Projeto gráfico: Nós da Criação

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Projeto editorial e gráfico de livro sobre profissionais que tratam da beleza e estética

Bruno Pereira Dias Ortega FAAP | Fundação Armando Álvares Penteado Pós-graduação Lato Sensu em Design Gráfico – Conceito e Aplicação. Coordenador: Prof. Me. Carlos E. L. Perrone Orientador: Prof. Me. Cláudio Ferlauto

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Projeto editorial e gráfico de livro sobre profissionais que tratam da beleza e estética

Bruno Pereira Dias Ortega Caderno de projeto apresentado à FAAP Pós-graduação como parte dos requisitos para aprovação no curso de Pós-graduação Lato Sensu em Design Gráfico – Conceito e Aplicação. Coordenador: Prof. Me. Carlos E. L. Perrone Orientador: Prof. Me. Cláudio Ferlauto

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Projeto editorial e gráfico de livro sobre profissionais que tratam da beleza e estética

Ortega, B. P. D. Nós da Criação: Projeto editorial e gráfico de livro sobre profissionais que tratam da beleza e estética.

Banca Examinadora do Trabalho de Conclusão de Curso, em sessão pública realizada em __/__/2017 considerou o candidato:

Bruno Pereira Dias Ortega, São Paulo, 2017. Caderno de projeto apresentado à FAAP Pós-graduação como parte dos requisitos para aprovação no curso de Pós-graduação Lato Sensu em Design Gráfico – Conceito e Aplicação. Coordenador: Prof. Me. Carlos E. L. Perrone Orientador: Prof. Me. Claudio Ferlauto

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Agradecimentos À todos os professores do curso de pós-graduação em Design Gráfico – Conceito e Aplicação da FAAP (2015/2016), em especial aos professores Cláudio Ferlauto, como orientador fundamental, ao C. E. Perrone, como coordenador e também orientador do curso e Marcelo Aflalo que, talvez sem saber, deu luz à este projeto. Aos profissionais (e amigos) que cederam um pouco do seu tempo para este projeto, concedendo as entrevistas e imagens dos seus portfolios, mas que também proporcionaram bons momentos e boas conversas pós-entrevistas, regadas à vinhos, whisky, cappuccino e bolo de cenoura. À minha esposa, Amanda, por toda ajuda, incentivo e paciência. Aos colegas de classe, sempre dando ótimas sugestões e opiniões, participando ativamente da composição deste projeto.


Em suma: o design que está por trás de toda cultura consiste em, com astúcia, nos transformar de simples mamíferos condicionados pela natureza em artistas livres. Vilém Flusser


Resumo “A missão de vocês, designers, aqui na Terra é a de tornar as coisas mais belas”. A partir dessa sintética frase de Marcelo Aflalo, querendo ao mesmo tempo incentivar e provocar seus alunos, foi que surgiu a base conceitual para este projeto. Afinal, é mesmo missão do designer deixar o mundo mais belo? O que é belo? Quem define o que é belo? Criar obras e objetos a serem expostos à apreciação pública é uma missão de diversos profissionais, e a ideia do que seja belo é praticamente matéria prima para essas pessoas. Seria muito interessante, portanto, entender como cada uma delas pensa sobre essa questão e como isso se aplica ao trabalho criativo. Elas, de alguma forma, devem entender como, porque e para quem estão criando coisas convencionadas como belas – ou não? O desafio deste projeto é apresentar essa interessante discussão em forma gráfica, através de um livro contemporâneo, explorando os fundamentos do design gráfico aprendidos durante o curso. Palavras chaves: belo, beleza, estética, criação, sensação, projeto gráfico, livro contemporâneo, design editorial.

Abstract “The mission of you – designers, is to make things more beautiful in Earth”. From this synthetic phrase said by Marcelo Aflalo – trying to incentive and provoke your students, came up the conceptual essence for this project. Given that, is designer’s mission to make the world more beautiful? What is beauty? Who defines beauty? To create work and pieces of art to be exposed to public’s appreciation is the mission of a plenty of professionals, and the concept of what is beauty is basically the groundwork for these people. Would be very interest, indeed, to understand how each of them thinks about this matter and how they apply it at their creative work. Somehow, they may understand how, why and to whom they are making things established as beauty – or not? The challenge of this project is to introduce this interesting discussion in graphic forms as a contemporary book, exploring graphic design fundamentals learned during the postgraduate course. Keywords: beauty, beauteous, aesthetics, creation, sensation, graphic project, contemporary book, editorial design.


Sumário

Introdução

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1. Contexto

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1.1. 1.2. 1.3. 1.4. 1.5.

Porque um livro? Como surgiu o tema Resumo filosófico sobre a estética e o belo Porque diálogos? Contexto geral

2. Referências

2.1. 2.2. 2.3. 2.4. 2.5.

Livros tradicionais Livros de artista Livros contemporâneos Referências projetuais Referências de design

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3.1. Seleção dos profissionais 3.2. Esquematização das entrevistas 3.3. Design do livro 3.3.1. Formato e medidas 3.3.2. Grid 3.3.3. Tipografia 3.3.4. Cores 3.4. Desenho e estilo 3.5. Elementos e composição 3.6. Título do livro 3.7. Diagramação 3.8. Capa do livro 3.9. Impressão e acabamento 3.10. Espelho editorial 3.11. Livro finalizado

3. Projeto

31 32 34 35 35 36 38 39 40 44 45 46 48 50 52 58

4.

Considerações finais

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5.

Referências Bibliográficas

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6.

Sobre o autor

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Introdução Um projeto gráfico, especialmente o editorial, tem o poder de transmitir ideias, pensamentos, gerar discussões – basta imaginar quanto conhecimento foi transmitido para a humanidade através dos livros ao longo dos tempos. E a tecnologia e a criatividade humana, aliadas às construções narrativas, permitiram que os livros evoluíssem para obras que, além de informativas, também fossem belas graficamente e mais agradáveis para leitura. É essa a proposta deste projeto: utilizar o poder dos fundamentos do design gráfico – tipografia, cor, grid, ordem, imagens, papel – para discutir ideias por meio de um livro contemporâneo, que seja interessante, bonito e informativo. Essa discussão se dará a partir da frase provocativa de Marcelo Aflalo: “A missão de vocês, designers, aqui na Terra é a de tornar as coisas mais belas”. Ela intrinsicamente passa por temas filosóficos, como o belo e a estética, e nada é mais ocasional do que discuti-los com profissionais criativos: pessoas que têm como matéria prima de trabalho as suas próprias ideias. A estética e o belo são discutidos desde a filosofia grega clássica e geram questões interessantes para as entrevistas. Nelas serão abordadas, por exemplo, se o belo é subjetivo ou inerente ao objeto; se a beleza está nas coisas ou no pensamento; se há como classificar o que é belo (como propunha Aristóteles, definindo sua ordem, simetria e proporção). Enfim, todos esses conceitos são importantes na discussão e interessantes como objetos de estudo. O assunto neste caderno, porém, não ficará restrito ao debate filosófico. Afinal, a ideia foi extrair os conceitos pré-adquiridos por cada um dos profissionais entrevistados, com as suas visões mais naturais sobre o tema. E também não é esse o foco do projeto, que está relacionado com a produção de uma obra gráfica – um livro contemporâneo, como será visto mais adiante. Será um livro de diálogos, extraídos de entrevistas feitas com esses profissionais que, em seus trabalhos, lidam o tempo todo com o que é considerado belo. Além deste assunto, que é a base das discussões, eles falam também do seu dia a dia e do seu próprio trabalho, seu processo criativo e suas referências. Para elucidar a proposta, imagens desses trabalhos e referências serão utilizadas junto ao texto, enriquecendo a informação e a narrativa visual. E aqui, dentro deste caderno, poderá ser visto como foi o processo para a criação dessa obra, do início ao fim, passando pelas referências utilizadas, como foram selecionados os profissionais para entrevista, como foram elaboradas as questões, qual o esquema de layout definido e até mesmo o acabamento utilizado. Além de, é claro, ver o resultado do livro projetado.



1. Contexto 1.1. 1.2. 1.3. 1.4. 1.5.

Porque um livro? Como surgiu o tema Resumo filosófico sobre a estética e belo Porque diálogos? Contexto geral


1.1. Porque um livro? Este é um projeto gráfico de um livro experimental. Essa escolha tem uma motivação objetiva: um livro pode englobar, em sua concepção, todos os fundamentos do design gráfico – e, de quebra, do design editorial. Por se tratar de um projeto de pós-graduação, não haveria obra gráfica melhor para experimentar todos esses fundamentos e, assim, concluir o curso. O livro também é o melhor meio para transmitir ideias, expor e fomentar discussões, portar e transportar conhecimento. E a discussão também é muito importante dentro deste projeto, pois o tema central foi pensado para ser dialogado. Jornais e revistas também são ótimos meios para trazer discussões ou debates, geralmente em formato de entrevista. E os livros também cumprem esse papel, seja com apenas um personagem ou uma coletânea de vários entrevistados – que é o caso da obra apresentada aqui. Livro: um suporte portátil que consiste de uma série de páginas impressas e encadernadas que preserva, anuncia, expõe e transmite conhecimento ao público, ao longo do tempo e do espaço. [HASLAM, 2007, P. 09]

Mas o livro não tem apenas um papel informativo, ou educativo. A tecnologia atual, seja de impressão ou materiais de acabamento, permitem que os livros vão além, a ponto de se tornarem verdadeiros objetos com funções sensoriais e decorativas. Além disso, a iminente concorrência com os livros virtuais (e-Books) faz com que os livros físicos tenham um apelo visual ainda maior, inclusive por questões mercadológicas. Alguns, como os livros de artista, estão muito mais próximos das obras de arte do que da literatura. Folhear um livro pode se tornar uma experiência nova a cada obra lida, ou vista. E isso tudo não seria possível sem o design gráfico: mesmo em livros de artista, há de se ter um cuidado com as superfícies gráficas, tipo de papel, diagramação, tipo de encadernação, boa escolha tipográfica e muitos outros aspectos projetuais que serão abordados dentro deste projeto. Essa obra, porém, não pretende ser apenas um livro artesanal/de artista, tampouco uma obra literária tradicional – a diferença entre ambos será explorada no capítulo 2. Por isso ele será classificado como um livro contemporâneo: uma obra experimental que oscila entre estes dois universos editoriais.

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1.2. Como surgiu o tema “A missão de vocês aqui na Terra é deixar as coisas mais bonitas”. Quando o professor, designer e arquiteto Marcelo Aflalo provocou seus alunos com esta frase, durante a aula de Sinalização do curso de pós-graduação em Design Gráfico da FAAP, uma inquietude caiu sobre este autor, que era um de seus alunos e estava buscando um tema para seu projeto de conclusão de curso. A frase, então, fez borbulhar muitas questões imediatamente. Será que a missão dos designers se resume apenas a isso? Faz sentido. Afinal, quando se contrata um designer, se pretende deixar algo mais bonito, mais vistoso, mais funcional. Que nobre missão! Soaria até um pouco arrogante caso essa fosse apenas missão dos designers. Mas não é. Fotógrafos, artistas, ilustradores, produtores, arquitetos... todas as profissões criativas existem para trazer beleza ao mundo. Mas, afinal, o que é a beleza? Belo para quem? Quem decide o que é belo? São esses profissionais ou está na subjetividade de cada um? Todas estas perguntas foram feitas naquele momento, em pensamento apenas, mas sem muita certeza ou conhecimento nas respostas. André Stolarski perguntou a Alexandre Wollner em entrevista que resultou em um livro: “O design não lida com a emoção?”. A resposta de Wollner: “Sim, ela faz parte dele. A estética também. Mas design não é só estética e emoção, embora muita gente pense que é. Elas são elementos da função do design, assim como o mercado, o produto, o manuseio e o material. Ilustrar uma caixa de sabão em pó é apenas mudar o tom de uma série de caixas iguais.” [STOLARSKI, 2008, P. 67] Portanto, mais importante do que as respostas, foi perceber o quanto essas questões eram interessantes. Tão interessantes que surgiu a ideia de fazer as mesmas perguntas para todos esses outros profissionais citados. Foi, então, o que foi decidido. Assim nasceu este projeto e, como resultado, um belo livro – ou não tão belo assim?

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1.3. Resumo filosófico sobre a estética e o belo Para este projeto acontecer, a primeira tarefa era entender os conceitos de “estética” e “belo”, ao menos o suficiente para formular as perguntas que seriam feitas nas entrevistas com os profissionais criativos. A seguir está um resumo do que foi coletado sobre o assunto, que foi base de informações que foi passada aos entrevistados antes de lhes fazer as perguntas. Não é um estudo aprofundado e nem deveria ser, pois, desta forma colaborou com a ideia de ter uma conversa mais natural possível sobre a visão e compreensão de cada um sobre esses assuntos, além de falarem também de suas profissões e, claro, da vida. Conceitos filosóficos da estética e do belo Os filósofos clássicos da Grécia antiga já versavam sobre o que era a estética e o belo. A própria palavra, estética, deriva da palavra grega Aisthésis, que significa percepção, sensação, sensibilidade. Com ela, os filósofos tentavam explicar os processos fisiológicos envolvidos na percepção de um objeto. A estética é, portanto, a área da filosofia que estuda racionalmente o belo e o sentimento que ele suscita nos homens. O belo, por sua vez, é aquilo que desperta a emoção estética por meio da contemplação. Perceba que a palavra “estética” abrange a pessoa que é sensibilizada por algo que a afetou e que gerou nela algum tipo de sentimento. Portanto, isto que ocorre é uma interação entre coisas que estão no sujeito e coisas que estão fora dele. O corpo faz, deste modo, uma mediação: uma ponte entre o sensível (o que pode ser sentido) e o intelectual (o pensamento); tem contato com duas dimensões: subjetividade interior e realidade do mundo. O uso da palavra estética como estudo, porém, é recente. Entre os gregos, na antiguidade, usava-se frequentemente o termo “poética” [de poiesis: criação, fabricação, composição], que era aplicado à poesia e a outras artes. E, para esses filósofos, o belo existiria em si, ou seja, era inerente às coisas e aos objetos. Segundo Aristóteles, por exemplo, podemos definir o belo formalmente, isto é, a partir de certas características das formas dos objetos que, estando elas presentes, o objeto tem larga chance de ser belo. Três destas características formais são a ordem, a simetria e a proporção [WERNER, Aula de Arte, 2015]. Segundo este pensamento, por exemplo, uma escultura que contivesse essas três características poderia ser considerada bela. Já para Platão, seu mestre, o belo é o bem, a verdade, a perfeição; existe em si mesma, apartada do mundo sensível, residindo, portanto, no mundo das ideias. Assim, temos uma concepção de belo que se afasta da interferência e da participação do juízo humano, ou seja, o homem tem uma atuação passiva no que concerne ao conceito de belo: não está sob sua responsabilidade o julgamento do que é ou não é belo. O belo também estaria inerente às coisas. [VALE, Revista Espaço Acadêmico, 2005].

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Isso veio mudar apenas no século XVIII, quando filósofo alemão Alexander Baumgarten (1714-1762) resolveu separar a estética da poética dando, assim, nome ao estudo das obras de arte como criação da sensibilidade, tendo por finalidade o belo. A Estética passaria a englobar tanto o estudo dos objetos artísticos quanto os efeitos que estes provocam no observador, abrangendo os valores artísticos e a questão do gosto. Nesse mesmo século, Immanuel Kant (1724-1804), utilizando os textos de Baumgarten, define que o belo está relacionado à sensação de prazer, são sentimentos subjetivos que se dão a partir da faculdade de juízo. Para distinguir se algo é belo ou não, referimos a representação, não pelo entendimento ao objeto em vista do conhecimento, mas pela faculdade da imaginação (talvez ligada ao entendimento) ao sujeito e ao seu sentimento de prazer ou desprazer. [KANT, 2005, p. 47]

O conteúdo do juízo estético, para Kant, é a reação do sujeito, e não uma propriedade do objeto. Define, portanto, a questão do gosto pessoal que, ainda hoje, se diz que não se deve discutir. Além dessa, há também a questão do universalismo: para Kant, quando emitimos uma opinião – ao dizer que algo é belo, por exemplo – somos tendenciosos e temos a pretensão de tornar nossa opinião universal. Já para Hegel (1770-1831), que bebeu da fonte de Platão, existe uma diferenciação fundamental entre o belo artístico e o belo natural. O belo da arte está diretamente relacionado com a pureza do espírito, enquanto que o belo natural se encontra diretamente submisso à realidade da natureza. Pare ele, este segundo tipo de belo, o natural, fica de fora da estética, que se deve ocupar apenas do belo criado pela arte. Já o belo artístico seria muito superior ao natural porque provém do espírito, e o que é espiritual é sempre superior ao que é natural, uma vez que só o espírito é verdade e o belo natural é um reflexo do espírito [TRIPICCHIO, Anhembi Morumbi, 2013?]. Por fim, e já contemporaneamente, Pierre Bourdieu (1930-2002) analisa a questão do gosto a partir de uma interpretação sociológica, ou seja, o gosto cultural e os estilos de vida estão profundamente marcados pelas trajetórias sociais vividas por cada um dos indivíduos e seus grupos sociais. Com seu livro A distinção – crítica social do julgamento (França, 1979) ele causou um grande mal-estar na época, principalmente entre a burguesia, afirmando que o gosto cultural é produto e fruto de um processo educativo, ambientado na família e na escola e não fruto de uma sensibilidade inata dos agentes sociais [SETTON, Revista Cult, 2010]. Com esse argumento, Bourdieu põe em discussão um dos maiores consensos do século, o de que gosto não se discute. Para ele, o gosto cultural se adquire e, mais do que isso, é resultado de diferenças de origem e de oportunidades sociais. Ou seja, gosto deveria ser discutido, sim.

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1.4. Porque diálogos? São dois os motivos da opção pelo modelo de entrevistas/diálogos como conteúdo do livro proposto: o primeiro é que, naturalmente, o autor – Bruno Ortega – não teria habilidades e conhecimentos suficientes para criar material para um livro inteiro sobre este tema – a não ser que quisesse fazer uma pequena cartilha. E, segundo, que este talvez seja o modo mais interessante de compreender um assunto: debatendo, discutindo, trocando ideias. É fascinante poder extrair a visão de cada pessoa sobre o mesmo assunto e ver como elas podem ser diferentes, complexas e tão estimulantes ao mesmo tempo. Mesmo havendo perguntas direcionadas, elas têm total liberdade para se expressar, descrever como é o seu dia a dia no trabalho criativo e, até, opinar sobre as questões de vida mais contemporâneas. O fato de as conversas serem ilustradas com os trabalhos do próprio entrevistado é, também, um grande complemento narrativo. É possível sentir e compreender a personalidade de cada pessoa associando seu modo de pensar e de se expressar com o seu trabalho. Trabalhos que, nitidamente, têm características únicas a cada pessoa. Quanto ao modo de falar e se expressar de cada um, foram propositalmente mantidas nas transcrições as gírias, risadas e vícios de linguagens. A ideia é que, juntamente com a identidade visual, cada pessoa tenha sua personalidade própria. É possível, assim, compreender melhor as ideias que cada indivíduo tem e quer transmitir.

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1.5. Contexto geral Neste ponto do projeto há uma problematização e uma definição clara dos objetivos e de que forma eles devem ser alcançados, como o livro deve ser composto. Já é sabida a necessidade da criação de conteúdo e já havia um tema para isso – a Estética e o Belo. Para extrair esse conteúdo, foi utilizado o método de entrevistas, com perguntas elaboradas a partir desse tema. Essas entrevistas seriam feitas com profissionais de diferentes áreas da criação, para que houvesse pluralidade. Por fim, a relação do conteúdo com o projeto fica evidente, uma vez que o livro em si é um produto gráfico, criado a partir dos fundamentos do design e com a intenção de ser algo belo após sua concepção. Ele seria algo belo falando sobre a beleza das coisas a partir da visão de quem cria. Para simplificar tudo isso, uma síntese pode ser observada na esquematização a seguir: O quê?

> Criação de conteúdo > a Estética e o Belo

Como?

> Perguntas/Questões > Entrevistas

Quem?

> Profissionais criativos

Porquê? > Relação com o design e o com projeto gráfico Toda essa contextualização se refere ao conteúdo do livro, que se propõe a ser original. O primeiro passo era extrair esse conteúdo, já que este é essencial para elaborar o projeto gráfico, que é a etapa final.

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2. Referências 2.1. 2.2. 2.3. 2.4. 2.5.

Livros tradicionais Livros de artista Livros contemporâneos Referências projetuais Referências de design


2.1. Livros tradicionais Como já descrito aqui, o livro é a forma mais antiga de documentação – tem uma longa história de mais de quatro mil anos; ele registra o conhecimento, as ideias e as crenças dos povos e sua história está intimamente ligada à história da humanidade. Antes de chegar à forma atual, o livro já foi feito com blocos de argila, de diferentes tamanhos; passou pelos rolos de papiros egípcios; pelos códices de pergaminhos até o desenvolvimento do papel, na China. Outra invenção importante foi a prensa de tipos móveis de Johannes Gutenberg (por volta de 1440). É dele a produção do que é considerado o primeiro livro impresso, uma versão da Bíblia com 42 linhas por coluna. Há controversas quanto à invenção dos tipos móveis – há evidencias de impressões na Coréia e na China, muitos anos antes. O impacto no mundo editorial da Bíblia de Gutenberg, porém, é incontestável. A partir desse novo método de impressão, muito mais rápido do que os que já haviam na época, o livro pôde ser produzido em escala industrial, originando, assim, produções economicamente acessíveis e de maior distribuição [HASLAM, 2007]. A forma atual do objeto livro também não é por acaso: as mãos humanas têm papel fundamental aqui. Ela sempre foi pensada e adaptada de modo que fosse fácil e prático segurar, durante a leitura, e transportar os livros – deveria ser possível, por exemplo, carregá-lo dentro das bolsas/malas. É interessante notar que, nas definições dos dicionários sobre o que são livros, são mencionados estes dois aspectos: formato físico e carga literária. Haslam, em O Livro e o Designer II, p. 8, nos traz dois exemplos: Concise Oxford Dictionary: 1_ “Tratado portátil manuscrito ou impresso que preenche uma série de folhas encadernadas, vinculadas umas às outras”; 2_ “Composição literária que preencha um conjunto de folhas”. Encyclopaedia Britannica: 1_ “ ... uma mensagem escrita (ou impressa) de tamanho considerável, destinada à circulação pública e registrada em materiais leves, porém duráveis o bastante para oferecerem uma relativa portabilidade”; 2_ “Instrumento de comunicação”.

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Apesar de historicamente ter havido tentativas de formatos alternativos para os livros, poucos sobreviveram, perdurando o modelo tradicional, com suas pequenas variações de tamanho apenas. O que importa até aqui é seu conteúdo, a carga literária presente dentro de suas páginas. Mas os formatos essenciais – aqueles que permitem ao leitor sentir o peso físico do conhecimento, o esplendor de grandes ilustrações ou o prazer de poder carregar o livro numa caminhada ou levá-lo para a cama – esses permanecem. [MANGUEL, 1997, p.171]

Exemplo de livro tradicional: LEITE, Jõao de Souza [org.], Encontros: Aloísio Magalhães, Rio de Janeiro: Azougue, 2014

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2.2. Livros de artista No mundo contemporâneo, cada vez mais pessoas passaram a ser não apenas consumidores, mas também produtores de mídia. O mundo editorial vem se transformando devido a novas atitudes sociais sobre como produzir e compartilhar conteúdo. Qualquer um que tenha grande interesse por um assunto acaba construindo um conjunto de conhecimentos adquiridos da sua experiência formal ou informal e, como amador, deseja compartilhar esse conhecimento com os outros. Uma maneira de realizar isso é fazendo o próprio livro. E aqui se enquadram os livros artesanais e os de artista. Ele pode contribuir na montagem de um belo portfolio de um artista ou designer, mostrando suas habilidades de produção enquanto cria uma forma elegante de mostrar seu trabalho. Belos livros de artistas e pequenas edições de poesias podem ser feitos à mão, com eficiência. Autores se aliam aos impressores, designers e artistas para fazerem elegantes edições especiais. [LUPTON, 2011, p. 127]

Os livros de artistas exploram uma infinidade de opções de produção para uma variada gama de objetivos, sejam eles puramente formais, altamente conceituais, documentais, poéticos ou ativistas. Mas, o importante aqui, é comunicar algo para alguém por meio de qualquer meio impresso disponível. E exemplos não faltam: podem ser feitos à mão, usando mimeógrafo, usando máquina de escrever, fotocópias, impressoras ofsete comuns, costura, pintura ou, até mesmo, misturando todas essas técnicas ao mesmo tempo. O livro [de artista] não é mero mecanismo de entrega, mas um meio por si só, intrigando por sua fusão de arte e códice em um gênero que se recusa a ser qualquer um dos dois. [LUPTON, 2011, p. 163]

Como se pode perceber, os livros de artista são, por essência, fora do padrão tradicional editorial. O livro apresentado aqui, neste projeto, até chega a dialogar com essa vertente, mas não tem vocação, nem conteúdo (ou habilidades do autor), para tal feito. Desta forma, esses tipos de livros servem muito mais como referências e inspirações, do que propriamente como classificação de modo literário para este projeto.

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Exemplo de livro de artista: PODLUBNY, Tatiana, Revoar: Livro de monotipias com os significados diversos da palavra revoar, Brasil, 2013

Exemplo de livro de artista: ALMEIDA, Vinicius, Objetos: Gravuras em metal, Brasil, 2012


2.3. Livros contemporâneos Este projeto não resultará em um livro de literatura tradicional, tampouco tem a pretensão de elaborar um arrojado trabalho artístico em forma de livro. Não há, entretanto, uma classificação formal para livros que permeiam estes dois formatos editoriais – que é onde, projetualmente, se enquadra o livro a ser aqui apresentado. Hoje se fala em livros contemporâneos: uma forma híbrida de livros com conteúdo textual, imagens e acabamento diferenciado. Na realidade, são livros que estão se adaptando aos novos tempos, aos novos conceitos de design, às novas demandas de mercado e às exigências de consumidores com gostos cada vez mais refinados. Editoras mais arrojadas, como a extinta Cosac Naify (sob a batuta da designer Elaine Ramos), já produzem obras com projetos gráficos mais elaborados e interessantes. A própria Elaine Ramos, após a saída da Cosac Naify do mercado, fundou a editora UBU com projetos do mesmo patamar. Essa é uma tendência no meio editorial, principalmente em áreas ligadas à criatividade, como design, arquitetura e artes em geral. Os livros são transformados em objetos muito mais interessantes, bonitos e agradáveis de ler. Eles mantêm uma narrativa visual e gráfica que quebram os padrões tradicionais de leitura, acrescentando imagens que compõem e valorizam os textos, dando respiros e sensações durante o processo da leitura. E são por essas características que este projeto se define como de um livro contemporâneo. Em entrevista para o site The Design Files, Stuart Geddes, um designer de livros australiano que vem se destacando, foi questionado sobre como ele se tornou um designer gráfico. Ele disse que saiu do colégio sem saber o que era isso, mas ele sabia que era bom em Inglês e em Artes. Só depois foi perceber que Inglês + Artes = Palavras + Desenho = Design Gráfico. Essa resposta sintetiza bem o que é um bom projeto de design gráfico contemporâneo: compor aliando texto e imagem dentro de um contexto narrativo coerente, desde o início de sua concepção.

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Exemplo de livro contemporâneo: CUNHA, Euclides da, Os Sertões, Brasil, 2016. Projeto Gráfico: Flávia Castanheira, Nathalia Cury (UBU editora)

Exemplo de livro contemporâneo: EDWARDS, Tony, Captain Goodvibes, Australia, 2012. Projeto Gráfico: Stuart Geddes


2.4. Referências projetuais Por se tratar de um livro de entrevistas, o objeto deste projeto carecia de referências com a mesma temática. Por sorte, temos bons exemplos de publicações desse tipo à disposição, inclusive na área de design gráfico. Aqui estão as duas principais obras utilizadas como referências projetuais. Ambas são, não por coincidência, projetos de Elaine Ramos pela editora Cosac Naify. A primeira obra, chamada Conversas com Paul Rand, é um livro com diálogos entre Michael Kroeger e Paul Rand, além de algumas outras pessoas. Por conta disso, seu projeto gráfico foi criado para valorizar essas conversas, mas também abre espaço para as imagens ilustrativas. Além disso, o livro tem as páginas alternadas de cores, dando um aspecto visual peculiar. A capa se desdobra em 5 partes, introduzindo alguns trabalhos do personagem central. É um projeto muito bem resolvido em relação ao tema, facilitando a leitura e transformando o livro numa peça de design. O segundo livro, Design em Diálogo, tem uma proposta muito parecida com este projeto, trazendo relatos de vários interlocutores, formando assim uma coletânea de entrevistas. Nessa obra, foi encontrada uma resolução a partir da ideia de preencher os espaços vazios da mancha de texto com uma mancha de tinta, criando uma identidade absolutamente original. Essa identidade foi estendida a todo o livro, inclusive compondo a capa justamente com o desenho formado por esses espaços preenchidos. Isso dá personalidade ao livro, além de resolver as questões dos textos dos diálogos. A característica mais importante de ambas as obras é que seus projetos gráficos foram pensados exatamente a partir dos diálogos, das entrevistas. Eles não só ressaltam os interlocutores, facilitando sua compreensão durante a leitura, mas também dão personalidade ao livro como objeto. São as conversas que ditam o ritmo da narrativa e trazem as soluções gráficas para as obras.

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KROEGER, Michael (Org.), Conversas com Paul Rand, Cosac Naify, 2010. Projeto gráfico: Elaine Ramos

HELLER, Steven; Petit, Elinor. Design em diálogo. Cosac Naify, 2013. Projeto Gráfico: Elaine Ramos, Paulo André Chagas


2.5. Referências de design Além das referências projetuais, que têm formatos, narrativas e propostas parecidas, é necessário também recorrer a referências em outros fundamentos do design gráfico. As definições de grid, tipografia, cores, desenhos, diagramação e acabamentos passam inevitavelmente por escolher e se espelhar em boas referências, por mais original que seja a obra. Aqui estão apresentados muitos elementos utilizados como referências e inspirações para esses fundamentos durante o processo de criação desse projeto.

Na Alma, Raimundo Britto, Brasil, 2013 Projeto gráfico: Raimundo Britto | 104 páginas | Medidas: 13 x 18cm | Papel: Pólen 75g | Encadernação: Capa dura à bradel

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Codecode: a crypted book, Oscar Ginter, França, 2015 Projeto gráfico: Oscar Ginter, François Andrivet and Charlotte Enfer

Portfolio 2014, Lucas Machado, Brasil, 2014 Projeto gráfico: Lucas Machado | Papel_ Alta Alvura 120g/m²; Color Plus Tóquio 240 g/m²

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2.5. Referências de design

Ilustrações de Laura Callaghan Técnicas: aquarela, tinta indiana e caneta isográfica

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3. Projeto 3.1. 3.2. 3.3.

3.4. 3.5. 3.6. 3.7. 3.8. 3.9. 3.10. 3.11.

Seleção dos profissionais Esquematização das entrevistas Design do livro 3.3.1. Formato e medidas 3.3.2. Grid 3.3.3. Tipografia 3.3.4. Cores Desenho e estilo Elementos e composição Título do livro Diagramação Capa do livro Impressão e acabamento Espelho editorial Livro finalizado


3.1. Seleção dos profissionais O primeiro passo para iniciar a elaboração do conteúdo para o livro era selecionar as pessoas que seriam entrevistadas. A seleção dos profissionais foi feita prioritariamente por suas áreas de atuação. Quanto mais diversa e mais plural, mais interessantes poderiam ser as respostas, afinal, por serem áreas distintas, o pensamento criativo e o modo de enxergar o trabalho poderiam gerar diferentes visões sobre o tema. Em seu livro Design em Diálogo, Steven Heller já dizia: Cada uma dessas entrevistas é uma história de como a cultura visual desempenha um papel em vidas individuais – e, por extensão, na vida de todos nós. [HELLER, 2013, p.10]

Foi feita uma lista prévia de profissionais que poderiam ser entrevistados. Com muitos deles, porém, não foi possível fazer as entrevistas, seja por conflitos de agendas ou por algumas decisões editoriais (como limitar o número de páginas, por exemplo). Esse é um fator interessante, pois mostra o potencial do projeto para que seja estendido, podendo, por exemplo, apresentar uma segunda edição. Abaixo está a relação completa das áreas criativas pretendidas, sendo selecionadas as que estão marcadas com cor. Arquiteta(o) Artesã(o) Artista Plástico Designer de moda Designer digital Designer de embalagem Designer de produtos Designer gráfico Fotógrafa(o) Grafiteira(o) Ilustradora(r) Maquiadora(r) Quadrinista Tipógrafa(o) Produtora(r) de vídeo


Profissionais Selecionados Diego Esteves Quadrinista

Gabrielle Matos Designer de moda

Rafael Forshaid Ilustrador

Fernando Dutra Designer digital

Stella Gafo Produtora de vídeo

Juliana Pacheco Fotógrafa

Kamila Bebber Designer gráfico

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3.2. Esquematização das entrevistas Cada entrevista demandava duas etapas: a elaboração das questões e a entrevista em si. Aqui será descrito como foi a metodologia utilizada para cada uma delas. Elaboração das questões Assim que o professor Marcelo Aflalo disse a frase que norteia este projeto, muitas questões surgiram imediatamente, como: o que é deixar as coisas mais bonitas? Belas para quem? O que é o belo? Quem define o que é belo: os profissionais criativos ou a subjetividade de quem vê? E muitas outras. Apesar de interessantes, essas eram ainda um pouco rasas, superficiais. Foram feitos, então, estudos filosóficos – já apresentados no capítulo 1.3 – para uma melhor compreensão sobre esses temas e para elaborar perguntas mais estimulantes. Mas havia também a preocupação de que elas não ficassem repetitivas. Por isso, as questões foram também direcionadas à personalidade de cada entrevistado e, claro, às suas áreas de atuação profissional. Apenas algumas questões-chave foram mantidas para todos eles, como, por exemplo, se acreditam ser suas missões na Terra deixar as coisas mais belas. Entrevistas O método mais eficaz para que as entrevistas fossem feitas, e gerassem conteúdo, foi pessoalmente e com gravação em vídeo. Isso foi feito por dois motivos: 1-seria possível extrair os áudios e, assim, transcrever toda a conversa; 2-seria possível extrair um frame (uma imagem) de cada entrevistado para utilizar como abertura de cada capítulo do livro. As entrevistas foram agendadas previamente e, antes de iniciá-las, foi feita uma introdução simples com os mesmos conceitos filosóficos já apresentados no projeto. A ideia era que todos os entrevistados tivessem a mesma base para respostas. Elas duraram em torno de 25 a 40 minutos tendo, em média, 13 perguntas no total para cada pessoa.

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3.3. Design do livro Para definir o estilo e a identidade visual adotados para o livro, era necessário recorrer aos fundamentos do design gráfico e editorial. Trata-se, afinal, de um projeto gráfico e é imprescindível ter essas definições antes de iniciá-lo. Além disso, um fator importante era manter uma personalidade distinta para cada entrevistado sem perder a linha visual adotada.

3.3.1. Formato e medidas 18 cm

Segundo Andrew Haslam, o termo “formato” é alguma vezes usado erroneamente na indústria editorial, fazendo referência a um determinado tamanho. Entretanto, livros de diferentes dimensões podem compartilhar de um mesmo formato. Os livros são geralmente projetados em três formatos: retrato, formato cuja altura da página é maior que a largura; paisagem, formato cuja altura da página é menor que a largura; e quadrado [HASLAM, 2007, p. 30]. A decisão de escolha para esse formato e dimensões foi tomada pensando em uma melhor relação entre texto e imagem. Além de, é claro, decisões gráficas, pois um livro pode ter virtualmente qualquer formato e tamanho, mas por razões práticas, estéticas e de produção faz-se necessário uma consideração cuidadosa para que o formato projetado seja conveniente à leitura e manuseio, além de economicamente viável.

21 cm

A primeira definição feita foi quanto ao formato e às dimensões que o livro teria. Elas foram meticulosamente testadas até que se chegasse ao modelo ideal: quadrado, com 18 x 21 cm (formato fechado).

Formato e dimensões adotados

Um guia de bolso precisa caber dentro de um bolso, enquanto um Atlas deve ser consultado sobre uma superfície ampla, uma vez que seu conteúdo detalhado exige páginas de grandes dimensões. Em termos práticos, a escolha do formato de um livro determina o design do modelo que conterá as ideias do autor. Contudo, sob a perspectiva do designer é muito mais: o design do livro representa para o mundo da escrita o que a cenografia e a direção teatral significam para o mundo da fala no teatro. O autor fornece a peça e o designer faz a coreografia do espetáculo. [HASLAM, 2007, p.30]

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3.3. Design do livro 3.3.2. Grid Foi definido um grid modular/modernista também pensando em uma melhor composição de texto e imagem dentro das páginas, além de, é claro, trazer um visual contemporâneo. Haveria assim mais liberdade para a diagramação e possibilidade de explorar espaços brancos. Ajudaria também a manter um padrão editorial e a ancorar a identidade visual. Jan Tschichold já questionava a relevância de antigos formatos de tipos, grades e layouts em relação às mensagens modernas em seu livro The New Typography (1928). Seguindo suas ideias, designers suíços e alemães – como Max Bill, Emil Ruder, Hans Erni, Celestino Piatti e Josef Müller-Brockmann – usaram as grades sistemáticas, nas quais as posições de todos os elementos – texto e imagem – eram determinadas por uma estrutura racional. [HASLAM, 2007, p. 53] Em um sistema de grade sofisticado não somente as linhas do texto alinham-se às ilustrações, mas também as legendas e os tipos display, títulos e subtítulos. [Josef Müller-Brockmann, 1961]

O grid utilizado tem 4 módulos de largura por 5 módulos de altura dentro da área de texto. Já área de texto tem uma subdivisão de 4 colunas e prevê 34 linhas de texto, cada uma com 13 pontos de altura.

Grid modular utilizado no projeto: 4x5 módulos e 34 linhas de texto


Texto Imagem

Exemplos de diagramações possíveis dentro do grid proposto


3.3. Design do livro 3.3.3. Tipografia “A tipografia existe para honrar seu conteúdo” – Robert Bringhurst

Um livro contemporâneo necessitava de famílias tipográficas contemporâneas. Para isso, foram escolhidas duas famílias que fossem completas e que tivessem uma beleza harmônica quando utilizadas juntas. Para títulos e legendas, foi utilizada a família Fedra Sans. Ela foi originalmente criada, na década de 1970, como fonte corporativa pelo escritório Ruedi Baur Integral Design, sediado em Paris, para a companhia de seguros alemã Bayerische Rück. O projeto, porém, foi cancelado e a fonte passou a ser publicamente disponível. Foi então que, em 2001, Peter Bilak, um designer e tipógrafo tcheco, a redesenhou e ampliou toda a família. Ele explica, através do site da foundry Typotheque, que a Fedra humaniza a mensagem comunicada e acrescenta elegância simples e informal, e o critério mais importante foi criar um tipo de letra que funciona igualmente bem no papel e na tela do computador.

Fedra Sans

Fedra Sans Italic

Já para os textos, foi utilizada a família TheSerif. Ela faz parte da superfamília Thesis que Luc(as) de Groot publicou pela primeira vez em 1994. Segundo comentário do próprio autor, em seu site LucasFonts, ela foi concebida para ser a fonte secundária perfeita dentro do sistema Thesis, usando-o para manchetes, subtítulos, citações, etc. Porém, a TheSerif tem sido também utilizada com êxito como uma fonte de texto em seu próprio direito. Por conta desse fator, ela é uma escolha ousada na composição do texto do projeto. Ela foge da escolha de tipos com serifas mais tradicionais e também dos tipos sem serifa, como se pressupõe utilizar em projetos contemporâneos. Ela é um tipo de letra de baixo contraste – ou seja, as diferenças entre traços finos e grossos não são muito pronunciadas. No entanto, a referência à escrita com a caneta bico-de-pena ainda está presente, dando às letras uma tensão diagonal e um fluxo direto que facilita a leitura.

The Serif The Serif Bold The Serif Italic 38


3.3.4. Cores A escolha das cores foi um fator importante dentro do projeto no sentido de dar personalidade para cada entrevistado. Por isso, cada pessoa teria uma combinação diferente de cores. O uso delas, porém, tinha que ser harmônico dentro dessa variação, sem que se perdesse a identidade visual do livro como um todo. Ouvimos muito falar sobre a influência isolada de cada cor, mas o que realmente faz com que a gente se sinta bem num ambiente não é o efeito de cada cor isoladamente, mas sim a composição do cenário como um todo, a forma como as nuances de cor estão distribuídas no espaço e seus contrastes. [Lilian Ried Miller Barros, em entrevista para a revista Revestir]

Pensando nessa abordagem, a seleção precisaria ter, portanto, uma boa quantidade de cores, com harmonia entre elas e bons contrastes. Além disso, tinha que refletir essa contemporaneidade que o projeto pede. Por isso, elas foram todas inspiradas nas 10 cores escolhidas pela Pantone como as cores da primavera/verão 2017, mas com adaptações para CMYK. Sorte ou não, as cores casaram perfeitamente com o projeto e colaboraram para que ele se mantivesse atual. A cor serve para diferenciar e conectar, ressaltar e esconder. [...] As cores entram e saem da moda, e toda uma indústria foi criada para guiar e prever seu curso. [LUPTON, 2008, p. 71]

C=100 M=0 Y=0 K=0

C=100 M=79 Y=16 K=3

C=0 M=79 Y=82 K=0

C=16 M=95 Y=27 K=0

C=65 M=37 Y=82 K=22

C=5 M=16 Y=78 K=0

C=4 M=20 Y=18 K=0

C=19 M=30 Y=42 K=0

C=38 M=0 Y=13 K=0

C=49 M=12 Y=91 K=0

Paleta contemporânea de cores utilizada no projeto: cores variadas, harmônicas, vibrantes e contrastantes

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3.4. Desenho e estilo Para que o livro tivesse um estilo original, foram feitas desfigurações nas fotografias de cada entrevistado, aproveitando um dos métodos aprendidos dentro do curso. Foram feitos desenhos digitais à mão livre, utilizando o próprio mouse como ferramenta de desenho. Assim, criou-se um estilo de desenho pixelado, mas sem o compromisso da perfeição do traço, assim como em um desenho manual. As linhas finas e o não preenchimento de vazios traz um efeito contemporâneo ao desenho, principalmente ao se aplicar as cores da paleta trabalhada. O intuito, também, era que fosse possível identificar o personagem sem recorrer à sua fotografia e sem que ficasse com aparência caricata.


Exemplo do método de desfiguração da fotografia com base em desenho digital à mão livre

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3.4. Desenho e estilo

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Todos os entrevistados desenhados e jรก com as cores aplicadas

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3.5. Elementos e composição Neste ponto do projeto, já existiam todos os elementos necessários para compor as páginas do livro: o conteúdo (entrevistas), o formato do livro, o grid, as imagens e os desenhos dos entrevistados, a tipografia e a paleta de cores definidas. Bastava, portanto, organizar todos esses elementos e aplicar dentro da diagramação planejada. Foi então que alguns pontos puderam ser observados para que a harmonia no design fosse mantida. A tipografia e os desenhos de traços finos estavam em sintonia, trazendo elementos de linhas rígidas e retas; por isso, linhas finas foram adicionadas como indicadores dentro dos textos (marcando as citações, as referências e os trabalhos de cada profissional). Essas linhas também marcam o ritmo das páginas, tentando quebrar a simetria usual e a monotonia da leitura. Elas aparecem sempre na diagonal ou na vertical, criando um efeito direcional e não repetitivo. As linhas estão sutilmente presentes também dentro do texto, em forma de sublinhas, indicando quem é o entrevistador e quem é o entrevistado.

i n t r o d u ç ã oN ó s _ d a _ c r i a ç ã o

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Esquema mostrando a harmonia presente entre todos os elementos de composição: tipografia, desenho, linhas e cores


3.6. Título do livro A definição do título da obra foi a última etapa antes de se iniciar a diagramação. Essa escolha se deu devido à necessidade de, primeiramente, analisar o conteúdo textual. Era necessário compreender os assuntos e os pensamentos de cada entrevistado: eles seriam parecidos? Teriam respostas e elementos em comum, ou seriam totalmente divergentes? O que cada um pensava sobre os temas deveria ser um norte para criar o título do livro. Por se tratar de um livro de entrevistas, basicamente existem dois pontos fundamentais dentro do texto: as questões (que são os problemas) e as respostas (que são as resoluções pessoais de cada pessoa entrevistada). As questões foram elaboradas conforme a profissão de cada entrevistado – algumas delas, mais filosóficas, se repetiam entre todos. Quanto às respostas, foi observado que o pensamento era muito peculiar a cada entrevistado, principalmente no que se refere ao pensamento filosófico. Já em relação às profissões, as ideias não divergiram tanto. Por isso, foi considerado que as entrevistas dentro do livro, de modo geral, têm respostas heterogêneas. Dessa forma, chegou-se a um título que trazia uma ambiguidade e se relacionava com essas duas áreas do texto, que é: Nós da Criação. Ele é ambíguo porque a palavra “Nós”, que é um homônimo, pode ser referida tanto aos nós (entrelaçamentos de fios) que, metaforicamente, significam os problemas a serem “desatados” (resolvidos), quanto pode se referir ao pronome “nós” (conjunto de pessoas), que é o mote da obra. Assim, há duas interpretações: os nós que precisam ser desatados na profissão criativa; e nós, os profissionais criativos reunidos. O título foi graficamente adaptado para se adequar ao design já definido, utilizando a mesma tipografia (Fedra Sans), mas apresentada com linhas finas e sem preenchimento, como se pode ver a seguir.

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3.7. Diagramação Além de todos os elementos já definidos, aqui o livro já tinha, também, características próprias. Para não fugir a essas características bastava, portanto, organizar tudo isso dentro da página, seguindo o grid proposto e todos os demais fundamentos.

J u l i a n a _ P a c h e c o f

o

t

o

g

r

a

f

i

a

J u l i a n a _ P a c h e c o

mais cropadas, tem mais close, é uma coisa mais fechada. Quando a pessoa não é tão bonita, então eu privilegio o ambiente e insiro a pessoa no meio. Isso é importante, porque a pessoa tem que gostar do resultado, do que ela vai ver. Ela não pode se sentir feia ali na imagem.

f

o

t

o

g

r

a

f

i

a

B_ E quais são suas referências?

B_ E quais são suas referências? Bruno_ Porque você largou a publicidade para trabalhar com fotografia? Juliana_ Na verdade, eu não troquei porque a fotografia sempre foi presente, desde que eu nasci. Meu pai sempre foi fotógrafo e ele revelava fotos em casa, então, não foi uma troca. A fotografia era algo natural, não tive muita escolha na verdade. Eu tentei ir pra uma outra área, mas não deu certo e acabei trabalhando com o que me identifico. B_ Você trabalha registrando momentos especiais das pessoas, como casamentos, aniversários, nascimentos. É uma baita responsabilidade, não acha? J_ Muita! Principalmente porque hoje as pessoas não querem mais aquela coisa tradicional, posada. Elas querem que você capture o que está acontecendo no momento, como se você tivesse assistindo ao evento, mesmo ao ver depois. Isso é uma grande responsabilidade. B_ Como você definiu seu estilo? J_ Foi um processo muito longo, foram anos batendo cabeça em parede. Faz apenas uns dois anos que eu descobri o meu estilo de fotografia. Pra mim, fotografar é retratar a verdade de uma forma bonita. Por exemplo, se eu for fotografar um casal que seja travado ou não tão bonitos fisicamente, tenho que levar eles para um lugar legal. Quando a pessoa é fisicamente bonita, as fotos são

J_ Clipes de músicas! Eu vejo o dia inteiro. Sou obcecada por seriados também. Filmes. Se o filme não tiver uma fotografia bonita eu levanto e saio. Não consigo ver até o final, por mais que o roteiro seja muito bom. Por isso eu gosto de filme estrangeiro. Normalmente o roteiro não é bom, mas a fotografia é incrível, fico vendo por horas e esqueço do mundo. Eu procuro, por exemplo, os filmes vencedores de direção de fotografia, os melhores do ano, etc. Mas, quando preciso de inspiração, eu paro para ver clipes de música. Basicamente é isso. E, claro, outros fotógrafos também. É muito importante acompanhar o que estão fazendo. Não para copiar, claro. Até porque sempre vai ficar diferente, mesmo que você tente copiar. Mas é muito importante, principalmente para acompanhar a tendência de mercado, afinal eu tenho que pagar as contas.

Bruno_ Porque você largou a publicidade para trabalhar com fotografia? Juliana_ Na verdade, eu não troquei porque a fotografia sempre foi presente, desde que eu nasci. Meu pai sempre foi fotógrafo e ele revelava fotos em casa, então, não foi uma troca. A fotografia era algo natural, não tive muita escolha na verdade. Eu tentei ir pra uma outra área, mas não deu certo e acabei trabalhando com o que me identifico. B_ Você trabalha registrando momentos especiais das pessoas, como casamentos, aniversários, nascimentos. É uma baita responsabilidade, não acha?

PRA MIM,

J_ Muita! Principalmente porque hoje as pessoas não querem mais aquela coisa tradicional, posada. Elas querem que você capture o que está acontecendo no momento, como se você tivesse assistindo ao evento, mesmo ao ver depois. Isso é uma grande responsabilidade.

FOTOGRAFAR

B_ Como você definiu seu estilo?

É RETRATAR A VERDADE DE

J_ Foi um processo muito longo, foram anos batendo cabeça em parede. Faz apenas uns dois anos que eu descobri o meu estilo de fotografia. Pra mim, fotografar é retratar a verdade de uma forma bonita. Por exemplo, se eu for fotografar um casal que seja travado ou não tão bonitos fisicamente, tenho que levar eles para um lugar legal. Quando a pessoa é fisicamente bonita, as fotos são

B_ Além da fotografia, que é digital, hoje os álbuns também são digitais. É mais fácil mostrar as fotos para todo mundo. Você lida bem com essa superexposição do seu trabalho? J_ Hoje sim, mas já houve uma época em que eu me sentia muito cobrada. Eu percebi que precisava fazer algo diferente e bonito, que as pessoas iram ver e gostar. No começo foi bem complicado. Mas depois comecei a me sentir mais segura no trabalho e, hoje, a superexposição me traz clientes. Hoje é um meio de divulgação. Inclusive, quanto mais eu patrocinar anúncios, melhor, pois eu consegui um certo renome em um núcleo específico que está cada vez crescendo mais. Eu só tenho um perfil no Facebook, hoje, por causa do trabalho, senão eu nem teria.

mais cropadas, tem mais close, é uma coisa mais fechada. Quando a pessoa não é tão bonita, então eu privilegio o ambiente e insiro a pessoa no meio. Isso é importante, porque a pessoa tem que gostar do resultado, do que ela vai ver. Ela não pode se sentir feia ali na imagem.

UMA FORMA BONITA.

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J_ Clipes de músicas! Eu vejo o dia inteiro. Sou obcecada por seriados também. Filmes. Se o filme não tiver uma fotografia bonita eu levanto e saio. Não consigo ver até o final, por mais que o roteiro seja muito bom. Por isso eu gosto de filme estrangeiro. Normalmente o roteiro não é bom, mas a fotografia é incrível, fico vendo por horas e esqueço do mundo. Eu procuro, por exemplo, os filmes vencedores de direção de fotografia, os melhores do ano, etc. Mas, quando preciso de inspiração, eu paro para ver clipes de música. Basicamente é isso. E, claro, outros fotógrafos também. É muito importante acompanhar o que estão fazendo. Não para copiar, claro. Até porque sempre vai ficar diferente, mesmo que você tente copiar. Mas é muito importante, principalmente para acompanhar a tendência de mercado, afinal eu tenho que pagar as contas. B_ Além da fotografia, que é digital, hoje os álbuns também são digitais. É mais fácil mostrar as fotos para todo mundo. Você lida bem com essa superexposição do seu trabalho? J_ Hoje sim, mas já houve uma época em que eu me sentia muito cobrada. Eu percebi que precisava fazer algo diferente e bonito, que as pessoas iram ver e gostar. No começo foi bem complicado. Mas depois comecei a me sentir mais segura no trabalho e, hoje, a superexposição me traz clientes. Hoje é um meio de divulgação. Inclusive, quanto mais eu patrocinar anúncios, melhor, pois eu consegui um certo renome em um núcleo específico que está cada vez crescendo mais. Eu só tenho um perfil no Facebook, hoje, por causa do trabalho, senão eu nem teria.

PRA MIM, FOTOGRAFAR É RETRATAR A VERDADE DE UMA FORMA BONITA.

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Exemplo de aplicação do texto dentro do grid: há uma versatilidade para preencher os espaços ou deixar respiros Era a hora, também, de inserir as imagens dos trabalhos e referências de cada entrevistado, mesclando-as com o texto e mantendo uma narrativa visual. Por isso, era importante distribuí-las de forma que complementassem a leitura e não atrapalhassem. As cores também foram muito importantes aqui, tanto para destacar as imagens quanto para diferenciar os nomes de cada entrevistado. Desta forma, cada um dos personagens teria personalidade única, sem fugir da identidade visual da obra como um todo. Perceba, no comparativo abaixo, como essas duplas de páginas diagramadas de forma semelhantes transmitem uma personalidade distinta apenas usando o jogo de cores:

B_ Tem mercado pra isso?

que é com o que eu trabalho, pode ser um pouco mais amplo, de qualquer lugar. Por exemplo, se tem um produto com uma linguagem mais street, eu posso usar como referência qualquer coisa que eu vi na rua e que seja mais urbano. Eu vejo aquilo e tento aplicar no meio digital, claro que mantendo a usabilidade, tem que fazer sentido. Mas basicamente é assim: primeiramente pesquiso concorrentes, que é o principal; vejo as tendências da área, dos aplicativos mais recentes; e, depois, aí eu tento sair um pouco do digital, buscar algo externo, pra tentar incorporar ao projeto. A ideia é que eu traga algo de diferente, pra não cair na mesmice.

D_ Tudo tem mercado. Há aquela visão que a gente tem sobre ter uma banda mas que não dá pra viver de música. Mas tudo dá, talvez seja um pouco romântico achar isso. Se você tiver disposto a se arriscar o suficiente e viver no ritmo que isso vai te impor, acho que tem mercado. Tem gente vivendo disso. B_ Pensando em quadrinhos, “sua missão aqui na terra é deixar as coisas mais belas”. Concorda? D_ Não sei se concordo totalmente. Nem sempre a gente tem que fazer as coisas ficarem mais belas. Quando se fala de quadrinhos, por exemplo, por conta da narrativa a linguagem te permite trabalhar com coisas que não são belas e isso pode até ser uma temática. O trabalho do Mutarelli, por exemplo, é todo bizarro. Eu acho bonitas as ilustrações, mas as pessoas são monstros, são feias. Ele sempre deixou isso claro. Até mesmo o trabalho do Robert Crumb, que eu acho foda e, de certa forma, dialoga com o trabalho do Mutarelli. No livro do Crumb ele fala que trabalhava em uma empresa na qual tinha que fazer cartões fofinhos de aniversário, e ele odiava. Enfim, se a missão é fazer coisas belas... acho que a questão é mais sobre saber manipular a estética. Saber quando você tem que usar o que é belo e quando não tem que usar. E isso vai pra um sentindo mais amplo, não só nos quadrinhos. B_ Então você acredita que a beleza não é tão subjetiva e, sim, mais inerente à obra em si? Por exemplo, você disse que o Crumb faz coisas feias, mas você gosta. O que define o feio e o que define o belo? D_ Eu acho que é pessoal. Acho que temos um filtro pessoal de certa forma. Mas há também um conceito coletivo. A gente consegue prever o que um determinado público vai achar bonito ou não.

Quadrinhos: A Última Vez que Vi Richard

B_ O mundo de hoje é muito interativo, eletrônico. Qual o papel do designer nisso tudo? F_ Dar função às coisas. Imagine algo complexo como um caixa eletrônico. Quando fazemos uma transação bancária, não enxergamos o que vem por trás, que é o back-end. São códigos. A gente não quer saber disso, a gente só quer digitar os números e sacar o dinheiro. E aí entra o designer. Ele vem pra facilitar. Ele vai fazer o campo de digitação de senha, vai colocar um botão na tela onde você possa clicar, etc. É esse o papel dele: dar uma função. B_ Você lida bem com a evolução da tecnologia? Afinal, isso deve afetar diretamente seu trabalho. F_ É, como trabalho devemos ficar sempre atentos. Não sei se é pela minha idade, mas tem coisas que acabam evoluindo mais do que o esperado. Às vezes aparece um novo aplicativo que todos estão utilizando e eu tenho que me forçar a usar também, porque normalmente eu não usaria. Principalmente essas coisas de redes sociais, que não sou muito ligado. Mas tenho que me forçar a utilizar por conta de estudo de usabilidade, layout, etc., sempre com o intuito de aplicar no meu trabalho. Mas, dependendo do tipo de tecnologia, eu gosto bastante.

ACHO QUE A QUESTÃO É SOBRE SABER MANIPULAR A ESTÉTICA. 21

Hotsite: Clear Men

EU TENTO SAIR UM POUCO DO DIGITAL, BUSCAR ALGO EXTERNO, PRA TENTAR INCORPORAR AO PROJETO. A IDEIA É QUE EU TRAGA ALGO DE DIFERENTE, PRA NÃO CAIR NA MESMICE.

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Os nomes das pessoas foram reduzidos à sua letra inicial no início de cada pergunta e resposta: ganhou-se espaço na diagramação e agilidade na leitura


As imagens dos trabalhos criados pelos profissionais entrevistados eram elementos visuais importantes que demandavam posições de destaque dentro da diagramação e da narrativa. Foi feita uma seleção entre as imagens enviadas para que elas pudessem ser alocadas dentro do grid, respeitando seu formato (se era horizontal ou vertical), suas cores e sua importância dentro do portfolio de cada pessoa. E, claro, também pela sua beleza formal – porque não?

B_ A moda contribui para deixar o mundo mais bonito? Ou deixa ele mais padronizado?

B_ A moda contribui para deixar o mundo mais bonito? Ou deixa ele mais padronizado?

Meia-noite em Paris, Woody Allen

G_ Deixa mais padronizado. Ou, às vezes, até contribui para deixar as pessoas mais feias [risos]. Brincadeira. Mas, como as pessoas tendem a se copiar, acho que ficou mais padronizado. Mas, realmente, não sei se ajudou a melhorar na beleza das pessoas em geral. A moda é muito antiga, já nos acostumamos. Ela já é natural, temos que nos vestir.

Meia-noite em Paris, Woody Allen

B_ Você acha o mundo de hoje mais bonito do jamais foi?

G_ Deixa mais padronizado. Ou, às vezes, até contribui para deixar as pessoas mais feias [risos]. Brincadeira. Mas, como as pessoas tendem a se copiar, acho que ficou mais padronizado. Mas, realmente, não sei se ajudou a melhorar na beleza das pessoas em geral. A moda é muito antiga, já nos acostumamos. Ela já é natural, temos que nos vestir. B_ Você acha o mundo de hoje mais bonito do jamais foi? G_ Não faço ideia. Não vejo o mundo tão bonito assim. Mas não sei se eu tivesse vivido nos anos 20 o veria bonito também. Eu adoro coisas do século XIX, os móveis, as peças de vestuário. Adoro, sou fascinada. Assisto aquele filme Meia-noite em Paris e quero voltar pro século XIX. Mas como não vivi essa época, eu não sei.

G_ Não faço ideia. Não vejo o mundo tão bonito assim. Mas não sei se eu tivesse vivido nos anos 20 o veria bonito também. Eu adoro coisas do século XIX, os móveis, as peças de vestuário. Adoro, sou fascinada. Assisto aquele filme Meia-noite em Paris e quero voltar pro século XIX. Mas como não vivi essa época, eu não sei.

Estampa digital: floral

Estampa digital: floral 40

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Trabalho de estampa exibido em destaque dentro do grid: com proporções generosas fica possível observar seus detalhes. Ele também faz o papel de encerrar a entrevista de maneira marcante

Ilustração para embalagem: Alecrim

Embalagem com ilustração: Zen - Alecrim | Jequiti

Campanha: Brahma / Onde For Brasil (Agência África)

a aniversariante. Isso é sutil. Ela vai amar o resultado, mas ela nem sabe o porquê. Se for uma foto de um grupo de pessoas, na hora de tratar a foto, eu coloco a aniversariante conforme manda a regra dos terços, porque o cérebro está acostumado a olhar para aqueles pontos. Ela também vai gostar do resultado, vai chamar a atenção dela. Outro exemplo: normalmente eu coloco um feixe de luz vindo do céu quando faço fotos de crianças. É bem sutil, quase imperceptível. As pessoas amam quando vêm, mas não percebem o motivo.

B_ Por fim, você acha o mundo de hoje mais bonito do jamais foi?

Tirinha: O Incrível Tédio Cotidiano #27

D_ Na média sim. Nós, como humanidade, nunca estivemos em tantas partes do mundo ao mesmo tempo. Acredito que só é possível ter tanta gente criando coisas em tempos como os de hoje, no qual há um intercâmbio cultural tão alto que permite que a gente tenha, por exemplo, referências de arte árabe, de quadrinhos americanos, de pinturas europeias, de elementos indígenas e tribais ao mesmo tempo. A gente tem acesso a tudo, e tudo o que produzimos fica na internet e outras pessoas podem ver e se inspirar para criar outras coisas. Nesse sentido, eu acredito que temos um mundo mais belo ou, no mínimo, mais especializado em se preocupar com o belo.

B_ A sua visão daquele momento, portanto, como profissional é o que diferencia a sua foto da que a própria pessoa poderia tirar com o próprio smartphone. Como você treina essa visão? J_ Eu tenho uma cachorrinha, a Gal. E a minha câmera fica em cima da minha mesa o tempo todo. Eu devo tirar umas duzentas fotos dela por dia. Mas é assim, buscando referências, vendo o trabalho de outros fotógrafos – tem muita gente maravilhosa, daquelas que você almeja alcançar o mesmo patamar. Cinegrafistas também, tem alguns que transformam um casamento em um filme de cinema. É incrível! Então é muito treino e muita referência pra você chegar no seu estilo, definir o que você quer, onde você vai

Ensaio de Bebê: Sofia

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Quadrinhos: Homem ao Mar

Mais alguns exemplos de destaques para os trabalhos


3.8. Capa do livro As linhas finas dos desenhos dos entrevistados permitiram criar outras formas ao uni-las de modo aleatório, criando um emaranhado de linhas coloridas. Esse novo desenho está alinhado ao contexto do livro e à ambiguidade do título, pois ele remete à linhas embaraçadas, como que se formando nós entre elas, representando os problemas das profissões criativas. E, claro, também representa os próprios profissionais unidos (nós). Por conta disso, esse desenho foi utilizado na capa do livro, juntamente com o título “Nós da Criação”.

Desenho derivado da junção de todos os entrevistados: um emaranhado de linhas coloridas

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NÓS DA CRIAÇÃO

entrevistas por B

R

U

N

O

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O

R

T

E

G

A

O que é a beleza para você? Como definir o que é belo ou não? É algo subjetivo ou é inerente ao objeto contemplado? O que tudo isso tem a ver com a estética? Já se fez todas essas perguntas? Muitos profissionais dos dias atuais lidam com essas questões diariamente – designers, ilustradores, fotógrafos, artistas. Mas, será que essas pessoas também se questionam sobre o que é o belo e a estética? Afinal, são conceitos que todas elas dominam de alguma forma – ou, ao menos, os manipulam.

NÓS DA CRIAÇÃO

Capa definida para o livro Nós da Criação

entrevistas por B

R

U

N

O

_

O

R

T

E

G

A

Aqui, neste livro, foram feitas essas e outras perguntas para esses profissionais. E suas respostas, apesar de bem pessoais, são verdadeiras reflexões, tão distintas (e às vezes divergentes) quanto interessantes. Ler e entender o pensamento de cada personalidade, e suas diferentes profissões, é entender um mundo novo; é conhecer uma nova realidade, um pensamento contemporâneo tão próximo e tão distante ao mesmo tempo.

ISBN 978‐85‐379‐2840‐0

9 788537 928400

O que é a beleza para você?

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Visão geral da capa, lombada e 4ª capa


3.9. Impressão e acabamento Devido à baixa tiragem, a impressão foi feita digitalmente. Por se tratar de uma obra que contém texto, imagem e muitas cores em sua composição, era necessário fazer a escolha de um papel que absorvesse bem a tinta de uma impressão digital sem perder a qualidade. O ideal, portanto, era um papel sem revestimento (offset). Para um acabamento mais interessante esteticamente, com toque diferenciado e mais agradável para a leitura, foi escolhido o papel Pólen. Nas palavras da própria fabricante, esse é um papel ideal para o conforto durante a leitura: O papel Pólen recebe um tratamento diferenciado, resultando em um papel de tonalidade levemente amarelada, que valoriza o produto final com um belo acabamento, conforto para os olhos e maciez ao toque. O papel Pólen tem um toque suave e ótimo acabamento de superfície. A tonalidade amarelada reflete menos a luz, proporcionando uma leitura muito confortável. Sua aparência é leve, lisa e extremamente sofisticada. [SUZANO - Papel e Celulose]

Detalhe do papel pólen: acabamento sofisticado, cor amarelada, maciez no toque e leitura mais confortável

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Além da impressão e do papel, foi dada uma especial atenção à encadernação, que foi feita com costura que permitisse a abertura total do livro. Assim, as imagens não ficariam obstruídas pela cola na lombada do livro. A capa foi impressa em papel couché de 300g, ideal para o modelo brochura. Ela tem acabamento de laminação fosca (BOPP), para manter o padrão visual interno, mais elegante, além de proteger o livro de avarias. A laminação fosca tem sido muito utilizada nos últimos anos por propiciar um acabamento discreto, resistente e elegante. É impermeável e oferece maior resistência para impressos com dobra e outros acabamentos, mantendo a qualidade do material mesmo com a frequência de uso. Outra característica interessante deste acabamento é que propicia um toque sedoso minimizando marcas de gordura (digitais) nos materiais. [Gráfica Printi]

Ainda assim, por se tratar de uma brochura, foi criado uma luva como embalagem e proteção do livro. Ela serve também como um acabamento interessante para a obra, pois ela não revela a capa do livro, apenas seu título, trazendo um efeito misterioso. Além disso, ela cria um contraste com as cores da capa e muitas linhas coloridas emaranhadas, sem que seja possível distinguir do que elas se tratam até que se retire o livro.

Detalhe do livro ainda com a luva: poucos elementos coloridos são apresentados, além do título

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3.10. Espelho editorial O livro tem 120 páginas que mantém um ritmo interessante e uma narrativa visual sem monotonia

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©2016 | Organizador: Bruno Ortega Publicado em ©2017 por Editora Brunortega

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Entrevistados (Conteúdo): Diego Esteves, Fernando Dutra, Gabrielle Matos, Juliana Pacheco, Rafael Forshaid, Stella Gafo, Kamila Bebber

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Edição: Bruno Ortega Supervisão Editorial: Cláudio Ferlauto Revisão: Bruno Ortega Projeto gráfico e capa: Bruno Ortega

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

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Ortega, Bruno Nós da Criação - São Paulo, Editora Brunortega, 2016

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1. Design 2. Criação 3. Estética 4. Belo Índice para catálogo sistemático: 1. Design Gráfico : Artes Gráficas

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À todos os professores do curso de pós-graduação em Design Gráfico – Conceito e Aplicação da FAAP (2015/2016), em especial aos professores Cláudio Ferlauto, como orientador fundamental, ao C. E. Perrone, como coordenador e também orientador do curso e Marcelo Aflalo que, talvez sem saber, deu luz à esse projeto.

745.4

ISBN 978-85-88343-71-0

Introdução Diego Esteves / quadrinhos Gabrielle Matos / moda Fernando Dutra / design digital Juliana Pacheco / fotografia Rafael Forshaid / ilustração Stella Gafo / produção de vídeo Kamila Bebber / design gráfico

Aos profissionais (e amigos) que cederam um pouco do seu tempo para esse projeto, concedendo as entrevistas e imagens dos seus portfolios, mas que também proporcionaram bons momentos e boas conversas pós-entrevistas, regadas à vinhos, whisky, cappuccino e bolo de cenoura.

Editora Brunortega Rua Apiacás, 950 - São Paulo / SP CEP: 05017-020 www.brunortega.com.br

À minha esposa, Amanda, por toda ajuda, incentivo e paciência. Aos colegas de classe, sempre dando ótimas sugestões e opiniões, participando ativamente da composição deste projeto.

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a verdade, a perfeição; existe em si mesma, apartada do mundo sensível, residindo, portanto, no mundo das ideias. Assim, temos uma concepção de belo que se afasta da interferência e da participação do juízo humano, ou seja, o homem tem uma atuação passiva no que concerne ao conceito de belo: não está sob sua responsabilidade o julgamento do que é ou não é belo. O belo também estaria inerente às coisas.

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“A missão de vocês aqui na Terra é deixar as coisas mais bonitas”. Quando o professor, designer e arquiteto Marcelo Aflalo provocou seus alunos com essa frase, durante a aula de Sinalização do curso de pós-graduação em Design Gráfico da FAAP, uma inquietude caiu sobre mim. Eu era um de seus alunos e estava buscando um tema para meu projeto de conclusão de curso. A frase, então, fez borbulhar muitas questões imediatamente. Será que a nossa missão se resume apenas a isso? Faz sentido, afinal quando se contrata um designer, se pretende deixar algo mais bonito, mais vistoso, mais funcional. Que nobre missão! Soaria até um pouco arrogante caso essa fosse apenas missão dos designers, mas não é. Fotógrafos, artistas, ilustradores, produtores, arquitetos... todas as profissões criativas existem para trazer beleza ao mundo. Mas, afinal, o que é a beleza? Belo para quem? Quem decide o que é belo? São esses profissionais, ou está na subjetividade de cada um? Eu me fiz todas essas perguntas naquele momento e tentei respondê-las, sem muita certeza ou conhecimento. Mais importante, porém, do que as respostas, foi perceber o quanto essas questões eram interessantes. Tão interessantes que eu gostaria de fazer as mesmas perguntas para todos esses outros profissionais. Foi, então, o que decidi fazer. E assim nasceu esse projeto e, como resultado, este belo livro – ou não tão belo assim? Para esse projeto acontecer, a primeira tarefa era entender os conceitos de “estética” e “belo” “belo”, ao menos o suficiente para formular as perguntas que seriam feitas nas entrevistas com os profissionais de criação. Por isso, apresento aqui, nesta introdução, um resumo do que foi coletado sobre o assunto para que você, leitor, tenha a mesma base de informações que foi passada aos entrevistados antes de eu lhes fazer as perguntas. É superficial, peço desculpas. Mas creio que isso não seja um problema, pois colaborou com a ideia de ter uma conversa mais natural possível

sobre a visão e compreensão de cada um sobre esses assuntos, além de falarem também de suas profissões e, claro, da vida. Conceitos filosóficos da estética e do belo Os filósofos clássicos da Grécia antiga já versavam sobre o que era a estética e o belo. A própria palavra, estética, deriva da palavra grega Aisthésis, que significa percepção, sensação, sensibilidade. Com ela, os filósofos tentavam explicar os processos fisiológicos envolvidos na percepção de um objeto. A estética é, portanto, a área da filosofia que estuda racionalmente o belo e o sentimento que ele suscita nos homens. O belo, por sua vez, é aquilo que desperta a emoção estética por meio da contemplação. Perceba que a palavra “estética” abrange a pessoa que é sensibilizada por algo que a afetou e que gerou nela algum tipo de sentimento. Portanto, isto que ocorre é uma interação entre coisas que estão no sujeito e coisas que estão fora dele. O corpo faz, deste modo, uma mediação: uma ponte entre o sensível (o que pode ser sentido) e o intelectual (o pensamento); tem contato com duas dimensões: subjetividade interior e realidade do mundo.

Isso veio mudar apenas no século XVIII, quando filósofo alemão Alexander Baumgarten (1714-1762) resolveu separar a estética da poética dando, assim, nome ao estudo das obras de arte como criação da sensibilidade, tendo por finalidade o belo. A Estética passaria a englobar tanto o estudo dos objetos artísticos quanto os efeitos que estes provocam no observador, abrangendo os valores artísticos e a questão do gosto. Nesse mesmo século, Immanuel Kant (1724-1804), utilizando os textos de Baumgarten, define que o belo está relacionado à sensação de prazer, são sentimentos subjetivos que se dão a partir da faculdade de juízo. O conteúdo do juízo estético, para Kant, é a reação do sujeito, e não uma propriedade do objeto. Define, portanto, a questão do gosto pessoal que, ainda hoje, se diz que não se deve discutir. Além dessa, há também a questão do universalismo: para Kant, quando emitimos uma opinião – ao dizer que algo é belo, por exemplo – somos tendenciosos e temos a pretensão de tornar nossa opinião universal.

O uso da palavra estética como estudo, porém, é recente. Entre os gregos, na antiguidade, usava-se frequentemente o termo “poética” [de poiesis: criação, fabricação, composição], que era aplicado à poesia e a outras artes. E, para esses filósofos, o belo existiria em si, ou seja, era inerente às coisas e aos objetos. Segundo Aristóteles, por exemplo, podemos definir o belo formalmente, isto é, a partir de certas características das formas dos objetos que, estando elas presentes, o objeto tem larga chance de ser belo. Três destas características formais são a ordem, a simetria e a proporção. Segundo esse pensamento, uma escultura que contivesse essas três características, por exemplo, poderia ser considerada bela. Já para Platão, seu mestre, o belo é o bem,

Por fim, e já contemporaneamente, Pierre Bourdieu (1930-2002) analisa a questão do gosto a partir de uma interpretação sociológica, ou seja, o gosto cultural e os estilos de vida estão profundamente marcados pelas trajetórias sociais vividas por cada um dos indivíduos e seus grupos sociais. Com seu livro A distinção – crítica social do julgamento (França, 1979) ele causou um grande mal-estar na época, principalmente entre a burguesia, afirmando que o gosto cultural é produto e fruto de um processo educativo, ambientado na família e na escola e não fruto de uma sensibilidade inata dos agentes sociais. Com esse argumento, Bourdieu põe em discussão um dos maiores consensos do século, qual seja, gosto não se discute. Para ele, o gosto cultural se adquire; mais do que isso, é resultado de diferenças de origem e de oportunidades sociais. Ou seja, gosto deveria ser discutido, sim. Profissionais entrevistados

Já para Hegel (1770-1831), que bebeu da fonte de Platão, existe uma diferenciação fundamental entre o belo artístico e o belo natural. O belo da arte está diretamente relacionado com a pureza do espírito, enquanto que o belo natural se encontra diretamente submisso à realidade da natureza. Pare ele, este segundo tipo de belo, o natural, fica de fora da estética, que se deve ocupar apenas do belo criado pela arte. Já o belo artístico seria muito superior ao natural porque provém do espírito, e o que é espiritual é sempre

Essa breve introdução foi feita para todos os entrevistados antes de iniciar as conversas. Eles teriam, assim, uma base melhor para debater, uma vez que todos já têm opiniões próprias a respeito dos assuntos abordados. A seleção dos profissionais foi feita, prioritariamente, pelas suas áreas de atuação. Por serem áreas distintas, o pensamento criativo e o modo de enxergar o trabalho poderiam gerar diferentes visões. Aqui, nessa edição, você acompanhará as reflexões de designers (gráfico, digital e de moda), um ilustrador, uma fotógrafa, um quadrinista e uma produtora de vídeos publicitários. Para ilustrar – e, porque não, embelezar – as páginas das entrevistas, imagens dos trabalhos e referências de cada uma dessas pessoas acompanharão o debate. Espero que, assim como foi para mim, essas reflexões lhes sejam proveitosas e interessantes. Quanto à beleza do livro em si (afinal, o projetei para que fosse belo), deixarei ao seu critério decidir. Mas o leia primeiro!

Bruno Ortega

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B_ Então a publicidade foi uma introdução?

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D_ Acho que sim. Foi uma introdução para a direção de arte.

Bruno_ Você é um publicitário, mas hoje trabalha com direção de arte e design. Porquê? Diego_ Eu acho que por uma série de motivos. Mas acho que começa com o fato de que, quando eu entrei na faculdade, eu não sabia bem o que estava fazendo [risos]. B_ Clássico. D_ Acho que, no fundo, o que eu gostava da publicidade, o que eu achava interessante, era a direção de arte. Eu só ainda não sabia disso. Até então eu não conhecida ninguém, não tinha um referencial – um tio ou conhecido da família – que fosse publicitário, designer, diretor de arte, ilustrador ou qualquer coisa assim. Era sempre uma coisa muito abstrata. Eu tinha uma visão de que havia os artistas, esses que pintavam quadros, e a galera que trabalha com publicidade. Porque, de fato, eu acho que a publicidade dialoga com muitas áreas: cinema, pintura, ilustração... Mas foi mesmo na faculdade que eu descobri que se tratava de outra coisa essencialmente. Agora, por que eu cair nisso (arte e design)? Acho que foi meio natural. Eu comecei a me direcionar pra isso. As matérias da faculdade que tinham a ver com isso me interessavam mais e fui mergulhando nessa área, até que virou estágio, trabalho, e foi seguindo assim. Mas, no fundo, uma coisa que a publicidade faz muito bem é expor as pessoas a um leque de coisas diferentes. Acho que isso é bem comum, na real. Há publicitários que trabalham tanto com direção de arte como com bares temáticos e coisas do tipo. Qualquer coisa nova na cidade, um food truck maneiro, pode ver que é de um publicitário cansado da vida de agências [risos].

quadrinista

Diego Esteves

superior ao que é natural, uma vez que só o espírito é verdade e o belo natural é um reflexo do espírito.

B_ E os quadrinhos, de onde surgiram? D_ Eu comecei a ler quadrinhos quando era criança, como todo mundo. E eu tinha a mesma visão que acredito que todos têm: a de que quadrinhos tem uma linguagem infantil. Aliás, de que é uma forma de literatura infantil. Me lembro que eu lia muito mangá na época do colégio, eu trocava edições com a galera. A Turma da Mônica veio antes disso, quando comecei a ler, pois eu tinha dificuldade de aprender a ler. É uma história bem comum, muita gente começou assim. E quando eu estava no cursinho, chegou até mim umas coisas do Neil Gaiman – eu acho que foram Violent Cases¹ e Orquídea Negra², se eu me lembro bem – que algum colega me emprestou, e foi aí que comecei a ver que havia coisas diferentes em quadrinhos. Acho que esse foi o primeiro passo. Então, quando entrei na faculdade, eu podia pegar quadrinhos na biblioteca. Inclusive Sandman, tinha Asterix e Obelix, que eu já conhecia das tirinhas. Foi aí que eu comecei a mergulhar num outro lado dos quadrinhos, quando eu descobri essa vertente que agora é meio cult, e que gostam de chamar de Graphic Novel – essa é uma discussão longa. Mas, basicamente, foi quando eu vi aquilo que eu percebi que poderia me expressar daquela forma. Percebi que aquilo não servia só pra contar a história da Magali comendo maçã. Essa linguagem vai além. E como eu já estava me aproximando da ilustração, também na faculdade – que foi muito rica para eu testar coisas, como vídeo, web, pintura em tela – foi meio natural essa atração. Mas, ainda assim, eu só fui fazer quadrinhos mesmo depois de ter terminado a faculdade. Isso, porém, já estava na minha cabeça. Eu comecei a pintar e desenhar mais, até que uma hora saiu algo.

¹ Violent Cases (2014), Neil Gaiman, Dave McKean. Editora Aleph.

² Orquídea Negra (2013), Neil Gaiman, Dave McKean. Editora Panini.

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B_ Acha que isso pode causar estranheza em quem lê seus quadrinhos? Ou esse é seu estilo e é isso que você procura esteticamente?

B_ Então começou como algo pessoal? D_ Sim. Essa é uma linguagem difícil, é um desafio. Sempre acho que não vou conseguir terminar, seja uma tirinha ou uma história completa. Tenho muita coisa iniciada no momento, mas sem previsão de terminar. Mas eu acho que aquela motivação por desafio funciona muito com quadrinhos pra mim. E, dentro de todas essas coisas que eu testei, a única que eu continuei fazendo foram os quadrinhos. Acho que isso diz alguma coisa. B_ E seus quadrinhos são para crianças?

DENTRO DE TODAS ESSAS COISAS QUE EU TESTEI, A ÚNICA QUE EU CONTINUEI FAZENDO FORAM OS QUADRINHOS. ACHO QUE ISSO DIZ ALGUMA COISA.

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D_ Olha, eu acho que não. Eu faço pra mim, essencialmente. O que eu não sei se é bom, mas é um jeito de me manter motivado. Eu já tive blog, Tumblr, e outros meios pra tentar ter alguma audiência. Eu pensava: se estou falando, quero que alguém escute.

³ Lavagem (2015), Shiko. Editora Mino.

B_ E onde você aprendeu a desenhar? D_ Eu acho que não aprendi ainda! [risos]. Essa é uma grande questão, sempre. Continuo tentando. Mas o grande lance foi descobrir que é isso mesmo, que não tem outro jeito. Ninguém aprendeu. Talvez alguém discorde, mas esse é o caminho, sempre estar descobrindo. E, por isso mesmo, é um desafio contínuo. Foi só quando eu aceitei que está tudo bem em não saber desenhar que eu parei de me preocupar com isso e me preocupei mais em fazer. Hoje me preocupo muito mais com isso do que em aperfeiçoar meu traço. Obviamente poderia ser melhor, mas eu nem sei se um dia vai ser. Isso sempre foi uma crise, sempre achei que eu desenhava mal, todo mundo me dizia isso, e ficou marcado. E deve ter muita gente que ainda acha isso hoje, e tudo bem.

D_ Na linguagem das HQs, o traço se funde com a narrativa – e esse é um outro aspecto que não sou muito requintado, estou sempre tentando melhorar. Mais do que ser um objetivo, é a forma como eu consigo fazer, e acabo aceitando isso. No início, eu sempre pensei em ter um estilo ou em se um dia eu conseguiria criar um estilo. Ilustradores muito técnicos, em geral, têm um estilo que eles gostam de fazer, mas a verdade é que eles fazem qualquer coisa. Tive professores assim, e tem uma galera que eu acompanho que também são. Por exemplo, quando eu vejo o trabalho do Shiko – que lançou uma HQ pela Mino (editora), chamada Lavagem³ – penso que ele é um puta ilustrador. O Lavagem foi todo feito com pincel e nanquim. E esse é o estilo dele, que ele curte. Mas se você pedir um desenho de qualquer estilo, eu tenho certeza que ele faz, pois ele tem muita técnica. Ele consegue emular técnicas. E eu não sou esse cara. Outro exemplo é o Pedro Franz que, além de quadrinista, é artista plástico e tudo o que ele faz parece ter uma consistência autoral maior. Com o tempo você consegue identificar uma ilustração dele, só de ver. Claro, tem vários outros assim no mundo inteiro. Se eu tiver perto de alguma dessas coisas, talvez seja mais no segundo exemplo. Faz parte do caminho você aceitar o seu estilo, achar o que você gosta dele e explorar isso. Pelo menos pra mim foi assim. Eu não acho, por exemplo, que faço coisas muito belas. Sempre que tento, acredito que eu falho. E aí acabo indo por outro caminho, que acaba sendo mais autoral. E, de certa forma, isso se torna único, pois só você consegue desenhar assim, mesmo que “errado”.

B_ Seu traço então é mais rústico do que técnico?

B_ Eu ia te perguntar sobre suas inspirações, mas você já mencionou alguns. São esses mesmos?

D_ Bem mais rústico do que técnico.

D_ Esses com certeza. É difícil mencionar alguns, já que temos

Tirinha: Ciclo Infinito

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um cenário bem destacado agora no Brasil. Esse cenário nunca morreu, mas chegou a ficar bem underground. Hoje está um pouco mais acessível, acredito que por conta da internet. Eu fiz uns cursos também, de desenho, que me aproximaram dos quadrinistas. Quando comecei a fazer tirinhas, paralelamente, eu fiz um curso com o Rafa Coutinho e com a Laerte, no ateliê deles. Era um curso meio não-curso. Juntava uma galera uma vez por semana pra desenhar e discutir sobre desenho. E foi aí que comecei a ver que todo mundo tem crise com seu traço. Tinha aula com modelo e aula livre. No final a gente era convidado a expor os desenhos feitos para discussão. Eu estava meio travado e recebi vários comentários e sugestões, como levar um papel maior, ou fazer traços maiores. E todos tinham as mesmas crises. Eu ouvia a Laerte dizendo que não sabe desenhar até hoje e pensava: “Como assim? Olha o que você acabou de fazer! Você não pode me dizer uma coisa dessas”. Mas enfim, pode né? E é isso, a gente nunca vai aprender, nem nunca vai estar satisfeito. É uma eterna frustração. Um outro curso que eu fiz, um tempo depois, foi com o Lourenço Mutarelli lá no Sesc. Era um curso de férias dele, durava um mês. E o nome do curso era algo como “Desenho para quem acha que não sabe desenhar”. Eu já tinha feito “A Última Vez que Vi Richard”, minha primeira HQ, então acho que eu nem era o público desse curso. Ele queria pessoas que não tinham nenhum contato com isso. Mas, independentemente disso, o curso foi muito legal, porque faz você pensar o desenho e problematizar o fato de estar desenhando. Acho que são esses caras, além de uns gringos, também. Apesar de eu não me identificar tanto com quadrinhos de heróris, como os da Marvel e DC. B_ Então você lê mais quadrinhos independentes. D_ Mais quadrinhos independentes...

A GENTE NUNCA VAI APRENDER, NEM NUNCA VAI ESTAR SATISFEITO. É UMA ETERNA FRUSTRAÇÃO. 19


B_ Tem mercado pra isso? D_ Tudo tem mercado. Há aquela visão que a gente tem sobre ter uma banda mas que não dá pra viver de música. Mas tudo dá, talvez seja um pouco romântico achar isso. Se você tiver disposto a se arriscar o suficiente e viver no ritmo que isso vai te impor, acho que tem mercado. Tem gente vivendo disso. B_ Pensando em quadrinhos, “sua missão aqui na terra é deixar as coisas mais belas”. Concorda? D_ Não sei se concordo totalmente. Nem sempre a gente tem que fazer as coisas ficarem mais belas. Quando se fala de quadrinhos, por exemplo, por conta da narrativa a linguagem te permite trabalhar com coisas que não são belas e isso pode até ser uma temática. O trabalho do Mutarelli, por exemplo, é todo bizarro. Eu acho bonitas as ilustrações, mas as pessoas são monstros, são feias. Ele sempre deixou isso claro. Até mesmo o trabalho do Robert Crumb, que eu acho foda e, de certa forma, dialoga com o trabalho do Mutarelli. No livro do Crumb ele fala que trabalhava em uma empresa na qual tinha que fazer cartões fofinhos de aniversário, e ele odiava. Enfim, se a missão é fazer coisas belas... acho que a questão é mais sobre saber manipular a estética. Saber quando você tem que usar o que é belo e quando não tem que usar. E isso vai pra um sentindo mais amplo, não só nos quadrinhos. B_ Então você acredita que a beleza não é tão subjetiva e, sim, mais inerente à obra em si? Por exemplo, você disse que o Crumb faz coisas feias, mas você gosta. O que define o feio e o que define o belo? D_ Eu acho que é pessoal. Acho que temos um filtro pessoal de certa forma. Mas há também um conceito coletivo. A gente consegue prever o que um determinado público vai achar bonito ou não.

ACHO QUE A QUESTÃO É SOBRE SABER MANIPULAR A ESTÉTICA.

Quadrinhos: A Última Vez que Vi Richard

B_ Seria algo como o pensamento de Aristóteles, sobre ordem, simetria e proporção? D_ Acho que é um pouco mais amplo do que isso. É mais uma questão cultural, no sentido de que, mesmo como uma sociedade global, ainda temos pequenas tribos, com pessoas gostando de coisas em comum. Minha mãe não gostaria das obras do Crumb. Acho que a noção de belo passa pelas referências sociais, as referências que cada grupo social tem. É um filtro do indivíduo de certa forma, mas é um reflexo desse grupo do qual o indivíduo pertence, ou acredita pertencer. Na Feira Plana (feira de publicações independentes) você sempre vai encontrar homens com barba, camisetas engraçadas, hambúrguer e cerveja artesanal. Você pode até não querer aceitar que pertence a isso, mas há um padrão. Comemos, vestimos e lemos as mesmas coisas. E a noção de estética, do belo ou não, passam por esses grupos – que não é apenas um, pois fazemos parte de mais de um grupo, hoje.

ENTRE AS COISAS QUE EU APRENDI, E QUE PASSARAM A FAZER SENTIDO PRA MIM, É QUE QUADRINHOS SÃO UMA LINGUAGEM.

B_ E qual é, pra você, a contribuição dos quadrinhos no mundo de hoje? D_ Pergunta legal. Recentemente eu fiz uma disciplina de quadrinhos na USP, chamada Leitura e Análise de Interpretação, com o professor Valdomiro e com o Iuri, outro professor. Entre as coisas que eu aprendi, e que passaram a fazer sentido pra mim, é que quadrinhos são uma linguagem, que antes eu pensava como sendo uma forma de literatura, ou um gênero literário – e há quem defenda isso academicamente, inclusive. Mas hoje acredito que seja mesmo uma linguagem própria, com nuances e características próprias. Ela de certa forma dialoga com a literatura, assim como com a pintura ou com o cinema também. E, nesse sentido, a grande contribuição dos quadrinhos, atualmente, é ser uma forma única de expressão. Eu curto muito as HQs autobiográficas, então você tem obras desenhadas, escritas e editadas pela mesma pessoa. O que é impossível no

Tirinha: O Incrível Tédio Cotidiano #32 / Último Comprimido

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cinema, por exemplo, ou diferente da literatura, que não tem a parte visual. Tudo é autoral: a história, a narrativa, o traço do desenho. A grande contribuição dos quadrinhos pode ser essa. Por exemplo: histórias como Persépolis, da Marjane Strapi, que fala sobre o Irã sofrendo um golpe, são pesadas. E os quadrinhos permitem que você suavize e esgarce essa relação entre autor e leitor. Se fosse literatura, o efeito seria outro. Por isso os quadrinhos são outra linguagem mesmo. Por outro lado, um dos desafios dos quadrinhos também, em termos de alcance, é tentar se mostrar dessa forma para o grande público. A maioria das pessoas ainda enxergam quadrinhos como sendo apenas Capitão América e Turma da Mônica. Algo que é infantilizado ou estereotipado, de certa forma.

B_ Por fim, você acha o mundo de hoje mais bonito do jamais foi?

Tirinha: O Incrível Tédio Cotidiano #27

O próprio nome também é um problema e há uma discussão em torno disso. No brasil, por exemplo, chamamos de Histórias em Quadrinhos, que vem da própria estrutura da linguagem, que são histórias contadas em quadros. Mas em inglês, ou mesmo em espanhol, eles chamam de Comics, que não necessariamente tem a ver com a linguagem, e sim com um gênero. Por isso surgiu a necessidade de cunhar o termo Graphic Novel, pra tentar traduzir melhor o que é a linguagem.

D_ Na média sim. Nós, como humanidade, nunca estivemos em tantas partes do mundo ao mesmo tempo. Acredito que só é possível ter tanta gente criando coisas em tempos como os de hoje, no qual há um intercâmbio cultural tão alto que permite que a gente tenha, por exemplo, referências de arte árabe, de quadrinhos americanos, de pinturas europeias, de elementos indígenas e tribais ao mesmo tempo. A gente tem acesso a tudo, e tudo o que produzimos fica na internet e outras pessoas podem ver e se inspirar para criar outras coisas. Nesse sentido, eu acredito que temos um mundo mais belo ou, no mínimo, mais especializado em se preocupar com o belo.

Tirinha: O Incrível Tédio Cotidiano #29

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Quadrinhos: Homem ao Mar

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Gabrielle_ Sim. Eu trabalho com design têxtil, que é um ramo da moda, mas não deixa de ser design. Eu quis me especializar e entender um pouco mais da área do design e ampliar minhas ideias. O mundo da moda não é tão aberto, então imagino que o conhecimento do design seja um algo a mais. B_ Que tipos de técnicas ou fundamentos do design são aplicados em um projeto de moda? G_ Na estamparia aprendemos técnicas como rapport, grid, ilustração... são técnicas de design que também são usadas em moda. Na verdade são técnicas muito parecidas. Muitas coisas do curso de design eu já conhecia. Fizemos colagem de fotos, ou fotomontagem, que utilizamos muito em moda, onde temos que fazer painéis temáticos para ajudar na criação. Então tem essa conexão. Tive aula de cores, também, nos dois cursos. Já tive que pintar muitas etiquetinhas até conseguir chegar na cor certa. Basicamente é muito parecido, não estão muito distantes as duas áreas. Por isso, uma complementa a outra.

designer de moda

Gabrielle Matos

Bruno_ Você se formou em moda e hoje está se especializando em design gráfico. A ideia é que uma coisa complemente a outra?

B_ Quando se fala em moda, todo mundo pensa naqueles desfiles da SPFW. Como é realmente trabalhar com moda? G_ Não é bem assim. A moda não é nada além de uma tendência mundial. Vem uma tendência do exterior, um pouco antes dos desfiles serem feitos. Depois que soltam os desfiles, nós, que trabalhamos com a parte comercial, pegamos algumas coisas (referências), mas tudo não dá. Desfile é alta costura, é para deslumbrar. Não é algo comercial, ninguém compra aquelas peças para usar no dia seguinte. É uma coisa de apreciação, de como o estilista consegue usar as técnicas que ele tem para construir um vestido de diversas formas que não usamos no dia a dia. A gente absorve algumas coisas: se o cara usou roupa curta, legal! Quer dizer que ele deve estar lembrando dos anos 60, bacana, então vamos seguir, porque tem gente usando. Então, na verdade, é uma tendência mundial. Sai no exterior e começam a identificar o que pode ser usado nas coleções. Aqui, no Brasil, tudo é cópia da Europa. O que sair na Europa e nos EUA, os estilistas brasileiros vão até lá e compram as peças. Como as estações do ano são diferentes das nossas, então, temos uma estação atrás – se lá é inverno, aqui ainda é verão. É no verão que vamos construir as coleções de inverno. Então tem que ir pro exterior, comprar as peças e imitar. É pura imitação. B_ Então imitamos a tendência das estações. Mas e a questão regional, também não interfere nas coleções? G_ Interfere sim. A gente imita, mas também damos nosso toque. Não dá pra fazer tudo igual, nunca chegaremos aos mesmos tecidos. Os tecidos importados são muito caros, às vezes nem vale a pena. Então sempre damos o nosso toque, mudamos algumas coisas, mas a tendência continua a mesma. Se é blusa curta, vai ser blusa curta. Se é calça boca de sino, aqui também vai ser isso. E tudo bem que aqui seja jeans e lá fora couro. A ideia é trazer a tendência pra cá.

AS MARCAS PEQUENAS NÃO COSTUMAM OUSAR MUITO POR MEDO DE NÃO VENDER E, SE NÃO VENDER, ELAS QUEBRAM.

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B_ Então as estampas acabam sendo mais regionais?

um resgate. A gente vai e volta o tempo inteiro. Os anos 20 foram os anos dourados, com vestidos longos, sem cintura, bem retos e com silhueta. Nos anos 30, começa o prêt-à-porter – termo que denomina a produção em massa – e a alta costura sofre uma queda. Tudo isso junto com o pós-guerra e sua escassez, as pessoas não têm dinheiro, a produção cai. Então vem os anos 40 e aí vem o brilho, anos lindos de Hollywood, o dinheiro reaparece. A moda, portanto, é muito relacionada com o contexto social. Se você pegar o intervalo entre 1500 e os anos 2000, é facílimo identificar. Me dá uma foto e eu consigo saber a época que ela foi tirada. Mas dos anos 2000 pra cá pouco mudou.

G_ Até as estampas são bem copiadas, mas depende muito da marca também. Tem marcas maiores que tem uma aceitação maior de público e podem ousar um pouco mais. As marcas pequenas não costumam ousar muito por medo de não vender e, se não vender, elas quebram. O Alexandre Herchcovitch pode fazer o que ele quiser, porque ele tem nome. Se ele quiser fazer uma blusa pink com estampa de flor laranja ele faz, e ele vende! Porque ele tem um nome consolidado. Uma marca pequena não consegue fazer isso. B_ Sei que a moda influencia em muitas coisas, além do vestuário. Ela pode indicar tendências de cores, comportamento, estilo de vida. Você acredita que ela ainda tem mesmo esse poder?

B_ O que define o que uma pessoa irá vestir: o gosto pessoal ou é uma imposição da moda? G_ As duas coisas. A moda vai colocar o que ela quer no mercado, mas você tem a opção de não comprar aquilo. Se você for preguiçoso, você pode comprar o que a moda impõe, que geralmente é o que se usa por usar. Mas, se você não gostar, não é obrigado a comprar.

G_ Tem, e basta olhar os anos passados. Quantos grupos sociais existiram entre os anos 60 e 80? Punk, hippie, pop com meias coloridas... e hoje existem esses grupos também, como os hipsters. Tem o estereótipo das patricinhas, que é um estilo de vida e um modo de se vestir. B_ Você mencionou os anos 80. Desde os anos 20, ou 30, vemos uma mudança drástica no jeito de se vestir e no comportamento das pessoas, mais ou menos a cada década. A moda ainda tem essa evolução?

B_ A moda não é um pouco perversa por conta dessa imposição?

SE A MODA DECIDIR QUE ESSE SERÁ

G_ Não. Você consegue identificar o que você usava em 2006? Depois dos anos 2000 não dá mais pra identificar. E muda em 2002, depois em 2003, porque na verdade virou um resgate das décadas passadas. Em um ano se decide resgatar algo dos anos 60 e, no ano seguinte, resgatamos dos anos 80. A moda hoje é

O ANO DOS HIPPIES, É ASSIM QUE

Estampa digital e ilustração manual: floral

SERÁ. 33

G_ Eu acho que é um pouco, sim. Queira ou não, ela tira um pouco esse poder de escolha das pessoas. Se ela decidir que esse será o ano dos hippies, é assim que será. E, caso um indivíduo queira se encaixar no contexto social, ele fica sem opção. E isso é um pouco cruel. Se fosse apenas uma questão de gosto, todo mundo ia vestir o que quisesse. O que é muito difícil, porque as pessoas tendem a se copiar. É super comum, veja os adolescentes. Tenho uma prima de 15 anos e, quando ela vê uma amiga com uma blusa nova, ela quer aquela mesma blusa. E ela deve estar na moda porque tem uma blogueira usando, ou uma atriz que usou em determinado seriado que elas assistem. Enfim, a mídia também tem muita influência.

Blusa em desenho planificado

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MINHA MISSÃO É FAZER COISAS BONITAS PRA MIM, COISAS QUE EU CONSIDERE BELAS.

B_ Porque você acha que as pessoas fazem isso, de se copiarem? G_ Não sei, acho que pra se encaixarem no contexto social. Na adolescência eu fazia isso e, se eu não fizesse, eu me sentiria excluída. Hoje já não ligo muito. B_ Já falamos sobre as estações do ano e as questões culturais e regionais, que interferem diretamente no modo como as pessoas se vestem. Isso ajuda ou é um problema pra quem trabalha com moda? G_ Nenhuma das duas coisas. Na hora de criar uma peça de vestuário, você usa seu repertório, que pode vir desse contexto regional. É como no design, cria-se a partir do repertório. Então não dificulta, porque você busca referências externas, mistura ao seu repertório e cria algo diferente. Claro que isso vai agradar mais o público daqui, da mesma região. B_ Como você busca referências para um projeto de moda? G_ Em todo lugar. Na faculdade a gente era instigada a não buscar referências em outras peças. Já fiz uma coleção inspirada na rainha de gelo de Nárnia. Então vem de filmes, de músicas. Já fiz também uma coleção cuja inspiração foi a música Better for the Sun, do Placebo. Enfim, é em todo lugar, em tudo o que vivemos. Até uma árvore que vemos na rua pode servir como referência. Mas o meio comercial, hoje, copia muito das outras coleções. É até engraçado. Se você tem que criar uma coleção cujo tema é a vida no campo, você tem que buscar imagens de tudo o que é relacionado a esse tema e criar um painel. Dalí você parte para a criação. Mas, ainda assim, muitas coisas acabam sendo parecidas. A Pantone, por exemplo, dita muito a tendência de cor. Ela sempre ela lança a cor do ano e sempre tem que ficar atento a isso. Quando isso acontece, já sabemos que todo mundo vai usar aquela cor. E, como todo mundo vai querer comprar, nós também temos

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que usar. Então, temos que estar atentos às tendências das cores, das formas, ver quais são as combinações. Daí você pensa em um tema e mistura tudo isso. Assim é que criamos comercialmente. B_ “Sua missão aqui na terra é deixar as coisas mais belas”. Concorda com essa frase? G_ Não concordo. Eu sou meio maluca, gosto de coisas malucas. Mas tem gente que não curte. O belo é relativo, então não dá pra afirmar isso. Minha missão é fazer coisas bonitas pra mim, coisas que eu considere belas. Eu crio pra mim. Lembro que tive chefes que pediam para eu criar algumas coisas das quais eu discordava, pois eu jamais usaria aquilo. Porque eu vou fazer então? Então eu dava um jeitinho de mudar algumas coisas, sugerir outras, pra tentar deixar um pouco melhor. Tenho um amigo designer que alcançou o poder de recusar trabalhos. Ele escolhe o que quer fazer. Se ele achar o briefing absurdo, ele recomenda ao cliente procurar outro profissional. Eu achei aquilo incrível! Mas infelizmente não tenho essa habilidade ainda. B_ Você acredita que a beleza é subjetiva ou há algo indiscutivelmente belo? G_ Tudo é discutível nessa vida. A beleza é subjetiva.

Vestido de malha tricô em desenho planificado

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3.10. Espelho editorial B_ A moda contribui para deixar o mundo mais bonito? Ou deixa ele mais padronizado?

B_ Você acha o mundo de hoje mais bonito do jamais foi?

Fernando Dutra

G_ Não faço ideia. Não vejo o mundo tão bonito assim. Mas não sei se eu tivesse vivido nos anos 20 o veria bonito também. Eu adoro coisas do século XIX, os móveis, as peças de vestuário. Adoro, sou fascinada. Assisto aquele filme Meia-noite em Paris e quero voltar pro século XIX. Mas como não vivi essa época, eu não sei.

Estampa digital: floral

designer digital

Meia-noite em Paris, Woody Allen

G_ Deixa mais padronizado. Ou, às vezes, até contribui para deixar as pessoas mais feias [risos]. Brincadeira. Mas, como as pessoas tendem a se copiar, acho que ficou mais padronizado. Mas, realmente, não sei se ajudou a melhorar na beleza das pessoas em geral. A moda é muito antiga, já nos acostumamos. Ela já é natural, temos que nos vestir.

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F e r n a n d o _ D u t r a d

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Bruno_ Seu pai trabalhava com gráfica. Hoje você trabalha com design digital. O que te fez ir pra esse caminho? Fernando_ Oportunidade mesmo. Eu cheguei a trabalhar com ele, comecei no design gráfico e queria seguir esse caminho. Na verdade, foi assim: comecei a conhecer a internet e isso me abriu um mundo novo. Pensei que daria pra explorar isso, que eu poderia criar o site sobre o que eu quiser para quem quisesse ver. Abriu a minha mente. E um amigo já tinha feito um curso de HTML e Webdesign e, então, eu comecei a estudar por conta própria. Assim fui criando conteúdo mais digital, até montar um portfolio. Daí comecei a direcionar meu currículo para essa área, para as vagas de emprego com perfil digital. Não que eu não tenha tentado para off-line também, mas a primeira oportunidade de trabalho foi com digital. Então, depois que entrei, não mudei mais. Mesmo com dúvidas, principalmente em relação à grana. Mas, em relação a gostar disso, não, pois eu sabia que o universo era maior, poderia envolver vídeo, animação, que são coisas digitais. B_ Você hoje faz layouts para interfaces digitais. Pode explicar como é esse processo? F_ Eu comecei fazendo animação de banner, depois eu comecei a fazer site, já fiz campanhas digitais, e-mail marketing... então a gente acaba fazendo muita coisa. Meio que são dois universos: a propaganda e o design de interface, de interação. No começo da

que é com o que eu trabalho, pode ser um pouco mais amplo, de qualquer lugar. Por exemplo, se tem um produto com uma linguagem mais street, eu posso usar como referência qualquer coisa que eu vi na rua e que seja mais urbano. Eu vejo aquilo e tento aplicar no meio digital, claro que mantendo a usabilidade, tem que fazer sentido. Mas basicamente é assim: primeiramente pesquiso concorrentes, que é o principal; vejo as tendências da área, dos aplicativos mais recentes; e, depois, aí eu tento sair um pouco do digital, buscar algo externo, pra tentar incorporar ao projeto. A ideia é que eu traga algo de diferente, pra não cair na mesmice.

minha carreira, eu não sabia qual dessas áreas seguir. Comecei trabalhando mais com propaganda, mas hoje já trabalho mais sobre design de interface. E o que eu faço é o seguinte: se faz um planejamento sobre o produto e o que se pretende desenvolver; esse conteúdo é enviado para um cara de usabilidade, que é o UX designer, e ele pega toda essa informação e monta uma arquitetura desse conteúdo. É um estudo sobre onde deve aparecer a informação na tela para o usuário; se for mobile, onde o dedo do usuário deve tocar a tela; estudo da rolagem no monitor de desktop; enfim, todos esses detalhes. E esse designer trabalha em dupla comigo. Então, depois que tudo isso é pensado, eu funciono como usuário dessa interface também e acabo dando sugestões de como eu acho que ficaria melhor. Assim trocamos as ideias e começo a pensar o caminho de layout em cima dessa estrutura criada. Começo então estudar tipografia, paleta de cores, geralmente seguindo o guide do cliente [um manual de design, para seguir os padrões de identidade já adotados pelo cliente]. Às vezes, quando o cliente não tem um guide, nós criamos um para nossa própria organização. Depois é só buscar referencias e botar a mão na massa.

B_ O mundo de hoje é muito interativo, eletrônico. Qual o papel do designer nisso tudo?

B_ Você mencionou os guides de identidade. Geralmente os clientes, portanto, já têm identidades prontas. Isso tira sua liberdade para criar?

B_ Quando você cria uma interface, onde busca suas referências? F_ Como é tudo digital, é da internet mesmo. O acesso é mais rápido, fácil e tem bastante coisa. Mas em relação à parte estética,

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INCORPORAR

EXTERNO, PRA TENTAR AO PROJETO. A IDEIA É QUE EU TRAGA ALGO DE DIFERENTE, PRA NÃO CAIR NA MESMICE.

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B_ Você até já fez um projeto com realidade virtual, não foi?

da minha alçada. Às vezes precisamos e convocamos um ilustrador profissional. Se eu soubesse fazer, seria muito melhor. Inclusive pra mim, pois seria um conjunto. Eu conseguiria pensar na obra quase completa. E não precisaria direcionar para outra pessoa. É assim que funciona.

F_ Sim! São coisas que se eu não pesquisar por mim mesmo, uma hora vou ficar pra trás. Quanto mais coisas novas eu vejo, e mais referências eu tenho, mais fácil fica para aplicar no dia a dia, num projeto. Ou até mesmo ter novas ideias, trazer uma inovação para o ciente. B_ Eu sei que você gosta de desenho manual, pintura e outros trabalhos que são gráficos. Tem uma veia artística? F_ Sempre gostei de desenhar, pintar. O sonho era trabalhar com isso. E aí você imagina que vai virar artista, mas não é bem assim que funciona. Como trabalho com propaganda, a gente tem um produto e ele tem que vender. Então tem regras envolvidas, não dá pra chegar fazer qualquer coisa. Tem que seguir tendência, tem números, pesquisa e tal. Então a gente acaba ficando um pouco frustrado, porque sempre estamos copiando, pegando referência do que já foi criado. Mesmo tentando fugir um pouco, mas a base é essa. Não dá pra aplicar muita coisa experimental, mais artística. Rola uma frustração. Por isso eu tenho essas válvulas de escape. E pro meu trabalho acaba fazendo sentido, pois assim eu fico mais criativo, consigo até usar algumas técnicas. Afinal, o meio digital é só uma ferramenta. B_ Então tem alguma perspectiva profissional aí! Ou você faz apenas para praticar a arte? F_ As duas coisas. Eu gosto de pintar, criar coisas fantasiosas. Mas quando eu poderei aplicar isso no meu trabalho? Talvez apareça algo. A ilustração, por exemplo, que está fora

Site: Freestyle Libre | Abbott Brasil

B_ Isso te ajuda, de alguma forma, no design digital? F_ Ajuda! Porque as coisas fazem sentido. Teorias de cor, movimento, etc. Tudo isso funciona no design. B_ “Sua missão aqui na terra é deixar as coisas mais belas”. Concorda com essa frase? F_ Da forma comercial sim, falando da minha profissão. A gente trabalha pra isso: deixar bonito pra poder vender. Mas no geral faz sentido sim. Qualquer coisa que fazemos, qualquer ato que desperte algum sentimento, já falando de estética, é importante. Você pode fazer uma obra erudita, por exemplo, que demanda conhecimento, vivência pra entender aquilo. Mas tem o caso do grafite, em que o artista pinta um muro que era cinza e sujo. Então você tá no trânsito,

Site: Sony Heroes | Sony Brasil

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dessa combinação de números com as ferramentas pra poder vender. Dificilmente faço um trabalho pensando no bem-estar de outra pessoa, seria hipocrisia dizer que sim. A ideia é vender um produto e ponto. Por isso, também, que eu gosto da arte, ela é puramente estética. Ela existe para transmitir alguma sensação, ela não precisa vender nada. E ela pode estar na rua, onde qualquer um pode passar e ver. E o meu trabalho se apropria da arte, dessa estética, de tentar passar um sentimento e criar uma empatia para fazer uma pessoa comprar.

pensando em um monte de coisas e, de repente, vê aquele grafite incrível, cheio de cores, dentro de tanto cinza que você vê. Parece que é uma quebra no seu dia. Ou seja, te desperta sentimentos. Então eu acho que faz sentido, sim, a gente tentar deixar as coisas mais bonitas. Tem mais valor eu pintar um quadro pra dar de presente pra alguém do que eu comprar algo já pronto. Porque não eu mesmo fazer o presente? É como no pensamento oriental, japonês: tudo envolve um sentimento, uma intenção. B_ Mais belas pra quem? Todo mundo vai achar bonito, ou há um público específico?

B_ Você acha o mundo de hoje mais bonito do jamais foi?

Anúncio Facebook: Deu Match | Napster

F_ No trabalho sim, há um público especifico. É mais comercial, vai ser direcionada a uma pessoa que já tem um gosto pré-definido, tem as tendências. No caso do grafite, por exemplo, já é geral. É pra quem estiver passando na rua. É mais legal, mais democrático. Claro, há quem vá olhar e não gostar, achar que aquilo é feio ou que não é arte. Mas vai muito de querer sentir. Eu gosto muito do grafite por isso, porque é pra todo mundo. Um museu é legal, com suas obras, e você paga pra manter sua estrutura. Mas o grafite tá ali, na rua. Até a pichação tem seu lado estético, principalmente aqui no Brasil. As pessoas não enxergam isso porque tem um lado destrutivo de se pichar em qualquer lugar. Mas no fundo ela tem seu valor, sua estética. O cara parou pra fazer, pensou na forma.

F_ Não. É uma questão de perspectiva. Hoje em dia temos mais ferramentas e mais conhecimento. A beleza também está na natureza e a natureza sempre esteve presente. Quanto à produção humana, o que temos é uma evolução, tanto na produção como no pensamento. Será que a arte rupestre era apenas estética, pra passar um sentimento? Talvez não. Talvez ela tivesse uma função apenas, que é o que o design faz. Por isso eu acho que não. Se for analisar pela minha referência do que é belo, acho que hoje temos coisas muito interessantes e bonitas. Mas não posso menosprezar o que foi feito antigamente, que foi o começo. Sem aquilo não chegaríamos no que temos hoje. E, na visão das pessoas da época, aquilo era o belo.

B_ Como você acha que o seu trabalho contribui pra deixar o mundo mais bonito? F_ O mundo não, porque eu trabalho com produto, e o produto é feito para ser comprado. No meu trabalho a gente pensa nisso, que ele tem que ser bonito pra vender. Se ele não vender então ele não é nada. E se ele é um produto digital, aí que ele não é nada mesmo, porque ele não passa de uma combinação de códigos, ele é "zero" e "um" na verdade. E a gente só faz a junção

Blog: Revista Mundo Pu | Dow Brasil

O MEU TRABALHO SE APROPRIA DA ARTE, DESSA ESTÉTICA, DE TENTAR

B_ Você acredita que a beleza é subjetiva, ou há algo indiscutivelmente belo?

PASSAR UM SENTIMENTO E CRIAR UMA

F_ Acho que é subjetivo. Talvez a essência do objeto carregue alguma informação de beleza. Talvez, só de existir, ele tenha uma importância estética e, no seu universo, seja o belo. Mas pode ser que pra mim não faça sentido ou não faça parte do contexto sobre o que seja belo pra mim.

UMA PESSOA COMPRAR.

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J u l i a n a _ P a c h e c o f

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mais cropadas, tem mais close, é uma coisa mais fechada. Quando a pessoa não é tão bonita, então eu privilegio o ambiente e insiro a pessoa no meio. Isso é importante, porque a pessoa tem que gostar do resultado, do que ela vai ver. Ela não pode se sentir feia ali na imagem. B_ E quais são suas referências?

Bruno_ Porque você largou a publicidade para trabalhar com fotografia? Juliana_ Na verdade, eu não troquei porque a fotografia sempre foi presente, desde que eu nasci. Meu pai sempre foi fotógrafo e ele revelava fotos em casa, então, não foi uma troca. A fotografia era algo natural, não tive muita escolha na verdade. Eu tentei ir pra uma outra área, mas não deu certo e acabei trabalhando com o que me identifico. B_ Você trabalha registrando momentos especiais das pessoas, como casamentos, aniversários, nascimentos. É uma baita responsabilidade, não acha? J_ Muita! Principalmente porque hoje as pessoas não querem mais aquela coisa tradicional, posada. Elas querem que você capture o que está acontecendo no momento, como se você tivesse assistindo ao evento, mesmo ao ver depois. Isso é uma grande responsabilidade. B_ Como você definiu seu estilo? J_ Foi um processo muito longo, foram anos batendo cabeça em parede. Faz apenas uns dois anos que eu descobri o meu estilo de fotografia. Pra mim, fotografar é retratar a verdade de uma forma bonita. Por exemplo, se eu for fotografar um casal que seja travado ou não tão bonitos fisicamente, tenho que levar eles para um lugar legal. Quando a pessoa é fisicamente bonita, as fotos são

fotógrafa

Juliana Pacheco

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B_ Você lida bem com a evolução da tecnologia? Afinal, isso deve afetar diretamente seu trabalho.

Hotsite: Clear Men

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SAIR UM POUCO DO DIGITAL, BUSCAR ALGO

F_ É, como trabalho devemos ficar sempre atentos. Não sei se é pela minha idade, mas tem coisas que acabam evoluindo mais do que o esperado. Às vezes aparece um novo aplicativo que todos estão utilizando e eu tenho que me forçar a usar também, porque normalmente eu não usaria. Principalmente essas coisas de redes sociais, que não sou muito ligado. Mas tenho que me forçar a utilizar por conta de estudo de usabilidade, layout, etc., sempre com o intuito de aplicar no meu trabalho. Mas, dependendo do tipo de tecnologia, eu gosto bastante.

F_ Exatamente. A maioria dos clientes, a grande maioria, já tem uma identidade. É muito difícil chegar um projeto que podemos viajar na criação. Mesmo que seja um produto novo, normalmente já tem um guia de marca. Então, dificilmente criamos sem esse guia.

EU TENTO

F_ Dar função às coisas. Imagine algo complexo como um caixa eletrônico. Quando fazemos uma transação bancária, não enxergamos o que vem por trás, que é o back-end. São códigos. A gente não quer saber disso, a gente só quer digitar os números e sacar o dinheiro. E aí entra o designer. Ele vem pra facilitar. Ele vai fazer o campo de digitação de senha, vai colocar um botão na tela onde você possa clicar, etc. É esse o papel dele: dar uma função.

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J_ Clipes de músicas! Eu vejo o dia inteiro. Sou obcecada por seriados também. Filmes. Se o filme não tiver uma fotografia bonita eu levanto e saio. Não consigo ver até o final, por mais que o roteiro seja muito bom. Por isso eu gosto de filme estrangeiro. Normalmente o roteiro não é bom, mas a fotografia é incrível, fico vendo por horas e esqueço do mundo. Eu procuro, por exemplo, os filmes vencedores de direção de fotografia, os melhores do ano, etc. Mas, quando preciso de inspiração, eu paro para ver clipes de música. Basicamente é isso. E, claro, outros fotógrafos também. É muito importante acompanhar o que estão fazendo. Não para copiar, claro. Até porque sempre vai ficar diferente, mesmo que você tente copiar. Mas é muito importante, principalmente para acompanhar a tendência de mercado, afinal eu tenho que pagar as contas. B_ Além da fotografia, que é digital, hoje os álbuns também são digitais. É mais fácil mostrar as fotos para todo mundo. Você lida bem com essa superexposição do seu trabalho? J_ Hoje sim, mas já houve uma época em que eu me sentia muito cobrada. Eu percebi que precisava fazer algo diferente e bonito, que as pessoas iram ver e gostar. No começo foi bem complicado. Mas depois comecei a me sentir mais segura no trabalho e, hoje, a superexposição me traz clientes. Hoje é um meio de divulgação. Inclusive, quanto mais eu patrocinar anúncios, melhor, pois eu consegui um certo renome em um núcleo específico que está cada vez crescendo mais. Eu só tenho um perfil no Facebook, hoje, por causa do trabalho, senão eu nem teria.

PRA MIM, FOTOGRAFAR É RETRATAR A VERDADE DE UMA FORMA BONITA. 59


B_ Você acredita que a beleza é subjetiva ou há algo indiscutivelmente belo? J_ É muito pessoal, eu acho. Esse ano eu defini que não fotografo ninguém que eu não conheça de alguma forma. Eu, ao menos, marco de tomar um café antes de qualquer coisa. Fica muito diferente quando eu marco um ensaio com alguém que eu não conheço, o resultado é outro. Preciso gastar uns quarenta minutinhos, mesmo que seja um pouco antes do ensaio. Tento tirar tudo o que eu posso da pessoa, tenho que conhecê-la. Assim, eu vou entendê-la melhor e sei do que ela vai gostar. Claro que ela já viu meu portfolio, ela tem uma ideia de como é o meu trabalho. Inclusive, por isso, ela veio me procurar. Mas é muito importante esse contato, porque eu tenho que entender do que a pessoa gosta, caso a caso. Por isso é pessoal, é subjetivo. B_ Seu portfolio é muito importante, portanto, nessa relação do seu trabalho com o gosto do cliente. J_ Sim. Eu reduzi muito o material do meu portfolio. No meu site, eu mantinha um blog com duas atualizações semanais com posts de ensaios de casamentos. Eu removi esse blog. De cinco mil fotos, eu escolhi as vinte melhores, coloquei no meu site atual e pronto, me vendo com essas vinte fotos. Ficou muito melhor! Não tinha condições de manter o blog, que eu gostava de alimentar. Eu escrevia sobre as pessoas, elas viam e me agradeciam. Era legal. Mas eu percebi que os clientes estavam buscando apenas referências. Eles me apontavam um dos posts e diziam “eu quero um ensaio igual a esse”. Então resolvi fazer essa mudança e mostrar apenas o meu estilo, sem dar muita margem. Hoje vendo meu trabalho com aquelas vinte fotos.

Ensaio de Bebê: Benício

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B_ Hoje em dia qualquer pessoa tem uma câmera com ótima resolução sempre às mãos, a qualquer momento, por meio de seus smartphones. Porque, então, ela te contrataria para registrar seus momentos?

escuro, pois não havia iluminação no local. Então, se eu não tivesse levado duas câmeras de três mil reais cada uma, não haveria fotos do casamento. Tem que levar tudo isso em conta na hora de contratar um profissional.

J_ Acontece muito, durante um casamento em que estou fotografando, de vir um tio da família me pedir licença porque ele quer fotografar. Antes eu dava licença, mas hoje em dia não dou mais, pois estão me pagando pra fazer esse trabalho e não posso perder o momento. Hoje sou eu quem peço licença. Mas eu acho que a pessoa me contrata, primeiramente, porque ela não quer parar pra fotografar, ela quer curtir o evento. Por isso as fotos não são mais tradicionais, regradas, posadas, porque elas querem aproveitar sem se preocupar com isso. E eu também ouço muito frases do tipo: “nossa, com essa sua câmera até eu faço boas fotos”. Claro que ainda tem uma diferença grande entre as câmeras de celulares e as profissionais – apesar de o Sebastião Salgado ter dito há pouco tempo que a fotografia não vai sobreviver mais de 20 anos, por causa dos smartphones. E hoje, também, está muito fácil comprar uma boa câmera. Eu, particularmente, acho que ela dura mais de 20 anos. Acho que no jornalismo, por exemplo, vai mudar muito. Hoje todo mundo tem uma câmera no bolso, não há tempo para manipulação. Se eu trabalhasse com fotojornalismo eu ficaria preocupada. Mas para registro de eventos da sua vida pessoal, como seu pedido de casamento ou ver seu filho nascendo, acho que as pessoas vão querer contratar alguém capacitado. Então as pessoas pagam por uma mistura de capacitação e bom equipamento. Muitos dizem que o equipamento não é tão importante, pois quem faz todo o trabalho é o fotógrafo. Não concordo 100% com isso. Em condições boas, qualquer câmera faz uma foto muito boa. Mas eu já fotografei, por exemplo, um casamento que foi no campo e que estava marcado para às 16h30 e começou às 19h30. Já estava completamente

B_ Tenho por mim que o fotógrafo é um dos profissionais que mais manipulam o que é a beleza, pois ele tem de transformar o que acontece em uma fração de segundo em algo belo, pelo menos aos olhos do cliente. É isso mesmo?

Ensaio de Gestante: Mariana

J_ Eu fotografei um casamento na semana passada em que a mãe da noiva está praticamente em estado vegetativo, e ela entrou em uma cadeira de rodas. A noiva chorava muito abraçando a mãe, mas a mãe não mexia nem o pescoço. Só corria lágrimas no rosto dela, também. É chocante, porque a pessoa não se mexe há dez anos e ela não é bonita. Mas a menina chorando ao abraçar a mãe é maravilhoso! É uma cena maravilhosa e ela vai gostar de ver aquilo, e de mostrar para as pessoas. Ela vai gostar de guardar aquilo pra sempre. Vou contar uma outra história. Eu fui, como convidada, para um casamento em Recife. E, como presente, eu dei para a noiva as fotos do Dia da Noiva. A minha namorada foi madrinha desse casamento. Então ficamos o dia todo com a noiva, até entrarmos no carro que a levaria para a cerimônia. Bom, o casamento seria feito dentro de uma capelinha onde só cabiam os noivos e os padrinhos, praticamente. Mas os noivos contrataram uma equipe enorme, tinha em torno de 5 fotógrafos e 4 cinegrafistas, e eles também ficaram nessa capela. Na parte de fora ficamos nós, os convidados, sentados assistindo tudo por meio de dois telões instalados. A noiva tinha uma avó que usava cadeira de rodas e ela teve que ficar na parte de fora, pois não havia onde se sentar dentro da capela minúscula. Eu estava em pé, encostada na capela, com a minha câmera na mão, pois havia passado o dia fotografando a noiva. Chegou então o momento da

O FOTÓGRAFO PRECISA TER UMA SENSIBILIDADE PARA PERCEBER OS

AS PESSOAS PAGAM POR UMA MISTURA DE CAPACITAÇÃO

MOMENTOS, POR MAIS BANAIS QUE

E BOM

SEJAM.

EQUIPAMENTO.

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J_ Eu acredito que sim. Não é à toa que a pessoa gasta vinte mil reais com fotógrafo e cinco mil reais com comida, por exemplo. Ela tá buscando isso, sim. Segredinhos: eu fotografei um aniversário de uma mulher de 40 anos. Ela já fez aplicação de botox e já tem algumas rugas. As fotos que não estavam muito boas, eu descartei. Nas fotos que ela aparecia bem, que eu achei que ela fosse gostar, eu dei um tratamento no qual eu deixei uma luz mais clara em cima dela. Assim, inconscientemente, quem olhar para a foto vai direcionar o olhar para ela, que é

Ensaio de Casamento: Mariana e Eduardo

cortar a imagem, o que você quer que apareça, se você quer uma foto mais aberta ou um pouco mais sufocante, qual o público que você quer atingir, o que você sente. Eu não edito fotos quando estou me sentindo mal, por exemplo. Não consigo. Eu só consigo editar quando estou bem, coloco uma música feliz e aí flui. Aí eu edito um casamento inteiro em um dia. B_ Pra você, o registro do momento, que é a foto, é mais belo do que o próprio momento - que já passou? J_ É tão importante quanto. Tenho um projeto de fazer um vídeo institucional e o meu conceito será esse: do que você quer se lembrar? O que você quer que fique para os seus filhos, daqui 20 ou 30 anos? Um exemplo: eu tenho o vídeo da primeira vez que o meu irmão, que é mais novo, ficou em pé. Só que o mais bonito do vídeo não é ele ficando em pé, mas sim a minha empolgação vendo ele ficar em pé. Eu tinha 5 anos e quase subi pelas paredes, dando um grito de empolgação. E meu pai, coincidentemente, estava filmando nessa hora. Nós temos muitas fotos e vídeos desses momentos e de outros momentos banais. Eu amo ver essas coisas e acho que isso até me direcionou para a profissão que tenho hoje. Então, acho que a importância é essa. Claro que você participa e sente aquele momento, mas você quer também deixar aquilo marcado, guardado para sempre. O tempo passa, as coisas acontecem, hoje estamos aqui mas amanhã podemos não estar mais. É legal passar alguma coisa pra frente.

B_ A sua visão daquele momento, portanto, como profissional é o que diferencia a sua foto da que a própria pessoa poderia tirar com o próprio smartphone. Como você treina essa visão? J_ Eu tenho uma cachorrinha, a Gal. E a minha câmera fica em cima da minha mesa o tempo todo. Eu devo tirar umas duzentas fotos dela por dia. Mas é assim, buscando referências, vendo o trabalho de outros fotógrafos – tem muita gente maravilhosa, daquelas que você almeja alcançar o mesmo patamar. Cinegrafistas também, tem alguns que transformam um casamento em um filme de cinema. É incrível! Então é muito treino e muita referência pra você chegar no seu estilo, definir o que você quer, onde você vai

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B_ Existe também uma manipulação após o clique, que é o tratamento das fotos, alterando a beleza real do momento. É isso o que as pessoas buscam: guardar uma imagem melhorada do momento ela passou?

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a aniversariante. Isso é sutil. Ela vai amar o resultado, mas ela nem sabe o porquê. Se for uma foto de um grupo de pessoas, na hora de tratar a foto, eu coloco a aniversariante conforme manda a regra dos terços, porque o cérebro está acostumado a olhar para aqueles pontos. Ela também vai gostar do resultado, vai chamar a atenção dela. Outro exemplo: normalmente eu coloco um feixe de luz vindo do céu quando faço fotos de crianças. É bem sutil, quase imperceptível. As pessoas amam quando vêm, mas não percebem o motivo.

Ensaio de Bebê: Sofia

entrada da noiva e, quando ela viu a avó, ela começou a chorar descontroladamente. Quando eu olhei para a equipe de foto e filmagem, eles estavam todos lá dentro da capela esperando a noiva chegar. Eu não acreditei que não tinha ninguém ali pra registrar aquele momento. A noiva, então, se abaixou para abraçar a avó na cadeira de rodas. Eu sei que, sem nem raciocinar direito, eu já estava tirando muitas fotos daquele momento, de vários ângulos diferentes. E eu tive muito tempo pra fazer aquilo. Enfim, passou um tempo, ela recebeu as fotos contratadas do casamento e não gostou do resultado, ficou bem ruim mesmo. E, em seguida, ela descobriu que estava grávida. Ela foi, então, para Recife contar a novidade aos parentes, inclusive para a avó. Quando ela retornou para São Paulo, ela recebeu a notícia de que a avó havia falecido. Um dia, de repente, ela bateu na porta do meu apartamento, pois ela queria me agradecer pelas fotos que eu tirei dela com a avó. Então, pra mim é isso. O fotógrafo precisa ter uma sensibilidade para perceber esses momentos, por mais banais que sejam. Eu faço praticamente dois aniversários por semana de crianças de um ano de idade e eu sei que todos são importantes. Não posso banalizar. Pra alguém aquilo é importante.

B_ A missão de um fotógrafo é essa, a de tornar as coisas mais belas? J_ Pra mim, pessoalmente, é mostrar o que está acontecendo de uma forma mais bonita. B_ Mais bonita pra quem? J_ Acho que são dois sentidos pra essa questão: o que a pessoa quer ver, ou melhor, como ela quer se ver; e, pro fotógrafo,

a questão artística é muito forte. Além de fotografar, eu tenho que fazer algo que todo mundo vai gostar. B_ Falamos aqui algumas vezes sobre a beleza das pessoas, se elas são bonitas ou não. Isso também vale para o resultado das fotografias, se ficaram ou não bonitas. Mas qual o nosso parâmetro de comparação? J_ Hoje pela manhã eu fotografei um casal e a menina está de nove meses de gestação. Então, ela está super inchada. E o pai não tem nada do estereótipo que consideramos bonito: ele é vesgo, baixinho, gordinho. E o meu desafio é não deixar essas pessoas feias na foto. A mãe não foi nem maquiada. Não que precise usar, porque por mim, artisticamente, eu quero retratar a realidade, o que está acontecendo, se está bonito ou feio não importa muito. Mas quando alguém te contrata para fazer um ensaio, não é isso que ela quer. Ela quer a verdade, mas ela quer se ver bonita, em um lugar bonito e com uma luz bonita. Então, é complicado, temos que ter umas artimanhas. Por exemplo, os dois são baixinhos, então eu não posso tirar as fotos de cima para baixo, senão eles vão ficar ainda menores. Eu fiz um outro ensaio com um casal de amigos que me deram total liberdade para fazer como eu gostaria. Os levei de madrugada para a Pedra Grande, em Atibaia. Ainda estava escuro. Quando chegamos ao topo, o sol estava nascendo. Esse foi o ensaio mais maravilhoso que eu já fiz. Foi mágico. Então, eu tenho na minha cabeça o que é bonito. A luz do sol, ao nascer, é maravilhosa. O lugar era bonito. Não tinha como dar errado. A alvorada no Brasil é muito mais bonita que o pôr do sol. Se você tiver a oportunidade, não perca o nascer do sol. Do escuro para o claro é mais bonito do que do claro para o escuro. Além de ser mais bonito, mexe com a gente, com o nosso inconsciente. É um sinal de esperança, é a luz no fim do túnel, têm significados por trás. Por tudo isso é muito mais bonito.

QUANDO ALGUÉM TE CONTRATA, ELA QUER SE VER BONITA, EM UM LUGAR BONITO E COM UMA LUZ BONITA.

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Rafael Forshaid

J_ É bem pessoal, mas eu acho que não. O ser humano tá destruindo tudo, animais entrando em extinção, tráfico de animais dentro de cidades. Querem construir um condomínio de prédios em uma nascente aqui de São Paulo, que é também um berçário de corujas [Parque dos Búfalos, na represa Billings]. As pessoas estão acabando com tudo. Esse ano eu fiz uma viagem para Bonito – MS que me mudou, mudou meu jeito de ver as coisas. Eu nadei em nascentes, vi jaguatirica, vi filhote de jacaré dormindo do meu lado. Não temos o direito de mexer com isso. E até lá, onde o turismo dá lucro, a plantação de soja está devastando tudo. Antes era o gado, mas agora a soja dá mais lucro. Mas a soja precisa de muito espaço. Eles tinham acordos de preservação, mas aquilo está acabando. O lugar é maravilhoso, mas recomendo ir logo, pois não se sabe até quando aquilo estará lá. Meu pai caçava sapinho onde hoje é a Av. 23 de Maio. E é tudo por conta da produção humana. Eu nunca, jamais na minha vida, gostaria de ir para Dubai. Aquilo é bizarro. Você vai fazer turismo pra ver prédio e piscina artificial. Agora, veja o céu no deserto do Atacama. Você vê a galáxia, os planetas, o universo! Não preciso falar mais nada.

Ensaio de Bebê: Alice

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B_ E hoje você ilustra para embalagens de cosméticos.

R a f a e l _ F o r s h a i d i

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Bruno_ Sua formação é uma mistura de arquitetura com design digital. Como foi essa trajetória? Rafael_ Na verdade eu sempre gostei muito de desenhar e, a princípio, eu queria fazer publicidade. Mas, por conta da minha mãe já trabalhar com arquitetura, acabei escolhendo esse caminho. Porém, sempre nos projetos de arquitetura eu acabava fazendo o papel de designer. Foi quando veio a ideia de partir de vez pro design. B_ Mas porque digital? R_ Foi o seguinte: depois que parei de fazer arquitetura, comecei a fazer propaganda e marketing. Mas, também, surgiu uma oportunidade de trabalhar no escritório de arquitetura do Ruy Othake, que achei legal. Porém, comecei a perceber que lá dentro eu estava limitado a ser o “cadista” [quem trabalha com o software AutoCAD], e não poderia criar nada. Foi quando um amigo me disse: “olha, mau pai é diretor de uma faculdade de informática e lá vai iniciar uma turma de design digital, você não quer fazer?”. Eu já tinha desistido do curso de arquitetura, aceitei o convite e comecei a fazer o curso de design digital. E boa parte do conhecimento que eu tinha sobre design veio da faculdade de arquitetura.

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ilustrador

B_ Você acha o mundo de hoje mais bonito do jamais foi?

R_ Bom, eu trabalho com design de embalagem. Na criação do layout, na verdade. Raramente criamos uma nova embalagem e praticamente as ilustro, sempre que possível. A gente trabalha com muitas referências, por exemplo: pegamos flores reais e tentamos estilizar o traço delas. As vezes também tento fazer composição de imagens abstratas.

B_ Muitos arquitetos acabam trabalhando com design gráfico. É por conta da facilidade com desenho? B_ Sim. No Mackenzie, onde estudei arquitetura por exemplo, durante todo o primeiro ano eu só fazia desenho à mão. Lembro que, no primeiro semestre, tínhamos que entregar em torno de 60 a 70 desenhos à mão livre. Você não podia utilizar nenhuma outra ferramenta, todos os projetos eram manuais. E eu gostava disso. E dali também vieram os conceitos de cores, os fundamentos de design, simetria, etc. Mas não propriamente em composição de imagem. No caso, era na construção de uma obra arquitetônica.

B_ Tem liberdade para criar ou há muita limitação?

Ilustração para embalagem: O Caminho das Águas Lavanda | Jequiti

B_ Foi ali que aprendeu a desenhar, ou só se aperfeiçoou? R_ Engraçado isso, de saber desenhar. Eu fiz um curso na Quanta, que é uma academia de artes, e a gente pensa que sabe desenhar e percebe que não é bem por aí. E aí entra também essa questão do belo. Nem sempre o que achamos belo, ou que é correto, é realmente. Lá eu percebi que muita gente sabia desenhar, mas desenhava à sua maneira. Eram desenhos diferentes, mas era da própria pessoa. Não deixava de ser belo, ou interessante. Aquela era a forma que a pessoa tinha de se expressar, colocar seu sentimento ou pensamento. Mas, no meu caso, eu me aperfeiçoei um pouco na arquitetura, e melhorei nesse curso. B_ Hoje seu desenho, então, é mais técnico? Ou não? R_ Hoje não, meu desenho é mais livre. Com o curso eu fui percebendo que eu não precisava ficar preso em fazer o traço correto, eu podia ter a mão solta e, assim, eu poderia me expressar melhor. Quanto mais rígido, ou dentro das normas eu ficasse, menos minha ideia iria fluir, menos meu traço iria fluir. No curso de desenho isso é muito bem aplicado. Nos primeiros dez minutos de aula, a gente ficava desenhando o que vinha na cabeça, sem nenhum critério. E assim fui me libertando.

R_ Tenho sim. A Jequiti dá liberdade total pra gente criar, fica a nosso critério. Eles nos dão apenas o conceito básico, por exemplo: tem que utilizar flores e tem que ser com cores quentes. E eu posso desenvolver qualquer tipo de traço, qualquer tipo de

passa por um comitê, onde a maioria decide o que é bonito, interessante e que vá vender. Lá vão dizer se vai pra frente ou não. E nem sempre o que eu achei que era interessante e belo, é para eles. Aí então tem o lance comercial. B_ Sei que você também faz trabalhos em 3D, em paralelo. É preciso ter o domínio do desenho para fazer isso? R_ Aí sim entra o desenho técnico. Você precisa saber das técnicas de perspectiva pra ter uma noção, senão você terá dificuldade. Mas, se for modelar personagens, aí envolve a ilustração. Então depende do que você quer trabalhar. Se for mais arquitetônico, entra perspectiva, desenho técnico. Se for personagens, é ilustração. Tem que criar concept art. Entra também fisionomia e anatomia, tem que estudar um pouco o corpo humano, observar como ele funciona. Aí é realmente mais a parte de desenho. B_ Gosta de pintar também? Aquarela, por exemplo. R_ De vez em quando. Eu gosto de experimentar diferentes tipos de criação. A partir disso dá pra conseguir uma textura ou uma riqueza de imagens que só no traço não é possível. O que eu gosto na aquarela é o fato de você não ter controle sobre ela. Não dá pra fazer um traço perfeito, ela sempre vai borrar. Isso me intriga muito.

NEM SEMPRE O QUE NÓS ACHAMOS BELO,

B_ E tudo isso que você aprendeu, você pretende explorar profissionalmente? R_ Eu sempre tento aplicar nos meus projetos. Já cheguei a criar um projeto para a Jequiti utilizando aquarela, infelizmente não foi adiante. Mas, sempre que possível, eu tento aplicar uma dessas técnicas. Já trabalhei também com giz. Mas com certeza a ilustração ainda é mais fácil, trabalhar com o lápis é mais assertivo. Não que seja tão expressivo, mas tenho um controle maior pra chegar no resultado esperado. Como eu trabalho numa área muito comercial, se eu fugir muito do que é o ideal para o

OU QUE É CORRETO, É REALMENTE. 77

EU GOSTO DE EXPERIMENTAR DIFERENTES TIPOS DE CRIAÇÃO. 79


3.10. Espelho editorial mercado, meu trabalho pode acabar sendo considerado muito artístico, e essa não é a ideia. O conceito da empresa faz a gente manter o pé no chão, focando no que é vendável. B_ Mas, então, para que você faz tudo isso? Para atender alguma demanda comercial ou é uma veia artística? R_ Essa é uma pergunta que eu me faço logo quando eu pego um trabalho de freelancer, por exemplo. Agora mesmo estou começando a fazer um projeto de vídeo, e a primeira pergunta que fiz para o cliente foi se a intenção era vender ou demonstrar algo. Se for pra vender, já faço algo mais direto, para que o espectador entenda com mais facilidade a mensagem. Se for para um lado mais artístico, então eu procuro explorar mais o conceito, sem me preocupar tanto como o que o espectador vai pensar e, sim, mais na estética.

É LEGAL CRIAR O QUE É CONCEITUAL, AUTORAL. MAS O MERCADO NÃO ACEITA ISSO.

B_ “Sua missão aqui na terra é deixar as coisas mais belas”. Concorda com essa frase? R_ Olha, no escritório eu bato muito esse assunto. Acho que a nossa profissão realmente existe para deixar as coisas mais belas. Mas, por outro lado, acho que ninguém enxerga assim e até mesmo nós, como um grupo de profissionais, não exercemos também a ideia de aplicar conceito, fazer com que as pessoas percebam como algo subjetivo. Acho que não trabalhamos muito bem isso. Acaba sendo apenas estética mesmo. Se for do lado comercial, realmente é só estética, é o que a pessoa gosta de ver e o que a maioria aceita. Na moda, por exemplo, você vê desfiles com roupas fantásticas. Mas aquilo não é comercial, não se vende nas lojas. É mais ou menos a lógica pro nosso trabalho. Se fizermos algo que é muito fora do convencional, corremos o risco de sermos visto mais como um artista plástico do que como um designer, ou um ilustrador. Temos que ter certo cuidado. É legal criar o que é conceitual, autoral, acho muito bacana. Mas o mercado não aceita isso.

Desenho em 3D: Maçaneta Flux

EU NÃO UTILIZO AS ILUSTRAÇÕES PARA DEIXAR O MUNDO MAIS BONITO, EU TENTO INFORMAR POR MEIO DELAS.

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B_ Você menciona muito o mercado. Todo mundo vai achar sua criação bonita, ou há um público específico?

B_ Aristóteles dizia que algo belo devia ter harmonia, simetria e proporção.

R_ É uma questão bem interessante essa de “pra quem é belo?”. Eu não sei como funciona com outros profissionais, mas eu já tenho uma noção, pois eu faço muitos testes antes de fechar um projeto. Quando fecho com um cliente, eu vou mostrando as alternativas e, ao mesmo tempo, vou tentando extrair informações sobre o que ele quer. Então, começo a perceber o gosto artístico dele. Se percebo que ele não gosta de aquarela, já elimino essa opção. Vou me alongar um pouco: no escritório temos três designers e cada um cria de uma forma diferente. Quando eu comparo o trabalho dos três, é difícil eu achar o do outro belo, e sempre me pergunto o porquê. E aí percebo que envolve questões como a experiência de vida, sua visão de mundo, suas referências para o projeto, seu gosto pessoal. A junção desses fatores é o que define o que é belo pra mim e deixa de ser belo pro outro. Se for algo mais comercial, então eu sei que tenho que deixar meu gosto de lado e seguir um padrão de mercado. Esses dias alguém comentou algo sobre moda. Se estiver na moda a saia preta, quando você for criar um projeto, você vai acabar usando nele a saia preta. Somos condicionados a isso. Isso me faz pensar no belo. Será que não somos condicionados a achar uma coisa bela, mesmo que ela não seja?

R_ É a mesma lógica de quando achamos uma mulher bonita. Há simetria, proporção. Entra conceito. Mas ainda assim, acho subjetivo. São raros os casos que existem combinações perfeitas. O mundo não é perfeito.

Ilustração para embalagem: Alecrim

fosse um quadro, nem criando um perfil de beleza. Eu crio ela para informar. O papel dela é contar uma história, ou mostrar um conceito com o qual estou trabalhando. É isso o que eu tento aplicar no meu trabalho. E não o belo por si só. Claro que se ficar belo e interessante, é legal. Mas não sou eu quem julga isso, quem julga é o cliente e o espectador. B_ Mas o mundo de hoje é mais bonito do que jamais foi?

B_ Acha que as ilustrações colaboram para deixar o mundo mais belo? R_ Eu não utilizo as ilustrações pra deixar o mundo mais bonito, eu tento informar por meio delas. Não faço ilustrações como se

Embalagem com ilustração: Zen - Alecrim | Jequiti

R_ Difícil essa, porque entra muito do que eu penso: a gente criou certos vícios. Como o mundo hoje se comunica de forma muito rápida, as informações também acabam circulando de maneira muito rápida. Acho que isso acaba viciando o nosso olhar sobre as coisas. Acabamos criando mais do mesmo. Poucos são os casos que vemos de criações novas, que sejam diferentes, interessantes. É muito maçante, e antigamente se contemplava mais, por exemplo, a beleza natural. Por conta disso, havia mais novidade, sem tanta interferência da mão humana. Mas, já pensando na interferência humana, nos dias de hoje eu acho que, desde Duchamp e seu mictório – onde a partir dali tudo podia ser considerado arte – a barreira estética foi quebrada e a questão passou a ser mais conceitual. As coisas não são mais necessariamente belas e, sim, devem despertar alguma curiosidade ou interesse no espectador. Sai de cena a beleza e entra mais um lado conceitual. Antigamente criava-se algo para ser belo, hoje não. A ideia hoje é intrigar o outro, questionar.

Maquete 3D: projeto de arquitetura Ilustração para embalagem: Sabores Cupcake | Jequiti

B_ Há então um senso comum?

B_ Que é o conceito filosófico de estética: o estudo das sensações ao se contemplar algo, seja belo ou não.

R_ Ou há um senso comum, ou entra numa questão pessoal. B_ Então você acredita que a beleza é subjetiva. Ou há algo indiscutivelmente belo?

R_ Exatamente! Não tinha pensado nisso.

R_ Pra mim é subjetivo. Mas eu acho que tem coisas que já estão impregnadas na nossa cabeça. Por exemplo a Monalisa, tem uma beleza ali. E porquê? São os conceitos aplicados à imagem?

Ilustrações de personagens: Siamo Tutti Capitano

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Ilustração de personagem: Siamo Tutti Capitano

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Stella_ É só um emprego. Na verdade, trabalhar com comunicação era um sonho, mas eu nunca sonhei em trabalhar na África, nunca sonhei em trabalhar numa agência grande ou numa empresa grande. Por isso, pra mim, estar lá é só um emprego. O sonho realizado é trabalhar com comunicação. Eu poderia estar trabalhando em qualquer outro lugar que eu teria o mesmo sentimento. Na verdade, quando fiz a faculdade, eu tinha vontade de trabalhar em produtoras de vídeo ou com cinema. E foi trabalhando em uma produtora que eu descobri a publicidade. Então fui trabalhar em agência e me encontrei dentro da publicidade, percebi que é isso que eu gosto de fazer, esse tipo de trabalho. Por isso não é bem um sonho realizado. B_ Os vídeos que você produz tem alcance nacional. Você tem algum feedback de aceitação do público sobre eles?

produtora de vídeo

Stella Gafo

Bruno_ Você fez Rádio e TV. Trabalhar com isso numa das maiores agências do Brasil é um sonho realizado ou é só um emprego?

S_ Tenho sim. Hoje é mais por redes sociais do que por qualquer outro meio. Como tudo o que a gente faz acaba indo pro Facebook ou Youtube, temos o feedback do que as pessoas comentam. E tem também a mídia especializada, como sites ou revistas que falam de publicidade, que acabam comentando sobre isso, dando algum feedback. Então basicamente são as redes sociais e a mídia especializada.

B_ Nos vídeos que você produz, que são publicitários, o mais importante é passar o conceito (a mensagem), ou que fiquem bonitos? S_ De verdade, pra minha área de produção, é mais importante que fique bonito do que passar o conceito. Quando o briefing chega pra gente, normalmente já existe um conceito. Então a gente trabalha para que o produto final saia com qualidade, que seja bem feito, bonito. Pra gente, o conceito vem de uma etapa anterior e não interfere tanto na qualidade visual. Por exemplo: quando se faz um filme, o conceito vem no roteiro. Claro que se o roteiro está ou não bem feito, a mensagem pode chegar diferente para o público. Mas a nossa preocupação geralmente é com a estética. B_ O cliente já sabe geralmente o que ele quer ou vocês criam todo o conceito estético, de design, da campanha? S_ Na maioria das vezes o cliente não sabe o que ele quer visualmente, mas ele sabe o resultado que ele quer alcançar. Por exemplo, o cliente não diz diretamente: “eu quero uma campanha que fale sobre empoderamento feminino”. Normalmente ele diz: “quero uma campanha que atinja as mulheres”. Então a agência, mais especificamente a área de criação, faz o conceito em cima disso, envia para o cliente aprovar e, aí sim, nós vamos transformar isso em conteúdo. Acontece de alguns clientes terem uma área criativa dentro do próprio marketing e, às vezes, o conceito já vem pronto. São poucos, mas existem. A maioria vem mesmo apenas com o objetivo – como aumentar as vendas para determinado público – e nós criamos o conceito pra atingir o resultado esperado. Quanto à criação da parte estética da campanha, depende muito de agência. A África é uma agência que tem uma área de pesquisa, focada em inovação, e lá eles procuram o que é tendência no mundo. Então a área de criação recolhe essas informações e desenvolve o design da campanha. Na verdade, dentro da publicidade, o que é bonito é o que tá em

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muito mais movimento, com uma câmera mais solta, que dá uma sensação mais livre e natural. E isso vem do cinema.

alta, o que é tendência, o que é bonito agora. É imediatista. O que foi bonito pra um filme nos anos 80, hoje em dia é brega. Então tem muito a ver com essa pesquisa de inovação, sempre buscando o que é bonito hoje. Daí deriva toda a campanha, seja na mídia impressa, digital ou nos filmes. Esse é o processo: primeiro a necessidade do cliente de atingir um resultado, depois a criação do conceito e o terceiro passo é a criação estética. Dá pra resumir assim: o que, porque e como fazer. Acho que a parte estética está no ‘como fazer’.

B_ Hoje o próprio cinema é uma mídia poderosa, veiculando anúncios antes dos filmes. Acha que se produzem filmes publicitários já pensando nisso? S_ Não sei se é pensando isso. A veiculação em cinema é uma coisa recente. A TV ainda é o que mais atinge o público, depois a internet. Mas o pensamento é: se calhar de também veicular no cinema, legal.

B_ E essa pesquisa de tendências é baseada em quê? S_ Do mercado internacional mesmo. E muita coisa de cinema também, pois a publicidade hoje é mais cinematográfica. Então na hora de produzir um filme, a gente não se preocupa só em ter uma boa atriz, por exemplo. A gente se preocupa com tudo, com a fotografia, com a direção de arte... e é aí que entra a pesquisa. Temos que saber qual o tipo de fotografia que se usa hoje. Houve um tempo em que a fotografia lavada – aqueles filmes mais opacos, cinzas, com cores não tão fortes – virou uma moda. Isso é recente. Então quase todos os filmes que você via na TV eram meio “lavadinhos”. Tanto é que dá pra identificar qual a data do filme, ou qual o diretor, apenas vendo esse detalhe. A pesquisa então é em cima disso, do que tá rolando lá fora, Festival de Cannes, cinema... B_ Quando você menciona cinema como referência, quer dizer o cinema comercial mesmo, tipo filme americano? S_ Sim, ganhadores de Oscar também. Como eu falei, a publicidade hoje se baseia muito no cinema. Você começa a perceber que os planos não são mais apenas abertos ou fechados, que são muito usados em peças de varejo. Hoje há um olhar de diretor de cinema mesmo. Tanto que alguns diretores que fazem cinema acabam fazendo publicidade. Outro exemplo: antigamente a gente tinha muito filme com câmera parada e tem

Campanha: Brahma / Agricultores (Agência África)

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B_ Já teve que produzir vídeos que você não achou que ficaram bonitos, mas era o que pedia o briefing?

DENTRO DA PUBLICIDADE, O QUE É BONITO É O QUE TÁ EM ALTA, O QUE É TENDÊNCIA, O QUE É BONITO AGORA. É

S_ Já! E o problema nem foi tanto o briefing, mas sim não ter verba suficiente para produzir do jeito que gostaríamos ou para trabalhar com o diretor ideal, tendo que procurar outro. E aí o resultado não ficou bom. Claro que qualquer filme, tenha um roteiro bom ou ruim, pode ou não ficar bonito. Afinal são duas coisas diferentes. As vezes o roteiro é bom, mas o resultado final não é bacana. Mas eu já tive que produzir umas coisas horrorosas, que eu tenho vergonha de colocar no meu portfolio. Bem ruins mesmo. B_ Lida bem com isso?

IMEDIATISTA. 93

S_ Sim, é da profissão, não sofri tanto com isso. Mas é óbvio que eu não mostraria numa entrevista de emprego. [risos]

Campanha: Natura / Sociedade de Consumo (Agência África)

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B_ A tecnologia evolui muito rápido, principalmente nos meios eletrônicos. Hoje já temos o 4K, Realidade Virtual, muita coisa em 3D. É muito difícil se manter atualizada? S_ Sim, e acho que é até uma dificuldade minha. Se bem que a mudança demora um certo tempo. Tem muita coisa nova, mas não é uma mudança radical. Por exemplo: a mudança da película para o digital levou um certo tempo. Já trabalho com isso há um tempo e cheguei a filmar com película, mesmo já existindo a tecnologia digital. Mas a transição é um pouco lenta, então a gente não sente tanto. Você sabe que tem uma câmera melhor do que a que você está usando, mas vai ficar pro próximo filme. B_ “Sua missão aqui na terra é deixar as coisas mais belas”. Concorda com essa frase? Campanha: Natura / Sociedade de Consumo (Agência África)

S_ Acho que sim, é deixar tudo mais bonito. Mas também a gente acaba passando uma mensagem dentro do nosso trabalho, não só mensagem de beleza. Eu me preocupo muito com o conteúdo das coisas nas quais o meu nome está envolvido. Claro que não sou eu quem cria os roteiros, eu os realizo. Eu faço acontecer, ter qualidade. Mas sempre que chega um roteiro pra mim eu leio e, se houver algo que eu discorde, eu sempre falo que não tá legal, que deveriam repensar e tal. Isso é uma coisa que eu faço. Então, pra mim, além de deixar mais bonito, tem uma preocupação com o conteúdo. As pessoas ainda são muito impactadas pelo que elas assistem, e não só em relação à compra. Claro que nosso objetivo é vender, mas o comercial acaba passando uma mensagem também. B_ Então você sempre se esforça pra que fique bonito e passe uma mensagem. Pra quem? S_ Pra quem? Na verdade, eu acho que é mais para o cliente, e para nós mesmos, do que pra quem vai assistir. Mas, por consequência, também é pro espectador.

Campanha: Brahma / Onde For Brasil (Agência África)

Campanha: Natura / Ekos Castanha / #NaturezaGeraBeleza (Agência África)

VOCÊ SABE QUE TEM UMA CÂMERA MELHOR DO QUE A QUE VOCÊ ESTÁ USANDO, MAS VAI FICAR PRO PRÓXIMO FILME.

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QUANDO VOCÊ COLOCA ALGUMA COISA BONITA NA TV, ACABA REFLETINDO NAS PESSOAS QUE ASSISTEM. E AQUELE É MOMENTO DE LAZER DELAS.

B_ Você acredita que a beleza é subjetiva, ou há algo indiscutivelmente belo? S_ Subjetiva. Não acho que algo seja belo por si só. Tem a ver com o sentimento que aquilo passa quando você olha. E cada pessoa sente de um jeito. O que é bonito pra um pode não ser bonito pro outro. Mas, acho que também tem a coisa do padrão. Daquilo que é construído na nossa cabeça do que é bonito ou não. É uma mistura do que você realmente gosta e do que você aprende a gostar. Rola um senso comum. B_ A publicidade tem muito a ver com isso, não é? S_ Tem muito! Supondo que você queira abrir uma conta em um banco, você precisa decidir em qual banco será. Então você vai pensar com qual você se identifica mais, e uma das formas é ver um anúncio que mostra pessoas que tem um padrão considerado como beleza.

Kamila Bebber

S_ Não sei se contribui com tudo isso. Talvez sim, considerando o alcance da TV aberta, que ainda é o maior meio de comunicação em massa. Quando você coloca alguma coisa bonita na TV, acaba refletindo nas pessoas que assistem. E aquele é o momento de lazer delas. Se contribuir em alguma coisa, acho que é nisso. Mas os vídeos, apesar de estarem presentes nas vidas das pessoas, eles têm um tempo de duração, um prazo de validade. Não é como uma obra arquitetônica, por exemplo, que pode durar para sempre e realmente deixar o mundo mais bonito. É uma coisa que passa. Então, serve mais para contribuir com o conceito de beleza do que realmente deixar o mundo mais bonito. B_ Você acha o mundo de hoje mais bonito do jamais foi? S_ Não. Acho que é mais moderno, tem mais recursos. Não necessariamente mais bonito. O que as pessoas entendiam por beleza a mil anos atrás não é o mesmo que entendemos hoje. Campanha: Mitsubishi / Casca Grossa (Agência África)

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aquilo pelo resto da sua vida. Porque, no fundo, não era aquilo que você gostaria de fazer e você fica irritado, revoltado. Você se sente vendido! Bom, de uma certa maneira você se vendeu. Você foi corrompido pelo salário e pela necessidade de pagar contas, sem dúvida nenhuma. É triste, mas é o que acontece. Então, eu acho que o primeiro alvo do belo somos nós mesmos, depois vem o cliente. Mas depois vem a fase do retorno do cliente, que interfere na nossa concepção primeira de belo. Aí lascou. É aí que o conflito começa. Poxa, minha produção não era essa, mas agora tem que ser. Portanto, mais uma vez, a vida prática interferindo no nosso trabalho. O design pode ser arte, mas em essência não é arte.

É uma coisa factual e pontual. Não tem para onde correr. Todo designer é grávido de um objetivo, sempre. Ele tem um objetivo pontual e vai ter que recorrer, queira ou não. Por mais que ele sofra e não seja exatamente o que ele queira fazer, ele terá de alcançar um ponto final. Talvez a arte não tenha um ponto final, pois ela sempre pode ser interpretada e reinterpretada. O design gráfico tem, pois ele é prático. B_ A missão do designer aqui na Terra é deixar as coisas mais belas?

Bruno_ Uma jornalista hoje trabalha com design gráfico. Como é isso? Kamila_ É uma coisa bem diferente. São áreas muito complexas e diversas uma da outra, mas, ao mesmo tempo, têm muitas coisas em comum. Você sai de uma área essencial que é da palavra, que é uma informação presente, atual, factual, para uma outra área que é uma informação visual e que quer comunicar outras coisas. Coisas que são bonitas, que querem atrair o olhar e querem te convencer do que é aquilo. O jornalista também convence, mas por meio de uma percepção factual de palavras. O designer gráfico faz isso por meio de uma sedução visual. B_ E o que é o design gráfico para você? K_ Um designer se utiliza dos vários fundamentos e técnicas que temos acesso para construir toda uma comunicação sedutora e convencer o público alvo. O designer gráfico tem um objetivo e uma função. É muito diferente do artista, que tem todo um contexto mais abrangente e espiritual ao seu alcance e não precisa te convencer. Ele faz aquilo ali e se agradou, bem, se não, amém. O designer não, ele tem uma função prática. Dependendo do seu cliente, você tem um objetivo a ser alcançado.

K_ Eu gostaria que fosse. Acho que nós temos o conhecimento e as competências para deixar as coisas mais belas. E não só pelo belo em si, porque eu acho que o designer propicia uma comunicação mais eficiente. Com todo esse conhecimento, nós temos a capacidade de deixar a informação muito mais clara e, também, mais agradável de ser recebida. Essa é a questão. Existe uma diferença muito grande entre um texto terrivelmente mal diagramado em Times New Roman, com um alinhamento terrível e opressor e o mesmo texto diagramado por um designer, que pega esse conteúdo em palavras e o transforma em algo muito mais agradável de ser recebido. Ele tem conhecimento dos fundamentos para deixar aquela informação, que é a mesma e que era visualmente tosca, em alguma coisa muito mais palpável para ser vista. Portanto, até uma informação que pode ser um tanto chata, um texto muito chato, torna-se muito mais agradável de ser recebida por conta da ação do designer. B_ Mais belas para quem? K_ Bom, deveria ser para o público, para quem vê. Ou para o cliente, caso seja um designer de agência. Mas ele faz para ele mesmo. Afinal, todo designer faz algo que ele acha ser bonito. Nós somos nosso primeiro cliente, sempre. Tanto é que, se você faz um trabalho a contragosto dentro de uma agência e não gostou tanto do resultado, mas o cliente gostou, você sofre por

B_ Você acredita que a beleza é subjetiva, ou há algo indiscutivelmente belo? K_ Boa pergunta. Eu acho que há coisas que são inerentemente belas. Mas isso é um achismo meu, porque é subjetivo. Porque toda percepção de beleza, de achar algo feio ou não, tem a ver com seu repertório pessoal. Depende muito das coisas que você tem contato durante a sua vida, do que você lê, do conhecimento adquirido. É até uma questão de comparação. Se seu repertório de conhecimento for baixo, você não vai saber comparar e você vai ficar num platô, digamos assim, uma opinião de platô. Você vai achar que o que é bom é sempre aquela coisa que você sempre viu, que aquilo é o que é certo. Parece que você não sai da sua casinha repertorial. Mas, na medida em que eu tenho mais visões, eu vou percebendo que o mundo não é tão pequeno assim e que as coisas vão muito além do que eu acho que seja bonitinho. Uma pessoa que nunca entrou em contato com as obras de Picasso, com obras surrealistas ou com outras coisas que romperam uma perspectiva linear, vai achar estranho na primeira vez que as verem. Imagina, essa coisa toda torta, o Picasso não sabia desenhar não? Tem muita gente que acha isso. Daí, quando descobre que no início do seu oficio ele sabia, sim, desenhar, a pessoa fica surpresa. Pois é, ele sabia, mas a questão é que para

O DESIGNER GRÁFICO CONVENCE POR MEIO DE UMA SEDUÇÃO VISUAL.

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romper as regras, você tem que conhecer as regras. De novo, é uma questão de repertório. E se você não tem acesso a essas coisas, você ficará sempre naquele seu cercadinho sobre o que é belo. E tudo bem, pois não tem nada de errado em relação a isso. Mas é sempre bom e interessante entrar em contato não só com outras formas de arte, mas com diversas linguagens, porque cada linguagem tem a sua poética. E uma poética não limita a outra. Existem as poéticas visuais, a poética da dança, a poética da música. Então, quanto mais contato você tem com as diversas linguagens, mais os seus horizontes vão se abrir e o seu repertório subjetivo vai se ampliar. Então, de fato, no fim das contas é subjetivo. B_ Você acha, portanto, que a visão que um designer tem sobre o que é belo é superior à de quem não é designer?

EU ACHO QUE O PRIMEIRO ALVO DO BELO SOMOS NÓS MESMOS, DEPOIS VEM O CLIENTE.

K_ Visão superior soa um pouco arrogante – apesar de o designer ser um pouco arrogante, às vezes. Acho que visão superior não é o melhor termo, mas eu acredito que temos um reservatório de capacidades mais lubrificado, digamos assim, para fazer coisas belas. Como nós estudamos determinados fundamentos, nós temos uma máquina mais lubrificada. Temos um repertório e uma percepção mais exercitada. Então, de repente, somos mais capacitados para fazer coisas belas. O que não impede, claro, que uma pessoa que não tenha esses conhecimentos também faça coisas belas. B_ Então tem a ver com as referências adquiridas. Onde você busca as suas? K_ Em tudo. Eu também sou atriz de teatro e, para mim, o teatro é muito importante. A linguagem teatral é algo fenomenal, sensacional e, penso eu, todo mundo devia ter um meio de contato com ela, porque ela trabalha com várias camadas de informação. O cenário diz uma coisa, a trilha sonora diz outra, a iluminação, o ator, o figurino... cada um desses fundamentos

diz algo diferente. São muitas camadas de interpretação. O teatro é a festa da semiótica. É um exercício de linguagem sensacional que quebra uma percepção linear de tudo na nossa vida. É uma arte que, se existir paradigmas, ela quebra todos. O ator precisa entrar em conflito consigo mesmo o tempo todo e, no exercício de teatro, somos confrontados com nós mesmos. Quando alguém te pergunta se você está bem, você automaticamente responde que sim, está tudo bem, mesmo que esteja no pior dia da sua vida. Isso é porque temos práticas mecânicas que nos foram ensinadas, ou mesmo, porque não queremos nos abrir ao outro. E o teatro quebra isso, essa mecanicidade. Aquela armadura que você construiu durante toda a sua vida é quebrada e você fica nu. O ator tem que ser frágil e nós temos medo de ser frágeis. Quando temos nossa armadura pronta, nós paramos de receber e ficamos reativos, nos defendendo o tempo todo. E se a gente não souber receber, seremos a mesma pessoa pelo resto da vida. Portanto, o teatro é uma arte que traz toda uma transmutação de repertório e nos ajuda muito a ter uma visão mais ampla sobre a vida. Todo tipo de arte e linguagem que você entra em contato muda sua percepção. Nós temos aquele pensamento binário: ou é bom ou é ruim. Mas as coisas não são tão simples assim. Todo contato que temos com outras linguagens e expressões artísticas colabora com a nossa percepção de existência. Ela fica mais rica e nós pensamos muito além do binário.

¹ O Teatro e seu Duplo, de Antonin Artaud

ir além do óbvio, mas também causa conflito. Como nós temos uma visão um pouco além do que o cliente procura, a gente sofre. Quanto mais consciência você tem de que as coisas podem ser extrapoladas, mais você sofre, porque muitas vezes você tem que trabalhar dentro de uma caixa, que é o que o cliente quer, e ele é quem paga seu salário. Não podemos discutir Hegel e a fenomenologia do espírito com o cliente. Ele não quer saber, ele quer vender e ganhar dinheiro. Existe então esse conflito entre uma alma que quer uma coisa essencialmente bonita, tendo por trás toda uma filosofia e uma fundamentação teórica, e a conta que está ali esperando para ser paga. O Raul Seixas tem uma música que diz que o grande conflito é entre a verdade do universo e a prestação que vai vencer. E é verdade.

SEMIÓTICA.

B_ Temos um paradoxo! K_ É um paradoxo perigoso! O que é melhor para quem está no poder: uma pessoa pensante ou uma ignorante? A ignorância dá dinheiro. Se fôssemos pessoas mais filosóficas, não no sentido enfadonho, mas no da filosofia aplicada à vida, acha que as pessoas iriam se estapear por um iPhone novo? É muito melhor tirar a filosofia das escolas, obviamente, para ter um monte de gente com visão limitada que pensa que a vida é isso: trabalhar das seis às oito, chegar super cansado, acordar às quatro da manhã e fazer a mesma coisa ad eternum. E quando chegar o final de semana ela vai se entupir de cerveja, que é para parecer que a vida vale a pena em algum momento. O acesso às linguagens e às artes vai muito além de algo pontual e nos diz mais sobre aproveitar a vida de uma maneira muito mais bonita. O Antonin Artaud – que ficou doido e foi para um hospício – escrevia sobre teatro e tem um livro chamado O Teatro e seu Duplo¹. Na maior parte do livro ele fala essencialmente de teatro, mas toda arte fala da vida também, então ele fala da vida. E, logo no prefácio, ele questiona porque as pessoas estão tão distantes da arte e porque elas acham a arte banal, fútil.

B_ Acho interessante que você tem uma visão muito filosófica de um trabalho que é muito prático. Isso ajuda a desenvolver seus projetos? K_ Ajuda, porque além de sair fora um pouco da resposta óbvia, posso pensar de uma maneira mais abstrata e trazer isso para um trabalho que tem que ser objetivo. O designer tem que ser objetivo. Mas eu meio que trago essa filosofia escondidinha, não conto para ninguém [risos]. É como a fundação de um prédio que não aparece, mas sustenta. Então, sem dúvida, ajuda para

Cartilha / Quadrinhos: A Importância da Reciclagem

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E é justamente porque a arte fala da vida. Só que pessoas estão tão desconectadas da vida, que elas acham que a arte realmente é banal. Porque elas acham que a própria vida é banal. É essa coisa de trabalhar, trabalhar e morrer um pouco no final de semana para ressuscitar no terceiro dia e voltar. Há uma desconexão tão grande que se pensa que a arte também é banal, porque a arte está conectada com a essência da vida. A arte acaba se tornando uma coisa inútil. Então a gente não vive a vida, a gente estupra a vida.

fazer. É nesse momento que vamos exercer a nossa criatividade. E esse momento é muito importante, porque é ele que vai ser seu alimento no jogo de verdade. Por mais que o seu cliente não seja tão criativo, você terá ferramentas para mostrar que há outros caminhos mais interessantes. Não podemos, portanto, nos desconectar do nosso trabalho, nem abandonar nossas paixões, senão vamos ficar endurecidos. O tempo vai passar e vamos lamentar por termos feito apenas aquilo que não gostamos, e aí está o perigo.

B_ A produção de um designer gráfico pode ser bastante abstrata antes de surgir um produto final. Ele pode, por exemplo, criar um logotipo sem necessariamente aplicar em qualquer suporte. Muitos não entendem e desvalorizam esse trabalho, inclusive financeiramente. Como lidar com algo tão subjetivo, que depende da percepção e da sensibilidade das pessoas – do cliente no caso?

B_ O que diferencia o trabalho do designer gráfico do trabalho artístico?

K_ É um pouco frustrante. Mas quando você está num trabalho em que você tem que fazer algo que o cliente pede e não há como escapar disso, você tem que se adequar às regras do jogo. Tem que jogar o jogo e ter uma postura profissional de entender que aquilo pode não ser tão legal, mas é o que você tem que fazer. A vida prática está gritando no seu ouvido o tempo todo. Por mais que você queira, você não pode deixar de lidar com o jogo da vida prática. É isso que foi instaurado na nossa realidade, tenho que consumir para viver. Temos que lidar com isso todo dia, desde o momento que acordamos. Temos que trabalhar, mesmo que cause uma frustração. Então, devemos realmente ter uma perspectiva prática do trabalho. Mas temos que aprender também a lidar com isso em momentos pontuais, porque se deixarmos as frustrações invadirem a nossa vida, vamos começar a pensar que não prestamos para nada, que a vida é uma pena, nós deixamos os sonhos de lado e vamos desistir. Temos que ter uma certa maturidade de perceber que tem a hora de jogar esse jogo, e tem a hora de sair desse jogo e fazer o que gostamos de

Cartaz: Cerimônia do Chá

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O TEATRO É A FESTA DA

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K_ O artista não tem uma obrigação com o mundo prático, apesar de ele ter que pagar suas contas. Mas, dentro do campo da arte existe uma liberdade de criação muito maior, até porque a arte não está conectada com prática e, sim, com o espírito. É uma criação espiritual. Quando alguém entra em um museu ou galeria, mesmo ela não tendo conhecimentos formais e acadêmicos sobre o assunto, ela sabe que se trata de arte. Outra coisa que diferencia, também, o design da arte é o tempo. O designer tem um objetivo pontual e, normalmente, muito pouco tempo para finalizar determinado trabalho. B_ Você acha que os próprios designers gráficos se confundem como sendo artistas? K_ Sem dúvida nenhuma. Todo designer quer ser um pouco artista. Ele acha que a criação dele é arte, mas não é. Pode ser, mas não é. Grandes obras do design gráfico entraram para a história da arte, mas não foram criadas para esse fim. Elas certamente tinham outro objetivo. Todo cartaz, mesmo que seja lindo, tem o objetivo de comunicar uma coisa específica. Mas a beleza dele serve para atrair o olhar para a mensagem que ele quer passar. A beleza é, portanto, um mecanismo, um artifício que o designer utiliza para passar a mensagem.

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EXISTE ESSE CONFLITO ENTRE UMA ALMA QUE QUER UMA COISA ESSENCIALMENTE BONITA E A CONTA QUE TÁ ALI ESPERANDO PARA SER PAGA. 111

A BELEZA É UM MECANISMO, UM ARTIFÍCIO QUE O DESIGNER UTILIZA PARA PASSAR A MENSAGEM. Guia da Copa 2014

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B_ E como você acha que o trabalho do designer gráfico contribui para deixar o mundo mais bonito? K_ Pelo modo de trabalhar tudo o que ele faz, seja um panfleto de supermercado. Ele pode deixar aquilo mais bonito e transformar em uma comunicação muito mais interessante, mas efetiva. O designer tem uma responsabilidade muito grande, vai muito além do belo. Ele pode potencializar uma informação, deixar ela mais atraente e, assim, ele contribui para o repertório de uma outra pessoa, veja só. Um livro de filosofia pesado, como o de Kant – que não é brincadeira para ler –, se tiver uma diagramação horrível ninguém aguenta. A pessoa pode até ler por obrigação, mas, mesmo que ela ame aquele conteúdo, uma hora o olho cansa. Já uma diagramação bem-feita de um livro, que permita o texto respirar, deixa o estudo e a leitura muito mais agradável e a pessoa irá absorver a informação de uma maneira muito mais efetiva. Ou seja, o designer é o agente potencializador para que a comunicação aconteça. Veja como é interessante. Vai além de apenas deixar algo bonito.

O DESIGNER É O AGENTE POTENCIALIZADOR PARA QUE A COMUNICAÇÃO ACONTEÇA. VAI ALÉM DE APENAS DEIXAR ALGO BONITO.

B_ Você acha o mundo de hoje mais bonito do jamais foi? K_ Não, não acho. O mundo está num momento de confusão muito grande, para começo de conversa. Por vários motivos: nós não sabemos o que estamos fazendo aqui; todas as cidades estão crescendo de uma maneira abrupta e nervosa e tudo vai se fechando, as pessoas também vão se fechando, se atacando. A agressividade só aumenta e a gente continua achando que vai resolver alguma coisa assim. Existe também uma confusão entre entretenimento e arte. As pessoas consomem entretenimento achando que está consumindo arte. Mas a verdade é que esse entretenimento quer apenas o seu dinheiro e, para isso, ele pode até se utilizar de alguns artifícios da arte. O entretenimento te faz um agente passivo. Mas a arte não tem que entreter ninguém, ela na verdade exige do espectador uma participação. Você tem que ser um agente ativo. Muita gente acha que filmes de arte são muito chatos, porque eles não te dão respostas. É você quem tem que achar essas respostas, baseado no que você vê. Aí que entra o repertório, também. O filme de arte exige do espectador uma participação. Quando você interpreta uma obra de arte, você diz mais sobre si mesmo do que sobre obra em si. Isso ocorre porque o que você lê na obra de arte é o que você é, é seu repertório, são suas referências. Enfim, é toda essa falta de consciência brutal que me faz ter a percepção de que o mundo talvez não esteja tão belo assim. Nós perdemos a consciência do que podemos fazer na vida, algo que seja muito além do que apenas suprir necessidades fisiológicas. Porém, podemos transformar as coisas a qualquer momento. Basta retomar essa consciência. A partir dessa retomada de consciência nós nos tornamos agentes transformadores da realidade e, assim, quem sabe, deixamos as coisas mais belas.

Impresso pela gráfica CopySet e encadernado pela Uraci Encadernações em papel Pólen 80g. Composto com Fedra Sans (Ruedi Baur Integral Design) e The Serif (Luc(as) de Groot).

Diagramação / Abertura de Matéria: Músicos Malditos

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designer gráfico

B_ Como você acha que o seu trabalho contribui pra deixar o mundo mais bonito?

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Diagramação / Abertura de Matéria: Fobia da Metrópole


3.11. Livro finalizado





3.11. Livro finalizado






4. Consideraçþes finais


4. Considerações finais Criar uma obra original completa, desde o princípio, como foi o caso do livro apresentado aqui, normalmente não é apenas trabalho de um designer. O processo passa pelas mãos do autor, editor, designer, ilustrador, gerentes de produção, impressor, encadernador, etc. Por isso, fazer o papel de alguns desses agentes, sendo designer, foi um desafio, e ele só pôde ser superado devido ao aprendizado conceitual e prático obtido no curso de pós-graduação em Design Gráfico da FAAP. A escolha de criar um livro como projeto gráfico, como já apontado no início deste caderno, se deu por conta de poder explorar todos os fundamentos do design gráfico. E, analisando todo o processo de concepção, percebe-se que só foi possível criar uma narrativa visual interessante (a partir da composição de texto e imagem) utilizando todos esses fundamentos: formatos e medidas são imprescindíveis para qualquer projeto; o grid pode até ser opcional, mas em projetos editoriais ele é fundamental; o cuidado com a tipografia é a alma de uma obra textual, ela traz personalidade e agrada aos olhos durante a leitura; as cores, especificamente neste projeto, foram essenciais para definir sua identidade original; trabalhar com fotografia foi uma das experiências adquiridas dentro do curso e muito útil dentro desta obra, trazendo, também, a experimentação do desenho – parte digital, parte à mão livre; a diagramação foi o que colocou ordem às coisas, dando sentido à narrativa; fazer a função de editor jamais seria possível sem os conceitos e a bibliografia do curso; e, imprimir com qualidade e dar um bom acabamento ao livro também não seria viável sem as dicas dos professores e dos colegas da turma. Essas foram, basicamente, todas as experiências adquiridas e aplicadas apenas neste projeto. Não é somente o que o autor escreve num livro que vai definir o assunto do livro. Sua forma física, assim como sua tipografia, também o definem. Cada escolha feita por um designer causa algum efeito sobre o leitor. [HENDEL, 2003, P. 11]

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Mas não são apenas as experimentações dos fundamentos que podem ser observadas aqui. Durante a criação da obra, houve contato com novos métodos de trabalho e pessoas – como, por exemplo, as entrevistas. Foram feitas visitas a feiras de livros, livrarias e pesquisa de editoras, trazendo uma ampliação de visão sobre o mercado editorial, inclusive abrindo horizontes para inserção profissional neste ramo. Foi possível, também, perceber que os livros físicos estão se adaptando ao mundo contemporâneo, que é predominantemente eletrônico, trazendo maior qualidade na sua construção e acabamento, além de poder observar a ascensão dos livros artesanais – basta ver a quantidade de feiras com este tema. Tudo isso indica que há espaço para novas experimentações em livros e que, sim, há uma tendência mercadológica para livros contemporâneos, que fogem da literatura tradicional. Outra das propostas deste projeto era criar um livro que, além de esteticamente belo, tivesse sua essencial função em voga: transmitir ideias. A obra final é visual e graficamente muito interessante, o que potencializa a narrativa. Mas o cerne dela continua sendo o texto e as ideias apresentadas. O fato de seu conteúdo ter sido composto por entrevistas com profissionais criativos trouxe uma heterogeneidade às ideias e conceitos apresentados, tornando-o um livro também interessante do ponto de vista literário. Por fim, as discussões apresentadas na obra estão em sintonia com o seu processo de criação. Afinal, durante esse processo, era comum se questionar: será que está ficando bonito? Quem vai achar ele belo? O que é a beleza, afinal?

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5. Referências Bibliográficas


5. Referências Bibliográficas Livros AMBROSE, Gavin / HARRIS, Paul. Impressão & Acabamento. Porto Alegre: Bookman, 2006. ARMSTRONG, Helen [Org.]. Teoria do Design Gráfico. São Paulo: Cosac Naify, 2015. BOURDIEU, Pierre. A Distinção – Crítica Social do Julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2011. BRINGHURST, Robert. Elementos do Estilo Tipográfico. São Paulo: Cosac Naify, 2005. CARDOSO, Rafael. Design para um mundo complexo. São Paulo: Cosac Naify, 2011. EISNER, Will. Narrativas Gráficas – Princípios e Práticas da lenda dos Quadrinhos. São Paulo: Cosac Naify, 2011. ELAM, Kimberly. Geometria do Design. São Paulo: Cosac Naify, 2010. FLUSSER, Vilém. O mundo codificado. São Paulo: Cosac Naify, 2007. GOMPERTZ, Will. Isso é Arte? Rio de Janeiro: Zahar, 2013. HALL, Sean. Isto significa isso. Isso significa aquilo. São Paulo: Rosari, 2008. HASLAM, Andrew. O livro e o designer II. São Paulo: Rosari, 2007. HENDEL, Richard. O Design do Livro. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. HELLER, Steven. Design em diálogo. São Paulo: Cosac Naify, 2010. KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo. São Paulo: Forense Universitária, 2005. KROEGER, Michael. Conversas com Paul Rand. São Paulo: Cosac Naify, 2010. LUPTON, Ellen. Pensar com tipos: guia para designers, escritores, editores e estudantes. São Paulo: Cosac Naify, 2006. . Novos fundamentos do design. São Paulo: Cosac Naify, 2008. . A Produção de um Livro Independente. São Paulo: Rosari, 2011. MELO, Chico Homem de; RAMOS, Elaine. Linha do tempo do design gráfico no Brasil. São Paulo: Cosac Naify, 2006. RIVERS, Charlotte. Como fazer seus próprios livros – Novas ideias e técnicas tradicionais para a criação artesanal de livros. Barcelona: Gustavo Gili, 2016. SAMARA, Timothy. GRID – Construção e desconstrução. São Paulo: Cosac Naify, 2007. STOLARSKI, André. Alexandre Wollner e a formação do design moderno no Brasil. São Paulo: Cosac Naify, 2008.

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Internet Anhembi Morumbi [anhembi.br] – A Estética em Hegel, por Ana Cecília Tripicchio e Tereza Verardo [2013?], acessado em 08/10/2016 Aula de Arte [auladearte.com.br] – Conceito estético do “Belo”, por João Werner [2015], acessado em 08/10/2016 Behance [behance.net] – Referências de design, acessado em 03/11/2016 Caderno de Ideias [caderno-de-ideias.blogspot.com.br] – Baumgarten: O Belo, por Gracineia Cruz [2013], acessado em 08/10/2016 Concept Philosophy: Art, Design and Communication [edubraga.pro.br] – O Belo em Kant e a comunicabilidade do sentimento estético, por Eduardo Cardoso Braga, acessado em 08/10/2016 InfoEscola [infoescola.com] – Estética, por Ana Lucia Santana, acessado em 08/10/2016 Laura Callaghan [lauracallaghanillustration.com] – Portfolio de Laura Callaghan, acessado em 04/11/2016 LucasFonts [lucasfonts.com] – Luc(as) de Groot sobre a fonte The Serif, acessado em 03/11/2016 Pantone [pantone.com] – PANTONE Fashion Color Report Spring 2017, acessado em 28/10/2016 Papel Pólen [papelpolen.com.br] – Sobre o Papel Pólen da Suzano - Papel e Celulose, acessado em 03/01/2017 Portal Educação [portaleducacao.com.br] – A filosofia e o discurso da beleza, por Allan Rooger Moreira Silva, acessado em 09/10/2016 Printi [printi.com.br] – Sobre detalhes técnicos de impressão, acessado em 03/01/2017 Revista Cult [revistacult.uol.com.br] – Uma introdução a Pierre Bourdieu, por Maria da Graça Jacintho Setton [2010], acessado em 09/10/2016 Revista Espaço Acadêmico [espacoacademico.com.br] – A Estética e a Questão do Belo nas Inquietações Humanas, por Lúcia de Fátima do Vale [2005], acessado em 08/10/2016 Revista Revestir [revestir.com.br] – O uso da cor pede cuidados: entrevista com Lilian Ried Miller Barros, acessado em 04/11/2016 Stuart Geddes [stuart.geddes.work] – Portfolio de Stuart Geddes, acessado em 08/12/2016 The Design Files [thedesignfiles.net] – Entrevista: Stuart Geddes of Chase & Galley por Lucy Feagins [2012], acessado em 08/12/2016 Typotheque [typotheque.com] – About Fedra Sans: Design Concept, acessado em 03/11/2016 UBU Editora [ubueditora.com.br] – Os sertões - edição crítica, acessado em 25/11/2016 Wikipedia [pt.wikipedia.org] – Alexander Gottlieb Baumgarten, acessado em 08/10/2016

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6. Sobre o autor Bruno Ortega é publicitário, formado pela Universidade Paulista. Começou a ter contato profissional com o design em 2006, criando pequenos anúncios publicitários em uma empresa do ramo jurídico e contábil. Desde 2012 trabalha como designer autônomo, criando tanto artes gráficas como eletrônicas. Tem preferência, porém, pela área editorial, especialmente pelos livros. Contatos: brunortega@gmail.com contato@brunortega.com.br www.brunortega.com.br

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Composto com Fedra Sans (Ruedi Baur Integral Design) e The Serif (Luc(as) de Groot).


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