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brasil
de 20 a 26 de novembro de 2014
“O desafio é planejar uma gestão intersetorial para as mulheres”
Marcello Casal Jr./Abr
ENTREVISTA Para Denise Motta Dau, Secretária Municipal de Políticas para as Mulheres de São Paulo, o principal esforço em volta de uma articulação que torne São Paulo uma cidade mais igualitária, humana , na qual as mulheres tenham vontade de ocupar os espaços públicos é o Comitê Intersetorial de Política para as Mulheres Bruno Pavan da Redação “EM BRIGA de marido e mulher não se mete a colher”. A frase relata como a violência física e psicológica contra a mulher era naturalizada anos atrás, mas felizmente faz menos sentido desde o dia 22 de setembro de 2006, quando entrou em vigor em todo o território nacional a Lei Maria da Penha. Desde então, se começou a discutir com mais frequência o problema da violência doméstica contra a mulher no Brasil. A lei, entre outras coisas, aumenta o tempo máximo de reclusão para ao agressor de um para três anos de prisão, sem direito a pena alternativa. Mas, e nas ruas? O que está sendo feito para que as mulheres possam andar sem medo de serem assediadas no transporte público ou nas ruas escuras nas periferias? Como está sendo a inserção delas no mercado de trabalho? Seus direitos estão sendo respeitados? Na semana passada aconteceu em Heliópolis, Zona Sudoeste de São Paulo, o encontro “Cidades Seguras para as mulheres” que fazia parte do Encontro Internacional sobre o Direito à Cidade. Nele, diversas ativistas de todo o mundo discutiam quais as principais dificuldades e os problemas de ser mulher e ocupar o espaço público. Ana Paula Ferreira, coordenadora da ONG Action Aid que desenvolve pesquisas em diversas cidades do mundo para identificar essas dificuldades, alerta que a lei Maria da Penha jogou luz sobre a violência doméstica, mas ainda não há um debate sobre “a violência cotidiana que as mulheres sofrem no espaço público”. Em São Paulo, medidas como a preferência na fila do Minha Casa Minha Vida para mulheres que sofreram agressões em casa e transexuais chamou atenção. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, a Secretária Municipal de Políticas para as Mulheres de São Paulo, Denise Motta Dau, reforça que essas políticas públicas têm que ser pensadas de uma forma intersetorial pelos gestores para que as mulheres passem a ter vontade de andar pela cidade. Brasil de Fato – Como foi a criação dessa secretaria de política para as mulheres? Denise Motta Dau – A secretaria foi criada ano passado na gestão do prefeito Fernando Haddad com o objetivo de formular, coordenar e executar políticas para a promoção dos direitos para as mulheres. Ela foi criada como fruto de uma política pública nacional. Temos 10 anos da criação de uma secretaria de política para as mulheres em nível federal e de uma secretaria da promoção da igualdade racial e isso estimulou que estados e municípios também criassem dentro da gestão pública espaços de formulação de políticas na promoção das igualdades raciais e de gênero. Como é pautado o trabalho da secretaria? Quais as prioridades? Trabalhamos dentro da secretaria com quatro coordenadorias principais: coordenação de enfrentamento de agressão contra a mulher, a promoção da autonomia econômica, a participação e controle social e as ações temáticas, que têm a tarefa de articular ações e projetos transversais em saúde, contra a homofobia, trabalho e promoção da igualdade racial. A gestão do prefeito Fernando Haddad visa devolver a cidade para um convívio aos cidadãos. Quais são as prioridades da Secretária de Política para as Mulheres nesse caso? Pra nós, o principal esforço em volta de uma articulação que torne São Paulo uma cidade mais igualitária, humana, na qual as mulheres tenham vontade
Ativistas ainda discutem o tema: ser mulher e ocupar o espaço público
de ocupar os espaços públicos é o Comitê Intersetorial de Política para as Mulheres. É a partir daí que vamos aperfeiçoando os projetos que temos em parceria com as demais áreas, como a do combate ao assédio no transporte público, o direito ao parto humanizado e a retomada do serviço do aborto legal no SUS, a implantação de campanhas educativas no ponto de vista de desconstruir na criança e no adolescente uma cultura machista entre outras medidas. Todas as secretarias tentam uma ação transversal nas diversas regiões. Então a gente sempre trabalha com o que as subprefeituras estão organizando de agenda. Por exemplo, a Unidade Móvel, que é um ônibus adaptado que vai paras regiões para levar serviços especializados para mulheres que vivem em áreas periféricas. Também pegamos os dados da Secretaria de Segurança para mapear quais as ruas, vielas, praças onde existe mais assédio a mulheres para que possamos acionar a secretaria de serviços para reforçar a iluminação pública nesses locais. Esse é o grande desafio, que as políticas para as mulheres estejam nas várias ações da prefeitura, não seja só uma missão ou uma marca da nossa secretaria, queremos ser não só executoras dessas políticas, queremos articulá-las no conjunto dos serviços da cidade.
“Ainda se entende que se uma mulher é lésbica é porque ela não teve relação sexual com homens, a autonomia dela não é aceita”
equipe multiprofissional vai atendê-la e decidir qual a gravidade do caso dela e quais as medidas serão tomadas. Mas também tomamos conhecimento por meio das Unidades Básicas de Saúde, o ligue 180 ou até mesmo pelo comportamento dos filhos na escola. Temos várias medidas já implantadas ou em implantação para a proteção da mulher que foi agredida ou ameaçada. Está prevista no Glicério, centro de São Paulo, a instalação de uma Casa da Mulher Brasileira, que é um equipamento para o atendimento multiprofissional para as mulheres em situação de violência. Esse atendimento vai reunir delegacia da mulher, defensoria pública, capacitação e encaminhamento para emprego e atendimento psicológico, social e jurídico. A Casa Abrigo é um equipamento público de acolhimento de mulheres em situação de violência que estejam em risco de morte, acompanhadas ou não de filhos. O endereço é sigiloso e tem por objetivo manter a integridade física e emocional e auxiliar no processo de reorganização da vida e do resgate da sua autonomia. A casa de passagem é outro equipamento de acolhimento provisório e de curta duração. O projeto Guardiã Maria da Penha é uma ação em conjunto com o Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento a Violência do Ministério Público e a Secretaria Municipal de Segurança Pública. Foram capacitados 22 agentes da Guarda Civil Metropolitana (GCM) que realizam periodicamente visitas domiciliares a mulheres em situação de violência com a finalidade de monitorar o cumprimento das medidas protetivas concedidas as mulheres com base na lei Maria da Penha.
A secretaria está colocando em prática ações de proteção as mulheres ameaçadas e agredidas, que dá abrigo a elas e seus filhos. Como funcionam essas medidas e como a prefeitura tem conhecimento desses casos? Na maioria das vezes, elas vêm por meio dos Centros de Atendimento para Mulheres Vítimas de Violência. Lá, uma
Essa equipe da GCM tem um treinamento específico para isso? Existe algum trabalho em conjunto com a Polícia Militar? Sim, a Guarda Municipal teve uma capacitação mais ampla de gênero desde antes do projeto. Muitas vezes, os guardas não conhecem a lei Maria da Penha, vão atender uma mulher e não sabem como agir se ela não tiver pra onde ir. Infelizmente, ainda não temos nenhum acordo de cooperação com a PoCesar Ogata/SECOM
A Secretária Municipal de Políticas para as Mulheres de São Paulo, Denise Motta
lícia Civil ou Polícia Militar. Há muitas reclamações de que as delegacias da mulher não têm equipe que faça um atendimento humanizado e capacitado e que elas não funcionam 24 horas. Isso precisaria melhorar e é um pleito forte dos movimentos de mulheres e de nós, gestoras municipais.
Sobre a questão das lésbicas, travestis e transexuais, qual a visão da secretaria sobre elas? Dentro da homofobia, existe uma violência forte contra as lésbicas. Um exemplo claro é que no mundo todo acontecem ainda estupros “corretivos”, ainda se entende que se uma mulher é lésbica é porque ela não teve relação sexual com homens, a autonomia dela não é aceita. Então temos que combater essa violência física. Existe também um problema de preconceito, que chega também no mercado de trabalho e atinge essa parcela da sociedade. No caso das transexuais e travestis, nós trabalhamos com elas tendo a identidade de gênero feminina, independentemente do sexo biológico. Esse é o desafio de uma secretaria de políticas para as mulheres trabalhar com as transexuais e travestis. O sexo biológico para nós não é o que está definindo o trabalho e sim a identidade de gênero e elas têm essa identidade feminina, sofrem exploração e agressão fortíssimas por conta disso. Muitas vezes, elas não conseguem emprego ou quando conseguem ficam escondidas. Já está acontecendo uma articulação com empresas para que esses empregos sejam bons, não só no sentido de precarização, mas que elas possam se apresentar para as pessoas como elas são.
“Muitas vezes o sair da prostituição requer um forte apoio psicológico, social, jurídico e financeiro pra que ela faça essa opção, porque muitas vezes só oferecer cursos tradicionais não resolve”
Como a secretaria vê a situação das prostitutas em São Paulo? Existem políticas públicas exclusivas para elas? Nós estamos começando a gestar um projeto com as mulheres da Luz (centro de São Paulo), para que elas possam ter alternativas de capacitação profissional pra que, caso queiram, saia da situação de prostituição. Esse trabalho é inicial e a nossa coordenação de enfrentamento à violência junto com elas está pensando em um programa que as apoiem. Ao mesmo tempo, todos os outros programas estão abertos a elas, desde a capacitação em cooperativismo até a inserção no Pronatec. A gente sabe que a realidade delas é bastante delicada culturalmente e financeiramente. Muitas vezes, o sair da prostituição requer um forte apoio psicológico, social, jurídico e financeiro para que ela faça essa opção, porque muitas vezes só oferecer cursos tradicionais não resolve.