HISTÓRIA
ANATOMIA
de uma zebra por Bruno Mateus
HÁ 60 ANOS, O INDEPENDÊNCIA ERA PALCO DO RESULTADO MAIS INESPERADO DA HISTÓRIA DAS COPAS
Em 1950, Getúlio Vargas foi eleito presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek governador de Minas Gerais e Américo Renê Giannetti ganhou a eleição para prefeito de Belo Horizonte. Em São Paulo, foi inaugurado o primeiro canal de TV do Brasil, a TV Tupi. No mesmo ano, morreu o escritor George Orwell, autor do profético ‘1984’, e veio ao mundo o dono da voz a que nos acostumamos a escutar narrando os jogos da Seleção Brasileira com entusiasmo ufanista: Galvão Bueno. Além do Maracanazo – como a derrota do Brasil para o Uruguai na final da Copa daquele ano ficou conhecida –,1950 entrou para a história do futebol com aquela que é apontada, ainda hoje, como a maior zebra de todas edições dos mundiais: EUA 1 x Inglaterra 0. Formada por jogadores amadores, a seleção norte-americana venceu, em 29 de junho, a favoritíssima Inglaterra no estádio Independência, construído especialmente para a competição. Os 10 mil presentes nas arquibancadas ficaram atônitos quando, aos 38 minutos do primeiro tempo, o jogador haitiano Joe Ga-
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etjens, que integrava a seleção ianque, desviou um cruzamento e marcou o único gol da partida. Ao fim do jogo, jogadores dos Estados Unidos foram carregados pela eufórica torcida. A notícia do resultado repercutiu em todo mundo. Jornais alardeavam a estapafúrdia vitória dos americanos. O jornal Estado de Minas, no dia seguinte, assim registrou o magistral feito: “Era total o aplauso da torcida mineira ao selecionado ianque na tarde de ontem. A cada avanço dos americanos, toda a multidão prorrompia em vibrante vozerio, incentivando os integrantes da seleção dos Estados Unidos à vitória”. O fato é tão marcante que originou o filme ‘The game of their lives’, de 2005, traduzido por aqui como ‘Duelo de campeões’. Os Estados Unidos só voltaram a disputar o maior evento de futebol do planeta quatro décadas depois. Já se passaram 60 anos desde a vitória dos azarões, tempo insuficiente para apagar aquela tarde ensolarada de junho de 1950 da história do futebol e da memória de quem estava nas arquibancadas. TESTEMUNHAS OCULARES As lembranças de Hamilton Lembi permanecem vivas em sua memória. Naquele 29 de junho, com o irmão e o tio, já falecidos, Hamilton, então com 20 anos, pegou o bonde Horto, na esquina das ruas Caetés e São Paulo, e seguiu rumo ao
“ERA TOTAL O APLAUSO DA TORCIDA MINEIRA AO SELECIONADO IANQUE NA TARDE DE ONTEM. A CADA AVANÇO DOS AMERICANOS, TODA A MULTIDÃO PRORROMPIA EM VIBRANTE VOZERIO, INCENTIVANDO OS INTEGRANTES DA SELEÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS À VITÓRIA” // Estado de Minas, 30/06/1950
jogo. “Era uma quinta-feira de dia claro, bonito. Todos estavam torcendo para os EUA dentro do estádio”. Após o apito final, com a inesperada derrota decretada, não se falava em outra coisa nas esquinas e nos jornais. “Todos achavam que era uma vergonha para a Inglaterra, os jornais comentaram, todos na cidade falavam sobre a partida”, diz, lembrando que, durante a partida, esperou, como quem sabe o desfecho de um conto, o empate e a virada da Inglaterra. Em vão. Afonso Celso Raso, hoje presidente do América, era jogador juvenil do clube e, com seu irmão Pedro, ganhou os ingressos para a partida. “Nunca podia imaginar que seria a maior zebra das copas. Era o amador contra o criador. A Inglaterra teve 80 minutos de posse de bola, mas não conseguiu fazer um gol.” Seis décadas depois, ele destaca a importância do feito e brinca: “Quando me procuram para falar sobre o jogo, percebo duas coisas: que estamos ficando velhos e que o jogo realmente entrou para a história”. DO LADO DE FORA “Imaginei que fosse gol da Inglaterra.” Essa foi a certeza que Waldyr Antônio
Lellis, o Amarelinho, teve quando escutou a torcida comemorar. Com um grupo de amigos, ele também é personagem da história, mesmo sem haver estado nas arquibancadas. “No dia da zebra aproveitei para ganhar um trocado na avenida Silviano Brandão. ‘Tomei conta’ de uns 20 carros. Ganhei dinheiro, rapaz. Fiz farra o mês inteiro, comprei bola, picolé. Para mim era tudo festa”, diz Amarelinho, que tinha 10 anos na época e morava a 200 metros do Independência. Ele se lembra do clima nos arredores do estádio e da repercussão do resultado: “Uma Copa em BH era um fato extraordinário. Os radialistas corriam de um lado para o outro, foi um alvoroço danado. Todos esperavam uma goleada da Inglaterra, ninguém conhecia o time dos EUA. Lembro dos jornais dando a notícia da maior zebra da história das Copas”. Amarelinho foi jogador profissional entre 1959 e 1965, quando encerrou sua carreira no Renascença, clube que disputou o Campeonato Mineiro entre 1959 e 1966. Um ano depois o Renascença foi extinto. Com uma íntima relação com o Independência, Amarelinho fica feliz que sempre comentem sobre o jogo. “O filme volta todo, é bom lembrar essas histórias.” comente redacao.mg@diariosassociados.com.br
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