá-los como meios de ensino? É importante que o professor reconheça que trabalha com pessoas, não enxergue a sala de aula como uma massa amorfa como citado por Zabala (1998). Mesmo sendo tão diversificado, em nenhuma aula se atingiu a adesão total dos aprendizes. Contudo, houve um conhecimento dos alunos. Na turma em questão, sabe-se agora que se envolvermos o aluno 18 no processo de ensino, no mínimo mais três alunos se envolverão também. Aprendeu-se que os alunos 15 e 25 não pedem ajuda com palavras, o educador precisa fazer uma leitura semiótica desses garotos e se dirigir a eles. Adolescentes como o 38 e o 16 precisam de uma atenção especial, enquanto que o 02 e a 17, até certo ponto, caminham muito bem sozinhos. Como sugestão para futuras pesquisas, recursos que não foram utilizados, mas que seriam interessantes numa aula de física, e devem ser parte do repertório do educador, são simulações de computadores, filmes e envolver-se mais à fundo na história da ciência. O professor deve estimular e ensinar os estudantes a usarem melhor a Internet, já que não se pode negar a grande influência do computador entre os adolescentes, indicando sites de ciências e animações. Quanto mais recursos o professor possuir, mais fácil poderá contornar as diferenças entre os alunos. O que buscou-se foi promover a diferenciação voluntária para conhecer os alunos da turma e imaginar quais as melhores estratégias de ensino para eles. Mudando de turma, mesmo que seja na mesma escola, mudam-se as pessoas, portanto não é, e não foi por nenhum momento, intenção da pesquisa fazer um receituário a ser seguido pelo educador. Mas espera-se que as reflexões aqui produzidas ajudem os educadores de todos os níveis de ensino a pensarem em sua prática e enxergarem seus discentes. 11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRE, M. A pedagogia das diferenças. In: ANDRÉ, M. (Org.). Pedagogia das diferenças na sala de aula. 8.ed. Campinas: Papirus, 2007. p.11-26. (Série prática pedagógica). CORTESÃO, L. O arco-íris na sala de aula? Processos de organização de turmas: reflexões críticas. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional, 1999. 23 p. (Cadernos de organização e gestão escolar). DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A.; PERNANBUCO, M. M. Ensino de ciências: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002. 366 p. ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998. 224 p.
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