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Psicoterapia breve: uma possibilidade de trabalho psicanalítico na instituição Sílvia Helena Allane Franchetti
Quando se trata de psicoterapia, geralmente pensamos que a brevidade é inimiga da profundidade. Embora se saiba que a longa duração de um tratamento nem sempre garante seu progresso e profundidade, tendemos a considerar que o tempo limitado não é suficiente para que sejam atingidas as condições necessárias para um bom atendimento. Gosto muito de trabalhar com analogias, e ocorreram-me algumas enquanto elaborava este texto. Pensei em diferentes tipos de peças musicais: uma sinfonia é muito mais longa do que uma sonata, por exemplo, mas ambas podem ter qualidades técnicas e estéticas inquestionáveis. Pensei também na literatura: os poemas e contos são muito mais curtos do que os romances, mas também são capazes de transmitir profundas idéias e emoções, e de causar efeitos prolongados na mente de quem os lê. Estava às voltas com essas ruminações, quando li uma resenha que deu forma àquilo em que eu estava pensando. Nessa resenha, o autor comparava um livro de contos com um romance. Ele dizia: "Um volume de contos não é algo que se leia de enfiada, mas de preferência ao acaso, prosseguindo na leitura apenas quando a atenção se prende logo. Faz parte do gênero essa capacidade de conquistar o leitor nos primeiros parágrafos (...) Um livro de contos não tem, como um romance, a capacidade de envolver aos poucos o leitor e depois mantê-lo por muitas horas ou vários dias habitando um universo paralelo ao seu cotidiano (...) A relação de leitura é mais próxima da que temos com um livro de poemas do que com um romance. É por isso que o romance é muito mais popular do que o conto. E é por isso que leitores preferenciais de poesia costumam gostar mais de ler contos do que romances." (Paulo Franchetti, 2000). Com relação aos gêneros literários, acho que ninguém se arriscaria seriamente a hierarquizá-los, dizendo que o romance é superior à poesia ou ao conto, porque é mais longo e pode explorar sua trama com maior riqueza de detalhes. Pode-se, é claro, ter preferência pessoal por um ou por outro gênero; mas ninguém , imagino eu, diria que poesias e contos são superficiais, porque são curtos e podem ser lidos em pouco tempo. É muito interessante, aliás, o que Machado de Assis (1896) disse a respeito dos contos: “O tamanho não é o que faz mal a este gênero de histórias, é naturalmente a qualidade; mas há sempre uma qualidade nos contos, que os torna superiores aos grandes romances, se uns e outros são medíocres: é serem curtos.” A psicoterapia breve, se contraposta à psicanálise, pode ter seguidores fervorosos e críticos exaltados, mas isso é, muitas vezes, fruto de preferências pessoais ou ideológicas e não de fundamentação técnica ou teórica. Nossas preferências pessoais e até mesmo nossas teorias pessoais nos levam a escolher o tipo de trabalho que desenvolvemos, mas também precisamos levar em conta as preferências e necessidades de nossos pacientes: assim como há pessoas que preferem contos e poesias, há pacientes que se satisfazem passando pouco tempo conosco, em psicoterapia. Da mesma forma que existem os leitores que preferem romances, há também pacientes que querem e podem passar muitos anos em nossos divãs, "habitando um universo paralelo ao seu
2 cotidiano". Penso que as preferências e necessidades, as expectativas e as possibilidades devem ser respeitadas - tanto as dos pacientes quanto as dos psicoterapeutas. O que vou apresentar aqui representa um pouco do esforço que vem sendo desenvolvido pela equipe do Sappe1, da qual faço parte, para atender da melhor forma possível os pacientes que nos procuram. O Sappe é um órgão da Unicamp, que presta atendimento psicológico e psiquiátrico a alunos de graduação e de pós-graduação da universidade, desde 1987. Ao longo dos últimos vinte anos, fomos buscando desenvolver alternativas terapêuticas que pudessem atender às necessidades das pessoas que procuravam ajuda para lidar com seu sofrimento psíquico. Desde os primeiros tempos de funcionamento do Serviço, sabíamos que precisávamos trabalhar com prazo determinado para o término das psicoterapias, pois não seria possível atender a todos que nos procuravam, se passássemos muito tempo trabalhando com poucos pacientes. No entanto, essa justificativa nunca fez com que reduzíssemos indiscriminadamente os períodos que julgávamos necessários para cada paciente. Muitas reflexões e muitos anos de clínica e de estudo foram necessários para chegarmos ao formato de atendimento que temos hoje. A equipe técnica do Sappe conta atualmente com oito psicólogas e dois psiquiatras contratados pela Unicamp, além de psicólogos (no momento, vinte e um) que freqüentam os cursos de extensão universitária que ministramos. Esses profissionais realizam atendimento clínico supervisionado pela equipe técnica, além de acompanhar um programa teórico. Ao preparar este trabalho, percebi que o desenvolvimento do Sappe seguiu paralelo ao desenvolvimento do Núcleo de Psicanálise de Campinas e Região (NPCR). O Sappe nasceu e cresceu dentro do Departamento Psicologia Médica e Psiquiatria (DPMP) da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, numa época em que muitos docentes faziam – ou vieram a fazer mais tarde – sua formação psicanalítica. A própria fundadora do Serviço, nossa querida Ruth Mattos de Cerqueira Leite, que hoje é membro do NPCR, na época era docente do departamento, ao lado de colegas como Rachel Fávero, Roosevelt Cassorla, Vera Adamo, Miguel de la Puente, Isac Germano Karniol, todos membros atuais do Núcleo. Os ricos diálogos estabelecidos no DPMP fizeram parte do contexto de nascimento e de evolução do Sappe. Vários membros atuais do Núcleo também nos dão ainda grandes contribuições como professores convidados em nossos cursos de extensão, enriquecendo muito os estudos que desenvolvemos. A população que procura o Sappe é bastante diversificada. Atendemos desde adolescentes de 17-18 anos, que acabaram de entrar para a universidade, até pessoas com mais de 50 anos, que já são professores de outras universidades e vieram fazer mestrado ou doutorado na Unicamp. Os adolescentes ingressantes em geral estão se separando de suas famílias, deixando para trás seus amigos, seus grupos de referência e suas próprias identidades, para entrar em contato com o novo mundo que se descortina diante deles, com todos os seus encantos e com todos os seus perigos. Eles já passaram pelo grande obstáculo representado pelo vestibular e entram para a universidade esperando continuar a trajetória de sucesso escolar percorrida até então. Mas é que aí a maioria se depara com a primeira grande ferida narcísica: eles, que estavam acostumados a se destacar entre os primeiros da classe, agora já não encontram mais a mesma facilidade e não tiram mais as boas notas de antes. As classes agora são constituídas basicamente só dos primeiros alunos egressos do ensino médio. Muitos dos que eram os primeiros, agora viverão a amarga experiência de serem os últimos, de terem os piores desempenhos da turma. Alguns vêm de pequenas cidades do interior, onde eram conhecidos por todos, e agora são apenas mais um no meio de tantos. Com a questão das cotas nas universidades para alunos carentes, novas oportunidades foram oferecidas, mas as 1
Serviço de Assistência Psicológica e Psiquiátrica ao Estudante
3 dificuldades decorrentes do contato com as diferenças sociais e culturais também se manifestam. A sensação de ruptura de continuidade é inevitável e, dependendo de como a pessoa tenha percorrido as etapas anteriores de seu desenvolvimento, as soluções que buscará agora serão mais ou menos evoluídas; os estados depressivos serão mais longos ou mais breves; mais intensos ou mais leves, assim como os meios buscados para aplacar as angústias serão mais saudáveis ou menos saudáveis. Episódios de abuso de álcool e de drogas não são raros, com o risco de evoluir para dependência. Da mesma forma, não são poucos os percalços vividos pelos professores, que voltam a ser alunos, deixando para trás seus filhos e seus cônjuges (outras vezes trazendo-os consigo à revelia), para fazer sua pós-graduação, única forma de preservarem seus cargos nas universidades onde trabalham, nos mais distantes estados do Brasil, ou até em outros países. É com todas essas questões que lidamos, no nosso dia a dia. Trabalhamos com pessoas sofisticadas do ponto de vista intelectual e emocional, mas também trabalhamos com pessoas muito comprometidas, nas quais apenas o aspecto intelectual evoluiu. Para tentar dar conta dessas questões, trabalhamos com a psicoterapia breve. Atendimentos longos são exceção em nosso Serviço. Mas por que este tipo de psicoterapia se chama breve? Para responder a essa questão temos que nos reportar aos primórdios do movimento psicanalítico. Os tratamentos conduzidos por Freud eram, no início de seu trabalho, bastante breves. Dora foi atendida por onze semanas ao longo de dois anos. O Homem dos Ratos durante mais ou menos um ano. O compositor Gustav Mahler fez uma análise brevíssima, de quatro horas. Conforme Freud foi desenvolvendo sua teoria a respeito do funcionamento do aparelho psíquico, o tempo dos tratamentos foi gradualmente aumentando. Ferenczi (discípulo de Freud) é considerado por alguns o "avô" e, por outros, o pai da psicoterapia breve. Ele se ocupou de introduzir mudanças técnicas no tratamento psicanalítico clássico, tentando encurtar o seu tempo de duração. Mais tarde, Alexander e French, trabalhando nessa mesma direção, introduziram a psicoterapia breve no cenário psicanalítico. Foi então em relação ao tratamento psicanalítico clássico que essa outra técnica foi chamada de breve, numa época em que não se conheciam outras formas de tratamento psicoterápico. Hoje em dia isso não faz muito sentido uma vez que foram desenvolvidas inúmeras modalidades terapêuticas, mas o termo já está consagrado. Não vou me deter no histórico, apenas quero salientar que a psicoterapia breve nasceu dentro do próprio movimento psicanalítico. No entanto, atualmente há psicoterapias breves que seguem diferentes orientações, como as cognitivo-comportamentais e as psicodramáticas, e há as que se baseiam na psicanálise. Dentre estas últimas, também se encontram tendências diversas. O que se mantém constante entre essas várias tendências é a disposição face-a-face e o tempo limitado do tratamento. Quanto a outros aspectos técnicos, verificam-se várias diferenças. O modelo de atendimento que seguimos no Sappe se baseia em Édmond Gilliéron, um psicanalista suíço. Dos autores que conhecemos, ele é o que se mantém mais próximo da postura psicanalítica, considerando que o enquadre terapêutico altera a relação terapeutapaciente, sem que o terapeuta precise modificar intencionalmente a sua atitude (Gilliéron, 1993, 1998). Quando pensamos no tratamento psicanalítico clássico, vêm-nos à mente: uso do divã; tempo indeterminado de tratamento; freqüência aumentada de sessões por semana (quanto mais melhor); associações livres por parte do paciente; atenção flutuante por parte do analista; interpretações; análise da transferência; atenção à contratransferência; neutralidade e abstinência do analista.
4 A partir disso, vamos relacionar as semelhanças e diferenças básicas entre essa forma de trabalho e a psicoterapia breve de orientação psicanalítica que desenvolvemos, com base em Gilliéron. Em psicoterapia breve não se utiliza divã. As sessões ocorrem face-a-face. Essa disposição física produz efeitos importantes sobre o processo terapêutico, intensificando a influência exercida pelo par terapêutico, fazendo com que este fique mais “ativo”. Para compreender isso, basta considerar como é muito mais fácil sustentar o silêncio quando se está fora do campo visual do paciente, sentado comodamente atrás do divã. Com relação ao tempo de duração da psicoterapia breve, o mais habitual é que seja de três meses a um ano; mas é necessário que isso seja combinado desde o início. Da mesma forma que um romance não se torna um conto, se o leitor não for além dos primeiros capítulos, um processo psicanalítico encerrado prematuramente não é uma psicoterapia breve. No Sappe temos trabalhado com o prazo máximo de seis meses, na maioria dos casos. Verifica-se que o estabelecimento da duração logo no início do tratamento acelera a sua dinâmica, porque a disposição psíquica se modifica em função do tempo. Isso pode ser observado em muitos aspectos de nossa vida cotidiana. Por exemplo, quando temos de tomar um ônibus ou um avião para uma viagem e não podemos perder hora, sentimo-nos e agimos de forma muito diferente de quando vamos viajar com nosso próprio automóvel, na hora em que quisermos. Além disso, podemos pensar em como são diferentes a intensidade afetiva dos encontros breves entre duas pessoas que se amam, e a intensidade afetiva do encontro entre pessoas que têm todo o tempo pela frente. Basta pensarmos nas diferenças existentes entre namoros e casamentos. Isso sem falar de quando temos que entregar um trabalho de conclusão de curso, que só conseguimos nos organizar para fazê-lo quando o prazo está estourando. Trabalhando com psicoterapia breve, observamos que os processos ocorrem de forma acelerada e se aceleram ainda mais quando se aproxima a data combinada para o encerramento; o trabalho começa a render mais. Isso faz com que paciente e terapeuta pensem: "Puxa! Agora que estava ficando tão bom, já vai terminar". Mas acontece que é justamente porque está para acabar que fica "tão bom". Provavelmente, não seria esse o ritmo, se o tempo fosse indeterminado. Com relação à freqüência das sessões, geralmente trabalha-se com uma sessão por semana. O intervalo de tempo entre uma sessão e outra é útil para que o paciente elabore o que foi trabalhado. Quanto à regra fundamental das associações livres, no tipo de terapia proposto por Gilliéron, ela é mantida. Nós não trabalhamos com foco terapêutico, como muitas profissionais trabalham. O terapeuta mantém a atenção flutuante, seguindo o fio associativo do paciente, pois este conduz à sua problemática central, que por sua vez está relacionada à organização de sua personalidade (Gilliéron, 1998). No entanto, não é apenas no que o paciente diz que devemos prestar atenção, mas em toda a sua forma de interagir conosco. Para isso, precisamos estar atentos aos movimentos transferenciais e aos contratransferenciais também, pois eles nos dão indicações preciosas a respeito do que está ocorrendo com o paciente naquele momento. O trabalho do terapeuta se manterá, portanto, dentro da perspectiva psicanalítica, e o terapeuta utilizará a interpretação como seu principal instrumento de trabalho, mantendo atitude de neutralidade e de abstinência. Como é evidente, um setting modificado acarreta mudanças, tanto na atitude do paciente quanto na do terapeuta, e traz algumas dificuldades adicionais para este último, exigindo por parte dele um trabalho mais árduo. Esse trabalho começa antes mesmo de vermos o paciente. Para a prática da psicoterapia breve é necessário sistematizar aquilo que, em geral, fazemos intuitivamente nas psicoterapias de longo prazo. Quando recebemos um paciente novo, temos algumas informações a seu respeito antes de vê-lo. Alguns pacientes
5 ligam pedindo uma consulta urgente, outros marcam para dali a semanas. Outros, ainda, tentam checar toda a disponibilidade do terapeuta antes de se decidir por um horário. Tudo isso revela algo a respeito daquele que nos procura. É importante prestarmos atenção em todos os detalhes, principalmente nos primeiros contatos, porque através deles é possível conhecer a dinâmica interna do paciente e avaliar se ele tem ou não chances de se beneficiar com o tipo de atendimento que lhe ofereceremos. Deve-se prestar atenção em tudo (Gilliéron, 1996; Hegenberg, 1996): - como o paciente chega até nós (se encaminhado por pessoas da família, pelo médico ou se veio por iniciativa própria); - quem telefona para marcar a consulta (o próprio paciente, um familiar etc.) - qual a disponibilidade que o paciente demonstra, para marcar a primeira consulta (pede urgência ou quer para depois de algum tempo; procura facilitar ou dificultar a marcação dos horários etc.) - qual o comportamento do paciente ao chegar à clínica (veio só ou acompanhado; procura conversar com a secretária etc.) - qual o seu comportamento na sala de espera (espera sentado ou em pé; conversa com outros pacientes; observa tudo à sua volta etc.) - como se veste (roupas apropriadas ou não para a idade; demonstra ou não cuidado com a aparência etc.) - atitude ao entrar para a consulta (estende ou não a mão; olha ou não nos olhos do terapeuta; lugar que escolhe para se sentar etc.) Só aí é que vamos começar a prestar atenção no verbal, na queixa do paciente, mas já temos elementos para fazer hipóteses a respeito da provável organização de personalidade de quem está diante de nós. É preciso considerar que o momento da procura de atendimento normalmente está ligado a algum tipo de crise, ou seja, à ruptura no equilíbrio psíquico do indivíduo. Algo faz com que ele se mobilize no sentido de buscar ajuda naquele momento. Mesmo quando há um desejo antigo de fazer terapia, em geral há um fato mais recente que motiva a procura; via de regra, trata-se de algum conflito relacional. Observando o tipo de interação que o paciente procura estabelecer, podemos perceber seu modo habitual de relacionar-se com o outro, o que sempre é revelador de seu mundo interno. Nossa atenção se volta, assim, para o interrelacional. Se conseguirmos compreender o que produz a ruptura do equilíbrio psíquico, temos mais chances de ajudá-lo a buscar outro ponto de equilíbrio ou a recuperar o equilíbrio anterior (Gilliéron, 1996; 1998). Gostaria de retomar as analogias entre os gêneros literários e as psicoterapias. A psicoterapia breve, assim como um conto, precisa ter a capacidade de "conquistar" o leitor logo de início. E aí reside uma das grandes dificuldades das técnicas breves: apreender rapidamente a dinâmica psíquica da pessoa que está diante de nós e dar um sentido ao que ela nos apresenta, estimulando-a a prosseguir a "leitura" de si mesma. Isso é feito através de uma interpretação inicial, que se baseia na hipótese psicodinâmica, que formulamos a partir de todo o conjunto de observações feitas nos contatos iniciais com o paciente. Na Unicamp, para avaliarmos o tipo de psicoterapia mais indicado para cada paciente, fazemos um atendimento inicial em quatro sessões, uma forma de intervenção terapêutica desenvolvida por Gilliéron (1993, 1996, 1998). Combinamos com cada paciente que teremos quatro sessões, para depois decidirmos, juntos, se haverá ou não continuidade do atendimento e, se houver, como será. Trabalhamos com três possibilidades: o aluno pode querer interromper o atendimento após as quatro sessões, porque já desfez o "nó" que o fez procurar ajuda; ele pode ir para um atendimento em
6 grupo, se assim desejar, ou ele pode continuar com o atendimento individual. Nesse caso, terapeuta e paciente decidem juntos o tempo considerado necessário (de três a seis meses). Espero que meu entusiasmo pela psicoterapia breve não cause a impressão de que é o melhor atendimento que podemos oferecer a todo e qualquer paciente que nos procure. Nem todos se beneficiam com esse tipo de atendimento. Os critérios de indicação e contraindicação são bastante polêmicos, e não abordaremos esse ponto agora. Porém, para muitas pessoas, a terapia breve representa uma importante fonte de autoconhecimento e de mudança psíquica. Temos que considerar também que uma intervenção terapêutica breve tem, muitas vezes, um efeito preventivo importantíssimo, evitando que se instale um quadro patológico, especialmente quando lidamos com adolescentes como os nossos alunos, que estão em um período crítico, mas têm muito potencial a ser desenvolvido. Em linhas gerais, esse é o trabalho que temos desenvolvido na Unicamp. A técnica da psicoterapia breve varia muito de autor para autor, mas essa perspectiva aberta por Gilliéron possibilita aliar o trabalho psicanalítico às necessidades dos pacientes e dos terapeutas. Numa época em que as mudanças culturais e sociais acontecem tão rapidamente, em que há tanta falta de recursos econômicos e até mesmo tanta falta de tempo, será que vamos conseguir ajudar muitas pessoas se mantivermos posturas inflexíveis? Será que dá para lutar contra a corrente? Será por acaso que cresce tanto a procura de tratamentos não-psicanalíticos, como os medicamentosos e os comportamentais, por exemplo? E nas instituições? O que fazer para atender a demanda? Deixamos as pessoas sem nenhum atendimento, se elas não tiverem tempo e dinheiro para várias sessões por semana, por tempo indeterminado? Por outro lado, não é fácil enfrentar os olhares desconfiados e críticos de colegas que olham para a psicoterapia breve com desdém e dizem: "Isso não é psicanálise". Num certo sentido, isso é verdade. A psicoterapia breve é diferente do tratamento psicanalítico padrão. No entanto, trabalhamos de forma psicanalítica quando nos mantemos fiéis ao método psicanalítico e aos principais aspectos da técnica psicanalítica, tais como as regras da associação livre e da abstinência, a análise da transferência e a observação da contratransferência etc. Aliar a postura psicanalítica à técnica da psicoterapia breve não é fácil, mas é possível. Entre outras coisas, o terapeuta tem que lidar com a frustração de não poder dar ao outro tudo o que gostaria de dar, que - diga-se de passagem - nem sempre é o que o outro espera. É necessário, além disso, conter os anseios de perfeição e exercitar a modéstia terapêutica. Para finalizar, vou mostrar uma forma de poema que, assim como a psicoterapia breve, pode parecer extremamente simples, mas que tecnicamente é bastante complexa e capaz de dizer muito, em poucas linhas. Trata-se do haikai, tradicional poesia japonesa. Bashô (16441694), um dos expoentes desse tipo de poesia, retrata seu sofrimento pela morte de seus pais em alguns haikais. Um deles, inspirado por uma mecha de cabelos brancos de sua mãe, diz: Se a tomasse nas mãos Derreteria sob as lágrimas quentes: Geada de outono Num outro, quando volta à casa dos pais, depois da morte deles, escreve: Fim de ano Na terra natal, Choro sobre o cordão umbilical. Bem mais recentemente, um jovem autor (João Ângelo Salvadori, 2004) escreveu :
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Espelho no corredor Um estranho passa Com as minhas roupas
Profundas emoções podem ser reveladas em poucas e simples frases, e isso é uma arte. E podem ser sentidas e desenvolvidas pelo leitor, que encontrará em pequenos poemas como esses um momento de cristalização de sentimentos, oferecidos à sua sensibilidade e contemplação. É preciso muita arte para assim desprezar o acessório e trazer para o primeiro plano somente o essencial para um fim objetivo. O autor da resenha citada há pouco, quando perguntado sobre o que quer dizer síntese, em haicai, respondeu: "Haikai não é síntese, no sentido de dizer o máximo com o mínimo de palavras. É antes a arte de, com o mínimo, obter o suficiente". Tomando emprestada essa idéia, podemos dizer que, através da psicoterapia breve, podemos proporcionar não o máximo, mas o suficiente para nossos pacientes, em momentos cruciais de suas vidas.
Referências Bibliográficas Franchetti P. (Org.). HAIKAI - antologia e história. Campinas: Unicamp, 1990. Franchetti P. Os cem melhores contos brasileiros do século. (Resenha). Correio Popular, Campinas, 30 set. 2000. p. 2-2. Gilliéron E. As psicoterapias breves. Rio de Janeiro: Zahar; 1986. Gilliéron E. Introdução às psicoterapias breves. São Paulo: Martins Fontes; 1993. Gilliéron E. A primeira entrevista em psicoterapia. São Paulo: Unimarco/Loyola; 1996 Gilliéron E. Manual de psicoterapia breve. Lisboa: Climepsi; 1998. Machado de Assis J M. "Várias Histórias" in Obra Completa, Rio de Janeiro: Nova Aguilar; 1979; vol. II. Salvadori JÁ. Teleférico. Disponível em: http://www.kakinet.com/caqui/estante02.shtml. Acesso em 30/10/2007.
Sílvia Helena Allane Franchetti E-mail: silviaf@unicamp.br